24/05/2011

“A CIÊNCIA DO NÃO” (Segundo Malba Than)

Nessas folgas de leitura, entre ler a literatura densa – como há pouco se deu com a leitura de “Os Sertões” – procuro velhos livros que provieram não sei de onde, estão na minha estante e os vou lendo ocasionalmente.

Um desses é de Malba Tahan, velha edição da “Coleção Saraiva” sob o título “O Terceiro Motivo (Contos e Lendas Orientais)”. O conto principal é esse que dá nome ao livro embora inúmeros outros contos façam parte do pequeno volume. A edição é de 1962. Alguns desses contos são cheios de moral (do tipo “moral da história”), de ensinamentos e até um pouco de esperteza.

Eis como descrevia o escritor brasileiro, Júlio Cesar de Melo e Souza (*), que adotou o pseudônimo acima, Malba Than a antiga ou imaginada Bagdá de uma época indefinida:

“Vamos partir, hoje mesmo, ó irmão dos árabes, vamos partir ao passo lento de nossa caravana, tomando o rumo da majestosa Bagdá, a pérola do Oriente.
Como é formosa a rica, hospitaleira e boa, a gloriosa capital do Islã! Admiremos, com a veneração sincera dos crentes, as suas mesquitas opulentas: percorramos as suas praças alegres movimentadas: visitemos os seus mercados, fervilhantes de vida, onde se reúnem xeiques e lojistas dos quatro cantos do mundo.”


Ah, esses sonhos, esse tempos de paz, quando ela era querida. Depois, a cidade se transformaria num campo de ódio e de batalha, porque há os que não querem a paz e menos ainda o retorno de Bagdá aos tempos da “pérola do oriente”.

Mas, essa violência não é exclusividade do Iraque. O planeta esta doente. Parece que, no conjunto, a humanidade não quer a paz – não vive sem a violência que se expande.

Aqueles que me honram com sua presença neste blog, talvez saibam que num outro, escrevo sobre assuntos indigestos, políticos, sociais e o que mais me aflija no momento.

O trecho do livrinho de Malba Tahan que transcrevo abaixo talvez estivesse melhor situado nesse outro blog, mas trago o assunto para este e, quem sabe, proximamente eu o aproveite naquele.

Trata-se da “ciência do não”. Eis como fora ela exposta. O trecho transcrito é longo mas vale conhecer:

“- A Ciência do Não, ó Príncipe do Islã, envolve leis, princípios e teorias que exprimem preciosos conhecimentos para aqueles que desejam governar com critério e dignidade.
- E é muito antiga essa Ciência? – inquiriu o Califa de Bagdá – esboçando um sorriso de benevolência.
- Antiquíssima – atalhou o sábio Zeidan, num gesto afirmativo, ostentando saber, - Tal ciência acompanha o mundo e os homens desde os primeiros albores da criação. A palavra “não” é obra propriamente divina; foi inventada por Deus. Ao primeiro homem, o nosso pai Adão, ainda entre as sombras deliciosas do Paraíso, o Onipotente prescreveu: “Não comerás do fruto daquela árvore!” e, nessa proibição categórica, já tinha início, bem viva e palpitante, a formidável Ciência do Não! Dos dez mandamentos da lei de Moisés (mandamentos ditados milagrosamente no monte Sinai, por Deus Criador), sete começam pela negativa absoluta: Não. É sempre útil recordar as determinações imutáveis do Decálogo: “Não pronunciarás em vão o nome do Senhor, teu Deus”, “Não matarás”, “Não cometerás adultério”, “Não furtarás”, “Não levantarás falso testemunho”,”Não desejaras a mulher do próximo”, “Não cobiçaras as coisas alheias.” (...)


“E assim o Príncipe, para a defesa do erário, para resguardo mesmo do seu bom nome, vê-se forçado a dizer vinte mil vezes. Não! Não! Não! (...) Proferir não é, em geral, bem mais difícil do que responder sim. E governar, ó Comendador dos Crentes, governar é dizer não. Não, para aqueles que planejam guerras e conquistas. Não, para aqueles que solicitam criação de cargos inúteis ou promoções iníquas. A Ciência do Não é, pois, imprescindível para a cultura do verdadeiro Rei! Repito – Governar é contrariar, é proibir, é vetar!”

Agora pergunto: QUAL PAÍS QUE VOCÊ CONHECE NO QUAL A PALAVRA GOVERNAR É SIM? Adivinhou, hem!


(*) Nascido no Rio de Janeiro de 06.05.1895 e falecido em Recife em 18.06.1974.

Pequena Nota

Na crônica “Dos livros que não consegui ler (ainda). E os já lidos...” de 17.10.2010 faço resenha e comento os livros seguintes, entre outros:
“Os Sertões" de Euclides da Cunha
"Grande Sertão: Veredas" de Guimarães Rosa
Autor Friedrich Nietzsche
"Ulisses" de James Joyce
"1984" de George Orwell
"Admirável mundo novo" de Aldous Huxley

16/05/2011

“POEMAS”, para não dizer que não falei... (IV)

Alguns poemas já divulgados em crônicas neste blog, escritos em épocas muito diferentes e distantes.

TEMPLO VIOLADO




Pelos recantos fechados da floresta,
Atuam Espíritos cultivando flores
O portal místico decomposto em cores,
Pelo sol enfeitado por estreitas frestas.
Um Templo sob azul e límpida nascente
Permitia saciar n'Alma adormecida,
Inspiração profunda no mundo perecida
Intuindo orações de elevação crescente.
E assim, naquele ambiente purificado
Buscavam consolo e amor, desiludidos
Palavras interiores de paz, esquecidos,
Ali o filósofo apreendia a magia do iniciado.
Haveis que instrumento de trêmulo corte,
Trepidando fio, avançando duro e feroz,
Fez do Templo nada, senão estalo atroz
Num dia em que ao céu clamou a morte.
Que delírio insano ocorrera, porém ?
Na inscrição berrante anunciava tal torpeza:
"O progresso derrotara, forte, a natureza"
Restara então, do Templo, nada mais que desdém.


NU ARTÍSTICO


Estanco na figura nua
Mulher linda, perfeita
O clamor da beleza pura
Que a refinada obra acentua.

Fixo-me nas reentrâncias
Nos picos e declives espessos
Penso num abraço
Num beijo ardente à perfeição
Mas, ela ali não vive
É pura inspiração.

Não é ela real, pois.
Uma miragem é o que vejo
O artista que a obra fez
Assim graciosa e linda
Instiga o solitário desejo.
Reajo a tal beleza inatingível
Fixando-me ainda na imagem
Vingo-me, assim, jocoso, então,
Rio de piada antiga:

Senhora com decote revelador
Lindos seios à mostra, encantos
A marca selada da mulher,
Pergunta ao dançarino fogoso:
- Sabes dizer os atributos da mulher
De que mais lindo ela tem?
- Sei-os, senhora, mas não direi...



A NOITE


A noite tudo encombre:
o sono da criança
os beijos dos amantes
o sonho da alma nobre...

A noite é decantada:
é a musa do poeta,
é o repouso da saudade,
é o descanso da passarada...

A noite é temida:
nela tristes seres cantam,
dança a deusa d’água,
triste se torna a vida...

A noite muito inspira:
escondem os namorados,
doces se tornam os lírios,
a vida em silêncio aspira...

A noite é mística:
nela os fiéis oram,
nela a esperança renasce,
nela o filósofo pratica...

A noite é estranha:
ela esconde os ódios,
encobre a beleza,
desaparece a vergonha!

A noite tudo encobre

Foto da noite, de Milton Pimentel Martins

08/05/2011

FRAGMENTOS MATERNOS

Explicação: eu escrevi uma crônica “autobiográfica” (“Fragmentos Paternos” de 13.02.20110) sobre meu pai que, para minha surpresa tem sido muito acessada. Surpresa porque há outras melhores que se perdem esquecidas nas páginas que compõem este blog. Aliás, este blog, por tudo, pelo seu resultado, é uma surpresa.


Falarei, pois, de fragmentos de minha mãe, episódios que se perdem na memória, porque o tempo implacável, como é, desbota imagens e ternuras.
Minha mãe fora criada por madrasta de quem não guardara boas recordações. Aprendera a ler praticamente sozinha, naqueles idos de educação limitada, naqueles idos em que o homem não tinha lá muitos compromissos com a formação – meu pai era guarda-livros, porém - e as mulheres menos ainda. Claro que em determinados segmentos sociais a educação era importante.
Talvez não tenha muito que contar, porque todas as mães têm aquele mesmo sentimento de amor, ainda que reservado.
Foi esse o caso dela. Sofrera demais pelo alcoolismo do meu pai – naqueles idos que alcoólatra era vadio -, houve períodos em que ela praticamente administrou a casa, entre choros e esperanças de que o marido viesse sóbrio naquela noite.
Se não viesse, sua angústia ia ao extremo, sua amargura de tantos e tantos dias, meses, anos...voltava e dava um nó na garganta mais uma vez. Dos soluços ao choro copioso.
Sua ansiedade incontida na iminência de comprar a casa onde morávamos – como relatei na crônica “Fragmentos Paternos”.
Nos bons momentos o amor estava presente.aquele sentimento de ternura revelada, sim, mas sem ser expansiva, só aparentemente distante pelos seus desgostos. Tudo isso me influenciou. Aliás, tudo isso me influenciou de um modo indelével.
Por essa ordem, eu também assim agi, de certo modo, com meus filhos e há os que reclamam.
Com minha mãe por perto tive toda a liberdade para brincar, andar descalço pelas ruas, andar de bicicleta, tomar chuva, jogar bola nos campos enlameados, fazendo química no meu “laboratório ideal”, cuidando do quati enquanto esteve aos nossos cuidados. Liberdade sem medo.
Fora ela muitas vezes chamada no colégio para ouvir recomendações e alertas da diretoria sobre minhas “aprontadas” e indisciplinas.
Mas, nada que a envergonhasse, nada.

Seus cuidados com as plantas, com os cachorros tão amorosos naquele quintal que continha além de videira num caramanchão que não dava uva, apenas uns cachinhos mirrados, também pé de tomate “japonês” e uvaia.
As bananas miúdas das bananeiras no fundo do quintal que ela convertia em bananada jamais imitada.
Que lembranças doces!
Quando mudei do ABC e ela também, com a viuvez, meus contatos, além de visitas periódicas, por anos a fio, foram aos domingos, pelo telefone.
Com o passar dos anos, ela percebeu que sua mente já não respondia ao que pretendia transmitir e isso a fez perder a vontade pela vida. Sabia tudo o que enfrentara. Pouco mais a frente deu-se seu passamento.


Uma mulher corajosa, bondosa, que faz parte da minha interioridade, da minha vida. Dona Cila.





Fotos:
(1) A avenca foi plantada por minha mãe e está conosco há cerca de 30 anos;
(2) Tempos sem registro na memória

01/05/2011

O QUE ESTOU VENDO NESTES TEMPOS DESREGRADOS

Sobre o que se passa em nossa volta neste planetinha cada vez menor já me posicionei muitas vezes.
Em pleno século XXI ainda não criou o homem juízo. Pensa em termos imediatos, promove guerras sem causa – salvo em nome do poder efêmero - destrói o planeta sem medir as consequências, ignorando o futuro dele e dos seus descendentes.
Já não bastassem semelhantes não tão semelhantes, assassinos e violadores (sociopatas criminosos)!
O predador é assim: tudo tem um valor econômico e esse valor se sobrepõe aos valores “espirituais” de uma floresta, ou de um riacho límpido. Estes não são mensuráveis. E lá se vão as margens devastadas que se deterioram nas cheias, afetando sua vazão.
Muito se devastou nos Estados Unidos. Milhares são as casas de madeira...
Entro numa igreja qualquer, aqui como lá ou na Europa e constato, no seu acabamento e nos milhares de bancos reservados aos fiéis quanto de florestas foi predada ao longo dos séculos.
Mas, é por aqui que ainda temos a grande floresta Amazônica que tal qual ação de formigas cortadeiras implacáveis vai sendo dizimada. É daquelas matas que se expande o fluxo da umidade pelo continente influenciando o próprio clima da Terra.
E o seu reservatório de água? Há os que se assustam com a conversa velada de sua internacionalização por conta da sobrevivência do planeta, num futuro. Essa revolução pode amadurecer à medida que aumentarem os desertos e se dê a escassez de água em regiões maiores.
Bem, é como somos irresponsáveis no cuidar desses recursos, como se fossem estrume de gado e não essenciais à vida!
Aumentam os desastres naturais não só aqui nestas terras mas no planeta e se fossem enxergados não como "causas naturais”, mas aquela questão de "causa e efeito", a mão do homem e sua insanidade inconsequente seriam identificadas na maioria dos casos.
Mas, quem nisso acredita?

Um poema, mesmo sem rima como é o caso desse abaixo, tem a virtude de permitir a inserção de simbolismos, numa medida importante – na denominada liberdade poética - embora possa exigir alguma reflexão do esforçado leitor. Chamarei de

TORMENTAS










Deparo-me inebriado
Na fronte da orquídea multicolor
Desligo-me do meu tempo
Do que me afronta o mundo,
Sinto elementos sutis, superiores
A contemplar – e contemplo!
Por um instante, uma fração
Sou sacudido por estampido
Há algo de tenebroso acontecido...
Volto-me para o alto – céu límpido
Não há tormentas anunciadas
Pássaros esvoaçam, me acalmam,
Cheiro de enxofre e dor se expandem no ar
Logo adormeço no pesadelo que vivo,
Deu-se a derribada da velha paineira


Florida e chorosa


Deu-se um tiro no peito do seu algoz
Que tomba no instante do estampido
No chão, no choro misturam-se sangue e resina
Mistura de dor e ódio!
O que mais terei que ver?
Nestes tempos dolorosos?
Serei um desiludido pessimista?
Ou um alienígena no meu tempo?
Não sei, volto-me para a orquídea
Linda, irradiando beijos
Tento esquecer o instante do mundo
Mas, ele está logo aqui, agora
Envolto na orquídea,
Envolto em mim!