01/05/2014

O SENTIDO DO 1° DE MAIO


Há uma conjugação de episódios que resultaram no feriado do 1° de Maio cuja origem remonta a uma greve operária havida em Chicago, Estados Unidos, no final do século 19. Fora ela deflagrada tendo como inspiração a conquista da jornada de oito horas de trabalho.




Compulsando o periódico “A Voz do Trabalhador”, publicação do início do século passado, órgão oficial da Federação Operária Brasileira, Rio de Janeiro, edição de 1° de maio de 1915, há uma matéria que trata dos “antecedentes” da referida data.

Revela o periódico que entre 1833 e 1834, na Inglaterra, essa aspiração já eclodira com movimentos de diversas categorias, eis que as condições de trabalho eram desumanas, com extensas jornadas diárias.

Fora lembrado pelo citado periódico o “grande socialista” inglês, Robert Owen que explicava, entre outros motivos, o porquê da necessidade da jornada de oito horas:

“Porque é a mais longa duração do trabalho que a espécie humana – calculado pelo vigor médio e concedendo aos fracos o mesmo direito à vida que aos fortes – pode suportar, sem prejuízo para a saúde, conservando os homens inteligentes e felizes;”

E também:

“Porque oito horas e uma boa organização de trabalho podem criar uma superabundância de riquezas para todos;”

E sem faltar com a esperança utópica:

“Porque o verdadeiro interesse de cada um é que todos os seres humanos sejam inteligentes, de boa saúde, contentes e ricos.”

O quadro subumano das condições de trabalho resultaria, 13 anos depois, em 1847, no “Manifesto Comunista” de Karl Marx e Friedrich Engels, que influenciaria os movimentos operários a a par de sacudir a sociedade que entre outros ordenamentos proclamava:

“Os comunistas não se rebaixam a dissimular suas opiniões e seus fins. Proclamam abertamente que seus objetivos só podem ser alcançados pela derrubada violenta de toda a ordem social existente. Que as classes dominantes temam à ideia de uma revolução comunista! Os proletários nada têm a perder a não ser suas cadeias. Têm um mundo a ganhar.”

E o “grito” célebre: “Proletários de todos os paises, uni-vos.”

Mantidas as condições adversas de trabalho, deflagra-se a greve em Chicago precedida de intensa campanha objetivando exatamente a obtenção da jornada de oito horas. Data: 1° de maio de 1886.

Alguns patrões, antecipando-se ao movimento, fizeram a concessão. A manifestação se concentrava na praça Haymarket ("mercado do feno"). A adesão era forte provocando a repressão policial. No dia 4, a concentração de trabalhadores se dera exatamente para protestar contra a truculência policial. No confronto que se anunciava, explodiu uma bomba no meio policial, fatal para uma dezena deles.

A reação fora violenta, fazendo dezenas de vítimas entre os grevistas. Identificados os principais líderes, cinco foram condenados à morte. Quatro foram executados em 11 de novembro de 1887, havendo um suicídio. Outros três foram condenados a trabalhos forçados.

Havia dúvidas, porém, quanto aos verdadeiros autores do atentado que vitimara os policiais. Havia radicais infiltrados. Por isso, revelaria a “Voz do Trabalhador”, de 1913:

“Em 1893, o governador do Estado de Illinois levou a cabo uma revisão do processo. Resultado, todos aqueles oito homens eram inocentes. Os três que estavam presos foram postos em liberdade. E os outros cinco...ah! estes estavam mortos...não havia mais remédio.”

Poucos anos depois, o 1° de maio passou a ser guardado como data emblemática de luta, de sacrifício, de luto. Pelas oito horas. O Dia do Trabalho.

Nos Estados Unidos, compreensível (!?), o Dia do Trabalho não é comemorado no dia 1° de maio, mas na primeira segunda-feira de setembro. Isso desde 1884, segundo revelações históricas nada claras, sintomaticamente antes dos eventos de Chicago que ocorreram em 1886.

Há, porém, entidades sindicais americanas que contestam essa data, acentuando que o verdadeiro Dia do Trabalho é o 1° de Maio.

E como seria comemorado o Dia do Trabalho?

A rigorosa Federação Operária Brasileira, a contragosto não escondia, já em 1909, na edição de “A Voz do Trabalhador”, um encaminhamento festivo que começava a ser dado à data:

“Todos gritam contra a festa e a maioria aprova-a. Muitos tomam parte ativa na sua organização, embora julgando que não tem razão de ser. (...) Por isso, amigos, gritemos menos contra o caráter de festa que, com a nossa aquiescência toma o 1° de Maio, e trabalhemos mais por dar-lhe o caráter de protesto que afirmamos dever ser”.

E nessa linha, transcrevia, como muitas vezes fez, o “Hino Primeiro de Maio”, cuja primeira estrofe é a seguinte:

“Vem, ó Maio, saúdam-te os povos,

em ti colhemos viril confiança;

vem trazer-nos cerúlea (*) bonança,

vem, ó Maio, trazer-nos, dias novos.”

Entre nós, no tocante à jornada de oito horas, em 1902, os socialistas reunidos em São Paulo, propugnavam:

“Exercer pressão constante do trabalho sobre o capital, para que se consiga a limitação das horas de trabalho e que as greves dos operários venham a ser reguladoras do aumento de seus ordenados e das conquistas dos seus direitos sociais.”

Foram muitos os movimentos operários na busca das oito horas. Em 1917, em São Paulo, os operários de diversas categorias fizeram greve severa com resultado parcial porque muitos empresários premidos pelo movimento fizeram concessões para depois voltarem à prática anterior.

E como estamos hoje?

A velha CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, em muitos bolsões ainda é uma aspiração, há a prática do trabalho escravo em alguns rincões e os sindicatos sustentam-se mamando nas gordas tetas da contribuição sindical, dinheiro fácil que incentiva a constituição de milhares de entidades pelegas.

Mas, para meu consolo, para sustentar todo o aparato e mordomias dessa “pelegada”, esses sindicatos de carimbo e assemelhados oferecem alguns empregos.


(*) Cerúleo: da cor do céu.


Imagem: "Operários" quadro (1933) de Tarsila do Amaral

12/04/2014

SOBRE FLORES E IMPRESSÕES IMPRECISAS E NEM TANTO

Nesta crônica falo de uma flor (Chanana) da beleza das crianças (que depois crescem!), trecho da “Onda Verde” obra de Monteiro Lobato e o Comer Carne numa visão da comunicação entre os animais e a sua alma.

SOU A (XA) CHANANA
Sou semeada pelo vento

Floresço em espaços pequenos

Nas frestas das calçadas e guias

Nos terrenos baldios e mal cuidados

De repente, estou em todos os cantos

Minhas flores atraem abelhas

Minhas folhas têm propriedades medicinais

Sob o sol, sob a chuva

Protejam-me, cuidem de minha fragilidade

Sou a (xa) chanana, a flor-guarujá, tantos nomes.

Sou a bela, sou a humildade.



FRASES QUE NÃO CALAM
Há muito, estou numa pizzaria de São Caetano do Sul – o velho Bar Brasil, ainda lá está? – e espero a minha encomenda. Comigo um negrão meio armário, no balcão, como uma cerveja já na meia garrafa.

Crianças entre seus quatro ou cinco anos fazem aqueles ruídos muito próprios, um saltita, o outro grita, e outros ainda falam frases desconexas que só eles entendem. Aquelas vozinhas.

Digo para o meu amigo:

- Olha que beleza essa reunião!

E ele me responde não sem um timbre de ironia:

- São lindos, mesmo, pena que cresçam...e fiquem que nem [tal qual] nós.

Quietamente concordei pelos grilos que me assediavam...


ONDA VERDE” TRECHO REVELADOR DE MONTEIRO LOBATO
Em 1920 Monteiro Lobato escreveu o livro “Onda Verde”. Faz ele referência ao plantio do café no Estado de São Paulo e o modo como o "mataréu virgem" foi derribado para que florescessem os cafezais:

Rasgara-o a facão o bandeirante antigo, por meio de picadas; o bandeirante moderno, machado ao ombro e facho incendiário na mão [sempre o fogo!] vinha agora não penetrá-lo mas destruí-lo.

É a “alma fria do paulista”, como se referiu Lobato, devastando a mata para o plantio dos cafezais, “árvore que dá ouro”:

Para ver estadeada (ostentando) ante os olhos a sua beleza – coisa nova no mundo e criação genuinamente local – derrubou, roçou e queimou a maravilhosa vestimenta verde do oásis. Desfez em decênios a obra prima que a natureza vinha compondo desde a infância da terra.

Confessemos, um espetáculo vale outro. (!)

Nada mais soberbo - e nada desculpa tanto o orgulho paulista – do que o mar de cafeeiros em linha, postos em substituição da floresta nativa.

A devastação das matas em São Paulo para garantia do “orgulho paulista” se fez não só a poder do machado, mas do fogo, nesse processo antiecológico já muito antigo. Hoje, no Estado, há outra lavoura “estéril”, a cana de açúcar.

E raras árvores no entorno dessas plantações como tênue [ou nenhuma] compensação.

Mas, com a quebra das matas, essas lavouras hoje cobram, na sua parcela de responsabilidade a preocupante mudança climática [a quentura do clima] que vemos crescer no dia a dia e começando a afetar a vida de todos.

Hoje, na mesma linha, as imensas áreas de plantio de soja que também derrubaram florestas, mais os pastos, o gado.

É a receita para a catástrofe que vem sendo fermentada por esses cegos mentais: os orgulhosos, não só paulistas.



O COMER CARNE
No “O Livro dos Espíritos” de Allan Kardec à pergunta 594, sobre a linguagem dos animais, a resposta do espírito:

Se pensais numa linguagem formada por palavras e sílabas, não; mas num meio de se comunicar entre si, sim. Eles dizem uns aos outros muito mais coisas que podeis imaginar, mas sua linguagem, assim como suas ideias, são limitadas às suas necessidades.

Fico meditando no imenso sofrimento que se dá na comunicação entre os animais na hora da crueldade e do abate naquele ambiente medonho dos matadouros.
Mas, ainda não tenho uma solução 'psíquica' para a imensa procriação desses animais brutalizados nos matadouros ainda que incentivada [nesses pastos imensos] para o lucro, antes de tudo.
O livro também se refere à alma dos animais (pergunta 598) e se conserva ela, a alma, a individualidade e a consciência de si mesma, após a morte:

Sua individualidade, sim, mas não a consciência de seu eu. A vida inteligente permanece em estado latente.

A despeito da alma dos animais o consumo de carne deve se dar “segundo o que exige seu organismo” (do homem), porque

(...) Em sua constituição física, a carne nutre a carne, do contrário o homem perece. A lei da conservação torna um dever, para o homem, manter as energias e a saúde para o cumprimento da lei do trabalho. (Pergunta 723).

Mas, ali está a ressalva, o alimento “segundo o que exige seu organismo”.

E o organismo do homem precisa da carne?

Hoje são muitos os que negam. E não a comem.

No livro “Conceito Rosacruz do Cosmos” de Max Heinde, esse autor místico afirma que a dieta vegetariana exige menos energia para ser assimilada pelo organismo e assim,

Por tal razão a energia obtida de uma dieta vegetariana ou de frutas é muito mais duradoura do que a derivada de uma dieta de carne, além de permitir comer-se com menos frequência.

O Livro dos Espíritos” reconhece a existência da alma dos animais. Na obra Heindel ao comer carne ele assim se refere à alma do animal abatido:

(...) Há uma alma celular individual, que é compenetrada pelas paixões e desejos do animal. É preciso uma energia considerável primeiro para dominá-la, depois para assimilá-la, e ainda assim não se incorpora totalmente ao sistema do corpo... o que não se dá com os vegetais.

Paixões e desejos do animal: com o poder de comunicação e sentimento entre eles quais toxinas do sofrimento, da dor e da morte violenta impregnam em seu corpo antes e durante o sacrifício?

Pintura: 
"No cafezal", 1930. Obra de Georgina de Albuquerque (Pinacoteca de São Paulo) 

Crônicas relacionadas ao tema:

"Renúncia à carne" de 03.03.2009
"Fábula: a vaca e o leão" de 07.07.2010
"Resenha ecológica e ambiental" de 10.12.2013 

04/04/2014

QUEIMADAS e DEVASTAÇÕES



Este artigo é de 30.08.2010 publicado no extinto VOTE BRASIL portal que trazia notícias e artigos políticos que foi descontinuado. Sinal dos Tempos...mas uma lacuna que ficou.

O artigo foi transcrito nas páginas do CPTEC – Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos / INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Talvez seja o único que mantém o formato original do referido Vote Brasil ainda no Google.

Desde há muito não consigo deixar de relatar minhas preocupações e angústias, mesmo, com a degradação ambiental que compreende as devastações florestais pelo corte implacável ou pelo fogo, o monóxido de carbono exalado por milhões de carros e motores poluindo o ar, elevando a temperatura do clima do planeta, a industrialização que não se ocupa, ainda, de purificar suas emanações e, principalmente, a poluição dos rios que tornam imundas e inservíveis as águas – elemento essencial - que por eles correm. A pesca predatória, a poluição dos mares e até mesmo a crueldade contra os animais

Hoje, me vejo num ambiente pré-apocalíptico. Que digam de meus exageros.

Endereço do artigo na página do CNPEC / INPE: http://queimadas.cptec.inpe.br/~rqueimadas/material3os/queimadas_e_devastacoes.htm 
[É, também, uma lembrança ao Vote Brasil]






As queimadas, provocadas deliberadamente ou não, são as nossas tragédias diárias que se propagam pela incompetência oficial em coibi-las e combatê-las. Dai o agravamento da situação ambiental e a ampliação da desertificação em imensas áreas. 

O meio ambiente pede ajuda:                                              

"Esquecemo-nos, todavia, de um agente geológico notável – o homem. Este, de fato, não raro reage brutalmente sobre a terra e entre nós, nomeadamente assumiu, em todo o decorrer da história, o papel de um terrível fazedor de desertos. Começou isto por um desastroso legado indígena. Na agricultura primitiva dos silvícolas era instrumento fundamental – o fogo."

A citação acima, refere-se aos desertos provocados na região do nordeste com as queimadas praticadas de modo desastroso que, ao longo do tempo, foram devastando imensas áreas de "flora estupenda".


Não foi ela extraída de algum manual recente de entidade ecológica, entre tantas nacionais e internacionais que criticam a omissão brasileira na questão das queimadas havidas na floresta amazônica. Ela é de autoria de ninguém menos que Euclides da Cunha, ao estudar "a terra" em seu livro "Os Sertões", cuja primeira edição apareceu em 1902.

                     [Imagem infernal na floresta sob fogo sem controle]

Esse consagrado autor, já então no início do século passado, demonstrando certa perplexidade e amargura, apontava o absurdo das queimadas para abrir espaços para a atividade pastoril ou, "ao mesmo tempo o sertanista ganancioso e bravo, em busca do silvícola e do ouro".

Décadas e décadas se passaram e a prática do fogo continua destruindo desordenadamente as florestas brasileiras, quase que extinguindo a mata atlântica e agora, em proporções assustadoras, vai predando própria selva amazônica e o cerrado.

É brutal a omissão oficial a essa calamidade, cuja fumaça das queimadas – provocadas ou não - cega transeuntes, fecha aeroportos e dificulta a respiração de crianças, exatamente na região antes conhecida como o "pulmão do mundo", qualificativo que fora um orgulho para nós brasileiros, pelo menos para os que pensam um pouco mais à frente.

À omissão, aliam-se o absoluto desrespeito à vida, pela natureza e pelo mistério das matas virgens, com as milhares de vidas que sustentam, levadas de roldão, inapelavelmente, pelo fogo.

Esses indivíduos gananciosos e irresponsáveis que exploram madeira na Amazônia e outros biomas, não respeitam árvores centenárias, salvo pelo seu valor econômico, põem fogo na mata para abrir espaços para pastagens do modo mais desordenado e criminoso possível, de ordem a manter o maior rebanho bovino do mundo.

Nos dias de hoje, ensinam-se os princípios da ecologia e da preservação da natureza nas escolas, praticam-se solenidades simbólicas de plantio de árvores perante alunos que aplaudem e se comprometem com a idéia. Para o futuro. Mas, o futuro já corre sérios riscos. O grave problema se verifica no presente. Ações devem ser tomadas agora, energicamente, de tal maneira que sobre algo para ser cuidado no futuro.

“Diminuiu a devastação na Amazônia: em vez de sabe lá quantos campos de futebol por dia, a predação agora é apenas a metade.”

E há quem comemore esse engodo. É degradante.

Essa realidade é assustadora.

As autoridades que poderiam reverter esse processo criminoso omitem-se, fecham os olhos ao se depararem com a fumaça das queimadas e se voltam para ao dar de ombros, as desculpas de sempre: falta de estrutura de fiscalização e de combate às queimadas e, torcem para que de seus gabinetes não sejam afetados pelos seus resíduos.

O desrespeito chegou ao insuportável. O despreparo das entidades oficiais em enfrentar tais crimes é desanimador. Chega a ser patético.

Há algumas décadas, a publicação "O Correio da Unesco", reportava-se ao "Avanço do Deserto" na Terra, esclarecendo uma das reportagens:

"Muitos acreditam que os desertos do Oriente Médio e da região mediterrânea foram criados pelo homem. Há dois ou três mil anos, as vertentes e as planícies do Líbano, da Síria, o litoral do Egito e da Tunísia eram cobertos por rica vegetação (lembremos os famosos cedros do Líbano) e forneciam a Roma grandes quantidades de madeira, cereais, azeitonas, vinho e outros produtos.

O abate de árvores, a destruição das florestas e da vegetação herbácea e o pisoteio das pastagens, juntamente com a erosão pelo vento e pela água, transformaram esses territórios em semi-desertos".

Incluindo as queimadas que em muito aumenta a gravidade da tragédia, estamos seguindo há muito exatamente essa receita. A de construirmos desertos na região mais exuberante do planeta: a Amazônia.

É chegada a hora da urgência, sim, de encararmos a que ponto estamos e parar para pensar sobre o futuro e para nossas crianças, de tal ordem que vivam num mundo melhor e mais respeitoso com a natureza. Que se inspirem na simpatia que deve existir entre a árvore e o homem. Entre os animais e os homens e entre estes e a água, um elemento vital, preocupante, também descurado.

Há tanto por fazer e a cada ano, quando as coisas se acomodam após as crises constantes como esta que agora se assiste – esse circo de horrores – os projetos vão sendo postergados.

E o jogo da política menor, sórdida, volta a prevalecer com o mesmo ímpeto das queimadas.



A propósito:

MATA ATLÂNTICA EM MINAS VIRA CARVÃO PARA OS FORNOS DE SIDERÚRGICAS. 

[Artigo de 15.06.2013. Origem:  http://martinsmilton2.blogspot.com.br/2013/06/mata-atlantica-em-minas-vira-carvao.html]


Ainda que escrevendo somente para mim, nos veículos restritos que tenho disponível, inclusive neste, escrevi, entre outros, dezenas de artigos revelando minha angústia com a devastação ambiental.
Essa devastação no Brasil é dolorosa e preocupante, mas a grande maioria dos povos se fecha num casulo principalmente por estas plagas, vibrando com novelas, com o futebol em particular, ficando ao “Deus dará” a providência para esses abusos ambientais inomináveis.
Afinal de contas, ouve-se – e há literatura de autoajuda recomendando isso -, “eu vivo o presente – o futuro a Deus pertence”; mas nesse futuro insondável há o conjunto familiar, filhos e netos.
Há dias voltei a me escandalizar, porque já estive revoltado antes, com esta notícia e mesma notícia:

“(...) É a quarta vez consecutiva que o Estado [Minas Gerais] lidera o ranking de perda da floresta [Atlântica].”
“Sozinho, o Estado foi responsável por metade do desmatamento do período, ali realizado principalmente para fazer carvão para abastecer fornos de siderúrgicas. Considerando somente as florestas (e não outros tipos de vegetação da Mata Atlântica), houve perda de 10.7512 ha. no Estado entre 2011 e 2013 – um crescimento de70% em relação ao ano anterior.”(Jornal “O Estado de São Paulo” de 05.06.2013).
É isso
Árvores nobres, de uma reserva diminuta, algo em torno de 8% de sua extensão original, sendo convertidas em carvão para sustentar, ainda hoje, com tanta tecnologia disponível, siderúrgicas mineiras. Trata-se de insanidade inacreditável, um crime que se mantem impune. Por quais interesses essa prática se mantem é bem fácil entender: a linguagem do dinheiro que a poucos beneficia.

E a impunidade é tanta que o governo federal comemora, no que se refere à Amazônia ainda cheia de elementos a desvendar, tantas vidas selvagens sendo ceifadas, os quantos quilômetros foram devastados de um ano para outro. Trata-se de postura enganosa porque de ano para ano, num mais noutro menos, a floresta vai desaparecendo mesmo que todos saibam que é ela que tempera o clima.
Há com efetividade um círculo de incompetência e irresponsabilidade porque os atos insanos se referem ao aqui de agora.
O futuro, ora, a Deus pertence.

No trajeto do estado de São Paulo para Minas Gerais, via Anhaguera e na sua continuação no território mineiro, são imensas as áreas devastadas, largas extensões abandonadas. Há um misto de plantação de cana e milho. Nessas áreas a perder de vista, não houve, de regra, a preservação pequena que fosse, da vegetação nativa ou replantio de árvores, de micro bosques.
Claro que não adentrei em tais áreas, mas nada me convence que minas foram levadas de roldão pela mesma devastação que aumenta a incidência da seca.

O que adianta se referir a tais omissões e insanidades? Se a ninguém, serve a mim. Não serei eu quem se conformará. Não sou omisso.


04/03/2014

O ESCORPIÃO NO SAPATO




ANIMAIS (ZINHOS) E BICHOS constitui-se numa crônica publicada em 10.04.2009 neste Temas falando de várias espécies que me marcaram. Por gostar muito, resolvi separar cada animalzinho fazendo uma crônica para cada um deles, mas sempre mantendo a introdução original, abaixo.
Outros "bichos" que republicarei:
A Coruja
Abelhas
O leitãozinho
("O quati" já foi republicado em "Quatizada em Águas de São Pedro" de 14.07.2013 neste Temas).


EXPLICO

Minhas relações com as várias espécies de animais (zinhos) e bichos sempre foram as melhores possíveis. Já nem falo de cachorros. Tive uma preta já velha e agitada que me encarava suplicante pela janela, aqui do lado, esperando por um afago, passando minha mão pelos losangos da grade. Se não chego perto, ela choraminga. Sua morte para mim, pelo modo como se deu foi por demais dolorosa. Não a esqueço. Como esquecer anjos que transmitem amor incondicional?
Daqui mesmo, olhando à esquerda vejo rolinhas, anuns, pica-paus, bem-te-vis e outros espécimes que não sei identificar (há um pássaro azulzinho frequentador assíduo) saboreando bananas e metades de mamões postos para eles, sobre o muro, pela manhã, exatamente para que compareçam diariamente.
Gatos são, porém, minha preferência, embora tenham eles sumido das vizinhanças. Há muita gente intolerante com esses animais e partem para a maldade. Talvez nem eu mesmo tenha tempo para eles hoje, mas sempre que por perto, foram entre malandros e doces. Um tinha por costume morder suavemente meus pés com aqueles dentinhos finos. Aos meus protestos, ele parava, olhava para cima, com aquelas pupilas que vão e voltam e ficava a espera de um agrado.
Um indivíduo velho desses, malandro que só ele, que morreria atropelado, certa manhã comia sua ração quando um estrondo de tampa de panela no chão o fez saltar em pânico e sair correndo para a janela em fuga, batendo a cabeça no vidro. Percebendo a gafe e a risada geral, o sujeitinho se postou quieto perto da janela e carregado carinhosamente de volta à comida, ronronou como se tentasse explicar o vexame por que passara. Como não gostar desses caras?
Que valor tem, por exemplo, reter na mão um beija-flor que adentrou numa sala, na hora do almoço talvez atraído pelo perfume dum suco de uva? Cansado de se debater em busca da saída, barrado pelo vidro transparente sem entender porque não alcançava a liberdade - que estava a um palmo abaixo na abertura escancarada da janela -, que via lá fora, suas flores e suas árvores tão perto, entregou-se à sorte encostando-se indefeso num canto da parede. Eu o embalei cuidadosamente. Um chumaço de penas na minha mão, bicudo e olhinhos pretos. Solto lá fora, bateu as asas e desapareceu. Ficou a sensação de sua presença.
Que valor tem um momento desses? Para mim muito valor, muitíssimo.
Certamente que muitos dirão que isso ou aquilo é rotina e contarão passagens mais interessantes.
Mas, para mim foram experiência e impressões únicas, daí...


O escorpião no sapato

O escorpião é um animal (zinho) amaldiçoado na Bíblia. Eis alguns versículos que o tratam como um demoninho:

● Apocalipse 9,5: “...e o seu tormento era semelhante ao tormento do escorpião quando fere o homem.”

● I-Reis 12,11: “...meu pai vos castigou com açoites, porém eu vos castigarei com escorpiões.”

● Eclesiástico 26,10: “Uma mulher maldosa é como jugo de bois desajustado; quem a possui é como aquele que pega um escorpião.”

● Lucas 10,19: “Eis que vos dou poder para pisar serpentes e escorpiões, e toda a força do inimigo; e nada fará dano algum.”



Por vezes um acontecimento que poderia ser ignorado num mero bocejo, rebate como se houvesse um sentido oculto, uma mensagem velada. Tive várias dessas experiências. Uma delas, meio assustadora, dera-se numa chácara que frequentava.

 Lá chegando, quase todos os domingos, calçava um par de sapatos velhos, feito chinelos, folgados e saia pelos campos. 

Num fim-de-semana, calço os tais sapatos e sinto que há algo saliente dentro de um dos pés. 

Jogo o sapato no chão. Sai a carcaça de um escorpião adulto, o mais venenoso, que amassara na semana anterior, sem que percebesse. Passara incólume à sua picada venenosa e dolorida.

Algo diferenciado se dera nesse episódio? Fora alertado sutilmente do perigo em calçar os sapatos sem olhar? O que se faz numa hora dessas? Olho para o céu azul e indago: o que isso quis significar?

A minha “cultura esotérica” insiste que não leve certos eventos para o mero acaso, a sorte.

Deixei o versículo de Lucas por último, acima (“Eis que vos dou poder para pisar serpentes e escorpiões..."), que fora uma afirmação do poder de Jesus transmitido aos seus discípulos. A mim não serve esse poder, nem pensar, até porque tenho uma propensão agnóstica, meio moderada, porém. (*)

Por esse agnosticismo, ainda que moderado, não sou elegível a pisar a salvo nesses demoninhos. Nem pensar!

O caso é que eu pisei e o amassei. Bichinho adulto, amarelado, imóvel diante dos meus olhos perplexos.

O que isso significou? Sorte? O acaso? Já disse que há situações em que rejeito explicações por essas palavras.

Não sei, mas quando dele me lembro, sinto algo a mais no meu sapato mesmo que não tão folgado como aquele no qual se alojara o escorpião sem sorte (epa!) num domingo de céu azul e ensolarado.

Agora, não há sapato que ao calçar, distraído, não me dê alguma angústia.

[Naqueles matos, porém, não passei incólume em encostar a perna numa taturana brava. Pode ter sido a dor mais atroz que senti até hoje.]

Referência no texto:

(*) Mas, o que isso significaria, “agnosticismo moderado”? Poderia ser definido numa frase do professor Paulo Edgar A. Resende em artigo numa antiga revista da PUCSP (1968 – “Deus hoje, Sim e Não”): “Os cristãos que passam ao ateísmo, não o fazem a partir de um raciocínio da existência de Deus ou da não-existência de Deus. Eles partem da convicção de que a crença em Deus não tem significação para o relacionamento com os homens, é algo separado da terra, e que poderia ficar para depois, para os períodos de intervalo, para as situações limites, para a velhice, para a época da doença.”