21/09/2011

SETE PECADOS CAPITAIS: A IRA

É ira um pecado? Ou se trata de um distúrbio psicológico com graus de manifestação para cada um.
Porque a ira explode naqueles momentos de contrariedade do ofendido ao se defrontar com a desforra, com a humilhação, acuado, desrespeitado nos seus valores.
A ira não é um “pecado” apenas dos mortais. Do texto bíblico, sintetizado num portal católico se extrai o seguinte da ira manifesta das divindades:
“Moisés, ao deparar com o bezerro de ouro, deixa-se arrebatar pelo furor da ira santa, e quebra as tábuas da Lei (Ex XXXII, 19). Deus, muitas vezes, ira-se contra os pecadores (Sl CV, 40). Nosso Senhor lança mão do chicote, e tange para fora, irado, os vendilhões do Templo (Mt XXI, 12). Zanga com os Fariseus, que andavam espiando, para ver se haveria de curar, em dia de Sábado, o enfermo com a mão ressequida (Mc III, 5). São cóleras santas que têm justificativa no fim almejado: debelar ou fustigar o mal, e emendar os pecadores.” (1)
Mais sobre a “ira de Deus”:
“Só metaforicamente a Bíblia se refere (à ira de Deus): é um antropomorfismo, i.é. falar de Deus como se falaria de um homem. Com tal metáfora, quer a Bíblia ensinar que Deus é justo e tem suma aversão ao pecado e real tendência para puni-lo (Dt 32,16; 3 Rs 16,17).” (2)
Se são cóleras santas, não deixam de ser cóleras. Os textos transcritos revelam que há um ponto, mesmo entre os humildes e santos, que a explosão se dá e a reação se manifesta em maior ou menor escala proporcional à afronta recebida.
A ira, a raiva podem se exceder, especialmente nestes tempos em que um novo vocábulo foi inserido no nosso cotidiano, o estresse, que nos deprime e nos atormenta.
Há, de outra parte, uma dose de desequilíbrio que nasce com seres humanos tão diferenciados entre nós, como entre nós estão os sábios, caridosos e ilustrados.
A presença daqueles só revela que este mundo – e já escrevi sobre isso, alhures – é uma escola única na qual são “aceitos” tanto os primários como os alunos superiores.
Entre os primários, até de modo incompreensível – e não há se falar na infelicidade do nascimento em condições precárias porque não é só nesse segmento que os maus instintos eclodem – os semelhantes só são semelhantes até o momento em que uma qualquer motivação, até de natureza econômica, devam ser agredidos ou mesmo exterminados.
No capítulo da ira está o rancor e o desejo de vingança. Nestes casos, sou obrigado a reconhecer que tais estágios envenenam a mente dos que carregam tais sentimentos.
A ira vai e volta.
Nestes tempos, creio que mais do que qualquer outro, até pelo crescimento vertiginoso da população e das cidades, aumentando a pobreza, a fome, o vício e a violência, está difícil de viver.

Por outra, o bullying sempre existiu, mas ele se intensifica nestes tempos duros, pela ira, pela inveja do estudante mais forte, dando-se a agressão constante a um colega de escola mais fraco ou retraído. E o que se pode chamar de bullying se dá, também, pelo assédio moral que se avoluma dentro das empresas. (3).
São gestos gratuitos de intolerância que se bem pensados não têm explicação lógica, salvo para compensar frustrações reprimidas, desvios emocionais. O agressor se afirma perante seus iguais pela truculência moral.
Tenho para mim que a ira, como se verdadeira doença, se manifesta no trânsito caótico das grandes cidades. Qualquer desatenção, um para-choque amassado é o suficiente para os motoristas se engalfinharem e se matarem.
A ira, pois, está numa região cinzenta entre o pecado e a insanidade momentânea ou...permanente; faz parte da índole do agressor e também do agredido.
Não escrevo este texto para insinuar autoajuda até porque não tenho nenhum preparo para tanto, mas eu mesmo, em muitas oportunidades, guardando forte ira, ódio, tentei, com algum resultado positivo, mudar a atitude mental, ocorrendo casos em que o meu desafeto se aproximou amistoso se desculpando
Reconheço, porém, quão difícil em muitos momentos controlá-la. Dotado de “pavio curto” não só por isso, quantas vezes já me vi afirmando irado:
- Esse “cara” vai ter o troco. “Malandro não estrila, espera a vez.”
E quando “esperei a vez”, quanto perdi!

Imagem (1) / Foto (2):

(1) http://jesusnaessencia.blogspot.com
(2) Foto: Milton Pimentel Martins

Legendas:

(1) “O Sete Pecados Capitais – Psicologia Cristã” de Waldemar Magaldi Filho
(2) “Dicionário da Bíblia” – Bíblia Sagrada (Encyclopaedia Britannica Publishers, Inc. 1980)
(3) V. meu artigo / crônica “Bullying” em http://martinsmilton2.blogspot.com/2010/05/bullying.html


Pecados e Pecadilhos

Com a publicação do “pecado” da ira, hoje, concluo a série dos “sete pecados capitais.
Os outros foram publicados nas datas abaixo neste “Temas”:
17.07.2011 - Soberba
03.05.2011 - Inveja
20.02.2011 – Luxúria
16.01.2011 – Preguiça
03.01.2011 – Avareza
26.12.2010 – Gula (nesta crônica foram dadas explicações e informações da origem dos "sete pecados capitais".)

14/09/2011

VIDA DE CACHORRO, alegrias e tristezas

Por que os gatos e principalmente os cachorros nos encantam sobre os outros animais? É porque, por alguma razão não explicada eles se aproximam de nós, nós os amamos e somos amados. Por eles, incondicionalmente. Os cães se tornam policiais, guias de cegos, companheiros...
E os cavalos, a sua beleza e sua elegância? Uma vaca mansinha, amorosa? É uma questão de oportunidade. Esses e outros animais não podem estar conosco numa sala ou num quintalzinho.
E o que mais dói: embora amemos as vacas, vendamos os nossos olhos de modo a não saber ou pensar o que passam quando carregadas de modo brutal num caminhão com outros da espécie e levados para o matadouro.(1)
Por conta de sustentar gatos e cães as fábricas de rações – algumas malcheirosas - prosperam. Esses animais, num visível exagero são tratados como filhos, vestidos e as cachorrinhas, particularmente, até mesmo com vestidinhos e fitinhas cor de rosa. Os animais menores, de regra pouco caminham com seus donos (as), porque carregados nos braços como bibelôs ou bichinhos de pelúcia naquela relação dengosa e, por que não, amorosa de proteção e carinho mútuos.

Sempre me chama a atenção o cão vira-lata que, fielmente, segue seu dono ou protetor, seja ele um indigente, alcoólatra, catador de papel, magro tal qual o seu senhor, dividindo as migalhas mas, jamais, faltando com a lealdade. Ele é leal, mesmo sob pancadas. Nessas desfeitas, seu olhar é tristonho, ressente-se da reciprocidade não recebida nessa relação. Mas, continua caminhando junto ao seu dono.

Há em Piracicaba a denominada “rua do Porto” que, em razoável extensão, margeia o rio. Via aprazível que concentra inúmeros restaurantes instalados em casinhas antigas, mas com a tradição de servir peixes como especialidade, a céu aberto, sob árvores e coberturas, beirando a margem do Piracicaba.

Todo domingo, nas minhas andanças por ali me deparo com um vira-lata, velho (uns 17 anos), cinzento escuro, que se ajeita numa escadinha numa dessas casinhas. Passei a afagá-lo com um agrado que talvez ele nunca recebesse, até o dia em que, de mau humor rosnou para mim. Parei. De vez em quando eu passo por ele e até acho que ele espera um agrado, mas não mais fiz.

Paralelamente à rua do Porto, uma avenida com algum movimento a separa do parque batizado com o mesmo nome (parque da rua do Porto), muito agradável, com pista para caminhada com dois quilômetros, sob árvores frondosas.

Domingo desses, assisti nessa rua, sem nada poder fazer, uma cena impressionante de amor a uma cachorrinha mimada. Num dado momento, percebendo a dona que o animal solto na rua do Porto continuaria sob seu controle, resolveu livrá-la da corrente. Mas, o animalzinho rebelou-se e passou a não obedecer aos chamados da dona para que ficasse próximo.

À medida que elevava ela a voz, a cadelinha a olhava perplexa, mantendo distância segura para não ser apanhada, como se não reconhecesse mais sua dona.

Num dado momento saiu por uma ruela e correu para a avenida movimentada. A mulher pôs-se a gritar desesperada, com todos os pulmões, correndo, prevendo o atropelamento iminente da cachorrinha:
- Não! Não, volte aqui, volte aqui...

A tragédia não ocorreu. A mulher, já na avenida ergueu os braços gritando desesperada. A cadelinha, por sua vez, de repente, já do outro lado, estancou, cheirando sabe lá o quê num canto dos alambrados do parque e foi recapturada. Com visível alívio e emoção a dona a prendeu na corrente e saiu rapidamente como que querendo esquecer o que passara.

Eu mesmo já tive essa experiência com minhas cadelinhas vira-latas. Uma delas, já velha, um dia escapou e, no seu anseio de liberdade, foi encontrada por mim a alguns quilômetros, nas margens do Rio Piracicaba perfeitamente entrosada com o ambiente.

A cadela preta, também já velha, quando escapava sai às carreiras pelo bairro, correndo o risco do atropelamento. De repente, ela para cansada e faz questão de voltar à sua “prisão”. (2)

Há algum tempo, a propósito, a imprensa local noticiou que um cãozinho de 30 centímetros de altura enfrentou um cão pitbull que mordia com ferocidade sua dona, que mal se defendia, protegendo seu filho pequeno da fera. O bichinho, em desvantagem, conseguiu que o pitbull soltasse a perna da mulher e, ao ser atacado pelo animal enlouquecido, foi “estraçalhado” por ele. Deu no jornal. Um heroizinho sem medalhas. Mas, o menino perguntava por ele:
- Quando ele vai voltar?

Vida de cachorro e de seus fãs é assim. Alegrias e tristezas. Gatos e cachorros também morrem.

Legenda:

(1) V. crônica "Renuncia à carne (animais brutalizados)" de 08.03.2009 e também "Fábula: a vaca e o leão" de 04.07.2010 (a mais acessada deste "Temas");
(2) Sobre essa cadelinha preta, v. minhas crônicas também neste "Temas":
“A (in) sustentável leveza do ser...animal” de 26.06.2011
“Mensagens & imagens” de 23.01.2011
“Dias amargos” de 28.11.2010


Fotos:


A cachorrinha da foto é da mesma raça da fugitiva na rua do Porto - Piracicaba


Imagem da rua do Porto, numa segunda-feira. No domingo, o movimento é intenso com os restaurantes e com frequentes barracas de artezanato.

04/09/2011

TRADIÇÕES, MEMÓRIAS, FRAGMENTOS (II)

Como já expliquei antes, farei desse título uma série referindo-me a momentos diferentes de memória e fragmentos dela. Assim, para diferenciar esses “momentos diferentes”, o segundo texto será sempre grafado em itálico para estabelecer o contraponto. Tradições e outros Acho que os sonhos, se não fossem importantes nós não sonhávamos. Eles anulam tempo e espaço, fazem-nos viajar, reviver e conviver, “pessoalmente”, com episódios já vividos e reprisados e nos encontrar com entes que da mesma forma fizeram parte de nossa vida, ou deram um sentido especial. Bom ou ruim. É nesse lapso que até mesmo a censura pode ser anulada. De onde provêm essas sensações virtuais, essa liberdade...essa libertinagem? Uma espécie de arquivos na mente (superior?) como um google que eclode sem ser acessado. Talvez até já tenha me referido ao sonhar acordado. Na Barão de Itapetininga, que é uma rua (agora já não sei) que gosto de São Paulo, parei numa loja de discos, porque garoava, um resquício daquela garoa que dera um qualificativo no passado à grande cidade e, à espreita, vi aquelas imagens de pessoas que irradiavam menos ou mais calor, não reclamando do vento forte e molhado e, quem sabe, tendo tudo aquilo como bênçãos. A alma lavada. Um sentido de serenidade numa cidade sacrificada pela sua grandeza e para mim, também um sentido emocionado de anonimato naqueles instantes. “Acordo” e volto ao chão da Barão molhado. Reflito das quantas vezes frequentara o Mappin, antiguíssimo ali na esquina com a Xavier de Toledo, uma tradição que veio abaixo pela falência, uma perda, porque fora um referencial por décadas. Mais que o Teatro Municipal do outro lado. Afinal tudo prescreve. A vida prescreve. E quando ela prescreve, no seu tempo pré-fixado nem sei bem como e por quais motivações, na mais das vezes, desaparecem as próprias experiências da vida que não chegaram a ser contadas. Já devo ter falado disso, também, em alguma crônica passada. Vindo da PUC de São Paulo, lá das Perdizes, no meu velho fusca-64 vermelhinho que nunca me deixara na mão – e quando deixava, bastava uma lixada na abertura do platinado para ele voltar a funcionar -, me vejo parando, uma vez por semana, pelo menos, na Leiteria Americana, também na Xavier de Toledo. Ali, relaxava um pouco às dificuldades das provas (direito penal, meu carrasco), matava a fome com mini-pizzas e chocolate quente nos dias frios. Lá pelas tantas chegava a São Caetano do Sul com tantas aventuras e sonhos para contar. Mesmo que o interesse seja muito restrito ou seja apenas do meu interesse que digam respeito somente a mim.










Memórias, fragmentos Corriam aqueles tempos em que ter um Fusca 1300 era ser rei na paquera. Em São Caetano, o cine Vitoria sob um prédio com alguns andares, tinha logo ao lado das bilheterias, um bar de bom padrão. Quantas vezes ali me servi de pizzas do tamanho de um prato ou arrisquei um licorzinho ameno nas madrugadas. 

 Numa das salas do prédio, instalara-se o Centro Acadêmico que, como se deduz, concentrava esses estudantes que já haviam ingressado no curso superior. Muitos desses acadêmicos se reuniam ali ao lado do “bar vitória” ou na esquina. Nos contatos que tive com alguns deles constatei que exalavam cultura, bem informados, revelando todo o meu despreparo. 

Um deles, acadêmico de direito do Largo de São Francisco, aprendera inglês em contato com o “éter” – enquanto eu fugia desesperado das aulas da língua ministradas por professora rigorosa. Foi naqueles dias que pela primeira vez devo ter ouvido a obra “Crime e castigo” de Dostoiévski e muito mais: “Sartre disse...”, “Foi Bertrand Russell quem disse...”; “O livro”O Lobo da estepe” de Herman Hesse...” (1); “Herbert Marcuse no livro “Eros e a Civilização defende que...” 

Para mim uma humilhação. Imaginem que poucos anos antes eu me ocupava em ler livros de Edgar Rice Burroughs sobre o personagem Tarzan! Lembro que já havia lido “Dom Casmurro” de Machado de Assis. Alguns dos livros mais citados pelos acadêmicos da esquina do Cine Vitória procurei ler mas, por exemplo, “Lobo da Estepe” preciso reler porque não me lembro de absolutamente nada do seu “enredo”. (2) 

Bem, passados tantos anos, me pergunto por onde andam esses intelectuais tão jovens. Sei que um deles já “mudou de lado”, outro se deu bem na vida profissional...mas, e os demais que me marcaram tanto? Perderam-se no tempo, nalgum lugar. 

Porém, se havia assunto que me preocupava desde então, era a preservação das florestas. Essa pequena crônica abaixo se situa naqueles idos e a ideia, mais tarde, inspiraria um poema com o mesmo tema, já publicado neste Temas: 
“Paisagem 
Vez por outra busco uma estrada com vegetação cerrada que toma ambos os lados. Próximo a uma baixada onde a vista se perde, lá embaixo é qualquer coisa de magnífico, notar os raios solares beijando as frondosas árvores, seculares árvores, talvez. 

Bem à minha frente, eis uma delas, várias delas nas redondezas. São rainhas, sem trono nem coroa. 

Seu reino é a própria dignidade que externam, é a sombra também secular que propiciam. Aqui me sinto bem! Esqueço os problemas mesquinhos, perco o egoísmo e o espírito anda por lá, por aqui. 

Outro dia voltei ao local tão sereno. As árvores seculares foram destronadas: o progresso ultrajou-as. “Aqui a natureza dará lugar ao progresso”, dizia uma placa.” 

Isso escrevi na década de 60. Nem pensar no hoje, “natureza dando lugar ao progresso”...e à cobiça desenfreada!

  Legendas: (1) De Hermann Hesse (“Siddharta”), v. “A Sabedoria dos rios” crônica de 22.11.2009 (2) Resenha de livros: “Dos livros que não consegui ler ainda...e os já lidos” de 17.10.2010 “Madame Bovary e Anna Karenina – duas personagens” de 28.03.2010 

  Fotos: 1. Rua Xavier de Toledo à noite, foto de Fernando Martins (Google) 2. Entrada do Cine Vitória (SCSul), hoje desativado. À direita é possível divisar a entrada do também extinto “bar vitória”. Foto obtida em www.panoramio.com (Google)