19/11/2013

CONSCIÊNCIAS [Branca e Negra]



O “dia da consciência negra” (20 de novembro) e a “consciência branca”. Entre Zumbi dos Palmares e Joaquim Nabuco e José do Patrocínio. A abolição da 
escravatura em 13.05.1888.



De um prospecto sobre o 20 de novembro:

“O Dia da Consciência Negra é dedicado à reflexão sobre a situação do negro na sociedade brasileira e celebrado em 20 de novembro. Esta data foi escolhida por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695. Durante cem anos (1595-1695) o Quilombo dos Palmares (situado entre os estados de Alagoas e Pernambuco) constituiu um foco de resistência aos ataques da Coroa. Em função da sua importância, tem sido um marco nas relações sociais e culturais que contribui no fortalecimento de ações para ampliação da cidadania”. (1)

Não será preciso dizer mais.

Essa “consciência”, dizem muitos, tem até mesmo o condão de ofuscar a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel em 13 de maio de 1888, mal lembrada e comemorada, quase dois séculos depois da morte de Zumbi.

[Neste artigo (ou crônica) de 22.11.2009 mantido nos seus fundamentos, a seguir resgato um pouco da “consciência branca” que resultou na libertação dos escravos naquela data.]

CONSCIÊNCIAS [Branca e Negra]

Há alguns anos, uma edição de bolso, a obra “Minha Formação” de Joaquim Nabuco veio às minhas mãos duma dessas gôndolas giratórias de livraria. (2).

Como relatei antes, pouco sabia de Joaquim Nabuco que nascera no Recife em 1849, era rico, monarquista e abolicionista ferrenho falecendo em 1910 em Washington, como embaixador do Brasil.(3)




Livro com texto rebuscado, porque Nabuco fora sobretudo um intelectual, ao chegar à última página lamentei, sabendo que um dia desses teria que reler a obra.





Trata-se de um documento valioso porque fora escrito por alguém contemporâneo aos fatos e que, em muitas ocasiões, fortemente, tivera influência sobre eles.

Atenho-me à sua luta abolicionista.

Morando com a madrinha, ainda menino tivera Nabuco uma primeira experiência com o temor de um escravo que fugira duma senzala e agarrara seus pés, implorando que fosse comprado por sua madrinha porque o seu senhor, muito severo, castigava seus escravos com crueldade.

A partir dessa experiência, revelando que absorvera a escravidão “no leite materno que me amamentou” [de uma negra], “uma carícia muda” que o envolveu diria: “Assim eu combati a escravidão com todas as minhas forças, repeli-a com toda a minha consciência, como a deformação utilitária da criatura...”

Com a morte de sua madrinha, dona do engenho Massangana, relata ele quando de sua volta 12 anos depois, referindo-se aos escravos que o serviram:

“Não só esses escravos não se tinham queixado de sua senhora, como a tinham até o fim a abençoado. Eles morreram acreditando-se os devedores (...) seu carinho não teria deixado germinar a mais leve suspeita de que o senhor pudesse ter uma obrigação com eles, que lhes pertenciam.” (*) (...) Oh! Os santos pretos! Seriam eles os intercessores pela nossa infeliz terra, que regaram com o seu sangue, mas abençoaram com seu amor!”

[(*)Essa frase tem suscitado dúvidas de significado. Tento esclarecer: o 'senhor', proprietário dos escravos é quem tinha obrigações com eles e. portanto, o 'senhor' pertencia a eles, escravos, e não o contrário.] 

Claro que esse sentimento de gratidão de Nabuco provinha do que recebera de seus escravos que, no fundo, fora viva retribuição do modo como foram tratados no engenho de sua madrinha Ana Rosa.

Fora o Brasil o último país a promover a abolição dos escravos, fato que “humilhava a nossa altivez e emulação de país novo”, embora ocorressem muitas libertações gratuitas. Há referências de que na Província (Estado) de São Paulo, até 1885, cerca de 11 mil escravos haviam sido libertados, embora Nabuco revelasse que em 1879, quando iniciada a campanha abolicionista estavam ainda sob jugo quase dois milhões de negros.

O tráfico deixara de ser praticado em 1850. Em 1871, a Lei do Ventre Livre determinara que os filhos dos escravos, até que completassem oito anos ficariam com a mãe. Depois dessa idade, até os 21 anos, prestariam serviços aos seus senhores, o que significava “um regime igual ao cativeiro.”

Em 1888, Nabuco, como deputado, depois de constatar que o clero saíra da neutralidade em relação à abolição, resolvera ir a Roma e obter uma audiência com o papa Leão XIII – subscritor da encíclica “Rerum Novarum” de 1891 que entre outros temas apontou as condições subumanas de trabalho e as extensas jornadas exigidas dos operários – na qual solicitaria uma declaração do pontífice contra a escravidão no Brasil. Fora muito bem recebido e sensibilizara o papa. Mas a abolição viria logo, poucos dias depois com a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel em 13.05.1888.

Nabuco explana que ao assinar tal lei, sabia a princesa que dos negros só poderia contar com seu sangue e “ela não o queria nunca...” e que a classe proprietária “ameaçava passar-se toda para a República...”

Ela seria proclamada 18 meses depois. À família imperial fora imposto o exílio imediato.

A abolição dos escravos não se constitui causa próxima do advento da República [mas é uma causa, o Império já capengava], até pelo modo como fora proclamada, atabalhoadamente, sem convicção por Deodoro.

Mas, não deixaria a princesa Isabel de comentar:

“Talvez seja devido a essa lei que estejamos indo para o estrangeiro, mas se as coisas fossem repostas, não hesitaria em assiná-la”, apontando para a mesa na qual havia mandado gravar no mármore a data 13 de maio de 1888.” (4).

Com Nabuco muitos outros abolicionistas têm sua luta gravada, inclusive os que a ele se uniram, uma luta de consciência branca, negra, incansável. Consciências, redenções, mesmo que a cor da pele, então, fizesse diferença, a nossa vergonha que até hoje de um modo ou outro ainda reacende.

∞ 

Livro de Laurentino Gomes (5)

“1889”

Como diz o título, no livro o escritor explana sobre o antes, o durante e o depois da proclamação da República e detalha num capítulo a abolição da escravatura.
Desse capítulo além da luta de Joaquim Nabuco, entre outros, dois mulatos se destacam:

LUIZ GAMA, filho de negra liberta com português, mulato, vendido pelo pai quando em dificuldades financeiras, formou-se advogado tornando-se ferrenho defensor dos negros escravos. Por uma tese que defendia, a de que a agressão dos escravos aos seus senhores constituía-se legítima defesa pelos maus tratos que recebiam, foi ameaçado de morte obrigando-se a andar armado.


JOSÉ DO PATROCÍNIO, filho de um vigário com negra escrava, mulato, formou-se em farmácia, mas não exerceu a profissão, tornando-se professor e jornalista. Abolicionista, republicano – co-proclamador da República diante das vacilações de Deodoro da Fonseca -, chamou a princesa Isabel, de “a redentora”. Não fora, pois, um abolicionista branco que a homenageara com esse qualificativo.


Onde ficam esses heróis e suas consciências?


Referências

1. Prospecto da Prefeitura Municipal de Piracicaba (SP) – Secretaria de Ação Cultural (2009);

2. Joaquim Nabuco, “Minha Formação” – edição Martin Claret (a falha nessa edição constitui-se na falta de notas explicativas a determinados episódios muito pessoais do autor que exigiriam esclarecimentos de rodapé);

3. Sobre minhas “relações literárias” com o abolicionista, ver minha crônica recente, de 11.11.2013, “Memórias, fragmentos e coisas afins”;

4. Revista “Veja” – Edição especial – “República”, de 15.11.1989;

5. Laurentino Gomes, “1889” – Globo Livros / 2013.


MORGAN FREEMAN

A posição direta contra o dia da “consciência negra” é do ator americano, Morgan Freeman (“freeman” = homem livre):









11/11/2013

MEMÓRIAS, FRAGMENTOS E COISAS AFINS

 
Banho de Lua

Tenho algo a ver com a Lua mas não me considero (muito, epa!) lunático.
Sempre me agrada lá pelas tantas da noite dar uma olhada para a Lua como se fosse algum corpo que acaricia ternamente com a sua luz prateada.

Ora, direis, estais a fazer poesia!

Mas, não, madrugada dessas, lá pelas três e tanto acordei com um facho de luar me iluminando, avançando por uma fresta da janela entreaberta.

Gostei, olhei para a Lua, as nuvens a cobriram em segundos.
Poucos minutos depois o facho estava de volta sobre o meu rosto. Que momento inspirador!

Permaneci acordado até que os movimentos do pequeno planeta apagassem a tépida luz prateada, coberta novamente pelas nuvens.



Nessas madrugadas, particularmente essa iluminada volto-me para aquele passado longínquo e com pouco a me arrepender. Quando me voltam episódios ao quais me arrependo faço uma reflexão e tento superar por aqueles outros que me instigam por todos esses anos.

De repete, volto-me para um bairro da cidade de Santo André, Utinga (“Águas claras” em tupi), vizinho de São Caetano do Sul – cidade onde vivi momentos expressivos na minha juventude.

Mas, por que Utinga?

É que como péssimo aluno, fui jubilado do principal Colégio do Estado da Região, o Bonifácio da Carvalho.

Apesar disso, sequer cogitei de parar de estudar. Jamais.

O Colégio de Utinga ("Amaral Wagner") era de bom padrão. Todo dia lá ia eu apressado para a estação de trem de São Caetano para curta viagem até Utinga, estação seguinte, ou ônibus lotado, ou mesmo a pé.



Foram muito bons meus dois anos lá.

Não demorou muito, fiz amizade com um professor de português, muito querido, o “Caveirinha”, de tão magro que era, rosto chupado, bochechas encostando nos maxilares, pele mulata, cabelos lisos, fã incondicional de Joaquim Nabuco, pernambucano como ele. (*)

Fez um concurso literário sobre o grande abolicionista. Concorri e obtive o 2° lugar. Ganhei uns trocados de prêmio e aumentamos a nossa amizade.

Se bem me lembro, tinha ele envolvimento com algumas lideranças do bairro, muito extenso. 

Havia um movimento “surdo” para promover a autonomia do bairro, fazendo-o um município independente de Santo André. Idealista como era, para defender esses ideais, fundou um jornal de quatro páginas, “O Independente”, no qual me envolvi até o pescoço.

Alguns dias da semana, saía a cata de anúncios, sempre obtendo algum resultado. Havia um comerciante de ferragens, que toda vez me recebia bem e sempre autorizava anúncios para o jornal.

É sempre uma luta, quando se trata de jornal pequeno e sem capital. Acho até que o professor para fazer circular alguns exemplares semanais cobria o déficit do próprio bolso.

O movimento autonomista de Utinga não vingou. Que eu saiba nunca mais essa tentativa voltou.

Talvez poucos se lembrem por lá disso desse projeto frustrado mas sob o luar intenso tudo isso revivi com prazer e saudades.



Depois de formado, voltei ao Colégio Bonifácio de Carvalho, de São Caetano do Sul, matriculei-me no Clássico mas isso já é outra história não menos saudosa. Fica para outra vez.

Pequenos êxitos

Essa ligação, sempre, mesmo com a pequena e mesmo média imprensa, na verdade, já devo ter dito isso antes, não fiz jornalismo, optando pelo Direito que, na verdade, era o curso motivador por excelência para todos aqueles que cursavam humanas no colegial naqueles idos.

Nessa angústia de publicar e publicar, certo dia, em 1974 remeti um artigo ‘jurídico’ para o jornal “O Estado de São Paulo”.

O artigo foi publicado com destaque, uma alegria só, porque a página era coordenada por um ex-ministro do TST, já falecido.

Pouco tempo depois, em fevereiro de 1975, um segundo foi publicado no grande jornal.

Aí, transbordante, eu achei que era “dono do pedaço”. Artigos sem qualidade, ficaram sobrando, mas estaria mentindo se não reconhecesse, certo “estado de graça”, então, pelos trabalhos publicados no grande jornal.

Naqueles tempos, sabem.

Depois disso, de eventos diversos eu participei, palestras, congressos. Tudo ficou no tempo! 
Que interesse há? Estão mal arquivados em pastas que envelhecem e amarelam.

Tempo inexorável, meus amigos. Não há como escapar.



Quando da 3ª edição do meu “Sindicalismo e Relações Trabalhistas”, saudoso amigo meu escreveu no mesmo jornal sobre mim e sobre o livro, com palavras gentis. A edição estava muito ruim por descuido imperdoável da editora que não procedeu à sua tarefa de revisão, talvez porque eu fosse considerado peão, perto daqueles ministros todos que ela patrocinava.

(Eu recebi carta de profissionais de relações trabalhista da Bahia, questionando essa má revisão).

Mas, sobre mim, disse esse amigo (diretor de RH de multinacional) com gentileza: “...pessoa simples e modesta, até com traços de aparente timidez, não é de hoje que vem dando importantes contribuições ao desenvolvimento de modernas relações trabalhistas e o melhor entendimento do sindicalismo no Brasil. (...) é advogado de esmerada formação jurídica, mas não se deixa envolver no uso exagerado do chamado “advogadês”; ao contrário, consegue comunicar-se de maneira simples, em linguagem ao alcance de todos os mortais capazes de ler, sem em nenhum momento resvalar para a vulgaridade.”

Esses amigos, hem, que se encontram poucos.

[Quanto à “aparente timidez” a que se referiu esse amigo, talvez ele tivesse alguma razão, porque no passado eu conseguira superá-la; já houve, por outra, quem dissesse que eu não me relacionava bem. Provavelmente, por causa dessa “aparência”, seja verdade.]

Tiro de guerra

Sou reservista de 2ª categoria. Não escapei ao Tiro de Guerra.
Tantos e tantos anos depois, o que posso dizer é que tudo aquilo fora uma festa.
Soava em quase todas as marchas e prontidão, o grito do sargento: “- 61, dez flexões por errar o passo da marcha”... e lá ia eu para o castigo, para satisfação do sargento exultante; “ - 361, comporte-se, arrume o bibico, será possível!”



E por aí as coisas caminhavam.

No exercício de tiro para obter o certificado, o sargento fazia de conta que eu acertava o alvo. Eu nunca achava no alvo os meus tiros que se perdiam no éter.

Aprendi a muito custo desmontar e montar o fuzil 1908 (!)

As marchas eram de 20 ou 30 quilômetros estafantes, mas suportáveis, vá lá...

Para a corrida de oito quilômetros que todo o TG participou, eu me cansara demais na véspera, sábado, andando para cima e para baixo (não havia carro, não, ô meu, era tudo a pé – uma 'fuca' 1300 era espécie de trono que os riquinhos ostentavam e dirigiam).

Corri os 8 quilômetros, língua de fora, cheguei honrosamente ao fim mas minha classificação foi medíocre.

Tudo uma festa que me atrapalhou um pouco a vida profissional, mas sobrevivi.

Pequenas experiências que transbordam da memória.



(*) No dia da "Consciência Negra" (20.11.2013) publicarei um artigo, "recuperado" de outra publicação no qual destaco a atuação de Joaquim Nabuco na luta abolicionista.

Crônicas correlatas neste blog

1. “Idade” de 13.05.2013
2. “Poeta, cantais as ilusões desfeitas” de 15.04.2013
3. “A estação de trem e sua luz” de 05.06.2011
4. “Da vaidade ao pó” de 24.04.2011
5. “A história de uma edição” de 31.10.2010

Fotos:

As fotos de locais específicos, são da época,

1. Estação de trem de Utinga
2. I. E. ”Cel. Bonifácio de Carvalho” de São Caetano do Sul

3. Noite enluarada de Milton Pimentel Martins

30/09/2013

ADVOGADOS e ADVOCACIA. Impressões de “antigo” advogado




Da cachaça ruim aos néctares

Não raro, quando lhe caia nas mãos um caso difícil, alguma doença que não sabia diagnosticar ou curar, seu amor-próprio recebia golpes terríveis que o deixavam por algumas horas, às vezes durante dias inteiros, mal-humorado e já quase decidido a abandonar a profissão.” (1)

Este trecho foi extraído de obra de Erico Veríssimo como forma de abrir esta crônica porque o personagem ali situado era médico (Rodrigo Cambará) e se referia àqueles casos em que a solução escapava totalmente de seu controle ou de seu conhecimento. 

Mas, ele se recuperava quando outro caso se lhe apresentava e obtinha êxito no diagnóstico e tratamento.

Pode haver um risinho de desfeita no que direi, mas num dado instante de ambas as profissões, a advocacia e a medicina, elas se tocam, ora no diagnóstico, ora no desgosto do resultado, ora na angústia do que foi feito porque não há como voltar ao ontem, especialmente quando tudo fora feito para sequer se pensar no mal resultado embora possível.

Quanto a mim, com mais de quatro décadas de profissão, ou mais ainda, ingressando nela ainda não diplomado, há desses dias amargos, dias em que costumo dizer para meus próximos:

- Estão vendo aquele canto ali do meu escritório? Pois é ali que bato a cabeça para curar os meus desgostos e, depois disso, aguardo o dia seguinte para tentar consertar tudo o que não deu certo hoje. Pensar no que fazer, um recurso ou o que mais houver.

Não trato com a própria vida numa mesa de cirurgia, mas com quanto de emoções, de esperanças pelo justo, com lágrimas pelo injusto primitivo que prevaleceu e, nesses casos, quão difícil explicar tecnicamente as causas: um tribunal que muda a maneira de julgar uma mesma tese, um juiz “técnico” e não jurista que julga mal, uma tese honesta que não foi acolhida até nas últimas instâncias.

Pergunta difícil:

- Por que ele ganhou e eu não? Não era a mesma causa?


Mas, não são somente amarguras que para mim são menos. Há aqueles tempos em que tudo dá certo, temas complicados que são acolhidos, às vezes no último minuto do último recurso.

Quantas vezes me deparei com esses êxitos? E, ao final, no fio último de esperança, na vitória que se materializa a tal ponto que nem me animara a comemorar: o desgaste todo até esse êxito fora imenso. Às vezes penso em mãos de divindades intercedendo. 
Como naqueles casos em que se desenha desastre iminente que algum empurrão que não se sabe de quem o desvia do ponto do grave atrito.

E, assim, me resigno a erguer um olhar para o alto.

É por isso que os êxitos médicos e da advocacia podem dar um mesmo sentido incomum de perda e ganho, de derrota e vitória.

Como não sou médico, o que posso dizer é que, por causa dessas variáveis da profissão do advogado quando exercida no seu rigor ético-profissional, ela se torna empolgante, até mesmo pelas possibilidades que concede em mudanças sociais na participação política e de construção jurisprudencial.

Mas, eu sei também que, no êxito, quanto ouve o advogado que “não fizera mais do que sua obrigação”, afinal fora “bem pago para isso”- embora haja, sim, reconhecimentos - mas se na derrota ela tivera como causa a “atuação falha do advogado.”

A culpa nunca será atribuída às reais vacilações de juízes e tribunais, mudanças de entendimento e quanto pode demorar um julgamento. A culpa tende sempre a ser atribuída ao advogado.
Apesar disso, como disse linhas acima a profissão tem sua empolgação máxime quando a demanda fora complexa e vitoriosa.

Por causa dessas alternativas, não consigo dela me separar.

Uma espécie de cachaça ruim da qual estou irremediavelmente viciado, mas há, também, aqueles momentos em que a alquimia jurídica a transforma em néctares. E eu os aproveito no silêncio da reflexão.


Em 27.06.2010, neste Temas, publiquei este relato e, sendo relato, verdadeiro:

“Minha idade de vida? 92 anos”

Desço tranquilo do 5° andar do Fórum João Mendes, em São Paulo. As coisas tinham caminhando bem nos meus (poucos) processos por lá e por isso havia baixado meu estágio “normal” de tensão quando da subida.

Alojo-me bem na frente da porta do elevador e ouço um velhote, mas bem idoso mesmo, debatendo com outro idoso algumas questões jurídicas.


Volto-me e me surpreendo com ele, magrinho, baixo, cabelo ralos dividido no meio. No térreo não resisti:

- O senhor é advogado militante? Posso perguntar sua idade?

O velhote me olhou de alto a baixo, segurou firme a gravata verde, vacilou um pouco, e respondeu:

- Sou advogado e minha idade são 92 anos.

- Mas o senhor ainda exerce a profissão?

Diante da resposta afirmativa, aquele que parecia ser seu cliente, também idoso, arrematou:

- E ele viaja para outras cidades para audiências e o que mais necessário.

Revelei minha admiração pela sua disposição para o trabalho e me envergonhei um pouco pela minha preguiça, mesmo depois de estar me aproximando das quatro décadas advogando ou indiretamente me valendo da advocacia para outros tipos de trabalho.

A advocacia é uma espécie de cachaça embora de má qualidade que vicia.

Sai para a rua de São Bento nos rumos de um velho bar para um lanche reforçado. Na frente da estação do Metrô, a uns dois passos do Largo de São Bento.

- Bom demais tudo isto! (2)

 Referencias:

(1) Erico Veríssimo, “O Retrato 2” (“O Tempo e o vento”);
(2) “Eu amo tudo isto?” (2° Cena) de 27.10.2010

23/08/2013

NEGRITUDE NOS ESTADOS UNIDOS. A VITÓRIA DE UM ATOR.

O livro de Sidney Poitier

Para acessar o livro de Sidney Poitier, "Uma vida além das expectativas"  acessar:

http://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com.br/2017/09/22-uma-vida-alem-das-expectativas-do.html

19/07/2013

“O SENTIDO DA VIDA”


NADA

Quantos pensam nessa expressão que frequentemente é seguida de interrogação: “qual o sentido da vida?” Quantos?

Tenho por hábito me dar por perdido em locais que até conheço bem: “onde estou agora?”

Dá-se nesses instantes uma mudança de órbita, mesmo!

Outro ponto são as minhas microdepressões. Elas me incomodam, me angustiam, mas jamais serão verdadeiras depressões, essa doença moderna que a tantos ataca.

Volto pelo caminho de sempre no final de tarde e baixa a angustia que me leva a questionar a minha existência.

Mas, o que faço aqui?

Segue-se um sentido de (i) reflexão, de questionamentos e chego... ao NADA. Como se fosse um branco mental.

Não houve para preencher esse vazio instantâneo um chamado à fé, às divindades. NADA.

Já não de hoje questiono, sem entender, o mecanismo do sexo e a sua explosão. Nada de malícia. Dele nascem bilhões de pessoas que se relacionam e se amam... e se odeiam.


Decaio no NADA mas esse NADA se lança numa região anímica. Só minha. Nada sei. Não consigo.

Mal consigo expressá-lo. Porque é o NADA


 Vegetarianismo, meditação e espiritualismo

O ministro aposentado (do STF) Carlos Ayres Brito, em entrevista à Folha de São Paulo de 18.11.2012, revelou-se vegetariano que conquistou num processo gradativo de eliminação de carne, começando pela vermelha, depois frango e por fim o peixe.


Eu sei aqui no meu cantar do dia-a-dia como é difícil essa renúncia alimentar para alguém exposto às contradições do convívio social que tem a carne como prato básico.


Disse o ex-ministro que, com base em estudos espiritualistas é contemplativo e, pelo que afirma, essa contemplação suaviza sua vida.


Ao ser perguntado se o vegetarianismo seria um passo para a iluminação respondeu:


“Não chegaria a isso, não. Agora, tudo tem uma lógica elementar. É claro que não vou explicar tudo pela lógica, porque o mundo do mistério existe e o mistério está fora da lógica convencional. Quando você olha para você e diz: "Não há ninguém dentro de mim, o meu corpo não está abrigando ninguém", quando você diz "eu sou um vazio", você enxota o ego.


Mas não há vácuo na natureza. O que acontece? O vácuo vai ser preenchido pelo universo, pelo Cosmos, pela existência, outros preferem dizer por Deus. Expulse de si o ego que o espaço deixado por ele vai ser instantaneamente ocupado pela existência. Aí você dialoga com a existência, isso é elementar. Aí você tem um vislumbre do eterno, do definitivo, mais clarividente, você abre os poros da lógica, do seu cartesianismo, você vê o direito por um prisma novo.


Agora, você paga um preço por isso. Qual é? Quando vê as coisas por um prisma totalmente novo, a sociedade não tem parâmetro para avaliar seu prisma diante do inédito para ela. 

Você é um antecipado, viu antes dela. O que ela faz, lhe desanca, lhe derruba, se não ela vai se sentir menor, inferiorizada, aturdida. O que ela faz, ela lhe desanca, você está errado, ou então você não é um cientista, você é um mistificador.


A sociedade não tem parâmetro para analisar os antecipados no tempo. Veja a lógica das coisas, o tempo só pode se guiar por quem anda adiante dele. São os espiritualistas, os artistas, porque eles não têm preconceitos, pré-interpretações, pré-compreensões." (*)


Nesta crônica me refiro ao sumiço momentâneo do [meu] “ego”, com o NADA que se manifesta.


Claro que o ex-ministro está muitos passos à frente em seu estágio contemplativo, de meditação, porque o seu “vazio” pode ser “preenchido pelo universo”.


Eu não consigo ainda me livrar das minhas circunstâncias, do aprofundamento do terror que estes meus tempos propiciam e me afetam. 


Talvez por isso para mim manifesta-se o NADA, o ego desparece por instantes e ressurge neste mesmo mundo conflituoso.

 Por enquanto sou assaltado pelas influências terrenas, pelo horror.


(*) A entrevista completa do ex-ministro Carlos Aires Brito por ser lida no portal “Ser Vegetariano” (http://serveg.blogspot.com.br/)

  
BILA. O CÃO RAIVOSO

Bila era o apelido de um menino de seus três, quatro anos de idade que podia sentar na guia da calçada sem perigo.

Numa manhã ele fez isso mastigando um pedaço de pão com manteiga.

Um cão raivoso apareceu do nada é o atacou ferindo-o gravemente com mordida profunda no rosto.

Tratava-se de um cão doente, raivoso.

Não sem antes mostrar seus dentes ameaçadores, vertendo baba letal, foi morto logo em seguida com um golpe de taco de golfe pesado na cabeça. 
Imóvel, estirado no chão de terra batida, sangrando.

Bila, não resistiu ao ferimento e morreu.

Porque tal coisa de deu?

Ora direis, há coisas piores neste mundo de ódios e vampiros. Mas, neste momento apenas isso me afeta.  Essas imagens. Estão na minha mente, para sempre.




Sempre num relance, no silêncio, nas horas da noite flagro vultos brancos à espreita. 

O EX-GALÃ

Ligado aos meios de comunicação, muito conhecido, agora com cabelos grisalhos, penso que começara a se ressentir das fãs sempre disponíveis que começavam a rarear.

Ele chega para falar com uma pessoa conhecida com a qual conversava numa sala de escritório.

Troca algumas palavras com esse interlocutor, seu amigo do mesmo ramo, e se despede.

Aperto de mão.

Chega até mim é faz o mesmo gesto:

- Até logo.

No dia seguinte se lançou no Vale do Anhangabaú. Saltando do Viaduto do Chá.

A sua morte extrema foi abafada. O NADA extremado.


Tema Correlato: "Idade" de 13.05.2012

14/07/2013

“QUATIZADA” EM ÁGUAS DE SÃO PEDRO


[O “meu” quati]

Numa dessas, em Águas de São Pedro, com muita surpresa me deparei com um bando de quatis “atacando” uma lata de lixo em busca de alimentos a ponto de até mesmo disputar entre eles restos que conseguiam obter.
Nunca imaginei presenciar tal cena, quatis explorando lixo. Vi esses animaizinhos famintos em Foz do Iguaçu, semi-domesticados “assediando” turistas por uns restos de comida.
.




Em Águas, pelo que descobri, sua população cresce a despeito da escassez de alimentos, até porque eles vivem num pequeno bosque nos rumos da estrada que chega a São Pedro




Seu ambiente natural vai sendo reduzido e eles se obrigam a viver como cães abandonados ávidos por comida.
Isso tudo é triste. Afinal, não são só os quatis que perdem espaço natural. na insanidade de devastar meios naturais.


Um quati – um indivíduo igual a esses de Águas -, por meses, fez parte da minha infância que relatei numa crônica já publicada mais de uma vez.
Mas, lá vai ela de novo. (*)

(*) Publicada neste "Temas" em 10.04.2009 - "Animais (zinhos)". Além da minha convivência com o quati, relato experiências com "A coruja", "Abelhas", "Vespas e marimbondos", " O leitãozinho" e "O escorpião no sapato".

O "meu" Quati

Houve um tempo em que morara numa casinha simples, boazinha, cujo quintal dava fundos para o já então poluído rio Tamanduateí, violentado pelo despejo de fábricas, esgotos, lixo. O quintal era separado por uma cerca de ripas, tendo um portãozinho que dava para um terreno baldio e, atravessado esse, a aproximadamente 30 metros, depois de um caminho de terra à "caia-se" no rio Tamanduateí. Perto dali, havia uma ponte de madeira e, na outra margem, na mesma direção do meu quintal, havia um campo de futebol, onde aprendera a andar de bicicleta.

Quando chovia muito, o rio transbordava, chegando as águas até ali, perto da cerca, inundando todo o terreno baldio dos fundos. As águas não chegavam até meu quintal, porque o terreno de minha casa era mais alto. Bem encostada na cerca, do lado de dentro de meu quintal, havia uma amoreira, que frutificava sem parar. Quase que diariamente, meus dedos ficavam tingidos de vermelho das amoras, graúdas, muito boas.

 Certa feita, trouxera meu pai para casa, um quati. Não sei dizer sua origem. Viera ele dentro de um caixote.

Foi-lhe posta uma coleira, sendo preso por uma corrente, com cuidados especiais, próximo à amoreira. Meio selvagem, meio ‘perigoso’ pelos seus dentes caninos, mantínhamos certa distância no começo. O quati, segundo o Dicionário Aurélio, é um mamífero [não só] carnívoro, "com sete subespécies distribuídas por todo o Brasil" (!?)

O "meu" quati, seguindo a descrição normal das espécies, tinha focinho e pés pretos, corpo meio amarelado, com cauda longa e com anéis pretos. O animalzinho preso, tinha mobilidade suficiente para trepar na amoreira.

E isso ele fazia constantemente, enroscando a corrente nos galhos. Com muito cuidado, algumas vezes por dia, íamos desenroscá-la para que o bicho voltasse a ter a mesma mobilidade. Quanto a mim, depois de algum tempo de sua chegada, querendo as amoras criei coragem e fui para perto da árvore e comecei a colhê-las.

 O quati permaneceu quieto de pé, cauda alevantada. Quando me sentei para comer as frutinhas acompanhando o caminho de formigas cortadeiras que passavam por ali carregando pedacinhos de folhas, entre assustado e em pânico, tentei tirar o quati de cima de minha cabeça que avançara inesperadamente, tendo a corrente batendo no meu rosto.

Mas ele não fora feroz. Não fora agressivo. Na verdade, tivera tempo de "cavoucar" delicadamente minha cabeça com as patas dianteiras. E esse carinho maravilhoso ele repetiria sempre. Subia pelos meus ombros sem cerimônia e "cavoucava" minha cabeça.

Comia quase de tudo na minha casa, como um cachorro. Nasceria ali uma amizade duradoura. Eu o levava para passear no terreno do fundo, ele abria pequenas covas com seu focinho e suas patas.

Uma alegria para ele. Chegava mesmo a soltá-lo da corrente. Dava um pouco de trabalho resgatá-lo, mas quando se cansava, espontaneamente voltava.

Pela amizade do quati, entendo bem a frase inspirada de Antoine de Saint-Exupéry no seu consagrado "O Pequeno Príncipe", pela voz da raposa: "- Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas".

Ele tinha umas pequenas feridas e coceiras na cauda. Eram tratadas com mercurocromo e não progrediam. Desapareciam um tempo, mas voltavam.

Um dia precisou ser levado embora. Não me lembro bem porque. Teria sido levado para uma espécie de convento, conduzido por religiosas que possuía ampla área verde.

Soube que morrera algum tempo depois. As feridas na cauda evoluíram, disseram-me, resultando em sua morte. Certamente que não fora cuidado devidamente. Ou morrera de saudades.



 Até hoje lembro-me dele com carinho... Uma vidinha simples, de amor e de amizade incondicionais, sem escolher dia e hora.

08/07/2013

“NÃO CONFUNDA O AMOR”

           
“Aquela quarta-feira, no ônibus para chegar a São Paulo, quase três horas de viagem. Não sei mais dirigir na minha cidade. É mais seguro o ônibus e o metrô a partir do Terminal do Tietê.
Vou lá para os últimos lugares do ônibus para ler e cochilar. Na minha pasta, o pequeno grande livro “Minha Formação” de Joaquim Nabuco – que lamentei um pouco ao chegar à última página.
Uma senhora bonita entra apressada no ônibus. A última passageira a embarcar. Ela me encara, faz um leve movimento de cumprimento mas não a reconheci. Talvez alguém que nalgum instante por causa da minha profissão, um encontro casual no Fórum, na própria cidade.

Na chegada ao Terminal do Tietê me apresso para as rolantes ao andar superior, ansioso com compromissos no Tribunal de Justiça do Pátio do Colégio.


Um chamado:
- Doutor espere, preciso lhe falar.
Volto-me. Aquela moça bonita, de cabelos castanhos chegando aos ombros, olhos vivos, algumas rugas revelando maturidade. Vestia uma blusa vermelha e saia preta combinando.
- Não me reconheceu? Eu sou a C.M. O senhor fez a minha separação e muito me ajudou...
- Mas, você está realmente muito bonita! Por isso não a reconheci.
- Casei-me de novo e mudarei para a Europa, disse ela. - Meu marido está sendo transferido para lá e mudaremos na semana que vem. Nem carro tenho mais. Vou visitar minha mãe em Santana. Me despedir.
Tomou minhas mãos, apertou-as e agradeceu.
- O senhor foi muito legal comigo.
Aproximou seu rosto para troca de beijinhos no rosto. Acedi.
Mas, não. Ela beijou-me na boca de modo delicado.
Apenas disse:
- Não confunda o amor.
Afastou-se, fez um sinal de adeus e seguiu nos rumos do metrô no sentido Santana (Tucuruvi).
Fiquei ali parado alguns minutos, me recompondo. Segui, então, no sentido contrário subindo as escadas rolantes para embarcar no metrô sentido Jabaquara. Em 15 minutos desceria na Praça da Sé.

Muito surpreso ainda lembrei-me bem do que se passara com ela havia alguns anos.
Fora contratado pelo seu ex-marido para formalizar a separação judicial. Por isso, desconfiada, a muito custo ela aceitou falar comigo.
Apresentou-se uma mulher envelhecida, de olhos fundos, muito magra, revelando no rosto seus desgostos com o casamento em vias de se encerrar de modo traumático.
 O marido já vivia com outra mulher.
Com cuidado fui dissipando as desigualdades, os desentendimentos diminuindo os traumas da separação que nesse caso eram evidentes.
Foi só isso. O que mais fizera que não fosse o que tinha que ser feito?”