03/04/2011

ALUCINAÇÕES, SONHOS (?)

Vejo-me dentro do carro - às vezes não é um carro -, eu o deixo estacionado num local absolutamente inóspito: ladeiras íngremes, barrancos ameaçadores, passagens estreitas infestadas por água imunda.

Parece que estou nas alturas. Essa sensação me atormenta porque sou um pouco acrofóbico. Bem pouco. Há situações em que me intranquilizo olhando para baixo lá do alto.

- Se fosse assim, você teria dificuldades do avião, me disse alguém. Vá lá!
Equilibro-me naquelas tábuas, passando por sobre poças e poços. Aquela sensação de mundo perdido, sem verde, sem nada, caos.
Quero voltar e sair dali. Mas onde deixei o carro. Desapareceu.
Outra daquelas alucinações?
Pois um dia havia estacionado o carro numa rua movimentada e fui resolver alguma coisa.
Quando voltei, o carro havia desaparecido. Roubado?
Ameaço ligar para casa para virem me buscar e ir à delegacia registrar a ocorrência.
Entro no meio ovo do orelhão e de relance vejo o carro de volta dois passos à frente tão branco como sempre. Eu o ofendo:
- Por onde você andou seu energúmeno.
A resposta foram sons sutis de gargalhadas. Duendes que me perseguem. Somem coisas na minha frente e viro para um lado desesperado a procura e lá estão elas a menos de um palmo do nariz, na minha frente.
Ou os documentos importantes que sumiram de repente e foram achados no arquivo, em busca exaustiva numa pasta que há anos não mexia.
Não encontro o carro naquela imensidão depredada, sem vida por onde caminho e flutuo.
Volto me equilibrando pelas tábuas, pinguelas, ainda com a sensação do que estou no alto. Me equilibro.
Um grito surdo:
- Socorro.
Volto-me e chego à beira de um fosso cheio de água suja. Meto a mão naquela fossa na altura do meu antebraço e agarro a mão de alguém.
Puxo-o.
O salvado sai com facilidade, está vivo. Começa a devolver a água imunda que bebeu no pré-afogamento. Digo-lhe:
- É isso mesmo, vomite essa água suja que lhe fará bem.
Olho para os lados e só vejo devastação, barrancos. Não sei mais do afogado que puxei. Não sei o caminho de volta, o carro.
Numa fração, estou de volta. Piso no chão duro. O carro está no lugar de sempre me esperando para o trabalho dali a pouco.
Olho-me no espelho com a cara deslavada, com a sensação ainda da minha mão na água suja puxando o afogado e confesso:
- Cara você não sonha é um alucinado mesmo dormindo.
Saio logo depois para o cotidiano “real”. (*)




Noite de breu

Viajo na noite de breu. Não sei bem como cheguei até ali e onde estou. Noite de breu. Acho que estou onde tenho minhas raízes. Nada enxergo, mas pergunto para alguém que não vejo. Aqui é a rua ...? A resposta não veio sonora, mas fui informado por algum modo que era. Mas, a rua era muito acidentada não poderia ser. Nem nos meus tempos de menino que guiava barquinhos de papel pelas guias quando era ainda de terra.
Os barrancos são altos, dava para perceber naquelas trevas. Paro na frente de uma velha casa mal conservada:
- Aqui mora minha tia M.?
Não obtive resposta, mas entrei. Algumas crianças crescidinhas sentaram perto de mim e alguns moços que também lá estavam  me olhavam com condescendência.
Um deles de óculos:
- Nós fizemos alguns negócios, você se lembra?
Não, não me lembrava.
Minha tia aparece vestida com um vestido longo, simples, de cor levemente rosada.
Se aproxima, me beija o rosto e desaparece.
Acordei.
Há anos que minha tia falecera.
Essas sensações além de me deixarem perplexo, me reconfortam.
Tento pensar na casa velha. Não importa, nela moravam seres cordiais e amáveis.



Trailer da passagem...

Você teria coragem de relatar tais terrores?

Pois vou relatar.

Foi assim.

Lá pelas 22h00 horas, no meu escritório de casa, lia as últimas crônicas de Monteiro Lobato na obra “A Onda Verde" (na mesma edição “O Presidente Negro” do qual fiz breve resenha na crônica “Dos livros que não consegui ler - ainda. E os já lidos” de 17.10.2010, neste “Temas”).

A capa é ilustrada pela efígie do autor.


O sono não tinha batido a ponto de me fazer “perder os sentidos”.

Então, como se alguém me ordenasse:

“- Olhe para minha efígie de novo”

Fiz isso e dai para frente não sei o que aconteceu.

Vi-me nalgum lugar sem janela e porta e comecei a gritar:

- Quero acordar, quero minha vida...

Fazia um esforço que imaginava consciente para acordar e sair daquele lugar.

De repente, como todos os sonhos, me achei acordado, ao lado de pessoas desconhecidas subindo degraus daquele que parecia o antigo sobrado onde morara em outra cidade, dirigindo-me ao quarto dos meus filhos, portas fechadas.

Nesse instante acordei do lado de cá do mesmo modo como adormecera: sem sobressaltos.

Tivera, talvez pela minha idade, experiência da perda de rumo quando da passagem para o outro lado... definitivamente.

Um trailer da passagem. Sem volta?



Imagens


(1) "Spiritual Repose", de Max Ernest
(2) "A grande convulsão" de Henry de Groux
(Fonte: http://casoual.wordpress.com)

Livro de Monteiro Lobato:
"Onda Verde" - Edição de 1961 - Editora Brasiliense

(*) V. "Terrores e Tremores" de 06.06.2010