31/01/2011

“POEMAS”, para não dizer que não falei... (II)

Continuo nesta semana a divulgar poemas escritos ao longo do tempo. Mas, ao longo do tempo mesmo, com distância de décadas. São composições recuperadas e não revelam, eu reconheço, grande inspiração.
Já expliquei que não são inéditos já os tendo divulgados em crônicas minhas.


(V. mensagens no final desta página)



ORQUÍDEAS E BEIJA-FLORES



Eis-me aqui amargurado e pensante
Mal respirando nesse clima insano,
Tudo que exala desse meio paulista urbano
Envolto na fuligem dessas chaminés rasantes.

Que mundo é este de dura resistência !
Que mundo é este de intensa incerteza
Que mesmo à reação da pródiga natureza,
Ampliam-se os desertos por abusada inconsequência?

Que mundo é este de ganância e escuridão,
Que princípios postos pouco ou nada valem?
Se de tudo que inspira sucumbe, porém,
Nessa sanha caótica de destruição?

Reajo impotente qual um conformado perdedor
Sonhando acordado, no tráfego, quietamente,
Vendo desabrochar orquídeas no fundo da mente,
Visitadas por beija-flores em doce torpor.

E assim, no interior de minh’alma triste
Revela-se que tais doces criaturas, parece,
De Deus, são o preferido passatempo, uma prece,
E somente por essa dúvida a esperança persiste.

Esses instantes de valor e Paz perdem-se na poluição,
Sobressaltado não pela água límpida irradiando o sol,
Mas pela barulhenta abertura do farol,
Cujo verde não é o das matas que clamam proteção.


P A Z

Paz, o que significa paz, meu irmão?
Digo-lhe que é privilegiada palavra neste idioma
Por quê?
Explico:
P de perdão
A de amor... meu bom
e
Z – z do quê? quero saber...
De zênite, acredite.
Qual o significado de zênite, ora?
Digo-lhe meu caro:
Olhar de onde você está para o alto
Até onde a vista alcança o céu,
Mas, sobretudo, culminância
Da Alma
PAZ, significa, então,
Perdão
Amor
Culminância ... da alma
Acredite, meu irmão.


PASSADO PRESENTE

Se só o presente existe
O que faço com o ontem?
Dele tudo bate no peito
Na alma que se questiona
O que faço se o passado insiste?
Quando o revive saudosa a alma
No silêncio daqueles instantes
Eclode o sentimento da graça
De amor, tristeza e calma
Se o agora é o que conta
Porque a vida plena está presente
É no passado que ela ensina
E no passado que ela inspira.




ANTIGO SIM, VELHO JAMAIS

Eis-me aqui já antigo
Velho? Jamais!
Repensando atitudes insensatas
Aquelas que revivem dores e ais...

Eis-me, então, sisudo, tímido e capaz
Disso tudo, afinal, o que ganhei?
Muito daquilo que se diz desalentos
E pouco riso nas subidas que conquistei...

Eis-me agora já antigo
Velho jamais!
Encantado com o trabalho, azáleas e simples pardais
Ora, porque há que se extrair da vida meles reais,

Insisto agora com muito esforço
Superar o baixo astral dos tempos idos
Saio falando do ótimo e do maravilhoso
Meu Deus! Que tempos aqueles perdidos...

Há ranços que ficam ainda, é certo
Dos tempos velhos e dos velhos carcomidos
Mas, quem disse de velho e velhice?
Ora, eis-me aqui rindo da graça...

Pois sou somente antigo...


Imagens / Fotos: Google


MENSAGENS

1. Message to my friends in Russia: it is an honor to have you in this humble blog.

2. SOBRE AS ARARAS-CANINDÉ: NA CRÔNICA ANTERIOR (MENSAGENS & IMAGENS) CONSEGUIMOS INSERIR O VIDEO DO NAMORO OU DIÁLOGO DELAS SOBRE UM TRONCO, NA BELA CIDADE DE CAMPO GRANDE - MS. BASTA CLICAR NO INÍCIO DO VIDEO

23/01/2011

MENSAGENS & IMAGENS


Essa foto foi publicada pelo jornal “O Estado de São Paulo” de 16 de janeiro último, uma cena emocionante entre tantas outras havidas na tragédia que se deu na Região Serrana do Rio de Janeiro. A legenda curta simplesmente diz que “nem a morte afasta o amigo”, acentuando que tentaram tirar o cachorro vira-lata do Cemitério de Teresópolis que há dois dias estava ao da sepultura 305, “onde foi enterrada sua dona Cristina Santana”.
Há muitos outros casos semelhantes e mais radicais do que esse apego do cão ao seu dono. Sempre me chama a atenção o cão vira-lata que, fielmente, segue seu dono ou protetor, seja ele um indigente, catador de papel, magro tal qual o seu senhor, dividindo as migalhas, mas, jamais, faltando com a lealdade. Ele é leal, mesmo sob pancadas. Nessas desfeitas, seu olhar é tristonho, ressente-se da reciprocidade não recebida nessa relação. Mas, continua caminhando junto ao seu dono

Eu já escrevi sobre isto. Tive duas vira-latas no meu quintal, mãe e filha. A primeira foi adotada porque perambulava pelas ruas. É dela a expressão de humildade. A segunda nasceu nele e mais do que eu ela se apegou a mim, a Preta. Foram 17 anos de convivência e aquele amor incondicional, como já relatei. Ela precisou ir atacada por insidiosa doença. Nunca imaginei que naquele momento que não tive coragem de assistir o nó na garganta, escondido no meu escritório, se convertesse em soluços amargos. Aquele sentido de perda que ainda me afeta porque parece que ouço às vezes seus fungos, seus reclamos de minha presença, pelos cantos da janela do meu escritório de casa ao anoitecer. Ou seu espectro no quintal. Passados já alguns meses de sua morte, minha penitência por tudo o que não fiz, que não retribui é essa: sou eu quem, no cemitério virtual, me deito ao seu lado com emoção. Há aquela frase referencial de Antoine de Saint-Exupéry na sua obra-prima “O Pequeno Principe”, que pela voz da raposa transmite séria advertência: “você é responsável pelo animal que domestica”. Tenho minhas dúvidas se não há alguns animais que têm certa responsabilidade sobre nós pelo amor que irradiam.

O diálogo (ou o namoro?) de araras-canindé

Em Campo Grande – MS, meu filho Eduardo Pimentel Martins, filmou num entardecer o diálogo de duas araras-canindé, deixando registrada a cena no endereço abaixo. Basta clicar sem medo.


Dá um sentido de liberdade, de pureza e esperança. Há quadros em que singeleza é mais eloquente que aqueles requintados.

Texto adaptado da Wikipédia: Essas aves estão sempre em grupo e são barulhentas mas pousam silenciosamente. A arara-canindé está ameaçada de extinção por conta do contrabando e pelo comércio ilegal de aves. São aves muito procuradas como “de-estimação” pela docilidade, beleza; possuem certa capacidade de fala. Uma vez que formam casal, não mais se separam e botam cerca de 3 ovos e chocam entre 27 e 29 dias. Em cativeiro, vivem aproximadamente 60 anos.

Estatísticas

Este blog correu o risco de ser extinto porque pouco acessado após implantado, salvo pelos meus amigos. Incentivado por alguns deles, fiquei mais um pouco inserindo na média uma crônica por semana. Já são mais de cem inserções. A estatística desde maio de 2010, disponibilizada pelo próprio blog, revela o seguinte até janeiro: 5732 vizualizações de páginas tendo a fábula “A vaca e o leão” 1.558 acessos. Em seguida, “A vida secreta das plantas” (386). Das visualizações do exterior, destacam-se Portugal (286) e Estados Unidos (180). Há até acessos do Iraque, mais creio que sejam casuais, mesmo que honrosos. No que se refere ao blog de “Artigos”, no qual revelo minha “face nervosa e inconformada” por todos os abusos que consomem o país, os acessos são em menor quantidade, até porque os instrumentos de busca (Google) remetem tais artigos para o portal www.votebrasil.com. Na verdade, esse blog de “Artigos” é um backup do “Vote Brasil”. Também desde maio de 2010, das 1750 visualizações, o “Bullying” é o mais acessado, 448 vezes. Quanto aos acessos do exterior, os Estados Unidos vêm em primeiro lugar (156) e Portugal em seguida (56) Por causa dessas vizualizações continuarei passando recados, bons e ruins. Minhas homenagens

16/01/2011

SETE PECADOS CAPITAIS / PREGUIÇA



Para mim, a preguiça no dia-a-dia é um pecadilho.

Sei que tenho que fazer hoje, mas adio para quando der vontade ou quando não há mais jeito.
Os dicionários a conceituam como aversão ao trabalho, ócio, lentidão. (1)
Esses sábados à tarde em que a modorra bate forte:
- É preciso cortar a grama!
Penso:
- Ah, não. Vai chover quem sabe amanhã.
No domingo a preguiça bate mais forte, naquelas tardes intermináveis, véspera de segunda-feira implacável.
- Na semana que vem. Preciso arrumar os fios...Agora vou tirar uma soneca e viajar por mundos insondáveis...

Há tempos – naqueles meus anos de multinacionais com dedicação exclusiva até o dia em que descobri que não era “imortal” e saí da última com marca indelével da sola no assento - assisti palestra interessante. O palestrante dava vivas às segundas-feiras porque a vida “retornava ao normal”.
Ele sabia, tanto quanto eu, que o fim de semana nos libertava da “escravidão”, mas por isso a segunda-feira nos alertava que ela haveria que repor os grilhões. Já que assim era, haveria que comemorar.
Há muitos anos inspirado por uma cena inusitada de um indigente deitado exatamente na porta de agência da previdência social, cena emblemática – se tirasse, seria foto premiada - inspirei-me numa poesia que a certo ponto dizia:

Na estreita calçada da suja rua
Deitado e dormindo ao frio relento,
Eis um triste indigente, pele nua
De vida inexplicável, tal tormento.


E terminava assim:

“Sem amor nenhum, sem ideal
Lá esta o indigente sem viver,
Que teria cometido assim fatal,
Para tão grande castigo merecer?”


Em Provérbios 6.6-11 é bem clara a condenação à preguiça atribuindo a ela o castigo do despojamento. Lê-se:
“Vai ter com a formiga, ó preguiçoso, olha para os seus caminhos, e sê sábio”
“A qual, não tendo superior, nem oficial, nem dominador” (refere-se a patrão, de um modo geral);
“Prepara no verão o seu pão, na sega ajunta o seu mantimento”
“Óh! preguiçoso, até quando ficarás deitado? Quando te levantarás do teu sono”
“Um pouco de sono, um pouco tosquenejando (cochilando), um pouco encruzando as mãos, para estar deitado”
“Assim te sobrevirá a tua pobreza como um ladrão, e a tua necessidade como um homem armado.”

Esse texto de Provérbios dá a exata dimensão da célebre fábula de Esopo, a “A cigarra e a formiga”. Só que o grego Esopo vivera no século IV antes de Cristo. O final "dance agora" está muito próximo do versículo 11 acima ao advertir que a pobreza do preguiçoso significará o golpe de um ladrão e as necessidades serão satisfeitas pela mendicância com muitas negativas e ofensas, como se deu com a cigarra.
Eis a fábula com tradução de Bocage (Portugal, 1765-1805):

Tendo a cigarra, em cantigas,
Folgado todo o verão,
Achou-se em penúria extrema,
Na tormentosa estação.
Não lhe restando migalha
Que trincasse, a tagarela
Foi valer-se da formiga,
Que morava perto dela.
– Amiga – diz a cigarra
– Prometo, à fé de animal,
Pagar-vos, antes de Agosto,
Os juros e o principal.
A formiga nunca empresta,
Nunca dá; por isso, junta.
– No verão, em que lidavas?
– À pedinte, ela pergunta.
Responde a outra: – Eu cantava
Noite e dia, a toda a hora.
– Oh! Bravo! – torna a formiga
– Cantavas? Pois dança agora!
(2)

Fui obrigado, nos meus tempos de ginasial, a decorar e recitar essa fábula em francês – verdadeira tortura. Até hoje guardo na memória quase seu texto integral.(3)
Bem, é o que tinha que dizer sobre a preguiça que pode ser um pecadilho ou o pecado capital.
Quantas vezes não me comprometo nesse pecadilho, porém.
Até segunda-feira, após espreguiçar-me (epa), ai, ai, ai!

Referências:

(1) O animalzinho “Bicho-Preguiça” ilustra a abertura desta crônica porque mais do que qualquer outro, sua lentidão é significativa para bem situar o tema. Mas, essa lentidão é de sua natureza, tendo como ponto negativo o de facilitar a ação de predadores quando não bem escondido entre as folhagens.(Foto: free2use.it.com).
(2) O texto da fábula de Esopo e a figura foram extraídos da Wikipedia. O texto tem outras fontes.
(3) A mesma fábula “A cigarra e a formiga” recontada por Jean de La Fontaine (França, 1621/1695) em francês:
La Cigale, ayant chanté
Tout l'été
Se trouva fort dépourvue
Quand la bise fut venue:
Pas un seul petit morceau
De mouche ou de vermisseau.
Elle alla crier famine
Chez la Fourmi sa voisine,
La priant de lui prêter
Quelque grain pour subsister
Jusqu'à la saison nouvelle.
Je vous paierai, lui dit-elle,
Avant l'août, foi d'animal,
Intérêt et principal.
La Fourmi n'est pas prêteuse:
C'est là son moindre défaut.
Que faisiez-vous au temps chaud?
Dit-elle à cette emprunteuse.
Nuit et jour à tout venant
Je chantais, ne vous déplaise.
Vous chantiez? j'en suis fort aise:
Eh bien! dansez maintenant!

09/01/2011

“POEMAS”, para não dizer que não falei... (I)

Já disse que nem nos poemas tenho vislumbres daquela inspiração que até uma pedra se torna musa. Acho que é o “juridiquês” que me atormenta, que me persegue. De qualquer modo, em quatro ou cinco etapas, estarei divulgando tudo o que tentei nessa arte tão especial que é a poesia. Elas estarão misturadas, pelo que haverá momentos - em épocas que se perdem - místico-religiosas, sensuais, de paixão, ecológicas...
Muitas já ilustraram crônicas neste “Temas”, pelo que são conhecidas, muito.
Estas primeiras revelam essa miscelânea de sentimentos.
Grandes inspirações? Haverão que buscar em outras plagas!


ONDAS DE VIDA


Num longo dia da misteriosa criação,
Criou Deus as águas, as árvores, a flor
Sabia o Criador com viva emoção
Que tal grande acervo era, por tudo, amor.

Noutro dia da gloriosa criação
Criou Deus seres viventes, as aves, os animais,
O paraíso já verde, multicolorido, em ação
Resplandecia azul nos céus com claros sinais.

Criou Deus, por fim, à Sua imagem e semelhança
Nele inserida a chama, o sopro da luz divina,
Este Homem interior inscrito na esperança
Que no caminho do amor e ventura destina.

Assim porque achou Deus que era bom
Ambientado o homem no encontro da eternidade,
Havendo uma só harmonia, num mesmo som
Ondas de vida da mesma fonte, diversa a idade.

Multiplicam-se nos tempos essa chama,
Diferindo da origem, pelo chão amealha,
Acumulando pecados que o egoísmo inflama
Fez do paraíso um campo de batalha.

Gozando os prazeres e vícios do exterior,
Vaga sem rumo, colhendo dores e pesada cruz,
Atenua no íntimo sua origem rósea
Esquece que do fútil, do vício, o nada produz.

Desatinada existência de muitas intrigas,
Não bastassem os ódios que expõe permanente
Investe feroz sem respeitar vidas amigas
Às outras criações, milagres da Divina Mente.

Ignora que a insensatez e a vantagem temporal,
Atrasam o despertar do lume interior
Em verdade, o paraíso que existe universal
E a bênção sutil de elevado valor.

Pois, os milenares dias da milagrosa criação
Nos tempos tem lugar certo e final perfeito.
São (somos) ondas de vida em franca evolução
Que obrigam nosso justo andar e vivo respeito.


ÉS JOVEM SESSENTÃO








És jovem, meu sessentão amigo !
Andas por aí tal qual profissional
Caminhando de cá até lá, encolhendo a barriga,
cabelo tingido (!?)
Se jovem és, amigo, és também antigo (!?)

Vê-se em teu rosto sulcado, marcado, maduro
Linhas passadas da alegre juventude, sem regras,
O olhar feliz, para frente, sorridente, ardente
Sem pensar no tempo, na vida, no futuro (?)

Da não eterna primavera solar, juvenil
Haverá um tão próximo dia que a vida cobrará,
Vislumbrando teus olhos (perplexos) o outono
E, amargura, mais adiante, o inverno senil.

Reconheço, sim, valor enfrentá-lo animado,
Uma ilusão de que a juventude se estende
E os choques reais, amenizam-se com lembranças doces,
Persiste o amor à vida – o existir digno, alinhado.


Diz-se que a velhice reside na mente
Ao refletires, porém, sobre a vida – ó jovem,
Não esqueças que algum dia ela se esvai
Mas, tal uma sentença ... pode ser adiada, somente.


POETA BEBERRÃO

Ah ! poeta falsificado
triste e doido beberrão;
rei da histeria tola
o que pensas da poesia ?
Julgas que diante dos copos ,
da garrafa vazia,
encontraras a musa do amor ?
enganado estás meu caro medíocre !
a musa imaculada que buscas,
aquela que o verdadeiro poeta canta,
não está no brilho d’uma garrafa,






Ilustre beberrão !
Porque a musa doce e bela
a pura e límpida impressão,
É a alma limpa que chama
É o espírito são que revela...
Ilustre beberrão.


PRESENTE, PASSADO E FUTURO







A tarde é cinzenta e fria. É outono

Bate forte o vento na janela entreaberta
Estas tardes melancólicas de sábado
me fazem viajar no tempo
E anoto quão ele é inexorável
de estação em estação.

Ligo o passado jovem com o presente
Sou eu mesmo, pena que sem mais ardor
Projetos mirabolantes, belezas utópicas,
Sem mais as ilusões de mudar
com discursos o mundo,
Nem parece verdade todo esse trajeto.

Que posso dizer disso tudo, afinal?
Que tenho saudade do feito e do não feito?
Contabilizando os trens que passaram
sem que embarcasse?
Pelas oportunidades e o tempo desperdiçados?

Não sei bem o que sinto, na verdade.
Só sei que tal ligação passado-presente
Está aqui comigo, n’alma,
E me desperta a cada dia
Quem fui, quem sou e quem serei?

Quem sabe um idealista que queria
mudar com discursos o mundo,
Lamentando os trens perdidos
Que me levariam...para onde?
Amargo com muito dó...
Olho do alto da maturidade
Serena e...mais além...
Lá serei uma lembrança remota
cuja presença se perderá no pó...

Inexorável!


PAIXÕES

Um rosto, um olhar
A convivência, a presença
A insistência
Eis que da empatia
Floresce a simpatia
O amor e, mais além
A paixão
Explosão,
Brilham luzes internas
O coração irradia
A doçura do desejo,
Que clama
Reclama
A presença
A convivência
Um abraço, um beijo
O amor abrasado
Intenso,
Que se esvai
No silencio
Na ausência
Do olhar, do rosto, da presença,
As luzes que se apagam
Uma esperança
Que se perde,
Uma ilusão ardente
Uma lembrança.




Fotos/Imagens
1. Criação, obra de Michelângelo - Capela Cistina - Roma
2. Idosos: http://gericareatendimentos.blogspot.com/
3. "Cultura cervejeira": Autor João Werner (http://www.joaowerner.com.br/)
4. Tempo: http://www.blogdosempreendedores.com.br/
5. Paixão: Idílio, de Willian Zadig - Largo de São Francisco - SP

03/01/2011

SETE PECADOS CAPITAIS / AVAREZA

(Sobre a origem dos 'sete pecados capitais' voltar para a crônica anterior "a gula") Do alto de tantos anos, não me deparei com a avareza na acepção da palavra. Neste sentido exato: “apego demasiado e sórdido ao dinheiro; desejo imoderado de adquirir e acumular riquezas.” Talvez porque nunca me relacionei com a riqueza média e soberba. Fortes tendências vi ao longo do exercício de minha profissão que essencialmente trata de direitos sobre patrimônio e valores. Não sei até que ponto essa riqueza imensa se apropriou de meios da sociedade de modo não honesto. Dá para desconfiar O que me ocorre, neste País e que caracteriza a avareza, se dá no meio político e em alguns setores sociais, a corrupção desregrada que se apropria por todos os meios e engenhos de recursos públicos. E o pior: esses facínoras de gravata não se contentam com pouco. Saciam-se apenas com valores vultosos, a ponto de tirar da boca de crianças carentes, sua merenda ou diminuir recursos da saúde, educação e saneamento aos mais necessitados. Inclui-se, mas num nível marginal na acepção do termo, o trânsito das drogas e para que tal se dê, com a liberdade que até agora ocorre, claro que há imensa rede de corrupção que se beneficia do vicio e da destruição psíquica e moral do viciado e família. A preço do vil metal. E o pior é que esses desonestos e marginais se julgam imortais tal a quantidade de abusos que praticam. Como se todos os seus crimes e lucros que deles provém serão usufruídos sem limites, quando na verdade nada sobrará da herança quando da consecução da mortalidade. Diria que esse quadro faz parte da natureza humana, neste mundo desigual, que estimula certas personalidades à experiência e ao aprendizado, mesmo que vivendo num estágio ainda abaixo da intuição média, o que não evita a delinquência, o roubo e o assassínio. Temos que conviver com essa horda, ajudar no que possível com exemplos aos que beiram a criminalidade na tentativa de alertar sua censura (consciência) ou a combater e mesmo punir como penitência. Tudo parece óbvio. Há notícias esparsas que vêm se repetindo aqui e acolá de atos de caridade praticada por muitos indivíduos extremamente ricos, o que seria uma antítese da avareza. Esses surpreendentes caridosos e filantropos têm por princípio devolver à sociedade pelo menos parte do que ela os possibilitou amealhar aos montes. São exemplos a serem enaltecidos porque sacodem a sociedade, espécie de dedo em riste condenando aqueles que abusam e mantém tudo o que amealharam no cofrinho forte da corrupção que tem tudo a ver com a avareza. E àqueles insensíveis que moram em imensas redomas virando o rosto para as carências muitas nas suas vizinhanças e que poderiam minimizar. Sim, a avareza está presente de muitas formas no nosso dia-a-dia. Mas, como disse, nunca frequentei essa roda de vícios que de uma maneira ou outra a qualificam. (1)

 (1) Sempre resisto em explanar neste espaço, temas de natureza política, mas resolvi, pelo enunciado do tema, avançar um pouco nessa linha. Os que se interessarem, inclusive com a prática de caridade por brasileiros, remeto ao meu artigo “A caridade como solução” de 05.07.2009 no portal www.votebrasil.com ou no blog, http://martinsmilton2.blogspot.com/ (Nesses portais, prevalecem, então, temas políticos e ambientais.)

26/12/2010

SETE PECADOS CAPITAIS / GULA

Introdução Este é um espaço livre que se presta a qualquer tema a que me sinta bem em explanar ainda que sem muita propriedade, conhecimento. É um modo de instigar ocasionais leitores em me corrigir ou criticar. Não receio nem um nem outro modo de abordagem Sempre me empolgaram os “sete pecados capitais”. A origem deles remonta àqueles primórdios do cristianismo por obra do papa Gregório Magno (540-604), no final do século VI. Anteriormente, já fora esboçado pelo teólogo e monge cristão João Cassiano, nascido no hoje território da Romênia (370-435). (1) Gregório Magno teria se inspirado também na “1ª Ep. de Paulo aos Coríntios” (versículo 13) que trata da “suprema excelência da caridade” mas ao praticá-la há a rejeição a vícios do homem. Seria de Gregório Magno esta frase: "A bíblia é um espelho que reflete a nossa mente. Nela vemos nossa face interior. Das escrituras aprendemos nossas belezas e deformidades espirituais. E ali também descobrimos o progresso que estamos fazendo, e quão longe estamos da perfeição." Os sete pecados capitais foram acolhidos por Santo Thomaz de Aquino (nascido em 1225 - vivendo apenas 49 anos) sendo introduzido nos ensinamentos cristãos.(2)  Com tanta erudição e influências dos religiosos mencionados não tenho a pretensão – claro que até por falta de mínima erudição – de tecer meditações profundas sobre o tema, pelo que nem quero repetir conceitos religiosos básicos consagrados de cada um dos sete pecados, que são: orgulho – soberba; inveja; cólera, preguiça; avareza; gula e luxúria.

  A gula Sem qualquer compromisso de explanar sobre os demais pecados, começarei com a “gula” porque se trata, a “arte” de comer, do nosso dia-a-dia, indispensável e prazerosa. Já se disse que todos os prazeres mundanos são efêmeros, isto é, eles resistem pouco: uma viagem tão ansiada se perde num maço de fotografias que com o tempo vão sendo esquecidas, o sono recompõe as forças, mas no fim do outro dia ele haverá que ser renovado. Mas, e o comer? Talvez seja, para os que desfrutem de relativa fartura um daqueles prazeres que deixam marca, a marca da gula. As refeições não se limitam no dia-a-dia, elas podem se repetir com diferentes quitutes, várias vezes: um café reforçado, cheio de pães, presuntos, biscoitos e compotas, pouco depois, no almoço regado a frituras, carnes assadas, legumes na manteiga ou margarina, cervejas ou refrigerantes, doces amanteigados, saladas e quem sabe, frutas na sobremesa se não for sorvete. À tarde para não perder a oportunidade, um café com bolo e, à noite, para comemorar qualquer coisa, uma massa bem feita ou mesmo pizzas “temperadas” com vinho. No fim de semana, inevitável comparecimento à churrascaria para se deliciar de nacos de picanha suculentos e gordurosos e outros do rodízio - colesterol "in natura" -, chopes, várias canecas... (*) A marca da gula esta na barriga e na sua circunferência. A balança silenciosa revela que antes registrara 80 quilos e agora mais de 90 quilos... A barriga é notória, pontuda, não dá para esconder mais. Por causa dela, o manequim sobe dois números ou mais. - Puxa fulano, você engordou. O pasto é bom, hem. Você consegue amarrar os sapatos? Gozação sutil. Que vergonha! Faz o teste de amarrar os sapatos. A barriga vai antes e suprime parte da respiração e dificulta o movimento. Amarrados os sapatos, parece ter havido um teste de fôlego, a respiração volta dificultosa. - Meu Deus, preciso emagrecer! O consolo é examinar as barrigas maiores e constatar que há ainda muito que avançar até alcançar aquele estágio de 120 quilos. E os americanos comendo hambúrgueres, fritas e refrigerantes todos os dias? Milhares caminham imitando hipopótamos. - Meu Deus, preciso emagrecer! No supermercado tem início a tentativa: - Quero muçarela magra, de búfala. - Mas, não tem gosto essa muçarela, observa o atendente atrevido. Mostra a barriga pontuda. - Preciso começar um regime E ele observa, encarando a barriga saliente: - Mas, o senhor foi feliz, comeu do melhor. Saboreou. Levou muçarela de búfala. Mas, as massas da noite anulariam as calorias economizadas com a muçarela de búfala. É isso aí, são sete os pecados capitais. Mas é a barriga que denuncia a gula, o guloso, o pecado - Começo o regime no ano novo. Já há uns dez anos que tento, desta vez vai. Será que contraio anorexia? Ai, ai, ai... 

Referências 
 (1) “Cassiano - bem poderia ser escolhido o padroeiro dos jornalistas - é o homem que, em torno do ano 400, percorreu os desertos do Oriente para recolher - em "reportagens" e entrevistas - as experiências radicais vividas pelos primeiros monges; já o papa Gregório (não por acaso cognominado Magno), cuja morte em 604 marca o fim do período patrístico, é um dos maiores gênios da pastoral de todos os tempos. (Jean Lauand - Prof. Titular FEUSP - IJI – Univ. do Porto.

(2) “São Tomas de Aquino e os pecados capitais”)

(*) “Gula” trata-se de crônica. Preciso esclarecer que não me alimento de carnes. Uma luta difícil pró-vegetarianismo. Agora, a barriga... 

 Imagem: "Hagar, o horrível" e "Helga" personagens criadas por Dick Browne. Direitos autorais: "King Features Syndicate".

20/12/2010

REGRESSÃO (III): CARROCINHAS

MEMÓRIA: UM BRINQUEDO INESPERADO. UMA SURPRESA

Vou retornar no tempo, há muito tempo.

Eu ainda morava em São Paulo, na Lapa, bairro onde nasci. Na rua Roma.

Tempos de “pureza”, mais do que nunca, palavrão era pecado.

Criança, 6 ou 7 anos, saía sem medo pelas ruas dava a volta no quarteirão e parava nos escritórios da fábrica de máquinas de costura Leonam (Manoel ao contrário porque o dono seria Manoel Ambrósio Filho). As ruas eram praticamente desertas.

Tenho leve lembrança de queixas da derrota do Brasil na Copa de 1950 no Maracanã.

Acho que, pela família palmeirense, não sei se ainda na |Lapa ou já em São Caetano tenho distante a voz do incomparável narrador Pedro Luiz emocionado com a conquista pelo Palmeiras do campeonato mundial interclubes em 1951, comemorado apoteoticamente por 100 mil torcedores no mesmo Maracanã. Acho que meu irmão empolgado dissera: “o Palmeiras é campeão”. Não sei se foi nesse campeonato…

A proximidade do Natal e do Ano Novo tinha um sabor especial, muito mais do que agora, certamente. Naqueles idos na Lapa, a família toda se reunia na casa de um tio e lá havia a ceia do dia 31 de dezembro.

Minha mãe, excelente cozinheira, uns dois dias antes do Natal se unia às minhas tias e começavam a prepará-la.

Todos se uniam, meus primos e primas, meus pais, meus tios que contavam "causos", piadas, havia um clima de descontração pelo Natal, desprovido do apelo comercial de hoje e na véspera do Ano Novo, na virada, o rádio transmitia a corrida de São Silvestre. Em 1950 venceu um belga.

Penso que meus pais enfrentavam problemas, tanto que logo depois mudamos para as imediações de São Caetano, um trauma para minha mãe porque tudo estava por fazer, uma cidade que obtivera a autonomia havia dois anos.

Há desses momentos que não se esquece. E foi na Lapa. Guardei para sempre pelo gesto que surpreendeu o menino.

Fora, também, resultado de um impulso decidido, há quantos anos!

Quanto a mim, lembro-me bem, não sabia se meu presente de Natal seria bom. Se haveria presente.

Dias antes do Natal, meu primo fora ao "jardim de infância" para a festa da escola onde estava matriculado. Era perto de onde morávamos.

Fui com ele mas não tive coragem de entrar. Eu não "era" da escola.

Fiquei no portão e pude ver à distância todas as brincadeiras, as balas distribuídas e, para surpresa geral, no fim da festa, a escola distribuiu brinquedos a todos os alunos.

As crianças que estavam fora, vendo os presentes nas mãos dos meninos que saiam contentes, permaneciam boquiabertas pelos brinquedos que não ganhariam do "jardim da infância". E quiçá, do papai noel que naqueles tempos era uma figura comercial, mas nem tanto.

Eu não poderia ficar sem brinquedo também.

Criei coragem, entrei na escola quase vazia e vi-me numa sala ampla, toda enfeitada.

Uma mulher lá estava. Não me lembro do seu rosto? Era jovem? era velha? Bonita ou feia? Talvez mais jovem que velha. Jeito de professora, com certeza:

- Também quero um brinquedo, afirmei meio trêmulo com os olhos voltados para o chão.

A mulher, surpresa com o pedido, olhou-me por alguns segundos e sem relutar pegou sobre um armário uma carrocinha de madeira, puxada por um cavalinho. Caprichada, perfeita. Estava desembrulhada, sem a caixa. Talvez por isso tenha sobrado.

Entregou-me:

- Para você.

Foi demais. Inesquecível. Minha mãe ficou surpresa e contente com o presente inesperado que recebera. Jamais esquecerei essa carrocinha, pela forma como ela me foi dada.

Naqueles tempos e hoje com jogos eletrônicos e tudo, ainda acho que há uma idade em que a criança se encanta com um brinquedo. E quando ele é dado como foi dado sem qualquer relutância, seu valor se multiplica e permanece para sempre na memória.

Há um sentido de leveza e intensidade na gratidão a lembrar e a relatar.

Ainda que tenha sido há muito tempo, enleva tanto quem concede sem relutar, como quem recebe tanto que até hoje tenho guardada (na memória) essa carrocinha e seu cavalinho...



 A CARROCINHA
 
Um texto diferente  com outros episódios:


- Como vai nessa vida de riquinho? - Você sabe, esses caras falam tanto em reciclagem hoje, mas meu pai sempre teve consciência de que a cata de papelão, lata seria espécie de limpeza do mundo. Pobrezinho, ele sempre me dizia isso, querendo externar algum orgulho pelo que fazia, puxando aquela carrocinha cheia de tranqueira que ia catando. E os garotos caçoando dele. - Sabe que eu me lembro dele, com aquele chapéu batido, aquelas botinas gastas! - Então, naqueles tempos que pulávamos a veleta no fim da rua e saíamos naqueles campos com mato baixo a cata de ovos de patas, as peladas memoráveis no campinho. Por causa de uma delas não ajudei o velho num dia em que logo cedo, disse que não estava bem. Olhou para mim, fiz que não era comigo e não saí com ele. A consciência ainda me dói, meu amigo, ele morreu puxando a carrocinha naquele dia. E como foi difícil encontrá-lo, ou o seu corpo, que já estava sendo tratado como indigente. - Eu sei disso tudo. Só se falava nisso... - A família precisa comer, minha mãe adoentada. E nisso vi que tinha que assumir a carrocinha. E fui assumindo ainda menino. Eu, mas você também fez isso, enrolava fio de cobre descascado numa peça de ferro para ficar mais pesado e lá vinham os trocados do ferro velho. Com alguns tostões íamos à venda para comprar copinhos de hóstia com bananada. Que tempos, cara, que tempos! Foi por aí que fiquei riquinho, mas no diminutivo mesmo. Meu orgulho. - Essa história de carrocinha e seu pai me leva aos meus tempos de infância, um pouco antes disso, ainda. Não me lembro bem se meu pai voltara ou não ao alcoolismo. Acho que não. Essa doença fora provocada pela própria grande empresa de bebidas naquilo que hoje chamamos de “happy hour”. No fim do dia, o consumo de bebidas ficava meio liberado, o chope e mesmo destilados que ela produzia naqueles tempos. Essa facilidade deu no que deu. Eu ainda morava em São Paulo, na Lapa, bairro onde nasci. Há desses momentos que você não esquece. Guardei para sempre pela gratidão que ficou. Fora, também, resultado de um impulso decidido, há quantos anos! Naqueles tempos, a proximidade do Natal e do Ano Novo tinha um sabor especial, muito mais do que agora, certamente. As famílias se reuniam e usufruíam a ceia que todos se empenhavam em preparar . Minha mãe, excelente cozinheira, uns dois dias antes do Natal se unia às minhas tias e começavam a prepará-la. Todos se uniam, meus primos e primas, meus pais, meus tios que contavam "causos", mentirinhas mas, rigorosamente, havia um clima de emoção do Natal, desprovido do apelo comercial de hoje. Na véspera do Ano Novo, na virada, o radio espocava com a corrida de São Silvestre. Quanto a mim, lembro-me bem, não sabia se meu presente de Natal seria bom. Dias antes do Natal, meu primo fora ao "jardim de infância" para a festa da escola onde estava matriculado. Era perto de onde morávamos. As ruas eram praticamente desertas. Fui com ele mas não tive coragem de entrar. Eu não "era" da escola. Fiquei no portão e pude ver à distância todas as brincadeiras, as balas distribuídas e, para surpresa geral, no fim da festa, a escola distribuiu brinquedos a todos os alunos. As crianças que estavam fora, vendo os presentes nas mãos dos meninos que saiam contentes, permaneciam boquiabertas e tristes pelos brinquedos que não ganhariam do "jardim da infância". Muitos, nem do "Papai Noel" – que figura essa, que hoje me irrita. O cara todo de vermelho, barbudo, agasalhado num clima de quase 40°. C, com aquela risada ridícula: compre, compre, compre! Eu não poderia ficar sem brinquedo também. Criei coragem, entrei na escola quase vazia e vi-me numa sala ampla, toda enfeitada. . Disse à mulher que lá estava. Não me lembro do seu rosto? Era jovem? era velha? Bonita ou feia? Talvez mais jovem que velha. Jeito de professora, com certeza: - Também quero um brinquedo, afirmei meio trêmulo com os olhos voltados para o chão. A mulher, surpresa com o pedido, olhou-me por alguns segundos e sem relutar pegou sobre um armário uma carrocinha de madeira, puxada por um cavalinho. Caprichada, perfeita. Estava desembrulhada, sem a caixa. Talvez por isso tenha sobrado. Entregou-me: - Para você. Foi demais. Inesquecível. Minha mãe ficou surpresa e contente com o presente inesperado que recebera. Jamais esquecerei essa carrocinha, pela forma como ela me foi dada. Naqueles tempos e ainda hoje com jogos eletrônicos e tudo, há uma idade em que a criança se encanta com um brinquedo. E quando ele é dado como foi dada a mim a carrocinha, sem qualquer relutância, seu valor se multiplica e permanece para sempre na memória. Há um sentido de leveza e intensidade na gratidão a lembrar e a relatar. Ainda que tenha sido há muito tempo. Enleva tanto quem concede sem relutar, como quem recebe. Para sempre. E não tem essa de sentimentalismo barato, de memória inútil. - Eu também já ouvi essa história. Mas, isso já vai para quase um século e você não a esquece? - Não tem como. - Vamos descer para umas e outras. - Fico num copo só, vou avisando. - Eta cara chato. Ficou pior agora. Vamos lá então. Eu tomo o resto. Imagem: "Catador" - http://www.comshalom.org/blog/carmadelio/date/2009/11

12/12/2010

A MATANÇA DAS BALEIAS E OUTROS BICHOS.

Com regularidade recebo mensagens do Greenpeace, ora se referindo a ações que promovem para combater o aquecimento global, preservação das florestas e outros ora pedindo donativos em dinheiro para campanhas em locais distantes do planeta.
A mais recente se refere a pedido de ajuda para combater a matança de baleias pelos japoneses.

A tradução tem lá suas dificuldades, mas a mensagem tem o seguinte teor:


Enquanto você lê este e-mail, a frota baleeira japonesa está se aquecendo nos rumos Oceano Antártico para iniciar o abate anual da baleia. A “quota planejada” nesta temporada é de cerca de 1.000 baleias minc, 50 baleias jubarte e 50 baleias fin ameaçadas de extinção.

Temos de parar este massacre agora.

Durante a campanha de 2008, o então senador Obama disse: "Como presidente, vou garantir que os EUA assumam a liderança na aplicação de acordos internacionais de protecção da vida selvagem, incluindo a moratória internacional à caça comercial da baleias." Mas já há três temporadas caça têm ido e vindo desde que Obama falou aquelas palavras, e nenhuma alteração foi feita.

E aqui o pedido de donativos:

Por favor, apresse sua contribuição mais generosa como uma pressão sobre o presidente Barack Obama para cumprir sua promessa de campanha!

“Permitir que o Japão continui a caça comercial é inaceitável", como o próprio presidente Obama declarou, e o Greenpeace está arregimentando apoio para pôr fim ao massacre, uma vez por todas.

A caça comercial não só é inaceitável, é uma violação do direito internacional.

Imagine um navio japonês apressando-se através do Oceano Antártico. De repente, o arpoador vê uma baleia mãe e seu filhote. Os sons do oceano são abafados pelas explosões de arpões que atingem a baleia.

E o relato doloroso que seria preferível ignorar, não saber:

A dupla luta para libertar-se das linhas de arpão durante quase uma hora, debatendo desesperadamente suas caudas na água, até que, finalmente, um pistoleiro do convés atira para que sejam morta de vez. A baleia mãe e o filhote são arrastados até rampa de lançamento da nave, deixando um longo rastro de sangue atrás de si.

Para nossa frustração, em poucos dias essa cena trágica no Oceano Antártico vai se repetir inúmeras vezes. O Greenpeace precisa da sua ajuda, e a ajuda do presidente Obama, para pôr fim à matança dessas criaturas de nossos oceanos, “as mais originais, inteligentes e emocionais.”


Além do Japão, também a Noruega e a Islândia caçam baleias alegando interesse “científico” mas que na verdade, em especial os japoneses, apreciam a carne do maravilhoso cetáceo, fazendo parte de sua “cultura”.
Países ditos civilizados praticando tal barbaridade sem concessões.

Essa cena dolorosa há mais de um século foi descrita por Herman Melville no livro “Moby Dick”:

“Como quando o cachalote ferido, que desenrolou da tina centenas de braças de arpoeira, depois de um profundo mergulho flutua de novo e mostra a corda frouxa e torcida erguendo-se a boiar e espiralando-se rumo á tona, assim Starbuck viu longos rolos do cordão umbilical de Madame Leviatã, com o qual o filhotinho ainda parecia amarrado à mãe. Não raro, nas rápidas vicissitudes da caça, esse cordão natural, com a extremidade materna solta, enrola-se na arpoeira de cânhamo, de modo que o filhote é assim capturado.”
(...)
No que se refere às tetas na fase da amamentação, “preciosas numa fêmea que aleite, são cortadas pela lança do caçador, o sangue e o leite que correm da mãe mancham à porfia o mar, por quinas de metros. O leite é muito doce e forte, tem sido provado pelo homem, iria bem com morangos.”
(1)

Ora, perguntareis:

Não há crueldade idêntica ou pior nos matadouros bovinos e caprinos, nos abatedouros de aves?
Não foi o Greenpeace que remeteu outra mensagem no “dia de ação de graças” deste ano, feriado americano, relatando seus êxitos enquanto, na véspera, eram abatidos milhares de perus, ave símbolo da comemoração? Que comemoração é essa em “dia de ação de graças” com tal matança?
E o “nosso” Natal com a matança dos leitões e também dos perus?

Sim, há. Este é o seu mundo, cara.

Mas, se esta é uma realidade dura, é chegada a hora de ir diminuindo essa prática. E por que não a partir das baleias, essas criaturas “mais originais, inteligentes e emocionais.”?

Já me referi em várias crônicas e artigos sobre os estragos ambientais que produzem o gado bovino – no Brasil o maior rebanho do mundo - criado “artificialmente”, no que concerne à devastação das florestas, emissão de gás metano pela sua defecação.(2)
Se a humanidade não se convence de que a carne é dieta dispensável ou que pelo menos tivesse consumo menor, “tudo bem!”, mas que fiquem em paz as baleias na imensidão dos oceanos. Comecemos por elas a nossa contenção à imensa crueldade que praticamos contra os animais, melhorando nossa moral perante eles e, principalmente, perante nós mesmos, absorvendo aqueles sentimentos de paz e amor que eles, no seu habitat e a seu modo, inspiram.


(1) Já fiz referência a essa obra na crônica “Baleias, Caranguejos e Tartarugas” de 27.02.2010.
(2) O artigo mais recente constitui-se uma resenha que publiquei no portal www.votebrasil.com e no http://martinsmilton2.blogspot.com/ de 21.11.2010. Há um resumo do relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente que trata desse tema, inclusive fazendo referência à mudança de hábitos alimentares.

Fotos:
1. Baleias orca, from http://www.portalsaofrancisco.com.br
2. "Açougue" (Google)

05/12/2010

PÁSSAROS

Os passarinhos, por instinto, fogem dos homens. Sabem que aqueles bípedes gigantes significam ameaça e perigo de crueldade.
Aqui do meu “escritório” de casa – já me referi a isso – muitas vezes fico assistindo esses pássaros avançando com apetite em fatias de mamão e banana postas sobre o muro. Mesmo à distância, bastou em gesto qualquer é eles esvoaçam com toda a pressa possível e, só depois, quando não notam mais a ameaça voltam para continuar a refeição.
Há algum tempo, num dia em que não me situava muito tolerante com tudo e com todos, chego até a loja de produtos de consumo animal e me deparo – como até hoje lá estão – aquelas gaiolas mal cuidadas com uma dezena de passarinhos massacrados entre as grades.
Perco a paciência e indago à atendente que sempre tão bem me atendia:
- Qual o preço de todos esses passarinhos?
- Deixa ver. Uns R$X.
- Tudo bem, levo todos. Coloque-os naquela gaiola ali que daqui a pouco volto para buscá-los. Vou soltá-los todos no parque...
- Mas, o senhor não pode fazer isso. Todos morrerão porque eles nasceram cativos e não sobreviverão na natureza.
Resigno-me, dou um soco na parede e me retiro contrariado. “Esse é o seu mundo, cara.”


Meu contato “íntimo” com passarinhos, pela sua desconfiança, foi mínimo. Já relatei a experiência com beija-flor quem sabe atraído pelo perfume do suco de uva, perdeu-se na sala e, por mais que fosse encaminhado para a saída, não conseguia sair. Batia no vidro, nas paredes, num ambiente que nunca seria o seu. Cansado se entregou. Com cuidado eu o peguei no chão. Um chumaço de penas. Olhinhos pretos esperando a vez como se estivesse sob as presas de um gato esfomeado.
Soltei-o e ele, talvez para recuperar o fôlego, empoleirou-se numa pinheiro por perto.

Mas, foi com um exemplar admirável de calopsita que me trouxe intimidade com um passarinho admirável, inteligente que “sabia o que queria”.
O exemplar pertence a um meu filho caçula, que ficou por uns tempos por aqui.
Sem poder voar porque suas asas foram cortadas – pelo mesmo motivo dos passarinhos engaiolados – com seus piados estridentes exigia companhia e, com aquele seu bico cortante andando pelo teclado do computador, quase cortou o fio do mouse e do próprio teclado.
Sempre de ombro a ombro, quando comigo, encarando-me com aqueles seus olhinhos pretos, seu topete amarelo empinado, havia algo de paz com sua presença. Algo inspirador, de inofensivo, de inocência, de anjinho.
A cena mais surpreendente deu-se numa tarde quando todos falavam na sala. Ele lá no canto, em sua gaiola aberta, piava alto reclamando por companhia, já que nós éramos suas asas. Não atendido nos seus apelos, sem nos ver, apenas o som das vozes porque a sala é em L, desceu da gaiola e com aquele penacho empinado, piando alto veio até nós, cerca de 12 metros até escalar os ombros pelos nossos pés.
E como assoviava bem acordes do hino nacional, repetindo sempre que atendido, a palavra que aprendera: “gotosinho”, “gotoso”
Ele vai fazer falta, mesmo exigente como era. Ah, se vai.

Passarinhos são um passatempo de Deus...


Todos se lembram do filme “O Pássaros” de Alfred Hitchcock de 1963, a história de milhares de pássaros que avançam sobre uma cidade e atacam violentamente os moradores. O filme pode ser interpretado de várias maneiras. Em 1963, bem me lembro, a ecologia não estava em voga, não havíamos chegado aos limites que chegamos neste século 21 de absoluto desrespeito ambiental a despeito das severas advertências do que está advindo desses atos insensatos e até um tanto suicidas.
Pois bem, o jornal “O Estado” do dia 21 de novembro, ilustrada com foto de quase meia página, trouxe a seguinte notícia, curta, em transcrição literal:
“Um bando de pássaros é flagrado pela fotógrafa Kaia Larsen, da AP, ao cercar um avião militar E-68 nos Estados Unidos. A imagem foi feita no dia 29 de outubro, mas só agora divulgada. O avião conseguiu pousar em segurança em Arkansas, e as aves o perseguiram até bem perto da pista. Não se sabe o que as fez ter esse tipo de comportamento.”
A notícia se encerra assim, desse modo lacônico. Que se saiba, não houve qualquer pesquisa para pelo menos “teorizar” o que fez as aves terem “esse tipo de comportamento”.
Os pássaros!