19/11/2013

CONSCIÊNCIAS [Branca e Negra]



O “dia da consciência negra” (20 de novembro) e a “consciência branca”. Entre Zumbi dos Palmares e Joaquim Nabuco e José do Patrocínio. A abolição da 
escravatura em 13.05.1888.



De um prospecto sobre o 20 de novembro:

“O Dia da Consciência Negra é dedicado à reflexão sobre a situação do negro na sociedade brasileira e celebrado em 20 de novembro. Esta data foi escolhida por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695. Durante cem anos (1595-1695) o Quilombo dos Palmares (situado entre os estados de Alagoas e Pernambuco) constituiu um foco de resistência aos ataques da Coroa. Em função da sua importância, tem sido um marco nas relações sociais e culturais que contribui no fortalecimento de ações para ampliação da cidadania”. (1)

Não será preciso dizer mais.

Essa “consciência”, dizem muitos, tem até mesmo o condão de ofuscar a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel em 13 de maio de 1888, mal lembrada e comemorada, quase dois séculos depois da morte de Zumbi.

[Neste artigo (ou crônica) de 22.11.2009 mantido nos seus fundamentos, a seguir resgato um pouco da “consciência branca” que resultou na libertação dos escravos naquela data.]

CONSCIÊNCIAS [Branca e Negra]

Há alguns anos, uma edição de bolso, a obra “Minha Formação” de Joaquim Nabuco veio às minhas mãos duma dessas gôndolas giratórias de livraria. (2).

Como relatei antes, pouco sabia de Joaquim Nabuco que nascera no Recife em 1849, era rico, monarquista e abolicionista ferrenho falecendo em 1910 em Washington, como embaixador do Brasil.(3)




Livro com texto rebuscado, porque Nabuco fora sobretudo um intelectual, ao chegar à última página lamentei, sabendo que um dia desses teria que reler a obra.





Trata-se de um documento valioso porque fora escrito por alguém contemporâneo aos fatos e que, em muitas ocasiões, fortemente, tivera influência sobre eles.

Atenho-me à sua luta abolicionista.

Morando com a madrinha, ainda menino tivera Nabuco uma primeira experiência com o temor de um escravo que fugira duma senzala e agarrara seus pés, implorando que fosse comprado por sua madrinha porque o seu senhor, muito severo, castigava seus escravos com crueldade.

A partir dessa experiência, revelando que absorvera a escravidão “no leite materno que me amamentou” [de uma negra], “uma carícia muda” que o envolveu diria: “Assim eu combati a escravidão com todas as minhas forças, repeli-a com toda a minha consciência, como a deformação utilitária da criatura...”

Com a morte de sua madrinha, dona do engenho Massangana, relata ele quando de sua volta 12 anos depois, referindo-se aos escravos que o serviram:

“Não só esses escravos não se tinham queixado de sua senhora, como a tinham até o fim a abençoado. Eles morreram acreditando-se os devedores (...) seu carinho não teria deixado germinar a mais leve suspeita de que o senhor pudesse ter uma obrigação com eles, que lhes pertenciam.” (*) (...) Oh! Os santos pretos! Seriam eles os intercessores pela nossa infeliz terra, que regaram com o seu sangue, mas abençoaram com seu amor!”

[(*)Essa frase tem suscitado dúvidas de significado. Tento esclarecer: o 'senhor', proprietário dos escravos é quem tinha obrigações com eles e. portanto, o 'senhor' pertencia a eles, escravos, e não o contrário.] 

Claro que esse sentimento de gratidão de Nabuco provinha do que recebera de seus escravos que, no fundo, fora viva retribuição do modo como foram tratados no engenho de sua madrinha Ana Rosa.

Fora o Brasil o último país a promover a abolição dos escravos, fato que “humilhava a nossa altivez e emulação de país novo”, embora ocorressem muitas libertações gratuitas. Há referências de que na Província (Estado) de São Paulo, até 1885, cerca de 11 mil escravos haviam sido libertados, embora Nabuco revelasse que em 1879, quando iniciada a campanha abolicionista estavam ainda sob jugo quase dois milhões de negros.

O tráfico deixara de ser praticado em 1850. Em 1871, a Lei do Ventre Livre determinara que os filhos dos escravos, até que completassem oito anos ficariam com a mãe. Depois dessa idade, até os 21 anos, prestariam serviços aos seus senhores, o que significava “um regime igual ao cativeiro.”

Em 1888, Nabuco, como deputado, depois de constatar que o clero saíra da neutralidade em relação à abolição, resolvera ir a Roma e obter uma audiência com o papa Leão XIII – subscritor da encíclica “Rerum Novarum” de 1891 que entre outros temas apontou as condições subumanas de trabalho e as extensas jornadas exigidas dos operários – na qual solicitaria uma declaração do pontífice contra a escravidão no Brasil. Fora muito bem recebido e sensibilizara o papa. Mas a abolição viria logo, poucos dias depois com a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel em 13.05.1888.

Nabuco explana que ao assinar tal lei, sabia a princesa que dos negros só poderia contar com seu sangue e “ela não o queria nunca...” e que a classe proprietária “ameaçava passar-se toda para a República...”

Ela seria proclamada 18 meses depois. À família imperial fora imposto o exílio imediato.

A abolição dos escravos não se constitui causa próxima do advento da República [mas é uma causa, o Império já capengava], até pelo modo como fora proclamada, atabalhoadamente, sem convicção por Deodoro.

Mas, não deixaria a princesa Isabel de comentar:

“Talvez seja devido a essa lei que estejamos indo para o estrangeiro, mas se as coisas fossem repostas, não hesitaria em assiná-la”, apontando para a mesa na qual havia mandado gravar no mármore a data 13 de maio de 1888.” (4).

Com Nabuco muitos outros abolicionistas têm sua luta gravada, inclusive os que a ele se uniram, uma luta de consciência branca, negra, incansável. Consciências, redenções, mesmo que a cor da pele, então, fizesse diferença, a nossa vergonha que até hoje de um modo ou outro ainda reacende.

∞ 

Livro de Laurentino Gomes (5)

“1889”

Como diz o título, no livro o escritor explana sobre o antes, o durante e o depois da proclamação da República e detalha num capítulo a abolição da escravatura.
Desse capítulo além da luta de Joaquim Nabuco, entre outros, dois mulatos se destacam:

LUIZ GAMA, filho de negra liberta com português, mulato, vendido pelo pai quando em dificuldades financeiras, formou-se advogado tornando-se ferrenho defensor dos negros escravos. Por uma tese que defendia, a de que a agressão dos escravos aos seus senhores constituía-se legítima defesa pelos maus tratos que recebiam, foi ameaçado de morte obrigando-se a andar armado.


JOSÉ DO PATROCÍNIO, filho de um vigário com negra escrava, mulato, formou-se em farmácia, mas não exerceu a profissão, tornando-se professor e jornalista. Abolicionista, republicano – co-proclamador da República diante das vacilações de Deodoro da Fonseca -, chamou a princesa Isabel, de “a redentora”. Não fora, pois, um abolicionista branco que a homenageara com esse qualificativo.


Onde ficam esses heróis e suas consciências?


Referências

1. Prospecto da Prefeitura Municipal de Piracicaba (SP) – Secretaria de Ação Cultural (2009);

2. Joaquim Nabuco, “Minha Formação” – edição Martin Claret (a falha nessa edição constitui-se na falta de notas explicativas a determinados episódios muito pessoais do autor que exigiriam esclarecimentos de rodapé);

3. Sobre minhas “relações literárias” com o abolicionista, ver minha crônica recente, de 11.11.2013, “Memórias, fragmentos e coisas afins”;

4. Revista “Veja” – Edição especial – “República”, de 15.11.1989;

5. Laurentino Gomes, “1889” – Globo Livros / 2013.


MORGAN FREEMAN

A posição direta contra o dia da “consciência negra” é do ator americano, Morgan Freeman (“freeman” = homem livre):









11/11/2013

MEMÓRIAS, FRAGMENTOS E COISAS AFINS

 
Banho de Lua

Tenho algo a ver com a Lua mas não me considero (muito, epa!) lunático.
Sempre me agrada lá pelas tantas da noite dar uma olhada para a Lua como se fosse algum corpo que acaricia ternamente com a sua luz prateada.

Ora, direis, estais a fazer poesia!

Mas, não, madrugada dessas, lá pelas três e tanto acordei com um facho de luar me iluminando, avançando por uma fresta da janela entreaberta.

Gostei, olhei para a Lua, as nuvens a cobriram em segundos.
Poucos minutos depois o facho estava de volta sobre o meu rosto. Que momento inspirador!

Permaneci acordado até que os movimentos do pequeno planeta apagassem a tépida luz prateada, coberta novamente pelas nuvens.



Nessas madrugadas, particularmente essa iluminada volto-me para aquele passado longínquo e com pouco a me arrepender. Quando me voltam episódios ao quais me arrependo faço uma reflexão e tento superar por aqueles outros que me instigam por todos esses anos.

De repete, volto-me para um bairro da cidade de Santo André, Utinga (“Águas claras” em tupi), vizinho de São Caetano do Sul – cidade onde vivi momentos expressivos na minha juventude.

Mas, por que Utinga?

É que como péssimo aluno, fui jubilado do principal Colégio do Estado da Região, o Bonifácio da Carvalho.

Apesar disso, sequer cogitei de parar de estudar. Jamais.

O Colégio de Utinga ("Amaral Wagner") era de bom padrão. Todo dia lá ia eu apressado para a estação de trem de São Caetano para curta viagem até Utinga, estação seguinte, ou ônibus lotado, ou mesmo a pé.



Foram muito bons meus dois anos lá.

Não demorou muito, fiz amizade com um professor de português, muito querido, o “Caveirinha”, de tão magro que era, rosto chupado, bochechas encostando nos maxilares, pele mulata, cabelos lisos, fã incondicional de Joaquim Nabuco, pernambucano como ele. (*)

Fez um concurso literário sobre o grande abolicionista. Concorri e obtive o 2° lugar. Ganhei uns trocados de prêmio e aumentamos a nossa amizade.

Se bem me lembro, tinha ele envolvimento com algumas lideranças do bairro, muito extenso. 

Havia um movimento “surdo” para promover a autonomia do bairro, fazendo-o um município independente de Santo André. Idealista como era, para defender esses ideais, fundou um jornal de quatro páginas, “O Independente”, no qual me envolvi até o pescoço.

Alguns dias da semana, saía a cata de anúncios, sempre obtendo algum resultado. Havia um comerciante de ferragens, que toda vez me recebia bem e sempre autorizava anúncios para o jornal.

É sempre uma luta, quando se trata de jornal pequeno e sem capital. Acho até que o professor para fazer circular alguns exemplares semanais cobria o déficit do próprio bolso.

O movimento autonomista de Utinga não vingou. Que eu saiba nunca mais essa tentativa voltou.

Talvez poucos se lembrem por lá disso desse projeto frustrado mas sob o luar intenso tudo isso revivi com prazer e saudades.



Depois de formado, voltei ao Colégio Bonifácio de Carvalho, de São Caetano do Sul, matriculei-me no Clássico mas isso já é outra história não menos saudosa. Fica para outra vez.

Pequenos êxitos

Essa ligação, sempre, mesmo com a pequena e mesmo média imprensa, na verdade, já devo ter dito isso antes, não fiz jornalismo, optando pelo Direito que, na verdade, era o curso motivador por excelência para todos aqueles que cursavam humanas no colegial naqueles idos.

Nessa angústia de publicar e publicar, certo dia, em 1974 remeti um artigo ‘jurídico’ para o jornal “O Estado de São Paulo”.

O artigo foi publicado com destaque, uma alegria só, porque a página era coordenada por um ex-ministro do TST, já falecido.

Pouco tempo depois, em fevereiro de 1975, um segundo foi publicado no grande jornal.

Aí, transbordante, eu achei que era “dono do pedaço”. Artigos sem qualidade, ficaram sobrando, mas estaria mentindo se não reconhecesse, certo “estado de graça”, então, pelos trabalhos publicados no grande jornal.

Naqueles tempos, sabem.

Depois disso, de eventos diversos eu participei, palestras, congressos. Tudo ficou no tempo! 
Que interesse há? Estão mal arquivados em pastas que envelhecem e amarelam.

Tempo inexorável, meus amigos. Não há como escapar.



Quando da 3ª edição do meu “Sindicalismo e Relações Trabalhistas”, saudoso amigo meu escreveu no mesmo jornal sobre mim e sobre o livro, com palavras gentis. A edição estava muito ruim por descuido imperdoável da editora que não procedeu à sua tarefa de revisão, talvez porque eu fosse considerado peão, perto daqueles ministros todos que ela patrocinava.

(Eu recebi carta de profissionais de relações trabalhista da Bahia, questionando essa má revisão).

Mas, sobre mim, disse esse amigo (diretor de RH de multinacional) com gentileza: “...pessoa simples e modesta, até com traços de aparente timidez, não é de hoje que vem dando importantes contribuições ao desenvolvimento de modernas relações trabalhistas e o melhor entendimento do sindicalismo no Brasil. (...) é advogado de esmerada formação jurídica, mas não se deixa envolver no uso exagerado do chamado “advogadês”; ao contrário, consegue comunicar-se de maneira simples, em linguagem ao alcance de todos os mortais capazes de ler, sem em nenhum momento resvalar para a vulgaridade.”

Esses amigos, hem, que se encontram poucos.

[Quanto à “aparente timidez” a que se referiu esse amigo, talvez ele tivesse alguma razão, porque no passado eu conseguira superá-la; já houve, por outra, quem dissesse que eu não me relacionava bem. Provavelmente, por causa dessa “aparência”, seja verdade.]

Tiro de guerra

Sou reservista de 2ª categoria. Não escapei ao Tiro de Guerra.
Tantos e tantos anos depois, o que posso dizer é que tudo aquilo fora uma festa.
Soava em quase todas as marchas e prontidão, o grito do sargento: “- 61, dez flexões por errar o passo da marcha”... e lá ia eu para o castigo, para satisfação do sargento exultante; “ - 361, comporte-se, arrume o bibico, será possível!”



E por aí as coisas caminhavam.

No exercício de tiro para obter o certificado, o sargento fazia de conta que eu acertava o alvo. Eu nunca achava no alvo os meus tiros que se perdiam no éter.

Aprendi a muito custo desmontar e montar o fuzil 1908 (!)

As marchas eram de 20 ou 30 quilômetros estafantes, mas suportáveis, vá lá...

Para a corrida de oito quilômetros que todo o TG participou, eu me cansara demais na véspera, sábado, andando para cima e para baixo (não havia carro, não, ô meu, era tudo a pé – uma 'fuca' 1300 era espécie de trono que os riquinhos ostentavam e dirigiam).

Corri os 8 quilômetros, língua de fora, cheguei honrosamente ao fim mas minha classificação foi medíocre.

Tudo uma festa que me atrapalhou um pouco a vida profissional, mas sobrevivi.

Pequenas experiências que transbordam da memória.



(*) No dia da "Consciência Negra" (20.11.2013) publicarei um artigo, "recuperado" de outra publicação no qual destaco a atuação de Joaquim Nabuco na luta abolicionista.

Crônicas correlatas neste blog

1. “Idade” de 13.05.2013
2. “Poeta, cantais as ilusões desfeitas” de 15.04.2013
3. “A estação de trem e sua luz” de 05.06.2011
4. “Da vaidade ao pó” de 24.04.2011
5. “A história de uma edição” de 31.10.2010

Fotos:

As fotos de locais específicos, são da época,

1. Estação de trem de Utinga
2. I. E. ”Cel. Bonifácio de Carvalho” de São Caetano do Sul

3. Noite enluarada de Milton Pimentel Martins