29/08/2010

CICLOS E IMPOTÊNCIAS

Talvez eu esteja um tanto repetitivo nestas crônicas, explanando sobre a devastação ambiental. Se assim se dá é porque minha angústia atingiu limites do insuportável. Otimista por opção pessoal (“está tudo ótimo!”), sou pessimista, como já frisei antes, com o que poderemos passar ou os nossos descendentes enfrentar, com o que vimos assistindo no mundo no qual prevalece, imutável, o valor do dinheiro e não os prejuízos ambientais e de vida que ambição daquele impõe a estes.
Não me considero religioso na acepção do termo, tenho meus momentos de reflexão e outros de pura indiferença. Aqueles, porém, se sobrepões até por peso de consciência.
Já relatei, numa crônica de 20.09.2009, neste blog, “Intuição desvendada”, os significados de textos bíblicos à medida que, obtidos aleatoriamente os versículos, um grupo de alunos ia lendo e os interpretando, encontrando significados diferentes e até mais profundos do que aqueles normalmente aceitos.
Nunca me esqueci dessa experiência que vivi no meio termo da adolescência.
Por causa dela, vez por outra abro a Bíblia e vejo o que aparece. Nestes dias de sufoco pessoal abro em Romanos e lá está no versículo 5-3 e 4:
3. E não somente isso, mas também gloriemo-nos nas tribulações; sabendo que a tribulação produz a perseverança,
4. E a perseverança a experiência, e a experiência a esperança.


Assim sinto que tenho que perseverar na minha experiência e por todos os meios gritar: Esperança!
Mas, essa mensagem não me impediu de redigir a composição abaixo e, depois de escrita, abri de novo a Bíblia para algum aclaramento e eis que me deparei com o “Livro de Eclesiastes” e lá está a contundência na condenação à vaidade e, de certo modo, ressaltando a rotina da vida, como nestes versículos

2. Vaidade de vaidade! Diz o pregador, vaidade de vaidade é tudo vaidade.
3. Que vantagem tem o homem, de todo o seu trabalho, que ele faz debaixo do sol?


Considerando que o trabalho faz parte da vida e a vaidade a movimenta menos ou mais, tenho uma poesia cuja primeira estrofe:

TUDO É VAIDADE
Diz o Pregador, melancólico (?), realista (?):
"Vaidade de vaidade, tudo é vaidade"
Desta vida de serviço sem idade.
Da mais humilde à mais soberba criatura
A vaidade impulsiona o mundo, porém
Mas, no fim, nada restará senão o pó, o além...”

Essa a ressalva que faço em relação à vaidade e ao trabalho.
Porém, as coisas se modificam, por conta desse “trabalho” do modo mais preocupante, alterando até mesmo a rotina posta nesse capítulo bíblico.
Como estes que destaco:
4. Uma geração vai, e outra geração vem, mas a terra para sempre permanece.
6. O vento vai para o sul, e faz o seu giro para o norte; continuamente vai girando o vento, e volta fazendo os seus círculos.
7. Todos os ribeiros vão para o mar, contudo o mar não se enche: para o lugar para onde os ribeiros vão, para aí tornam ele a ir.

E por aí vai o texto bíblico, inclusive afirmando no n° 8 que “essas coisas se cansam tanto” e no versículo 9: O que foi, isso é o que há de ser e o que se fez, isso se tornará a fazer, de modo que nada há de novo debaixo do sol.

Hoje, com todas essas tragédias, todas essas degradações, os ribeirões vão para o mar? O mar não se enche? E o derretimento das calotas polares? O que têm provocado os giros do vento? As tormentas? As enchentes nunca vistas?
Esses ciclos rotineiros sugeridos pelo texto bíblico estão se modificando a olhos vistos, “os olhos não se fartam de ver”, pela ação devastadora do homem sob este sol.
Diante desses elementos, a composição a seguir, que pode até ser paciente mas muito pouco esperançosa.

IMPOTÊNCIAS


Sereno, medito neste meu canto
Uma avenca aos trinta anos me encara
Orquídeas sorriem e olhinhos delicados
Miram violetas roxas com ternura e encanto,

Estanco surpreso com essa beleza

As multicores irradiadas à tépida luz
A ela se integram e por isso exultam
Nesta plaga de recolhimento e singeleza.

Não me constrangeria se ali caísse em oração
Agradecido por aquelas existências reais
Sorrisos doces em oferendas, momentos de paz
Nestes tempos doentes, de guerras e destruição,

Transporto-me então para outra realidade, dura
Lá, tombam árvores, queimam-se florestas
O fogo desencadeia indescritível tragédia
Ceifando tudo, a vida, os bichos, a doçura

Exala de mim amarga tristeza e dor
Por clamar em silêncio, sem ouvidos
Ameaço gritar aos quatro ventos
Mas os sons se perdem em obscuro torpor,

Não reconheço esses ventos maculados
Sopram eles espíritos de tormentas assistidas
Neste fogaréu imenso de provações
Insensibilidades, ódios e odores desregrados,

Saberiam todos que este solo esgotado
Não haverá por muito como se refazer desses abusos
Apontando em riste e em lágrimas secas
Que pouco sobrará destes tempos abusados?

Resigno-me à minha impotência já tanto esquecido
Perante minhas poucas orquídeas, violetas e avencas
Intuindo no íntimo com angústia e melancolia
Que fenecem os tempos neste clima embrutecido.

22/08/2010

POMPÉIA e o micro Armagedon

Resisti em publicar esta crônica, tais as tragédias atuais, as naturais como as grandes enchentes e as provocadas pela insanidade humana, como as grandes queimadas e o imenso e insistente ataque aos bens naturais.
Mas, repensando os eventos, resolvi pela sua divulgação aqui nestes temas, que são livres.


As ruínas de Pompéia lá estão atestando a catástrofe que se deu com a erupção brutal do vulcão Vesúvio.

Caminho por aquelas ruelas de pedra – grandes pedregulhos lisos – que dificultam os passos.
Tinha poucas informações sobre a cidade soterrada por cinzas e lapíli – um composto sólido, pequeno, tipo pedrisco, incandescente, expelido pelo vulcão.

Melhor assim, porque, quem sabe (?), tivesse alguma sensação diferenciada captando vibrações do local, tantos foram as surpresa e os sofrimentos pela tragédia.

As poucas informações me levaram a um estágio diferenciado quando há anos visitara as pirâmides de Teotihuacán, no México (v. crônica de 04.04.2010).

Essas impressões ou sentimentos espocam quase que naturalmente. Como não reverenciar ou se emocionar diante de uma catedral à beira de completar um milênio ou mais, tão comum na Europa, cuja construção levou dois ou três séculos? Quantas mãos a construíram, quais sofrimentos trouxeram ao ser erigida pelos séculos e quais orgulhos vibram nos milhares de blocos fortemente assentados que a constituem?

Dias antes, estivera no túmulo de São Francisco, em Assis. Tudo me faz crer que aquele clima de reverência existente, tantos religiosos por ali, muitos em oração, produz um clima de paz facilmente absorvido, aquele enternecimento que não se explica. E não há a invocação à sensitividade como se tudo se explicasse à luz de fenômenos parapsicológicos. As emoções se aguçam e se revelam. Só isso.

Talvez por conta de todas essas impressões anteriores vividas naqueles dias, quando fui avançando pelas suas ruínas de Pompéia, tudo se resumia à indiferença.
Fora uma cidade próspera que, tanto quanto a cidade vizinha de Herculano estava ao pé do Vesúvio, uma montanha com mais de 1200 metros de altura.

O Vesúvio situa-se nas proximidades de Nápoles, bela cidade bem ao sul de Roma, a 194 quilômetros de distância da capital.

A erupção que soterrou Pompéia e Herculano se deu em 79 DC.

Ao ressurgir das cinzas e dos elementos do Vesúvio, quando começaram as escavações no início do século 18, toda sua intimidade foi revelada, destacando-se as obras de arte, a maneira como resolveram seus habitantes a urbanização da cidade, os monumentos e as grandes construções.

Pompéia se situava numa região rica em vinhas, adorando deuses pagãos, não fora surpresa encontrar em suas reentrâncias sinais de erotismo exacerbado. Aliás, num aposento de rica residência, depara-se, desenhando na parede, a figura singular do Priapo, o deus da luxúria.

Em Pompéia não se tem o sentimento do sagrado, a despeito do sofrimento do cadáveres ali preservados e mantidos com suas expressões de terror diante da morte inevitável imposta pela fúria do vulcão, talvez porque haja até, pelos próprios guias turísticos aos montes por lá, uma certa malícia ao destacar aquele lado luxurioso que existiu nos costumes da cidade.

Esses cadáveres “soterrados na cidade foram recobertos de cinzas molhadas. Com o tempo, as camadas ficaram sólidas, moldando-se perfeitamente ao formato dos corpos, registrando até a expressão facial dos habitantes em seus momentos derradeiros. Depois do processo de decomposição, restaram moldes ocos, cujas cavidades foram preenchidas com gesso líquido para formar as mais famosas imagens da cidade.” (1)


Havia resquícios de presença do cristianismo. No livro de E.C. Conte Corti, há uma foto de um genuflexório tendo à frete um cruz, encontrado em Herculano, provavelmente pertencente a um escravo. Seria essa uma das poucas referências à incipiente influência cristã por aquelas plagas pagãs. (2)



Quando da erupção do Vesúvio, os habitantes de Pompéia, preocuparam-se em salvar o que pudessem de suas riquezas. Muitos morreram soterrados ou sufocados pelos gases preocupados em carregar pertences de valor (jóias, em especial):
“Os moradores dos bairros do oeste de Pompéia, mais próximos do mar conseguiram salvar-se; entre eles, Caius Sallustius, a quem pertencia a casa da esquina, no fim da Rua do Mercúrio. Sua mulher, pelo contrário, perdeu tempo tentando reunir suas jóias; acompanhada por três mulheres de condição modesta, caiu na rua, a pouca distância, com seu dinheiro, seu espelho e suas jóias, e afundou-se na cinza encharcada.” (2)

Outros, pela surpresa da catástrofe, morreram mal abandonando a mesa de refeições.

Num outro trecho do magnífico livro o autor compara o sofrimento de Pompéia com “o castigo infligido por Deus às cidades ímpias da Palestina”. E acrescentava: “Um homem, certamente judeu, refugiado numa casa, escreveu na parede: “Sodoma e Gomorra.” (2)

O que se conclui dessa tragédia no meio de tantas outras?

O lugar comum: a vulnerabilidade da vida, a insensatez da vaidade e a transitoriedade da riqueza.

Legendas:

Foto 1: Entrada das ruínas de Pompéia
Figura 1: Localização de Pompéia
(1) Revista “Veja” de 15.03.2000
Foto 2: Cadáveres “petrificados” de vítimas do Vesúvio em Pompéia
(2) E.C. Conte Corti, “Vida, Morte e Ressurreição de Herculano e Pompéia” –Ed. Itatiaia – 1964 (BH)
Sobre o genuflexório, esclarece o autor que “diante de uma cruz, num aposento de uma casa em Herculano, descoberto em 1929, a prova de que no ano 79 já havia ali uma pequena comunidade cristã.”

16/08/2010

EXILADOS

Há muitos anos que li o pequeno livro. Se não me engano, naquela edição, não havia referências tão acentuadas a princípios espíritas, embora professasse o autor o espiritismo. Trata-se do livro “Exilados da Capela” de Edgard Armond.
Lembrei-me dele, num dia desses quando li pequena notícia, referindo-se à opinião do astrofísico Stephen Hawking, autor entre outros do livro “Uma breve história do tempo”. Disse ele que a humanidade nos próximos 200 anos deveria obter tecnologia para alcançar e colonizar um outro planeta, como única forma de sobreviver ao seu fim próximo. Ele explica:
"Nossa população e o uso de recursos finitos do planeta Terra estão crescendo exponencialmente, assim como nossa capacidade técnica para mudar o ambiente para o bem e para o mal. Contudo, nosso código genético carrega instintos egoístas e agressivos que foram vantagens necessárias para a sobrevivência no passado. Será difícil evitar o desastre nos próximos 100 anos, ainda mais nos próximos mil ou 1 milhão".
Essa visão catastrófica tem a ver com o próprio livro de Edgard Armond que também externa um sentido apocalíptico considerando, principalmente a devastação ambiental que se assiste quase que de modo impassível: destruição das florestas aumentando as áreas desertas, poluição das águas e do ar, por conta do dinheiro fácil, mas que significam tais atos insanos, pesado encargo para a sobrevivência do planeta nos moldes que o conhecemos e o habitamos, cheio ainda de mistérios indesvendados.
Eu incluo o aspecto moral, a barbárie, as guerras...
Mas, a proposição contida no livro “Exilados da Capela”, pode ser entendida neste trecho:
"Há muitos milênios, um dos orbes do Cocheiro, que guarda muitas afinidades com o globo terrestre, atingira a culminância de um dos seus extraordinários ciclos evolutivos. Alguns milhões de espíritos rebeldes lá existiam, no caminho da evolução geral, dificultando a consolidação das penosas conquistas daqueles povos cheios de piedade e de virtudes..."
Os escolhidos, neste caso, foram os habitantes da Capela que, como já foi dito, deviam dali ser expurgados por terem se tornado incompatíveis com os altos padrões de vida moral já atingidos pela evoluída humanidade daquele orbe.”
Então esses exilados, sob grande sofrimento foram mandados em espírito para a Terra para propiciar sua evolução mental e espiritual.
O livro de Edgard Armond, tem uma observação interessante: “Há, também, notícias de que, em outras épocas, desceram à Terra instrutores vindos de Vênus.”
Vieram esses instrutores de Vênus com seus corpos físicos?
É sempre bom lembrar que há em todo o planeta, marcas, indícios e fórmulas inexplicáveis que levam a concluir, sem qualquer “mania ufológica”que houve alguma intervenção superior há milhares de anos.
Fiquemos apenas com o versículo 6.1 e 2, de Gênesis, enigmático entre tantos outros mas que revela uma miscigenação entre “anjos” e formosas mulheres humanas.
Se a Terra recebeu e recebe viajores do espaço há milhares de anos é sinal de que estão eles “anos luz” à nossa frente em tecnologia e, talvez, em termos éticos.
Acedamos que dentro de uns 50 anos obtenhamos tecnologia semelhante que nos permita alcançar planetas distantes. Hoje o que temos é uma tecnologia pesada, precária.
E não será fácil a tarefa. Há uma observação interessante no “Livro dos Espíritos” de Allan Kardec (resposta n° 188):
“Os Espíritos puros habitam determinados mundos, mas não estão confinados a eles como os homens à Terra; eles podem, melhor que os outros, estar em toda parte.”
Obtida a tecnologia, claro que a Terra já em situação crítica, nos seus estertores a continuar a predação que se verifica hoje, qualquer viagem interplanetária de preservação da humanidade equivalerá a uma verdadeira arca de Noé.
No curto espaço desta crônica, sim porque o tema comporta ampliação, estamos assinalando as dificuldades de sobrevivência de nossos descendentes.
Serão os futuros exilados, precipitados pela nossa insanidade?

Imagem: "Os quatro cavalheiros do apocalipse" - Google

07/08/2010

REGRESSÃO (i)

Os tempos de infância lembrava-se saudoso, também por influência do Natal próximo. Chegara aos 80 anos com incrível lucidez e disposição. Quando lhe perguntavam qual o segredo, não saia muito daquelas respostas normalmente atribuídas a outros idosos: "muito vinho e alegria”, "comi tudo que tinha direito”.
Sua resposta era:
- Não fumei jamais, bebi vinho, quando o vinho era bom e ando bastante, me acerto bem em áreas verdes, pássaros, essas coisas. De há muito minha dieta de carne é quase nula. Se isso for realmente uma receita de longevidade, não sei. Mas, eis-me aqui. Mas, há outros idosos com mais idade do que eu que vivem bem.
Nas suas meditações sobre a longa existência, retornava à juventude e mesmo à infância, sem qualquer rigor cronológico.
Nesses momentos, entrava num processo nostálgico, saudoso, até um pouco confuso. Sua infância relativamente feliz - sua mãe falecera quando ele tinha 9 anos - eram imagens que voltavam à sua mente. Pareciam um sonho. Será que não eram mesmo? Momentos de felicidade, geralmente fugazes, não ficam na mente como um sonho? E seu pai que chegava até ele, nas lembranças, como alguém rigoroso mas que era dotado de muita generosidade.
Coisa estranha envelhecer :
- Sermos sempre nós mesmos e, no entanto, não sabermos explicar, ou entender esse evento irreversível da velhice e mesmo da morte, costumava repetir.
Se dizia vivendo o presente mas havia alguns eventos que lhe martelavam a mente e o coração.
Uma semana antes do Natal, tomara uma decisão: de trem, meio em segredo para não despertar os cuidados dos filhos e netos - era viúvo - voltaria à cidade natal e, no casebre onde tivera uma inesquecível experiência em sua infância, faria uma oração ao Natal e homenagearia sua mãe. Seria como que uma despedida daqueles velhos tempos de ternura que ainda o emocionavam tantos anos depois.

Sim, seria bom fazer uma oração no casebre, velho casebre se ainda preservado, sombreado por três ipês muito antigos.



Lembrava-se bem. Num dia próximo do Natal, chuvoso, refugiara-se no casebre para chorar a morte recente de sua mãe. Num dado momento, porém, em vez de estar encostado na rústica parede da pequena habitação, escapando das gotas de chuva que desciam pelo telhado mal conservado, viu-se recostado no colo de sua mãe, recebendo dela, carinho, beijos na têmpora e frases de que onde se encontrava, não estava morta e, de lá, zelava por ele.
Não se assustou com a visita de sua mãe. Somente as crianças, naqueles tempos em que crianças eram crianças, podiam compreender momentos como esse. E não chorou mais, porque sua mãe, lindíssima, sem as marcas da insidiosa doença que a consumira, assim pedira.
Com tudo isso em mente, tentaria retornar ao casebre, junto de suas árvores para a oração. Certamente a última visita àquelas paragens onde fora feliz ao lado dos seus pais e irmãos.
No dia seguinte, bem cedo, com sua velha Bíblia na mão, conforme planejara, tomou o trem, rumando para sua cidade. Deixou um breve bilhete para sua filha. Viagem longa para sua idade, cansativa, suportada, porém, pela sua disposição conseguida por quilômetros de caminhadas regulares.
Chegou à tarde. Apressadamente, para aproveitar o sol, tomou o ônibus que o levaria àqueles sítios de sua infância.
Depois, pensaria no pernoite, provavelmente na casa de um sobrinho, se houvesse tempo para localizá-lo. Caso contrário, o hotelzinho da cidade seria a solução.
Mais uma hora de viagem, eis que chegou ao ponto de desembarque. Desceu ansioso do veículo, notando que havia, ainda, muitas paisagens de sua época. O riacho que agora abastecia a cidade, embora mais poluído, lá estava a igrejinha da comunidade num ponto mais alto, branca, e todos aqueles sítios.
Caminhou a pé até a propriedade que fora um dia de sua família. Quando venceu a pequena subida, algum sentimento de perda antecipadamente lhe apertava o coração.

A decepção fora terrível. Não encontrou mais suas árvores velhas, mal reconhecendo o local do casebre. Uma estrada de ligação de sua cidade, com a rodovia principal passaria por ali.


Com profunda mágoa, aproximou-se do local onde certa vez fora consolado por sua mãe quando chorava sua morte, sem dar atenção às máquinas ruidosas que se movimentavam, emocionado ajoelhou-se no chão de terra batida onde estaria o casebre.
E mais uma vez chorou emocionado. Sob os olhares atônitos dos operários simples que ali estavam, máquinas gigantes paradas em sua volta naquele chão batido, sem grama ou eras, sem os seus ipês...
Abriu ao acaso sua velha Bíblia, o mesmo gesto que sua mãe lhe ensinara um dia e, em Isaias 60:18, leu em silêncio o versículo que recebera:
"Não mais se ouvirá de violência na tua terra, de assolação ou desmoronamentos dentro dos teus termos. E certamente chamará as tuas próprias muralhas de Salvação e os teus portões de louvor".


Foi levantado por um jovem operário negro que operava uma daquelas máquinas enormes e com delicadeza o afastou dali:
- Falo com o engenheiro e levamos o senhor para a cidade.
As máquinas voltaram a funcionar e movimentar a terra. Havia muito que aterrar e muito que enterrar. Emocionado, confuso, se dera conta disso.

01/08/2010

A FEIJOADA VEGETARIANA

Naqueles meus tempos de indústria automobilística, coube-me num dado momento, editar o jornal interno da empresa (“house organ”, para os mais exigentes), apenas reconhecido oficiosamente por ela que, de um modo ou outro, o subsidiava.
Na busca por uma gráfica de qualidade, com preço possível, cheguei a uma administrada por descendentes japoneses.
Chamados, veio até mim uma simpática nipônica acompanhado de um japonês idoso, apresentado como seu sogro que, pelo que percebi, não falava nada de português. Revelando um princípio de lealdade, não escondia sua ansiedade em conseguir o serviço. Por fim, fez um preço realmente bom – muito subestimado, diga-se, em relação ao nível técnico que dispunham em suas oficinas. Não tive coragem de pedinchar.
E assim, foram se sucedendo as edições mensais.
Um dia, ao buscar os originais, sempre com o seu sogro a tiracolo, diz:
- Dr. M., não me interprete mal, mas gostaríamos de convidá-lo para um almoço numa churrascaria em São Paulo, muito boa. Lá estaremos todos, meu marido e um outro sócio da empresa, Jorge. Nosso relacionamento é dos melhores e queremos preservá-lo.
E o sogro arrematou:
- Braselero gosta muito churrasco, nô?
Respondi constrangido:
- Dona A. não se ofenda, mas eu não gosto muito de churrasco, prefiro umas saladas, torta de palmito, coisas assim.
O sogro não entendera nada, mas fechou o sorriso amistoso.
Desconcertada, voltamos a discutir a edição.
Uma semana depois, dona A. me liga, numa tarde:
- Dr. M. tivemos uma idéia. No centro de São Paulo tem um restaurante vegetariano muito bom. Tenho parentes que o recomendam. Poderíamos almoçar lá, o que o senhor acha?
Dia marcado, lá fui eu.

Todo o “staff” da gráfica lá estava. Pessoal simpático sem perder a seriedade. Todos avançaram na feijoada vegetariana.
Excelente. Não havia aquele sabor característico do composto de soja. Couve bem cortadinha e tudo o mais de primeira.

Umas duas semanas depois, dona A. volta para discutir nova edição:
- Dr. M., puxa aquela feijoada, hem, tem um efeito...
- Adstringente, provoquei eu, usando uma palavra que tem um sentido oposto ao saudável efeito laxante da saborosa feijoada.
A moça me olhou perplexa, abriu quanto pode aqueles olhos puxados, seu rosto se iluminou e emitiu uma sonora gargalhada. Segurou minha mão com suas duas mãos.
E o sogro:
- Sim, efeito adistrim, efeito adistrim, sorridente, infuenciado pela nora.

Não demoraria muito, e se desinteressariam pelo jornalzinho. Pelo nível técnico que tinham na gráfica, provavelmente conquistaram clientes de peso.
Restou apenas a feijoada com efeito adstringente e a lembrança de um pessoal nipônico bom.

25/07/2010

PLANTAS: VIDA SECRETA

Prolegômenos...curtos

Exerço, ainda, uma profissão árdua, técnica, com vocabulário próprio, hermético para tanta gente, o que me desabilita a manusear poesias. Tenho dificuldades para essa criação porque num dado instante esse vocabulário se sobrepõe aquele normalmente suave do qual afloram as rimas. Então, tento suprir essa efetiva “deficiência espiritual”, com textos nos quais insiro impressões sobre o cotidiano da minha e de outras vidas que senti, vivi ou presenciei ao longo do tempo.
Assim, quantas vezes já “homenageei” borboletas esvoaçando vacilante à minha frente, dando um sentido de boas vindas na caminhada pelas trilhas na mata, leitãozinho a que me apego, abelhas, escorpião...
E por aí vai.
.
E quanto às árvores e plantas? Há quem fale com elas. Eu não cheguei a tanto (sei, não!)



Adicionar legenda


A segunda edição é de 1975. Não sei em que ano eu o li, mas provavelmente seja no fim dessa década. Refiro-me ao livro “A Vida Secreta das Plantas”, dos autores Peter Tompkins e Cristopher Bird. Não creio que haja uma terceira edição. Não a encontrei nas pesquisas que fiz.

Coincidindo com a leitura desse livro, no final dessa mesma década estive muito empenhado administrando um clube ligado a uma indústria automobilística situado no Caminho Velho do Mar, em São Bernardo do Campo.
Esse clube, com entrada por essa estrada, é claro que, para constituição de suas edificações básicas, provocou devastações naquele pequeno trecho da mata Atlântica. Quando assumi, até por uma questão intuitiva, repus o que pude, com canteiros, jardins e replantio de árvores, onde possível, porque havia campos de esporte que ocupavam boa parte da área.




Para permitir conhecer a intimidade da floresta, fiz abrir uma trilha cuidadosa que se encerrava na Represa Billings. Essa trilha é a da foto. Lá no fundo a mata preservada.









Muitas vezes, me aproximando devagar tal a neblina que permitia enxergar não mais do que um palmo à frente do para-brisa, permaneci assentado no meio daquele resto de mata, verde brilhante nos dias de sol que a varava por frestas, para um descanso ou mesmo para me acalmar das agruras reais do trabalho, das relações dificultosas, competitivas que se verificam no âmbito da empresa e na vida diária de um modo geral. Minhas explosões.
O que devo dizer, entre borboletas e pássaros desconfiados?
Que a serenidade baixava e, para trazê-la mais rapidamente eu a invocava: serenidade!
Houve dias que não fugi da chuva, tão intensa naqueles lados. Sai molhado mas respeitando cada vez mais e profundamente aquele recanto que, muitas vezes, sozinho, era só meu e dos pássaros e das borboletas amigos inofensivos e inspiradores.

O livro a que me referi é denso e entre muitos aspectos interessantes sobre as plantas, relata experiências de suas reações sob ameaça.
Sua vontade de viver. As variações que encontram para sobreviverem num ambiente inóspito. As sementes que querem espocar e brotam até mesmo nos locais mais improváveis. Quando criança, era uma festa encontrar, naqueles campos de mato ralo um pé de manga recém saído do caroço, ainda com suas folhas grenás.
Do prefácio resumo e transcrevo:
Um policial surpreendeu-se pela reação de uma dracena ao instalar, “impulsivamente”, os eletrodos de um detector de mentiras em suas folhas. E ficou estarrecido: “as oscilações da agulha do galvanômetro sobre o painel em movimento desenhavam uma curva semelhante à obtida ao submeter-se o ser humano a um estímulo emotivo de breve duração.”
E na sequência da experiência:
“Decidiu então submeter a folha a uma ameaça maior: queimar a folha. No instante exato em que teve esse pensamento, antes mesmo de apanhar a caixa de fósforos, a agulha se pôs a oscilar freneticamente. Por mais absurdo que parecesse, a planta havia lido o pensamento” do policial.
Bem, se assim se dá, imaginem o que eclode na Terra, com as grandes queimadas de áreas imensas de mata virgem. Os gritos silenciosos de terror que ecoam pelo éter. As vidas que lá são ceifadas de modo inapelável pelas chamas!
Não escapa dessa predação o ranger denunciador das motosserras
Dói constatar a coragem desses algozes, sua indiferença em praticarem tal crime continuado aparentemente impune.
Ah, mas não há impunidade! Este planeta não está condenando, não, à felicidade. Este planeta, pelos atos dos seus predadores implacáveis, pela indiferença às suas raízes, por não tentar entendê-las, está condenado ao sofrimento.
Posso até dizer alto e bom som: sou feliz, momentos individuais de felicidade, mas não o coletivo que, cada vez mais é assaltado por tragédias.

Muitos anos depois, ainda que não tenha talento para a poesia, inspirado pelas minhas idas frequentes à Serra do Mar, em contato com aquele pedaço da mata Atlântica, fui capaz de escrever o poema abaixo. Sei que o repito tanto, mas não tenho muitos. Precisava um dia explicá-lo. Nas duas estrofes finais, dou aquele sentido de movimento e consecução da tragédia.


Templos violados


Pelos recantos fechados da floresta,
Atuam Espíritos cultivando flores
O portal místico decomposto em cores,
Pelo sol enfeitado por estreitas frestas.

Um Templo sob azul e límpida nascente
Permitia saciar n'Alma adormecida,
Inspiração profunda no mundo perecida
Intuindo orações de elevação crescente.

E assim, naquele ambiente purificado
Buscavam consolo e amor, desiludidos
Palavras interiores de paz, esquecidos,
Ali o filósofo apreendia a magia do iniciado.

Haveis que instrumento de trêmulo corte,
Trepidando fio, avançando duro e feroz,
Fez do Templo nada, senão estalo atroz
Num dia em que ao céu clamou a morte.

Que delírio insano ocorrera, porém?
Na inscrição berrante anunciava tal torpeza:
"O progresso derrotara, forte, a natureza"
Restara então, do Templo, nada mais que desdém.


Última foto: Google Imagens.

18/07/2010

PORTAS...(e contraditórios)

"Batei e abri-ser-vos-á" diz o evangelista Mateus, relatando o "Sermão da Montanha" (7.7).
Sou testemunha diante de mim próprio de quanto bati e quantas portas não se abriram. Talvez não devessem se abrir mesmo.


Outras, depois de tanto bater, se abriram, mas ao transpô-las não tinham mais (ou jamais tiveram) o encanto esperado. Ou por que demoraram a se abrir?
Muito bem, a porta está aberta...e agora ?
Volte quando você se vê obrigado ou convencido de que a porta escancarada - depois de tantas batidas - deve ser fechada.


Faça uma reflexão! Afinal, o que buscava?
Resigne-se com a ilusão desfeita. Há tantas outras também desfeitas! E feitas!
Agradeça reverente a graça recebida por ter conhecido o outro lado dela.
Já buscou diante de você mesmo, quais portas interiores fora capaz de abrir?
Como você se encontra nesse momento diante de seus filhos e de seus entes queridos?
Sente-se bem naqueles seus momentos, seus, ao pensar sobre isso?
Se a resposta for "sim", você tem abertas portas que talvez sequer perceba o que elas estão revelando do outro lado do trinco. A claridade que você não nota.
Responda: qual o grau de liberdade que goza? Qual o nível de compreensão que mantém com seus semelhantes? Nada fácil, hem! Qual seu engajamento no trabalho (qualquer trabalho)? Neste mundo insano e acolhedor?
Abertas essas portas, percebidas no seu encanto, no seu recanto, na sua alma, um timbre de afinidades pode apenas restar a paz mesmo que dos esquecidos ou dos poucos lembrados. Você está presente!
Não pode haver engano, porque tais revelações provêm de suas portas interiores. Estas que se abrem e fecham segundo suas necessidades, estado de espírito ou emoções. Que não iludem. Não há uma expectativa interessante de vida nalgumas delas, quando transpostas? Não há ainda algo apreciável a realizar? Não há um eco nostálgico do que foi vivido? Não há doçuras, ternuras e amarguras superadas e quase esquecidas? Aí as contradições, não?
Ó liberdade! Porta. Pensar. Busco-a.
“Buscai, e encontrareis”.

11/07/2010

ANDANÇAS PELA RUA DO PORTO

Aqui em Piracicaba, beirando o rio há um ponto turístico bem badalado: a rua do Porto. Sempre pela manhã, de domingo a domingo, quando algo diferente não se apresente, caminho por lá e no belo parque do mesmo nome ao lado perfaço meus dois quilômetros. Tudo arborizado e bem cuidado pelo que dá um astral muito próprio nessa parte da cidade

No momento em que relato isto, o rio está cheio. Transbordara havia dias pela margem esquerda, atingindo alguns restaurantes da rua do Porto.


Por aqueles dias, sai com um solzinho ralo. Nuvens pelos lados da cidade de São Pedro estavam escuras mas não achei que chovesse, pelo menos até que voltasse sempre a pé para o meu bairro, a uns dois quilômetros dali.
Desta vez pela margem direita entrei pela estradinha cercada pela mata ciliar pensando em passar pelo engenho (edificação antiga de engenho de açúcar, desapropriada pela municipalidade que a vai melhorando, tornando-a um centro cultural), mas o portão estava fechado.
Exaltando desaforos, não querendo voltar subi um barranco de 1,5 metro e cortei pela trilha na pequena área verde à esquerda. No meio daquelas árvores, mato fechado tive um lampejo de aventura, imaginem, depois de tantos anos passados, lembranças das minhas doces ilusões heroicas num barranco íngreme e alto na V. Bela em São Paulo, divisa com São Caetano pelo riacho Tamanduateí.
Parecia haver alguém à espreita esperando algum ato traiçoeiro daquele estranho por ali. Os pássaros, parece, pararam de pipiar, tornando sombria a trilhazinha. Mas, sempre um “mas”, o sinal de boas-vindas foi dado por uma borboleta amarela à minha frente, a mesma daquela que se assentara há dias em duas frutinhas vermelhas do pé de acerola no meu quintal, tomando sol, abrindo e fechando as asas delicadas.
Quando cheguei à pontezinha pênsil, perto do Mirante, para voltar pela rua do Porto, desceu o aguaceiro. Se estava um pouco nostálgico a chuva fora o alento, o encanto.
Encharcado em segundos por fora, lavado por dentro, continuei a marcha, com trovão e tudo. O vento forte sacudia as árvores, algo meio ameaçador.
Com a mesma rapidez com que veio o aguaceiro reconfortador ele se afastou dali. Os ventos o levaram. O solzinho amarelo voltou a reinar pouco depois.
Ao me aproximar do trecho da rua do Porto onde estão os restaurantes os garçons, aliviados, voltaram a arrumar as mesas preparando se para o almoço. Postas e lombos de filhote (peixe) voltaram para as grades das churrasqueiras.
Quando cruzei lá embaixo a ponte nova que leva ao meu bairro me voltei para as nuvens negras e seus seres invisíveis que rumavam lentamente ao sabor do vento para outras plagas deixando sua marca.
As Divindades Superiores em poucos minutos mostraram sua força, seu improviso e a sua inspiração. Da inspiração me assenhoreei porque há bênçãos lançadas a cada instante, mas não nos damos conta disso. Muitas vezes.

04/07/2010

FÁBULA: A VACA E O LEÃO

O pasto era como qualquer outro. A mata fora derribada pelo fogo e pela motosserra. No fundo havia uma mata fechada. O pasto era cercado, mas a cerca era frágil e já havia pequenas passagens que permitiam ir para lado da mata.
Naquele dia, vários bois e vacas velhas estavam sendo empurrados para um caminhão.
A vaca leiteira assustou-se pelo tratamento brutal dispensado aos seus semelhantes, inclusive seus descendentes já crescidos.
O pavor nos olhos deles era evidente, porque até àquela hora viviam em paz, uma vida feliz, alimentando-se do pasto abundante e da água do riacho que cruzava por ali do qual se fizera um lago.
Ouvira que todos seriam mortos e transformados em comida para os humanos. Mas, não acreditava que isso fosse possível.
Horrorizada com o que via, distraiu-se e não encontrou sua cria, um bezerrinho novinho, aquele que achava o mais bonito de todos os outros que procriara.
Precisava alimentá-lo para depois se dar à ordenha. Seu leite, ouvia, ia para todos os moradores da fazenda, inclusive das meninas da casa grande.
Então não tinha do que se preocupar com seu destino. Tinha certeza de que permaneceria na fazenda para sempre.
Todos ainda ocupados com os bois sendo empurrados para o caminhão dirigiu-se à cerca, ultrapassou-a, em busca de sua cria.
Meio confusa com o que via, aquela mata fechada, preocupada em como voltar ao pasto, voltou-se tentando achar o caminho naquele ponto da cerca no qual seria possível passar.

Não poderia ser maior o susto. À sua frente, aparecera um leão imenso, brilhante, dourado, ameaçador.
A vaca desesperada pela sua vida, tentou escapar, enroscou-se nuns galhos secos, mas o leão gritou:

- Não vou lhe fazer mal algum, fique.
Uma ordem, a vaca voltou-se e permaneceu atônita olhando para aquele leão brilhante, dourado.
- Eu só mato para me alimentar, porque assim é a minha natureza. Mas, sei que meus semelhantes criados em cativeiros autorizados, num grande país longe daqui, ao norte, são mortos e suas carnes transformadas em hambúrgueres para os humanos. Servidos com batata frita. Tal qual fazem com os de sua espécie. Muitos são os que protestam contra isso, mas isso já está acontecendo.
- Por aqui, o consumo de sua carne, prossegue o leão, se aproxima do consumo desse grande país. E quanto mais aumenta o consumo, mais pastos são criados e mais florestas são devastadas. Meus irmãos já não têm mais seu habitat e muitos outros animais também não têm. Não há tristeza maior do que vê-los num zoológico em espaços reduzidos, sonolentos e angustiados. Sem se movimentarem, sem explorar as florestas, parar num riacho e beber. E agora chegam ao ponto de nos matar para aproveitar nossa carne como alimento. Nada mais tem merecido respeito, porque o homem está em toda parte nos ameaçando, a todos e ameaçando a sua própria sobrevivência.
Sei que a barbaridade é imensa contra golfinhos, baleias e muitos outros animais desamparados e sacrificados impiedosamente.
Disse a vaca:
- Mas, aqui todos são bons para mim. As meninas da fazenda me acariciam, bebem meu leite...
- Sinto informar que o seu fim é o mesmo dos seus semelhantes que estão sendo levados da fazenda com a violência que você viu. Não se apague a eles, às meninas, não os ame porque nalgum dia você será também transportada para a morte. Sem gratidão.
- Não acredito. Eles gostam de mim e não me farão mal. Preciso sair daqui, estou procurando meu bezerrinho. É hora de sua mama.
- Vê aquelas árvores queimadas ali. Siga na sua direção e você voltará para o pasto e encontrará o seu bezerro.
Dito isso, o leão brilhante foi desaparecendo, sua luz se apagando, deixando a vaca muito assustada com o que ouvira.
Mas, tinha que alimentar a sua cria e esperar a ordenha do moço da fazenda, muito carinhoso e que falava com ela.
E pensou:
- Como não amá-los? (*)


Fotos:
(1) www.visconde-de-maua.com (pousadas)
(2) www.imotion.com.br

(*) V. Crônica com tema correlato: "O Touro manso" de 29.03.2013

27/06/2010

EU AMO TUDO ISTO!

EXPLICAÇÃO

Esta crônica foi publicada no portal “Prosa e Verso de Boteco” não faz muito. Preciso trazê-la para cá para ir centralizando tudo o que tenho escrito de bom e ruim. Há outras por aí que preciso achar.
No citado portal, esta explicação seria dispensável, porque é mais aberto, mais acessado. Nestes “Temas”, acho que a coisa fica mais reservada aos poucos leitores que me acompanham. Mas, enquanto houver um...
Pode parecer que o seu título fora inspirado numa campanha de famosa rede de fast food que não frequento e, claro, não consumo seus lanches. Nenhum.
O motorista parecia eufórico naquela manhã e se saiu com ela, essa frase, como explicado na “1ª cena”.
Na “2ª cena” me refiro no final a um restaurante-lanchonete que conheço há anos na rua de São Bento, São Paulo. De vez em quando eu passo por lá. O lanche a que me referi fora um sanduíche de queijo provolone quente com fatias imensas no pãozinho com bastante alface e rodelas de tomate no meio, muito bom.
O problema é a dose de colesterol. Juro que depois dele andei bastante pela minha destratada e querida cidade natal para queimar a gordura. Mas, não tem jeito. Sempre sobra alguma coisa e essa sobra faz crescer a elevação umbilical. Ai, ai, ai, o que fazer?


1ª cena: “Eu amo tudo isto”

Vou para uma audiência em Belo Horizonte marcada para as 09h00, início dos trabalhos. Saí de madrugada, preocupado porque minha viagem iniciada em Viracopos comportaria conexão no Rio de Janeiro. Chego meio em cima da hora no aeroporto de Confins. Se considerada a distância do centro de Belo Horizonte, realmente está ele nos confins. Alcanço o taxi. Falo de modo peremptório ao motorista:
- Olha, tenho que chegar à Justiça do Trabalho antes das nove. Você vai ter que sair pelas quebradas. Eu sei que estamos a 40 quilômetros do centro e veja a hora...
- Vai dar tempo, doutor! - respondeu com um largo sorriso.
Sujeito bem humorado! Mantive o meu mutismo, nervoso com o andar do relógio. O taxista quebra o “gelo”:
- Veja só doutor, estamos já em novembro, o tempo está passando depressa demais, não? - hoje já é quinta e daqui a pouco estaremos no Natal. Tem um cientista que diz que o tempo, por causa da poluição e das mudanças na atmosfera anda mais depressa, mas marcando o relógio a mesma hora de sempre.
- Talvez você se refira à Ressonância Schumann, disse eu impaciente. Por causa dos desarranjos ambientais, segundo essa teoria, a terra de uns anos para cá estaria em permanente taquicardia, mexendo com a velocidade do tempo do jeito que você falou. Mas, acredite se quiser...
Entramos num congestionamento terrível nas proximidades do centro. Olho para o relógio desesperado e ironizo:
- É, aqui o relógio realmente está rolando depressa demais.
- Garanto ao senhor que chegaremos a tempo, respondeu o taxista sorridente.

Retomando o assunto do tempo se esvaindo mais depressa do que no passado, ilustrei:
- Olha, o tempo pode até estar passando depressa, mas na média estamos vivendo mais, não sei se é bom ou ruim.
- Bom demais, doutor, eu amo tudo isto, respondeu dando uma arrancada e saindo à direita por uma quebrada estreita conseguindo fugir do congestionamento.
Ao me deixar na frente do prédio da Justiça do Trabalho, logo depois, antes de dar a partida, fez um sinal e gritou:
- Vou saber dessa tal “ressonância”. Até sempre.
Às 8h55 já estava no elevador da Justiça do Trabalho, lotado. Havia certo nível de tensão naqueles rostos todos. Audiência para mim é sempre um momento de tensão. Veio-me a frase do motorista:
- “Bom demais, eu amo tudo isto!”

2ª cena: “Minha idade de vida? 92 anos”

Desço tranquilo do 5° andar do Fórum João Mendes, em São Paulo. As coisas tinham caminhando bem nos meus (poucos) processos por lá e por isso havia baixado meu estágio “normal” de tensão quando da subida. Alojo-me bem na frente da porta do elevador e ouço um velhote, mas bem idoso mesmo, debatendo com outro idoso algumas questões jurídicas.


Volto-me e me surpreendo com ele, magrinho, baixo, cabelo ralos dividido no meio. No térreo não resisti:
- O senhor é advogado militante? Posso perguntar sua idade?
O velhote me olhou de alto a baixo, segurou firme a gravata verde, vacilou um pouco, respondeu:
- Sou advogado e minha idade são 92 anos.
- Mas o senhor ainda exerce a profissão?
Diante da resposta afirmativa, aquele que parecia ser seu cliente, também idoso, arrematou:
- E ele viaja para outras cidades para audiências e o que mais necessário.
Revelei minha admiração pela sua disposição para o trabalho e me envergonhei um pouco pela minha preguiça, mesmo depois de estar me aproximando das quatro décadas advogando ou indiretamente me valendo da advocacia para outros tipos de trabalho.
A advocacia é uma espécie de cachaça embora de má qualidade que vicia.
Sai para a rua de São Bento nos rumos de um velho bar para um lanche reforçado. Na frente da estação do Metrô, a uns dois passos do Largo de São Bento.
- Bom demais, eu amo tudo isto!



Fotos (from Google):
1. Fórum João Mendes (www.flickr.com)
2. Largo de São Bento (ircaldas.spaces.live.com/blog/)