21/06/2009

RAIZES SANCAETANENSES (i)














Cenas que retornam: eu bem cabeludo espremido ao lado do professor Tonini




ESCLAREÇO

Todo cronista escreve para ser lido. Assim com o escritor e o poeta. De nada adianta manter poesias e contos na gaveta. Essas criações engavetadas não são obras, são apenas promessas tímidas que permanecem no esquecimento, no pó.
Quanto a mim, muita coisa escrevi entre a inspiração e a transpiração. A transpiração sem a inspiração, digam o que disserem, pode não traduzir a boa obra. Mas, ela tem um mérito: insistindo muito ela pode trazer à tona a inspiração que eclode dum processo mais fundo na mente ou...na alma.
Não haveria muita proximidade entre a intuição e a inspiração?
Nestes últimos anos, por força de minha profissão, a advocacia, que rigorosamente, na maioria das vezes tem por objeto a discussão do vil metal, deixara de lado a crônica, a poesia que sei que não tenho talento – precisaria de muita transpiração para, quem sabe alcançar a inspiração, mas já não tenho mais esse apego - e até porque há uma escassez de veículos de divulgação.
Estava nessa quadra das minhas meditações, fixando-me em leituras, empolgado com “Guerra e Paz” e “Ana Karenina” de Tolstoi, a maioria das obras de Dostoievski, “O Corcunda de Notre Dame” e a sua Esmeralda “deslumbrante”, de Victor Hugo, quando o amigo Caio Martins, a quem conheço há mais de quatro décadas se saiu com essa proposta de blogs.
Pensando em tudo que tinha que recuperar de bom e ruim que já escrevi, acabei me assentando neste, “Temas Livres” – livre, o blog, porque não tem ele um ordenamento preciso na sua temática. É livre, mesmo.
Estava assim posto em sossego, recuperando o já escrito quando, por acaso, na internet encontrei meu nome numa matéria extraída da publicação “Raízes”, editada pela Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul, órgão da Municipalidade daquela cidade. Nessa revista, de dezembro de 2008 há uma homenagem ao professor Paulo Tonini que na década de 50 fora meu professor do 1° ano do primário e, nessa turma, estava um outro amigo, Domingos Glenir Santarnecchi, com quem mantive raros contatos nesses anos todos, eventualmente pela internet. Glenir é Presidente da Fundação citada. (Para a matéria completa acessar: www.fpm.org.br/raizes ou no Google buscar “Homenagem ao professor Paulo Tonini”)
Não me encorajara até aqui em relatar qualquer coisa daqueles idos mas eis que Glenir, otimista como sou, creio eu, me instigara a tanto, na sua gentileza remetendo de novo essa matéria, afirmando: “Você já faz parte da história de São Caetano, foto e artigo homenageando o nosso primeiro professor do Grupo Senador Flaquer.”
Não, nem por isso faço parte da história de São Caetano do Sul – a cidade que, a despeito de todos os percalços que enfrentei, me fez viver anos maravilhosos, na década de 60.
A foto da turma de 1952 a que se refere o Glenir, é essa que ilustra a presente crônica. Do lado esquerdo, lá estou eu encolhido bem ao lado do professor Tonini. Glenir está mais à esquerda, ao lado do representante nipônico da turma.
E daí vêm as

Lembranças

Saio de minha casa humilde. Chovera muito. Naquele manhã, até a hora da escola, formara meu escritório numa pequena mesinha com prateleira embaixo. Catei todos os papeis do armário da sala e me fiz escriturário, sonhando em me ver num escritório.
Tempos de humildade, vida modesta e de felicidade, aquela sentimento de paz que se dá nas crianças quando em sua volta predomina a normalidade, o dia seguinte sem sobressaltos. Pois não fora uma surpresa inesquecível conviver com um quati? O assassinato doloroso do leitãozinho que morreu com os olhos fixados nos meus? (v. crônica “Animais (zinhos) e Bichos” de abril de 2009). E com o “pinguim”, o cachorro que só faltava falar e que morreria lentamente, agonizante, sem que desconfiássemos que poderia ter sido envenenado? (naqueles tempos precários de conhecimento e alternativas!). De comprar aquelas balas com figurinhas enroladas, torcendo para que viesse alguma carimbada para ir preenchendo o álbum ou trocar por alguma outra valiosa com algum colecionador? E o aprender a andar de bicicleta num terreno do outro lado do rio Tamanduateí, na pequena “gazzele”, aquela marca italiana única? E o ato da primeira comunhão, assíduo no catecismo, ameaçado havia poucos dias antes, pela beata que, categórica afirmara com dedo em riste que se eu não soubesse recitar o “ato de contrição”, o “credo” eu seria excluído do grupo? Um terror, impensável: “mea culpa, mea maxima culpa.”
No treino com a hóstia, ela grudou entre o céu da boca e os dentes. Ao ser informado, o padre beócio fez graça perante o grupo. Envergonhado, tive vontade de ir embora, mas minha timidez não permitia um tal ato extremo e justo.
Na confissão o padre perguntou a mim e a todos se tínhamos praticado “coisas más”. Só muito depois entenderia o que quisera o beócio sob a sombra do confessionário obscurecido significar.
Na volta da Matriz velha de São Caetano do Sul, o dia de comunhão fora uma festa. Bolos e guaraná para os vizinhos e para a molecada
À tarde choveu e lá estava eu tacando o pé na lama e na água que corria nas guias havia pouco colocadas.

No primeiro dia de aula, como muitas vezes, meu sapato atolara no barro. Ando alguns quilômetros até o Grupo “Senador Flaquer”, o primeiro de São Caetano, entro numa sala arejada, pintada na cor creme, cortinas da mesma cor e me assento numa carteira do lado direito, me angustio com o que advirá e me surpreendo com a chegada de um professor jovem acompanhado do diretor da escola para nos dar as boas vindas. O professor Paulo Tonini já apresentava sinais de calvície aguçando seu ar austero.
Era um daqueles sujeitos heroicos que se depara com um bando de moleques de seis ou sete anos e se propõem a alfabetizá-los.

Primeira lição, mostra a figura de um tatu no livrinho fino, de capa azul: “Eu vejo um tatu, tatu, ta ta”:
- Veja, esta é a letra “t”. Vocês colocam o “a” e vira “ta”. Façam o mesmo colocando o “u” e vira “tu”. E ai “ta” e “tu” formam “tatu”.

Ele tinha um jeito muito próprio de conter a algazarra. Dava tabefes leves na nuca dos mais afoitos. Eu mesmo levei um porque ele me confundiu com um outro moleque que fizera qualquer coisa que o desagradou. Fiquei vermelho até quase explodir, porque eu era silencioso e aplicado.
No dia da fotografia da classe, alguns meses depois, me aperto ao seu lado, com aquele meu cabelão farto que até hoje sobrevive intacto, um contraste com sua careca que vinha prosperando.

- Meu Deus, por onde anda essa turma toda?

Esses tempos remotos que se perdem e só revivem por provocação, como se deu, e o esforço em se unirem resíduos encontrados nos recantos insondáveis da memória.

No segundo ano, a professora era linda, dona Denir, talvez por não usar qualquer pintura facial. Ela faltava muito. E quando faltava vinham aquelas substitutas que julgava insuportáveis. Injustiçadas. Era, na verdade, a contrariedade da ausência da titular que omitia sua beleza naquele dia. Já no pátio, ao saber da falta da professora, me sentia mal (ou fingia) para tentar fugir da aula. Mas, não havia jeito e lá ia eu para o sacrifício com a alegada dor de barriga ou não.

Não posso deixar em branco o dia do suicídio de Getúlio Vargas em 24 de agosto de 1954. O diretor da escola, professor Edson adentrou às salas de aula informando emocionado que o presidente Getúlio Vargas havia morrido. Não havia ainda detalhes do acontecido. Na sua emoção, vertendo lágrimas, por ato próprio, liberou os alunos. Ele era de uma geração que certamente se habituara com Getúlio no poder desde a década de 30.
A arruaça que se seguiu ao anúncio da dispensa fora incompatível com a solenidade do momento. Mas, quem era mesmo Getúlio?

Nas séries seguintes fui excelente aluno. Recebi livros das professoras (Carmem e Olga Faria) por não ter dado nenhuma falta durante todo o ano ou por aplicação.
No dia do diploma, na festa, um vexame. Minha mãe, tão querida, não quis que eu usasse a velha calça comprida e lá fui eu de calça curta. Não havia como me esconder naquela confusão toda da festa.

Quando me lembro desses dias, com tantas coisas mais para contar, caio em emoção por essas figuras maravilhosas que encontrei na minha infância e que neste instante revolvem com tanta doçura minha memória.

Mais à frente, do ginasial em diante, tornara-me péssimo aluno.
Mesmo assim, comecei a escrever para pequeno jornal de São Caetano, “A Tribuna”. Aquela vontade de expor ideias mesmo sem talento e no mau português.

Dei-me conta do prefeito Anacleto Campanella, no seu primeiro mandato, quando da inauguração do viaduto dos Autonomistas em meados da década de 50, uma alternativa para aqueles que precisassem cruzar as linhas da Estrada de Ferro Santos a Jundiaí, vindo Bairro da Fundação para o Centro ou no trajeto oposto.
Moleque, encolhido, acompanhei a solenidade e o discurso do prefeito.

Anos depois, no segundo mandato, por programação do referido jornal que capengava me encorajei, numa tarde de sol, em chegar ao seu gabinete para uma mal programada entrevista. Sou recebido no gabinete. Com aquele seu jeito impaciente, irreverente me encara, levanta-se da mesa de trabalho sai apressado e me ordena:
- Venha comigo.
Saímos do prédio da Prefeitura. No estacionamento, ele abre a porta do carro, manda que eu entre e segue nos rumos de Santo André.
Paramos no próspero News Seller ("Diário do Grande ABC") e ali ele me apresentou para o diretor de redação do jornal. Escrevi para o jornal por pouco tempo. Perdi o pique pela minha timidez e insegurança.

Aqui há que se fazer uma ligação com a crônica que escrevi sob o título “Amarguras e ternuras contidas” em maio passado.

Campanella mais tarde ficaria muito doente e pereceria. Vez por outra eu o encontrava abatido na Barbearia do Ciccilo. Mas, jamais poderei esquecer esse gesto que até hoje me surpreende e me faz dele lembrar com carinho. Longe há anos da cidade, sua presença se dá com o time de futebol do São Caetano que manda os jogos no estádio municipal batizado com o seu nome: Anacleto Campanella.
Aquele gesto ficou.

A partir daquí há um lapso de tempo que talvez um dia eu conte.

14/06/2009

A UNIVERSIDADE DE COIMBRA - PORTUGAL







Eu e D. Diniz (Roupa larga e vento frio)









Esta crônica tem ligação estreita com aquela inserida em 30.05.2009, "Largo de São Francisco: A Academia de São Paulo".


Claro que, pela minha formação jurídica, a presença em Portugal exige uma visita à cidade de Coimbra. Lá está desde 1537 a Universidade de Coimbra, fundada em 1290 (nela incluída a Faculdade de Direito) uma instituição pouco conhecida para quem vive deste lado do Atlântico, a despeito de seu conceito, tradições, incluindo o uso da capa preta pelos seus alunos. Símbolos.
Duas horas e pouco de ônibus ao norte da bela e próspera Lisboa e se chega à rodoviária de Coimbra, meio bagunçada, não muito bonita. Paro no botequim e arrisco um café a peso de euro: sofrível!
A impressão inicial de Coimbra não é muito satisfatória, talvez porque o tempo estivesse fechado, um pouco frio, realçando o cinza escurecido e a antiguidade dos prédios. Ruas movimentadas e não muito asseadas.
Um quilômetro na avenida e se alcança o ponto do auto-car (ônibus) que nas suas voltas leva até o cume da colina, onde se situa a Universidade.
Durante a espera, uma senhora portuguesa espontaneamente puxa conversa ao perceber o sotaque brasileiro. Tinha um filho trabalhando em São Paulo e me surpreende com a pergunta: “o que fazem nesta terra caquética?” Percebendo surpresa ela explica que tudo por ali era velho, estagnado e que pouco havia a fazer. Eu procurei entender sua angústia. Estariam no Brasil os grandes desafios e o muito a realizar?
Chega-se no alto, na Universidade. Dou de cara com uma frase típica de grafiteiro bem desenhada num muro próximo: “Isto aqui já não é mais aquilo que nunca foi. Imbecis.” Não excluo esse desabafo de algum brasileiro gaiato, entre os que lá estudam. Naquele dia frio, os que estavam no campus, todos trajavam as tais capas pretas.
A Universidade de Coimbra é composta de prédios realmente muito antigos. Suas instalações internas como não poderia ser diferente, refletem esse estágio de antiguidade, mas com seus encantos, aquelas vibrações meio sacras que provém dos séculos de ensino e cultura.
Bem na frente da Universidade, a estátua de dom Dinis de quem sou fã. Rei de Portugal de 1279 a 1325, foi o fundador da instituição, de modo a evitar que seus súditos fossem estudar em outros países (a instituição das faculdades de Direito no Brasil, tivera motivação semelhante: evitar que os estudantes se formassem em Coimbra). Visionário, dom Dinis incentivou a exploração de pinhais em Leiria que seriam usados na construção das embarcações que explorariam os mares, mais tarde.
Para descer do cume da cidade, bastara valer-se de uma ruela ladeira abaixo e observar nos detalhes quão velha a cidade.
Lá embaixo, no meio do caminho, foi agradável uma olhada nas ruas comerciais. Lembrancinhas cuidadosamente selecionadas porque a moeda é o euro.
Já chegando a hora de voltar para a rodoviária, vêm-me à mente uns acordes muito conhecidos entre nós, de linda música portuguesa que fala de Coimbra, cujos autores são Raul Ferrão e José Galhardo:

Coimbra do Choupal
Ainda és capital
Do amor em Portugal
Ainda.
Coimbra onde uma vez
Com lágrimas se fez
A história desta Inês
Tão linda
.


Choupal é a denominação de um bosque da cidade de Coimbra / Choupo = Álamo)

E “a história desta Inês tão linda?” Dos amores impossíveis e trágicos...
Em meados dos anos 1300, dom Pedro, herdeiro do trono português, apaixona-se por uma prima distante, Inês de Castro, encantado pela sua beleza. Nasce um romance adúltero. Dessa relação, Inês dá a luz a três filhos de dom Pedro. Os irmãos de Inês passam a influenciar dom Pedro. Dom Afonso IV, pai de dom Pedro, decide autorizar o assassinato de Inês de Castro, de modo a cortar a influência que exercia sobre ele, além de evitar que algum dos seus filhos aspirasse a futura sucessão de dom Pedro.
Naqueles tempos, Inês passara a ser sinônimo de prostituta.
Foi ela degolada na frente dos filhos. A revolta de dom Pedro fora imensa contra o pai.
Ao assumir o trono, executou os assassinos de Inês e determinou que o corpo da amada, com grande pompa, fosse sepultado em local (Mosteiro de Alcobaça) que asseguraria ficar ao seu lado quando ele mesmo morresse. Tal se deu em 1367.
Eis como se refere Luis de Camões em “Os Lusíadas” sobre Inês de Castro:

Estavas, linda Inês, posta em sossego.
De teus anos colhendo doce fruito,
Naquele engano da alma, ledo e cego.
Que a fortuna não deixa durar muito (...)


E eu encerro estas impressões, com alguma emoção, valendo-me de mais um trecho da música “Coimbra”:

“O livro é uma mulher
Só passa quem souber
E aprende-se a dizer
SAUDADE”.

07/06/2009

ECOLÓGICOS

Explicações

Sou um otimista por opção pessoal, “para mim tudo está ótimo”, repito, mesmo nos reveses próprios de minha profissão. O baque de hoje será, logo no dia seguinte, a inspiração para (tentar) a reversão do insucesso ou minimizar seus efeitos.
Tem sido assim há anos. Do ponto de vista externo, porém, isto é, o que se passa à minha volta e no mundo, há momentos que meu desânimo beira a depressão, tamanhas as cenas de violência, de abandono e o desrespeito que diariamente se conhece em relação ao meio ambiente.
Pois bem, nessa visão “externa” sou pessimista. Na questão ambiental estamos vivendo uma situação limite à beira do caos.
Há alguns anos, num desses delírios e comoção diante da devastação crescente da Amazônia e da poluição global, escrevi breve texto ao qual denominei “oração anti-insensatez”.
Amigos velhos que o leram, o julgaram pessimista e apelativo demais. E até piegas. Invoquei a intervenção de Deus – mas, onde estará Deus no seu mistério ao assistir esses desvarios? – ao refletir naquela noite clara, encarando o universo que sempre humilha minha “inteligência” menor.
Hoje, passados esses anos, obrigo-me a mais uma vez transmitir minha “oração”, mais do que isso, um “clamor ecológico”, pouco importando se emotiva, pessimista ou piegas. Agora mais do que nunca.

Depois dela, duas poesias também invocando temas da mesma natureza.



Clamor ecológico

Com profunda dor assisto a destruição das matas que, derribadas pelo fogo ou serra, arma maldita, viram pasto ou deserto.
Também a odiosa valoração da árvore pelo quantum em vil metal.
Com profunda amargura vejo animais desrespeitados, apreendidos mortos, covardemente caçados como esporte, extintos.
Para mim, carne não é alimento.
Com terrível preocupação vejo os rios e lagos serem poluídos e mesmo mortos,
sem vida, sem peixes.
Com desencanto constato os oceanos imundos, ameaçados, despejo de todos os detritos e até óleo de navios tanques, dirigidos por facínoras.
Com perplexidade apreendo que a água que se bebe, elemento vital, pode ser a mesma de onde se despejam detritos incompatíveis e sujeita à escassez.
Com sofrimento sinto cada vez mais o ar poluído, nuvens sórdidas que escondem o sol, tremenda insanidade, descaso com as atuais e ameaça às futuras gerações.
Porque, meu Deus
Amo a mata cerrada como reduto de paz, guardiã de tanta vida, de borboletas, de flores, mundo dos macacos, pássaros, serpentes...
Tenho profunda ternura pelos animais, ondas de vida que merecem respeito
e acolhimento.
Tenho saudades das águas límpidas dos rios e lagos onde podia banhar os pés sem medo de contaminação.
A imensidão dos mares é um ponto de reflexão, pela sua harmonia sinfônica e porque neles habitam deuses da criação...como nas matas.
Por tudo isso compreendo o mundo mais
triste
tenso
quente
violento
pobre
sofrido
doente
esfomeado
sedento
Desrespeitada, a Terra reage com terremotos, enchentes, tornados, desertos irrecuperáveis, doenças, destruição. Causa e efeito.
Caio em oração, implorando indignado que nós todos mudemos nossa mente, atitudes, lembrando sempre que, nestas plagas antes paradisíacas, seus recursos não se renovam com a velocidade de sua terrível destruição.
Haveremos um dia que deixá-las, até mesmo abruptamente, na nossa hora, ficando ao “deus dará” todas as nossas riquezas e misérias pessoais.
Por isso, deixemos nossa marca positiva de reconstrução, de incentivo, de preservação dessas riquezas que (ainda) restam como dádivas e que ficarão (ou deveriam) para nossos descendentes.
Comecemos partir de hoje, de agora.
Eu peço, eu imploro. Com esperança de tempos melhores. Amém.


Orquídeas e beija-flores

Eis-me aqui amargurado e pensante
Mal respirando nesse clima insano,
Tudo que exala desse meio paulista urbano
Envolto na fuligem dessas chaminés rasantes.

Que mundo é este de dura resistência!
Que mundo é este de intensa incerteza
Que mesmo à reação da pródiga natureza,
Ampliam-se os desertos por abusada inconsequência?

Que mundo é este de ganância e escuridão,
Que princípios postos pouco ou nada valem?
Se de tudo que inspira sucumbe, porém,
Nessa sanha caótica de destruição?

Reajo impotente qual um conformado perdedor
Sonhando acordado, no tráfego, quietamente,
Vendo desabrochar orquídeas no fundo da mente,
Visitadas por beija-flores em doce torpor.

E assim, no interior de minh’alma triste
Revela-se que tais doces criaturas, parecem,
De Deus, são o preferido passatempo, uma prece,
E somente por essa dúvida a esperança persiste.

Esses instantes de valor e Paz perdem-se na poluição,
Sobressaltado não pela água límpida irradiando o sol,
Mas pela barulhenta abertura do farol,
Cujo verde não é o das matas que clamam proteção.


Templos violados

Pelos recantos fechados da floresta,
Atuam Espíritos cultivando flores
O portal místico decomposto em cores,
Pelo sol enfeitado por estreitas frestas.

Um Templo sob azul e límpida nascente
Permitia saciar n'Alma adormecida,
Inspiração profunda no mundo perecida
Intuindo orações de elevação crescente.

E assim, naquele ambiente purificado
Buscavam consolo e amor, desiludidos
Palavras interiores de paz, esquecidos,
Ali o filósofo apreendia a magia do iniciado.

Haveis que instrumento de trêmulo corte,
Trepidando fio, avançando duro e feroz,
Fez do Templo nada, senão estalo atroz
Num dia em que ao céu clamou a morte.

Que delírio insano ocorrera, porém?
Na inscrição berrante anunciava tal torpeza:
"O progresso derrotara, forte, a natureza"
Restara então, do Templo, nada mais que desdém".

30/05/2009

LARGO DE SÃO FRANCISCO. A ACADEMIA DE SÃO PAULO



"Beijo eterno"
Foto: Neuza Guerreiro de Carvalho (www.vovoneuza.blogspot.com)


Há um encanto no Largo de São Francisco mesmo que mau cuidado. Por mais exausto que esteja nessa “paulicéia atribulada”, não consigo me livrar da imagem da Faculdade de Direito bem ali à frente, para mim a figura de uma esfinge. Mau estudante, não consegui resolver seu “enigma”, o vestibular e por ela fui “devorado”.
Chego até a igrejinha do Convento de São Francisco, fundado em 1647 ao lado direito da Faculdade e lá, surpreso, descubro que as primeiras aulas foram ministradas em sua pequena sacristia, a partir de março de 1828.
Avanço nos dados históricos: dom Pedro I instituiu os cursos jurídicos no Brasil em 11 de agosto de 1827, com faculdades em Olinda e São Paulo. Tal se deu porque não havia opção de formação de bacharéis no país, apenas em Portugal, na famosa Universidade de Coimbra, fundada por dom Diniz, rei de Portugal, em 1290. Falarei sobre ela numa próxima crônica.
A Faculdade de São Paulo, foi instalada no recinto do Convento de São Francisco, que contava com instalações adaptáveis e biblioteca. Somente em 1933 o prédio do antigo convento foi demolido. Foram encontrados esqueletos humanos misturados à argamassa em suas paredes, o que pode significar que serviram elas de túmulo para os religiosos.
O novo prédio da Faculdade ficou pronto em 1938, mas de modo completo somente 12 anos depois.
Apesar dos esqueletos encontrados nas paredes do prédio demolido do Convento, não há fantasmas na Faculdade. No seu ambiente, porém, de tantas tradições, de tantos vultos que lá estudaram e se formaram, sempre pressinto um sentido solene em seu ambiente.
Derrubaram-se as paredes, mas ficaram as vibrações, o “espírito” do lugar.
Quase defronte à entrada principal da Faculdade, um contraste a esse sentimento captado no seu interior, encontra-se a irreverente escultura do sueco William Zadig, “Idílio” ou “O beijo eterno”, na qual amantes nus, representando um francês e uma índia se enlaçam num ósculo vibrante e sensual. Fora uma homenagem do Centro Acadêmico XI de Agosto a Olavo Bilac que falecera em 1918. Essa escultura foi instalada em locais diferentes de São Paulo, sempre removida porque considerada uma “imoralidade”. Permaneceu, por tal censura absurda, adormecida por muito tempo em depósitos da Prefeitura até que, por injunção dos estudantes da própria Faculdade, foi ela instalada no Largo de São Francisco e lá permanece firme, uma homenagem ao amor e à poesia sensual de Olavo Bilac. O “Beijo eterno” do poeta tem esta estrofe final:

Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue: acalma-o com teu beijo!
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!


Afasto-me do “Beijo eterno”, a escultura que encontrou a sua “liberdade”, atravesso o Largo e saio pela rua Líbero Badaró nos rumos do Largo de São Bento.
Penso nessa figura polêmica que deu nome à rua: Líbero Badaró.
Teve ele vínculos com a Academia, como professor de Geometria do curso preparatório para ingresso na Faculdade de Direito. Dedicou-se, também, à medicina e ao jornalismo. O italiano Giovanni Batista Badaró um liberal, incluiu no seu nome o apelido “Líbero” – que não tem sentido preciso no português, salvo na linguagem futebolística -, resultando no nome Líbero Badaró. Fundou o jornal "O Observador Constitucional" que propagava as idéias liberais, antimonárquicas e antiabsolutistas. Com esses ideais e campanhas, obteve inimigos poderosos. Foi vítima de um atentado a tiros nas proximidades de sua residência, nunca esclarecido, que se deu em 20 de novembro de 1830, e que resultaria na sua morte horas depois, momento em que teria dito a frase célebre: "Morre um liberal, mas não morre a Liberdade".
Liberdade, liberdade!
A rua de São José onde morava passou a chamar-se Líbero Badaró.
Meio nostálgico por todas essas impressões, confortei-me em lembrar que também estudei num convento que não perdeu ainda sua forma original, a PUC de São Paulo. E como foi difícil obter o diploma naquela escola tão rigorosa, naqueles dias.
Quantas vezes, beirando a madrugada, depois dos exames orais descia apressado a rua Monte Alegre, Perdizes, garoa fria no rosto, encharcado correndo para o último trem na Barra Funda. E nas noites quentes, tranquilas, já com meu Fusca vermelho, uma pausa na Xavier de Toledo, na leiteria, uns petiscos e uma olhada no Mappin que já se foi.
São Paulo da garoa, hoje dos congestionamentos e da poluição, mas repleta de reentrâncias e muitos segredos a serem revelados. Aqueles tempos mais doces que amargos...