03/10/2010

PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE BEM-TE-VIS E MIMOS

A manhã começara mal-humorada
Não bastara o café adocicado
Algo no jornal me deprimira
Uma notícia cruel e malvada.

Mas, ai um bem-te-vi
Na janela me avisou que me vira
Eu também te vi, vigilante passarinho.



Diante da minha voz que se perde a um metro à frente do meu nariz, um apelo que se perde na areia fina do deserto que me perturba a alma, passei a ignorar as tragédias humanas nas quais se destaca a devastação ambiental e os maus tratos aos bichos. Se não ignorasse mais sentiria o murro no estômago.
Não me venham com essa de que o ser humano também sofre, é abandonado, as crianças se perdem, são molestadas. Essa é a tragédia humana que nada mais é do que o reflexo concreto de sua própria crueldade que não poupa nem os semelhantes. Ela se expande pelo que fazemos aos animais e à flora como uma nuvem espectral ampliada, captada pelas mentes inferiores.

Um desses dias em que não me senti confortável no desempenho do meu cotidiano referiu-se à notícia de que o bioma denominado “Cerrado”, aqui no Brasil, já foi devastado em 50%. Até 2004, 60 fornos de carvão – no que se converteu a vegetação do Cerrado – abasteciam siderúrgicas de Lagoa Santa, em Minas Gerais.”
É possível se imaginar uma coisa grotesca dessas?
O Cerrado, “pode ser chamado de “caixa d’água do continente sul-americano”, por captar águas pluviais que abastecem nascentes e formam rios nas bacias do Amazonas, São Francisco, Paraná e Tocantins...” (1)
E embora os tais fornos fossem desativados, a agropecuária constitui-se numa ameaça ao desmatamento continuado do Cerrado e o risco à fauna rica que lá (sobre) vive.
Essas barbaridades não são um despautério apenas brasileiro, porque
“Olhando uma imagem de satélite da Rússia, pode-se ver uma vasta extensão de terra áridas onde há décadas havia uma vegetação luxuriante. Eu me refiro à República da Calmúquia, que abriga o primeiro deserto produzido pela ação humana da Europa e reconhecido como tal nos anos 90.” (2)
Isso para ficar apenas num caso no Exterior para ser “solidário” com nossa inconseqüência continuada.

Mas, a despeito disso e da minha voz tão sem eco, já fiz campanha e continuo fazendo, de enfeitar as estradas na sua área divisória de pistas, como é o caso da maioria das estradas do Estado de São Paulo, plantando em espaços regulares mudas de hibisco (mimo) nas suas várias cores como forma de, também, “humanizar” o trajeto.

Mas, o que me levou a nocaute naquela manhã foi esta notícia:
“Uma queimada para renovação de pasto no Pantanal de Mato Grosso do Sul carbonizou um número ainda não estimado de ninhos com filhotes de araras, papagaios, periquitos e maritacas que, nesta época do ano, estão nos primeiros dias de vida. Também morreram queimados mamíferos, cobras e lagartos, conforme constataram soldados da Polícia Militar Ambiental em uma área de 2240 hectares consumidas pelo fogo.”
Diz a mais a notícia que a queimada de mato seco ficou sem controle, esclarecendo que “a maior destruição da fauna e da flora aconteceu em áreas de preservação permanente”
O proprietário, mais que irresponsável, foi multado em R$2 milhões, “a maior multa aplicada a uma única ocorrência do gênero pelo Estado até agora.” (3)

Pasto, sempre o pasto! O Universal Channel num documentário recente mostrou como são preparados os hambúrgueres nos Estados Unidos. Claro que a par da matança monstruoso dos bois, a mistura do produto contém toda aquela gordura, aquele sebo misturado à carne moída. Pois são esses “ingredientes” que dão o sabor ao hambúrguer. Argh!

Naquela manhã depressiva, relembrando os estragos do fogo criminoso na reserva ambiental de Mato Grosso do Sul, me questionando, afinal, o que eu fazia por aqui, neste mundo entre o sublime e o pavoroso, cada vez mais, sem nenhuma vontade de renunciar a todos os meus valores e tarefas, porém, um pequeno evento me alertou: um bem-te-vi empoleirou-se na janela do meu escritório no 5° andar e pipilou aquele som estridente que lhe batizou: bem-te-vi!
Eu me volto e dou nos seus olhinhos entre as tiras da cortina.
Creio que há algum ninho nos vãos de ar condicionado, por ali.
A vida ainda se renova, bem vi. Até quando, meu querido amarelinho gritador, até quando?


Rodapé
1. Jornal “O Estado de São Paulo” de 02.09.2010
2. Idem de 03.10.2010, artigo de Kwame Anthony Appiah, “Pecados de longo Alcance”.
3. Idem de 29.09.2010

Imagens / Fotos:
i.) Mapa IBGE: localização dos biomas no território brasileiro (clicando no mapa, dá-se a ampliação)
2.) Hibisco (mimo) - fonte: http://multiflorafernandopolis.blogspot.com/
3.) Bem-te-vi - fonte: http://flog.clickgratis.com.br/

26/09/2010

RELATÓRIOS & RELATOS

Não por falta de inspiração, sei não, hoje não tratarei de nenhuma crônica formal. Há aquele recolhimento nesta manhã de domingo, radiosa de chuva e, verdadeiramente, com ela, um sentimento de paz e que o mundo pode prosseguir, porque com ela a terra tende a se regenerar e as sementes, todas, brotam.
Informo que neste mês de setembro este blog tão desanimador na sua origem, deverá alcançar algo em torno de 800 acessos. Pouco? Não para mim - é muito. Até desconfio às vezes da "honestidade" do contador de acessos.
Informo que por meses e meses eu, por “dever de ofício” e mais uns dois ou três amigos o acessavam. E nada mais.
Meu amigo de décadas, Caio Martins (http://caiovmartins.blogspot.com/), de São Caetano do Sul é o incentivador e idealizador deste blog.
Por isso, quantas vezes nesses meus estágios depressivos não pensei em abandonar os relatos, crônicas e poesias, que aqui tenho publicado.
Não se preocupem com essa de “estágios depressivos”, porque pela minha familia ouço que tiro qualquer depressão “de chaleira”, porque estou sempre depressivo.
Não é bem assim...


De todas as 78 postagens que já inseri nestes temas livres, muitas vezes fiz alguma “autocensura”, em homenagem aos que se atreveram a me “seguir” e pelos grupos literários que passei a frequentar.
Há que, quanto possível, que depurar as vibrações da Terra já tão poluída por tudo o que recebemos de ruim no nosso cotidiano. Ouvi isso e de certo modo assumi esse princípio.
Tenho notado, de outra parte, de modo sistemático, que todas as criações literárias nesses grupos seguem essa linha de inspiração do coração para cima.
Por conta de minha profissão, embora não seja criminalista, já disse isso, sei de misérias do mundo, nesse círculo limitado do qual participo. Seriam crônicas contundentes, digamos, mas as omiti. Algumas que relatei foram atenuadas.
Mas, ah, o “mas”, saibam que inspirado em fatos “reais”, tenho um...livro que começa com o tudo da miséria humana, Joana D´Art – para o realismo real, visitei até mesmo um presídio feminino. Já registrado na Biblioteca Nacional eu o estou revendo e colocando o narrador na primeira pessoa “eu” em lugar de “o advogado”. Se publicarei? Quem sabe? Com a internet é possível alguma alternativa. A história é pesada mas, sobretudo, de redenção.

Falei de estados depressivos. Se tem coisa que mexe comigo e me leva ao inconformismo total, são as mazelas da política brasileira. Chega hora em que mudaria daqui se tivesse uma “grana preta” para conseguir o sustento em Portugal, paisinho que gosto tanto.
Esse meu inconformismo com essas “variáveis políticas” se refletem nos artigos semanais que tenho escrito no portal “Vote Brasil” (www.votebrasil.com) não só políticos, é claro, mas a maioria. Tenho me exposto além da conta. Em 18 meses escrevi 80 deles. Eles também são encontrados pelo “link” neste portal “Milton Martins & Artigos”. (meu nome aparece porque fora o único meio de o cadastrar nos portais de busca, tanto quanto “Temas Livres”).

Quem me dera tivesse o dom apenas da inspiração e caminhasse somente nesse mundo superior da poesia. Mas, não consigo me desligar deste chão bruto, eu e as minhas depressõezinhas cotidianas.

Naqueles meus idos que se perderam mas que ficaram na juventude “feliz mas não sabia”, convivendo com uma turma quase boêmia, na verdade, não conseguia beber muito ou, por outra, no máximo um copo de cerveja. Até hoje. Por isso, nesses dias muito quentes, me valho de cerveja sem álcool. A melhor é a Bohemia (epa!).
Muitos daqueles caras tinham forte veia poética e ficavam nesses botecos maravilhosos dedilhando versos e contando prosa e vamtagem com voz delirante. Já relatei essas passagens em crônicas passadas.
É daqueles tempos estes versos, mal inspirados que exatamente criticavam aqueles poetas amigos semi-embriagados.
Hoje, sei que eles não são bem verdadeiros. Há muitas poesias e músicas maravilhosas que surgiram nesse estágio etílico de seus autores. Eis o teor:

”Ah ! poeta falsificado
triste e doido beberrão;
rei da histeria tola
o que pensas da poesia ?
Julgas que diante dos copos ,
da garrafa vazia,
encontraras a musa do amor ?
enganado estás meu caro medíocre !
a musa imaculada que buscas,
aquela que o verdadeiro poeta canta,
não está no brilho d’uma garrafa,
Ilustre beberrão !
Porque a musa doce e bela
a pura e límpida impressão,
É a alma limpa que chama
É o espírito são que revela...
tolo beberrão.”

Quanto a mim, continuo na cerveja sem álcool que mantenho no meu escritório e se tiver alguma inspiração para escrever algo será, no máximo, sob seus efeitos. Claro que minha (des) inspiração não se explica por essa opção.

Esta foto, não sei se bem clara (clique na foto que ela se amplia), revela no meu ombro um exemplar de calopcita uma encantadora avezinha e seu penacho amarelo. Macho, gosta de transitar por ombros masculinos e seus assobios muitas vezes imitam acordes musicais.
Como é possível um bichinho com cérebro do tamanho de um caroço de azeitona se apegar tanto e mostrar que sabe o que quer?
Ora, não critiquem o fato de sua domesticação. Por ser inevitável sua criação em cativeiro, é bem melhor do que vê-las presas em gaiolas imundas. É preferível que fiquem traquinando por ombros amigos. Esta quase cortou o fio do mouse, passeando pelo teclado.


Situações interessantes podem ocorrer nestas exposições via internet. Sobre vegetarianismo já escrevi várias crônicas. A que mais repercutiu foi “Animais Brutalizados”. Uma delas com alguma dose de humor para documentar as peripécias e dificuldades diárias de um vegetariano ou candidato a... (“Vegetariano Enrustido: as receitas” de 09/05/2010 ).

A outra, mais recente, sobre “feijoada vegetariana” (de 01.08.2010). Para que não se perca numa referência limitada, podendo ser útil a quem se proponha a abandonar o consumo da carne de um modo geral, transcrevo receita de feijoada vegetariana registrada naquela crônica, remetida pela escritora vegetariana, Ivana Negri, “deliciosa e light” que não produz "efeito adstringente":

FEIJOADA VEGETARIANA
Ingredientes:
½ quilo de feijão preto
1 lata de bife vegetal da Superbom cortado em tiras
1 xícara de proteína de soja graúda (PTS)
1 xícara de proteína de soja em tirinhas
3 linguiças de soja cortadas em rodelas
300 grs. de ricota defumada temperada (para dar o gosto de defumado) cortada em cubos
1 colher (sopa) de tempero chimichurri - tempero composto de ervas diversas
1 colher rasa (sobremesa) de fondor
½ cebola e 1 dente de alho picados
folhas de louro
azeite para refogar
1 colherinha de aji-no-moto
Deixar o feijão preto de molho de véspera.
Colocar em água, para hidratar, as proteínas de soja graúda e em tiras.
Aquecer o óleo ou azeite e refogar a cebola e alho picadinhos
Coloca-se o feijão escorrido, a soja depois de espremê-la com as mãos para retirar o excesso de água, a ricota picada e as linguiças. Provar o sal e se quiser, colocar um pouco de pimenta calabresa (geralmente a ricota já contém pimenta). Colocar o aji-no-moto, o fondor e as folhas de louro.
Acrescentar água até cobrir todos os ingredientes.
Levar ao fogo na panela de pressão até que o feijão esteja macio e com caldo encorpado. Servir com arroz branco, couve cortada fininha e refogada, fatias de laranja e farofa.
Os ingredientes podem ser encontrados todos no Bom Queijo (empório de Piracicaba com grande variedade de produtos alimentícios).


Só um blog pode conter essa variedade de temas, que são livres. Homenagens.


Imagem / pintura: João Werner - "Colhendo laranjas" (www.joaowerner.com.br)

19/09/2010

"MUSAS ETERNAS"

Pode ter até atriz brasileira que se enquadre na lista das musas do cinema. Mas, nenhuma como as americanas. Lembro-me assim de passagem apenas de Regina Duarte, a ex-namoradinha do Brasil, que anda hoje pela casa dos 60 anos. E não tinha, é claro, o mesmo encanto pela relativa modéstia do cinema brasileiro, então.
E de Eva Wilma, muito bonita, na TV Tupi (“alô doçura”).
Periodicamente, circula pela internet um pps - power point slideshow (sofisticado, hem!) e há portais com as mesmas fotos, que de modo interessante lembram aquelas atrizes que frequentaram nossa imaginação no final dos anos 50 e especialmente nos anos 60, musas do cinema americano.
Com uma particularidade: dá-se nessa divulgação o contraste da sua melhor forma do passado, lindas, e nestes tempos, quando todas passaram dos 70 anos:


Julie Christie, lindíssima em "Dr. Jivago" e agora mostrando em seu rosto honesto, o peso dos quase 70 anos – quem não associa sua imagem à música “Tema de Lara”, que abrilhantou esse filme? (*)



Úrsula Andress, na sua aparição deslumbrante no filme “007 contra o Satânico Dr. No” que “satanizava”, sim, a nossa (masculina) imaginação e agora revelando no espelho da vida as marcas de sua idade também além dos 70;
Elizabeth Taylor com sua beleza “rigorosa”;
Sophia Loren, ainda muito bonita nessa faixa etária que exibira na juventude os seios perfeitos, redondos, eles sim, verdadeiros “lolobrígidas”;
... a marca selada da mulher desde que naturais.
E Brigitte Bardot, símbolo sexual de primeira em qualquer lista naqueles tempos, desinibida como poucas, hoje muito, muito, afetada pela idade, mas lutadora incansável pelos direitos dos animais.
Esse material tão versátil tem como fundo a música “To all the girl we’ve loved before” cantada por Julio Iglesias e Willie Nelson cuja letra tem estes versos:

“Para todas as garotas que fizeram parte da minha vida,
Que agora são esposas de outros:
Estou contente que elas apareceram
E eu dedico esta canção
Para todas as garotas que amei antes.”


Essas “musas eternas”, adoradas na telona, sequer sabíamos de sua vida privada. O que importava era sua presença brilhante, inspiradora, sensual, sexual.
Sim, elas eram esposas e agora são avós ou, quem sabe, bisavós.
As fotos comparativas da juventude e velhice me tocam pelo que foram elas. Não importam os estragos inevitáveis dos anos agora revelados.
Naquele estágio de juventude, esse mistério que há na existência feminina e que não nos dávamos conta, essas musas engravidaram, amamentaram, cuidaram dos filhos...mas, nunca perderam o poder de sedução quando na telona, mesmo já maduras.
Esses atributos estão presentes na mulher: sedução, maternidade e amamentação. Capazes de grandes explosões, nos momentos seguintes esbanjarem carinho ou envolvem seu companheiro num jogo de sedução e desejo irresistíveis. Ou partirem para o rompimento definitivo segundo as circunstâncias.
Ah, meus caros, essas mulheres com todos esses atributos ingressam no mercado profissional antes dito masculino, assumem cada vez mais posições de mando por mérito próprio, apolíticas (há referências positivas entre as que enveredaram para a política partidária), exigindo que barbados e marmanjos peçam ordens e aprovações de sua caneta.
Segurem as feras.

Mas, dou relevância à sua condição de carinhosa, sedutora, sensual e quão lindas, com estes versos que complementam com algum humor a realidade da mulher. Os bailes naqueles tempos eram um dos principais divertimentos nos quais rolavam cuba-libre, recatos, seduções e...long-play:

NU ARTÍSTICO

Estanco na figura nua
Mulher linda, perfeita
O clamor da beleza pura
Que a refinada obra acentua.

Fixo-me nas reentrâncias
Nos picos e declives espessos
Penso num abraço
Num beijo ardente à perfeição
Mas, ela ali não vive
É pura inspiração.

Não é ela real, pois.
Uma miragem é o que vejo
O artista que a obra fez
Assim graciosa e linda
Instiga o solitário desejo.

Reajo a tal beleza inatingível
Fixando-me ainda na imagem
Vingo-me, assim, jocoso, então,
Rio de piada antiga:
Senhora com decote revelador
Lindos seios à mostra, encantos
A marca selada da mulher,
Pergunta ao dançarino fogoso:
- Sabes dizer os atributos da mulher
De que mais lindo ela tem?
- Sei-os, senhora, mas não direi...



(*) Compositor Maurice Jarre (13.09.1924, Lyon - 29.03.2009, Los Angeles)

Foto: Julie Christie, hoje e “ontem”

12/09/2010

ENTARDECERES

Há composições de natureza nostálgica que não se afinam com a prosa. O melhor é tentar transmitir esses momentos pelos versos, porque obrigam a economia de palavras sem tirar o sentido que se quer revelar.




Chega a pouco o entardecer
Já chegara a hora da “ave-maria”
Ouço no éter o som dos sinos
Na mesma hora da meditação,
Pássaros inocentes se abrigam
Seja sob o sol que se esconde
Ou sob as bênçãos da chuva
Neste instante, a paz, haveria,
Mas, encho-me de angústias e dúvidas
Por que a tudo perseguir?
Onde se perderam os ideais?
Surpreendo-me, por avançar nas coisas da vida
Pela constância dos entardeceres que vão
Nada igual aos de ontem, mas iguais
Há um sentido de perda e emoção
Que me faz no silêncio soluçar,
Incompreendo essa ânsia do quase choro
Alerta-me sempre tênue chama do fundo d’alma
Que esses entardeceres com hora marcada
Tal qual imagens que me vejo no espelho
Se sucedem, não voltam e, aos poucos, fenecem.

05/09/2010

STEPHEN W. HAWKING e minhas implicâncias

“Desço” para o meu quintal repensando artigo que há pouco lera dando conta de que a população mundial ultrapassara a seis bilhões de criaturas.
Assento-me no banco de granito e na paz, tento meditar um pouco.
Seis bilhões de criaturas que nasceram de um ato explosivo entre um homem e uma mulher, entre doce e meio selvagem. De regra, a partir desse ato, favoráveis as condições, tem início a concepção.
Essa a lei, a mesma que se dá entre os animais ou quase todos.
Se pensar de modo natural, considerarei esses atos como normais, verdadeira rotina da vida. Mas, terei dificuldade em me situar se perguntar, por que são assim? Por que há um sabor adocicado no ato que antecede a concepção?

À minha frente, mirando a mangueira, noto que, com seca e tudo, ela promete oferecer muitas mangas,o que não se deu no ano passado.
Lembro-me bem dela, quando a plantei. Muda tenra na qual se via, ainda, resquícios do caroço

Lá no canto à esquerda, num ângulo do muro, nasceu “espontaneamente” um pé de pitanga. Com certeza sua semente fora escapada ali por um pássaro.
A despeito de toda a predação que ocorre no mundo, toda a semente, em condições favoráveis, está pronta para germinar.
Tento filosofar um pouco.
No que concerne à mangueira, é muito natural que ela dê manga deliciosa e açucarada. Essa a razão de sua existência. Do mesmo modo a pitangueira com suas frutinhas vermelhas.
Tudo muito natural, a menos que eu indague por que há de ser assim. Por que seus frutos agradam tanto ao nosso paladar? Mero acaso ou a mangueira e a pitangueira têm algo a ver conosco?
Quantas noites, miro esta fração do Universo e não me canso de admirar aquelas milhares de estrelinhas lá em cima, a milhões de anos luz de distância, piscando e anunciando sua imensidão e o desafio da incompreensão.
Como tal ordenamento se sustem?
Pelo acaso? Pelo equilíbrio da repulsão e da atração? Que se compensam? Por uma mágica do éter?
Que forças são essas, afinal?
Minha mente assim diminuta não consegue nada divisar sobre essas imensidões insondáveis que se dilatam sem parar. Mas, elas estão lá.
É aqui que entra o astrofísico Stephen W. Hawking. No seu livro “Uma breve história do tempo – Do Big Bang aos Buracos Negros”, no capitulo “Origem e destino do universo” (1), ele começa assim:
“A teoria da relatividade geral de Einstein, baseando-se em si mesma, previu que o espaço-tempo começou com a singularidade do Big Bang e chegará a um fim também com uma singularidade, o Big Crunch (se todo o universo entrar novamente em colapso) ou numa singularidade dentro de um buraco negro (se uma região local, como uma estrela, entrar em colapso).”
E mais à frente entre outras perguntas:
“Terá o universo, realmente, um começo ou um fim”.
“E, se tiver, com o que se parece?”
Bem, de toda a imensidade que se vislumbra e pelo meu nível de inteligência, não me atrevo sequer a atinar com tais questões, até porque não resolvi, ainda, o que se dá com a proximidade de minha mangueira e da pitangueira.
E as intuições que, vez por outra, interiormente brotam?
Tendo em conta a teoria do Big Bang, Hawking nesse livro começa a minimizar a presença de um poder superior (Deus) para gerir todas essas imensidões. Assim:
“Entretanto, elas (as pessoas) não informam com o que o universo se assemelhava quando começou; ainda seria da alçada de Deus dar corda no mecanismo do relógio e escolher como inaugurá-lo. Assim como o universo teve um começo, pode-se supor que teve um criador. Mas, se realmente o universo é completamente auto-contido, sem limite ou margem, não teria havido começo, nem haveria fim; ele seria simplesmente. Que papel estaria então reservado ao criador?”
Não surpreendem, pois, as notícias a propósito do lançamento do seu novo livro neste mês, The Grand Design (O Grande Projeto, em tradução literal). Disse Hawking:
"Porque existe uma lei como a gravidade, o Universo pode e deve criar-se a partir do nada. Criação espontânea é a razão para haver alguma coisa em vez de nada, para que o Universo exista, para que nós existamos", escreve Hawking. "Não é necessário invocar Deus para acender o pavio e pôr o Universo em movimento.”
Já me proclamei agnóstico (moderado), mas tal qual o crescimento e os frutos de minha mangueira e da pitangueira não consigo desvinculá-las da semente e do milagre de sua eclosão. E do orgasmo que precede a concepção animal. Há em tudo uma semente, notória e muitas profundamente veladas, irreveláveis.(2)
O astrofísico Stephen W. Hawking a quem admiro (ver abaixo recentes crônicas que escrevi sobre suas teorias), “consegue falar apenas por um sintetizador de voz computadorizado, em decorrência de uma neurodistrofia muscular que avançou nos últimos anos e o deixou quase completamente paralisado.”
Eis aí, um cérebro brilhante num corpo imóvel.
Diante disso, não sei se ele se volta para sua interioridade para tentar desvendar o seu próprio universo. E as diferenças entre os semelhantes.
Ah, sim. Há estrelas que fenecem, porque nasceram...


Referências:
1. “Uma breve história do tempo” – Editora Rocco – 28ª edição - 1997.
2. No livro "O Símbolo Perdido" de Dan Brown há a seguinte frase atribuida a Albert Eistein: "Aquilo que é impenetrável para nós existe de fato. Por trás dos segredos da natureza há algo sutil, intangível e inexplicável. A veneração a essa força que está além de tudo o que podemos compreender é a minha religião."
Fotos:
1. Minha mangueira no quintal.
2. Estrela central da Nebulosa Ampulheta em processo de extinção (Foto NASA - Hubble) – de olhos bem abertos.

Crônicas baseadas em idéias de Stephen W. Hawking:
16.08.2010: “Exilados”
23.05.2010: “Invasão alienígena: um perigo para a humanidade?”

29/08/2010

CICLOS E IMPOTÊNCIAS

Talvez eu esteja um tanto repetitivo nestas crônicas, explanando sobre a devastação ambiental. Se assim se dá é porque minha angústia atingiu limites do insuportável. Otimista por opção pessoal (“está tudo ótimo!”), sou pessimista, como já frisei antes, com o que poderemos passar ou os nossos descendentes enfrentar, com o que vimos assistindo no mundo no qual prevalece, imutável, o valor do dinheiro e não os prejuízos ambientais e de vida que ambição daquele impõe a estes.
Não me considero religioso na acepção do termo, tenho meus momentos de reflexão e outros de pura indiferença. Aqueles, porém, se sobrepões até por peso de consciência.
Já relatei, numa crônica de 20.09.2009, neste blog, “Intuição desvendada”, os significados de textos bíblicos à medida que, obtidos aleatoriamente os versículos, um grupo de alunos ia lendo e os interpretando, encontrando significados diferentes e até mais profundos do que aqueles normalmente aceitos.
Nunca me esqueci dessa experiência que vivi no meio termo da adolescência.
Por causa dela, vez por outra abro a Bíblia e vejo o que aparece. Nestes dias de sufoco pessoal abro em Romanos e lá está no versículo 5-3 e 4:
3. E não somente isso, mas também gloriemo-nos nas tribulações; sabendo que a tribulação produz a perseverança,
4. E a perseverança a experiência, e a experiência a esperança.


Assim sinto que tenho que perseverar na minha experiência e por todos os meios gritar: Esperança!
Mas, essa mensagem não me impediu de redigir a composição abaixo e, depois de escrita, abri de novo a Bíblia para algum aclaramento e eis que me deparei com o “Livro de Eclesiastes” e lá está a contundência na condenação à vaidade e, de certo modo, ressaltando a rotina da vida, como nestes versículos

2. Vaidade de vaidade! Diz o pregador, vaidade de vaidade é tudo vaidade.
3. Que vantagem tem o homem, de todo o seu trabalho, que ele faz debaixo do sol?


Considerando que o trabalho faz parte da vida e a vaidade a movimenta menos ou mais, tenho uma poesia cuja primeira estrofe:

TUDO É VAIDADE
Diz o Pregador, melancólico (?), realista (?):
"Vaidade de vaidade, tudo é vaidade"
Desta vida de serviço sem idade.
Da mais humilde à mais soberba criatura
A vaidade impulsiona o mundo, porém
Mas, no fim, nada restará senão o pó, o além...”

Essa a ressalva que faço em relação à vaidade e ao trabalho.
Porém, as coisas se modificam, por conta desse “trabalho” do modo mais preocupante, alterando até mesmo a rotina posta nesse capítulo bíblico.
Como estes que destaco:
4. Uma geração vai, e outra geração vem, mas a terra para sempre permanece.
6. O vento vai para o sul, e faz o seu giro para o norte; continuamente vai girando o vento, e volta fazendo os seus círculos.
7. Todos os ribeiros vão para o mar, contudo o mar não se enche: para o lugar para onde os ribeiros vão, para aí tornam ele a ir.

E por aí vai o texto bíblico, inclusive afirmando no n° 8 que “essas coisas se cansam tanto” e no versículo 9: O que foi, isso é o que há de ser e o que se fez, isso se tornará a fazer, de modo que nada há de novo debaixo do sol.

Hoje, com todas essas tragédias, todas essas degradações, os ribeirões vão para o mar? O mar não se enche? E o derretimento das calotas polares? O que têm provocado os giros do vento? As tormentas? As enchentes nunca vistas?
Esses ciclos rotineiros sugeridos pelo texto bíblico estão se modificando a olhos vistos, “os olhos não se fartam de ver”, pela ação devastadora do homem sob este sol.
Diante desses elementos, a composição a seguir, que pode até ser paciente mas muito pouco esperançosa.

IMPOTÊNCIAS


Sereno, medito neste meu canto
Uma avenca aos trinta anos me encara
Orquídeas sorriem e olhinhos delicados
Miram violetas roxas com ternura e encanto,

Estanco surpreso com essa beleza

As multicores irradiadas à tépida luz
A ela se integram e por isso exultam
Nesta plaga de recolhimento e singeleza.

Não me constrangeria se ali caísse em oração
Agradecido por aquelas existências reais
Sorrisos doces em oferendas, momentos de paz
Nestes tempos doentes, de guerras e destruição,

Transporto-me então para outra realidade, dura
Lá, tombam árvores, queimam-se florestas
O fogo desencadeia indescritível tragédia
Ceifando tudo, a vida, os bichos, a doçura

Exala de mim amarga tristeza e dor
Por clamar em silêncio, sem ouvidos
Ameaço gritar aos quatro ventos
Mas os sons se perdem em obscuro torpor,

Não reconheço esses ventos maculados
Sopram eles espíritos de tormentas assistidas
Neste fogaréu imenso de provações
Insensibilidades, ódios e odores desregrados,

Saberiam todos que este solo esgotado
Não haverá por muito como se refazer desses abusos
Apontando em riste e em lágrimas secas
Que pouco sobrará destes tempos abusados?

Resigno-me à minha impotência já tanto esquecido
Perante minhas poucas orquídeas, violetas e avencas
Intuindo no íntimo com angústia e melancolia
Que fenecem os tempos neste clima embrutecido.

22/08/2010

POMPÉIA e o micro Armagedon

Resisti em publicar esta crônica, tais as tragédias atuais, as naturais como as grandes enchentes e as provocadas pela insanidade humana, como as grandes queimadas e o imenso e insistente ataque aos bens naturais.
Mas, repensando os eventos, resolvi pela sua divulgação aqui nestes temas, que são livres.


As ruínas de Pompéia lá estão atestando a catástrofe que se deu com a erupção brutal do vulcão Vesúvio.

Caminho por aquelas ruelas de pedra – grandes pedregulhos lisos – que dificultam os passos.
Tinha poucas informações sobre a cidade soterrada por cinzas e lapíli – um composto sólido, pequeno, tipo pedrisco, incandescente, expelido pelo vulcão.

Melhor assim, porque, quem sabe (?), tivesse alguma sensação diferenciada captando vibrações do local, tantos foram as surpresa e os sofrimentos pela tragédia.

As poucas informações me levaram a um estágio diferenciado quando há anos visitara as pirâmides de Teotihuacán, no México (v. crônica de 04.04.2010).

Essas impressões ou sentimentos espocam quase que naturalmente. Como não reverenciar ou se emocionar diante de uma catedral à beira de completar um milênio ou mais, tão comum na Europa, cuja construção levou dois ou três séculos? Quantas mãos a construíram, quais sofrimentos trouxeram ao ser erigida pelos séculos e quais orgulhos vibram nos milhares de blocos fortemente assentados que a constituem?

Dias antes, estivera no túmulo de São Francisco, em Assis. Tudo me faz crer que aquele clima de reverência existente, tantos religiosos por ali, muitos em oração, produz um clima de paz facilmente absorvido, aquele enternecimento que não se explica. E não há a invocação à sensitividade como se tudo se explicasse à luz de fenômenos parapsicológicos. As emoções se aguçam e se revelam. Só isso.

Talvez por conta de todas essas impressões anteriores vividas naqueles dias, quando fui avançando pelas suas ruínas de Pompéia, tudo se resumia à indiferença.
Fora uma cidade próspera que, tanto quanto a cidade vizinha de Herculano estava ao pé do Vesúvio, uma montanha com mais de 1200 metros de altura.

O Vesúvio situa-se nas proximidades de Nápoles, bela cidade bem ao sul de Roma, a 194 quilômetros de distância da capital.

A erupção que soterrou Pompéia e Herculano se deu em 79 DC.

Ao ressurgir das cinzas e dos elementos do Vesúvio, quando começaram as escavações no início do século 18, toda sua intimidade foi revelada, destacando-se as obras de arte, a maneira como resolveram seus habitantes a urbanização da cidade, os monumentos e as grandes construções.

Pompéia se situava numa região rica em vinhas, adorando deuses pagãos, não fora surpresa encontrar em suas reentrâncias sinais de erotismo exacerbado. Aliás, num aposento de rica residência, depara-se, desenhando na parede, a figura singular do Priapo, o deus da luxúria.

Em Pompéia não se tem o sentimento do sagrado, a despeito do sofrimento do cadáveres ali preservados e mantidos com suas expressões de terror diante da morte inevitável imposta pela fúria do vulcão, talvez porque haja até, pelos próprios guias turísticos aos montes por lá, uma certa malícia ao destacar aquele lado luxurioso que existiu nos costumes da cidade.

Esses cadáveres “soterrados na cidade foram recobertos de cinzas molhadas. Com o tempo, as camadas ficaram sólidas, moldando-se perfeitamente ao formato dos corpos, registrando até a expressão facial dos habitantes em seus momentos derradeiros. Depois do processo de decomposição, restaram moldes ocos, cujas cavidades foram preenchidas com gesso líquido para formar as mais famosas imagens da cidade.” (1)


Havia resquícios de presença do cristianismo. No livro de E.C. Conte Corti, há uma foto de um genuflexório tendo à frete um cruz, encontrado em Herculano, provavelmente pertencente a um escravo. Seria essa uma das poucas referências à incipiente influência cristã por aquelas plagas pagãs. (2)



Quando da erupção do Vesúvio, os habitantes de Pompéia, preocuparam-se em salvar o que pudessem de suas riquezas. Muitos morreram soterrados ou sufocados pelos gases preocupados em carregar pertences de valor (jóias, em especial):
“Os moradores dos bairros do oeste de Pompéia, mais próximos do mar conseguiram salvar-se; entre eles, Caius Sallustius, a quem pertencia a casa da esquina, no fim da Rua do Mercúrio. Sua mulher, pelo contrário, perdeu tempo tentando reunir suas jóias; acompanhada por três mulheres de condição modesta, caiu na rua, a pouca distância, com seu dinheiro, seu espelho e suas jóias, e afundou-se na cinza encharcada.” (2)

Outros, pela surpresa da catástrofe, morreram mal abandonando a mesa de refeições.

Num outro trecho do magnífico livro o autor compara o sofrimento de Pompéia com “o castigo infligido por Deus às cidades ímpias da Palestina”. E acrescentava: “Um homem, certamente judeu, refugiado numa casa, escreveu na parede: “Sodoma e Gomorra.” (2)

O que se conclui dessa tragédia no meio de tantas outras?

O lugar comum: a vulnerabilidade da vida, a insensatez da vaidade e a transitoriedade da riqueza.

Legendas:

Foto 1: Entrada das ruínas de Pompéia
Figura 1: Localização de Pompéia
(1) Revista “Veja” de 15.03.2000
Foto 2: Cadáveres “petrificados” de vítimas do Vesúvio em Pompéia
(2) E.C. Conte Corti, “Vida, Morte e Ressurreição de Herculano e Pompéia” –Ed. Itatiaia – 1964 (BH)
Sobre o genuflexório, esclarece o autor que “diante de uma cruz, num aposento de uma casa em Herculano, descoberto em 1929, a prova de que no ano 79 já havia ali uma pequena comunidade cristã.”

16/08/2010

EXILADOS

Há muitos anos que li o pequeno livro. Se não me engano, naquela edição, não havia referências tão acentuadas a princípios espíritas, embora professasse o autor o espiritismo. Trata-se do livro “Exilados da Capela” de Edgard Armond.
Lembrei-me dele, num dia desses quando li pequena notícia, referindo-se à opinião do astrofísico Stephen Hawking, autor entre outros do livro “Uma breve história do tempo”. Disse ele que a humanidade nos próximos 200 anos deveria obter tecnologia para alcançar e colonizar um outro planeta, como única forma de sobreviver ao seu fim próximo. Ele explica:
"Nossa população e o uso de recursos finitos do planeta Terra estão crescendo exponencialmente, assim como nossa capacidade técnica para mudar o ambiente para o bem e para o mal. Contudo, nosso código genético carrega instintos egoístas e agressivos que foram vantagens necessárias para a sobrevivência no passado. Será difícil evitar o desastre nos próximos 100 anos, ainda mais nos próximos mil ou 1 milhão".
Essa visão catastrófica tem a ver com o próprio livro de Edgard Armond que também externa um sentido apocalíptico considerando, principalmente a devastação ambiental que se assiste quase que de modo impassível: destruição das florestas aumentando as áreas desertas, poluição das águas e do ar, por conta do dinheiro fácil, mas que significam tais atos insanos, pesado encargo para a sobrevivência do planeta nos moldes que o conhecemos e o habitamos, cheio ainda de mistérios indesvendados.
Eu incluo o aspecto moral, a barbárie, as guerras...
Mas, a proposição contida no livro “Exilados da Capela”, pode ser entendida neste trecho:
"Há muitos milênios, um dos orbes do Cocheiro, que guarda muitas afinidades com o globo terrestre, atingira a culminância de um dos seus extraordinários ciclos evolutivos. Alguns milhões de espíritos rebeldes lá existiam, no caminho da evolução geral, dificultando a consolidação das penosas conquistas daqueles povos cheios de piedade e de virtudes..."
Os escolhidos, neste caso, foram os habitantes da Capela que, como já foi dito, deviam dali ser expurgados por terem se tornado incompatíveis com os altos padrões de vida moral já atingidos pela evoluída humanidade daquele orbe.”
Então esses exilados, sob grande sofrimento foram mandados em espírito para a Terra para propiciar sua evolução mental e espiritual.
O livro de Edgard Armond, tem uma observação interessante: “Há, também, notícias de que, em outras épocas, desceram à Terra instrutores vindos de Vênus.”
Vieram esses instrutores de Vênus com seus corpos físicos?
É sempre bom lembrar que há em todo o planeta, marcas, indícios e fórmulas inexplicáveis que levam a concluir, sem qualquer “mania ufológica”que houve alguma intervenção superior há milhares de anos.
Fiquemos apenas com o versículo 6.1 e 2, de Gênesis, enigmático entre tantos outros mas que revela uma miscigenação entre “anjos” e formosas mulheres humanas.
Se a Terra recebeu e recebe viajores do espaço há milhares de anos é sinal de que estão eles “anos luz” à nossa frente em tecnologia e, talvez, em termos éticos.
Acedamos que dentro de uns 50 anos obtenhamos tecnologia semelhante que nos permita alcançar planetas distantes. Hoje o que temos é uma tecnologia pesada, precária.
E não será fácil a tarefa. Há uma observação interessante no “Livro dos Espíritos” de Allan Kardec (resposta n° 188):
“Os Espíritos puros habitam determinados mundos, mas não estão confinados a eles como os homens à Terra; eles podem, melhor que os outros, estar em toda parte.”
Obtida a tecnologia, claro que a Terra já em situação crítica, nos seus estertores a continuar a predação que se verifica hoje, qualquer viagem interplanetária de preservação da humanidade equivalerá a uma verdadeira arca de Noé.
No curto espaço desta crônica, sim porque o tema comporta ampliação, estamos assinalando as dificuldades de sobrevivência de nossos descendentes.
Serão os futuros exilados, precipitados pela nossa insanidade?

Imagem: "Os quatro cavalheiros do apocalipse" - Google

07/08/2010

REGRESSÃO (i)

Os tempos de infância lembrava-se saudoso, também por influência do Natal próximo. Chegara aos 80 anos com incrível lucidez e disposição. Quando lhe perguntavam qual o segredo, não saia muito daquelas respostas normalmente atribuídas a outros idosos: "muito vinho e alegria”, "comi tudo que tinha direito”.
Sua resposta era:
- Não fumei jamais, bebi vinho, quando o vinho era bom e ando bastante, me acerto bem em áreas verdes, pássaros, essas coisas. De há muito minha dieta de carne é quase nula. Se isso for realmente uma receita de longevidade, não sei. Mas, eis-me aqui. Mas, há outros idosos com mais idade do que eu que vivem bem.
Nas suas meditações sobre a longa existência, retornava à juventude e mesmo à infância, sem qualquer rigor cronológico.
Nesses momentos, entrava num processo nostálgico, saudoso, até um pouco confuso. Sua infância relativamente feliz - sua mãe falecera quando ele tinha 9 anos - eram imagens que voltavam à sua mente. Pareciam um sonho. Será que não eram mesmo? Momentos de felicidade, geralmente fugazes, não ficam na mente como um sonho? E seu pai que chegava até ele, nas lembranças, como alguém rigoroso mas que era dotado de muita generosidade.
Coisa estranha envelhecer :
- Sermos sempre nós mesmos e, no entanto, não sabermos explicar, ou entender esse evento irreversível da velhice e mesmo da morte, costumava repetir.
Se dizia vivendo o presente mas havia alguns eventos que lhe martelavam a mente e o coração.
Uma semana antes do Natal, tomara uma decisão: de trem, meio em segredo para não despertar os cuidados dos filhos e netos - era viúvo - voltaria à cidade natal e, no casebre onde tivera uma inesquecível experiência em sua infância, faria uma oração ao Natal e homenagearia sua mãe. Seria como que uma despedida daqueles velhos tempos de ternura que ainda o emocionavam tantos anos depois.

Sim, seria bom fazer uma oração no casebre, velho casebre se ainda preservado, sombreado por três ipês muito antigos.



Lembrava-se bem. Num dia próximo do Natal, chuvoso, refugiara-se no casebre para chorar a morte recente de sua mãe. Num dado momento, porém, em vez de estar encostado na rústica parede da pequena habitação, escapando das gotas de chuva que desciam pelo telhado mal conservado, viu-se recostado no colo de sua mãe, recebendo dela, carinho, beijos na têmpora e frases de que onde se encontrava, não estava morta e, de lá, zelava por ele.
Não se assustou com a visita de sua mãe. Somente as crianças, naqueles tempos em que crianças eram crianças, podiam compreender momentos como esse. E não chorou mais, porque sua mãe, lindíssima, sem as marcas da insidiosa doença que a consumira, assim pedira.
Com tudo isso em mente, tentaria retornar ao casebre, junto de suas árvores para a oração. Certamente a última visita àquelas paragens onde fora feliz ao lado dos seus pais e irmãos.
No dia seguinte, bem cedo, com sua velha Bíblia na mão, conforme planejara, tomou o trem, rumando para sua cidade. Deixou um breve bilhete para sua filha. Viagem longa para sua idade, cansativa, suportada, porém, pela sua disposição conseguida por quilômetros de caminhadas regulares.
Chegou à tarde. Apressadamente, para aproveitar o sol, tomou o ônibus que o levaria àqueles sítios de sua infância.
Depois, pensaria no pernoite, provavelmente na casa de um sobrinho, se houvesse tempo para localizá-lo. Caso contrário, o hotelzinho da cidade seria a solução.
Mais uma hora de viagem, eis que chegou ao ponto de desembarque. Desceu ansioso do veículo, notando que havia, ainda, muitas paisagens de sua época. O riacho que agora abastecia a cidade, embora mais poluído, lá estava a igrejinha da comunidade num ponto mais alto, branca, e todos aqueles sítios.
Caminhou a pé até a propriedade que fora um dia de sua família. Quando venceu a pequena subida, algum sentimento de perda antecipadamente lhe apertava o coração.

A decepção fora terrível. Não encontrou mais suas árvores velhas, mal reconhecendo o local do casebre. Uma estrada de ligação de sua cidade, com a rodovia principal passaria por ali.


Com profunda mágoa, aproximou-se do local onde certa vez fora consolado por sua mãe quando chorava sua morte, sem dar atenção às máquinas ruidosas que se movimentavam, emocionado ajoelhou-se no chão de terra batida onde estaria o casebre.
E mais uma vez chorou emocionado. Sob os olhares atônitos dos operários simples que ali estavam, máquinas gigantes paradas em sua volta naquele chão batido, sem grama ou eras, sem os seus ipês...
Abriu ao acaso sua velha Bíblia, o mesmo gesto que sua mãe lhe ensinara um dia e, em Isaias 60:18, leu em silêncio o versículo que recebera:
"Não mais se ouvirá de violência na tua terra, de assolação ou desmoronamentos dentro dos teus termos. E certamente chamará as tuas próprias muralhas de Salvação e os teus portões de louvor".


Foi levantado por um jovem operário negro que operava uma daquelas máquinas enormes e com delicadeza o afastou dali:
- Falo com o engenheiro e levamos o senhor para a cidade.
As máquinas voltaram a funcionar e movimentar a terra. Havia muito que aterrar e muito que enterrar. Emocionado, confuso, se dera conta disso.

01/08/2010

A FEIJOADA VEGETARIANA

Naqueles meus tempos de indústria automobilística, coube-me num dado momento, editar o jornal interno da empresa (“house organ”, para os mais exigentes), apenas reconhecido oficiosamente por ela que, de um modo ou outro, o subsidiava.
Na busca por uma gráfica de qualidade, com preço possível, cheguei a uma administrada por descendentes japoneses.
Chamados, veio até mim uma simpática nipônica acompanhado de um japonês idoso, apresentado como seu sogro que, pelo que percebi, não falava nada de português. Revelando um princípio de lealdade, não escondia sua ansiedade em conseguir o serviço. Por fim, fez um preço realmente bom – muito subestimado, diga-se, em relação ao nível técnico que dispunham em suas oficinas. Não tive coragem de pedinchar.
E assim, foram se sucedendo as edições mensais.
Um dia, ao buscar os originais, sempre com o seu sogro a tiracolo, diz:
- Dr. M., não me interprete mal, mas gostaríamos de convidá-lo para um almoço numa churrascaria em São Paulo, muito boa. Lá estaremos todos, meu marido e um outro sócio da empresa, Jorge. Nosso relacionamento é dos melhores e queremos preservá-lo.
E o sogro arrematou:
- Braselero gosta muito churrasco, nô?
Respondi constrangido:
- Dona A. não se ofenda, mas eu não gosto muito de churrasco, prefiro umas saladas, torta de palmito, coisas assim.
O sogro não entendera nada, mas fechou o sorriso amistoso.
Desconcertada, voltamos a discutir a edição.
Uma semana depois, dona A. me liga, numa tarde:
- Dr. M. tivemos uma idéia. No centro de São Paulo tem um restaurante vegetariano muito bom. Tenho parentes que o recomendam. Poderíamos almoçar lá, o que o senhor acha?
Dia marcado, lá fui eu.

Todo o “staff” da gráfica lá estava. Pessoal simpático sem perder a seriedade. Todos avançaram na feijoada vegetariana.
Excelente. Não havia aquele sabor característico do composto de soja. Couve bem cortadinha e tudo o mais de primeira.

Umas duas semanas depois, dona A. volta para discutir nova edição:
- Dr. M., puxa aquela feijoada, hem, tem um efeito...
- Adstringente, provoquei eu, usando uma palavra que tem um sentido oposto ao saudável efeito laxante da saborosa feijoada.
A moça me olhou perplexa, abriu quanto pode aqueles olhos puxados, seu rosto se iluminou e emitiu uma sonora gargalhada. Segurou minha mão com suas duas mãos.
E o sogro:
- Sim, efeito adistrim, efeito adistrim, sorridente, infuenciado pela nora.

Não demoraria muito, e se desinteressariam pelo jornalzinho. Pelo nível técnico que tinham na gráfica, provavelmente conquistaram clientes de peso.
Restou apenas a feijoada com efeito adstringente e a lembrança de um pessoal nipônico bom.