27/06/2012

TRADIÇÕES, MEMÓRIAS, FRAGMENTOS (III)


         
O meu afastamento de São Paulo, já por décadas, privou-me de muitas “emoções”. Todo mundo fala de congestionamentos e tudo o mais, mas já escrevi que a maior cidade do Brasil, é o que é, pelas nossas opções e, claro, por falta de mais alternativas do ir e vir, resultado de longa omissão do poder público.
Saibam que eu me encantei com a estação da Luz do trem para o metrô. Aquela galeria subterrânea, coisa de primeiro mundo!
Mas, por razões circunstanciais, há alguns poucos anos, voltei ao prédio da PUC de São Paulo, da rua Monte Alegre, de tantas tradições, memórias...

Aquele prédio velho, continua “o mesmo”, com paredes desgastadas pelo tempo mas, quanto a mim, andando no seu interior, subindo e descendo escadas me vi com uma ponta de emoção por tudo aquilo que por alguns anos frequentei.

As minhas descidas pela rua Monte Alegre, com garoa no rosto depois do exame oral, às pressas, para não perder o último trem, na estação Barra Funda, até Santo André. Na falta do meu fusca – 64.
Entre os fragmentos de lembranças há um momento hilário, talvez não fosse inspiração para uma crônica, mas, o que fazer, se o episódio nunca mais me saiu da memória?
O professor era uma boa pessoa, já idoso, diziam ter alguma doença que era minimizada com doses moderadas de conhaque. Não sei.
Uma noite, meio chuvosa, mal começada a aula, não sei se pelo conhaque ou pelo pó do giz, esse professor começou a espirrar sem parar.
Num dado momento, num acesso mais forte, voou sua dentadura que bateu num canto da carteira de uma aluna. Ela se assustou, recuou o que pode, mas se manteve respeitosa.
Com toda aquela dificuldade, cambaleando, o professor se abaixou e conseguiu resgatar a dentadura no chão, num local incômodo. Escondeu-a no bolso do paletó. Quem poderia ajudá-lo?
A aula se encerrou. O professor nunca mais voltou.
A cena entre o trágico e o cômico. Ri muito, demais. Anos depois, me divertia em lembrar essa cena que no fundo, fora rigorosamente triste.

Lembranças do TUCA – Teatro da Universidade Católica, histórico, ao lado, do teatro – inaugurado em 1965 com a peça “Morte e Vida Severina” de João Cabral de Melo Neto - das conferências, da resistência à repressão, dos incêndios suspeitos em 1984, sua reinauguração em janeiro de 2002, todo esse clima nos prédios da querida PUC, no meu inesquecível curso de Direito.


Fragmentos

Em qualquer lugar onde esteja, sempre sou surpreendido por lembranças de cenas e experiências que fizeram parte da minha vida, mas algumas são fragmentos inexpressivos: uma imagem de um filme, um acontecimento qualquer, um rosto, um colega de escola que nunca mais vi, uma chuvarada, uma frase perdida.
Mas, um antigo vizinho, muito pobre, morando numa edícula caindo aos pedaços, moleque leal, humilde, amigo, sempre esteve por perto. Ele tinha uma irmã mais velha, que eu soubesse, melhor de vida em relação à família muito pobre.
Um dia, ao anoitecer, ele me trouxe um naco de pudim que sua irmã havia preparado. Eu gostei muito. São essas lembranças que estariam perdidas não fossem esses mecanismos psíquicos que as trazem de volta num momento inesperado. Aparentemente sem causa.
Este fragmento não é tão inesperado: o dia em que fui destacado para acompanhar como instrutor o desfile de sete de setembro do ginasial, pelo professor de educação física – talvez porque eu me destacara numa aula de defesa pessoal, leve – juntamente com uma menina sabidamente mui aplicada.
Quanto me interessei por ela! Talvez ela percebesse e retribuísse algo.
O caso é que tanto eu como ela andávamos de bicicleta pelas redondezas, sempre nos cruzando, não faltando aquele flerte tímido. Eu, na verdade, forçava para encontrá-la.
Como acabou isso tudo? Não sei bem. Só sei que já devo ter falado desse flertezinho nalgum lugar.
Naqueles tempos heroicos, que me sentia forte candidato à namorado da Brenda Lee quando fez excursão pelo Brasil, sonhando que os caminhos do destino me fizessem chegar até ela. Alguém se lembra dela? “I’m sorry”, lembram-se?
Mas, essas imagens estão comigo e às vezes renascem, como outras tantas.

Ah, os fragmentos.

Referências:

Fotos:
www.skycrapercity.com (1a. e 2a.) 

08/06/2012

POEMAS, para não dizer que não falei de... (VII) (Poemas e Prosa)


I – VAIDADE DE VAIDADE

Meu conhecimento bíblico é modestíssimo. Minha aproximação com textos diversos da Bíblia se deu lendo literatura ocultista.
Um dos textos que me marcaram foi o de Eclesiastes 12.6-8:

“6. Antes que se quebre a cadeia (cordão) de prata, e se despedace o copo de ouro, e se despedace o cântaro junto à fonte, e se despedace a roda junto ao poço,
7. E o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu.
8. Vaidade de vaidade, diz o pregador, tudo é vaidade.”

Esse cordão prateado, dizem os místicos, quando rompido de vez, significa o fim da existência terrena, atual.

Diz Max Heindel:

“Um extremo desse cordão prende-se ao coração por meio do átomo-semente. É a ruptura do átomo-semente que produz a paralisação do coração. O cordão só se rompe depois que todo o panorama da vida passada, contido no Corpo Vital, foi contemplado.”

Essas passagens da vida nesse estágio da alma, são apresentadas na ordem inversa, do fim (da vida) para o seu começo.
O místico observa que, por conta dessa passagem, “deve-se ter muito cuidado em não cremar ou embalsamar o corpo antes de decorridos no mínimo três dias e meio após a morte...”
E em outra passagem o místico explana que o Corpo Vital ainda presente no post-mortem flutua sobre a sepultura, constituindo-se “espetáculo repugnante para o clarividente desenvolvido” cenas que convenceriam a trocar o “mau e anti-higiênico método de enterrar os mortos” pelo método da cremação, “que restitui os elementos à sua condição primordial sem que o cadáver alcance os desagradáveis aspectos inerentes ao processo de decomposição lenta.” (1)

Na crônica “Minha Entrevista com Sócrates” esse tema também é explanado numa pergunta ao filósofo com este encaminhamento: “em outro momento o senhor defendeu que se a alma maculada, impura, se afasta do corpo, é ela carregada com esse peso e, com medo do mundo invisível, do Hades, se torna visível, vagando em volta dos túmulos, dos cemitérios, fantasmas medonhos, espectros assustadores...” (2).
Um outro modo de interpretar essas “visões medonhas” (segundo Sócrates) dos cemitérios...para o clarividente.

Com todos esses conceitos, redigi há muito o poema abaixo,  já bastante referidos nestes Temas, ilustrando outras crônicas,  inspirado em  viagens astrais em sonhos cujos locais e  ruas são lembrados ao acordar e especialmente no texto bíblico e nos elementos acima, da literatura esotérica, há inserido um sentido reencarnacionista: “Retornando o Espírito desse ponto partido (?).”


Tudo é vaidade

Diz o Pregador, melancólico (?), realista (?):
"Vaidade de vaidade, tudo é vaidade"
Desta vida de serviço sem idade.
Da mais humilde à mais soberba criatura
A vaidade impulsiona o mundo, porém
Mas, no fim, nada restará senão o pó, o além...”
Extinta, então, a tênue vida, não o Espírito
Falam as Escrituras dum fio de prata rompido
Retornando o Espírito desse ponto partido (?).
Mas, como “tudo quanto sucede é vaidade”
Quando tal soberba sem medida cresce
O Ser humano, no Espírito, enfraquece.


II – CAUSA E EFEITO

Esse poema abaixo também tem a ver com a existência, a vida, com os atos praticados e com a “lei de causa e efeito”. Foi escrito num momento de angústia, ao me defrontar com alguma das muitas tragédias humanas, na linha, “o que tenho que ver ainda”. Com esse poema e outros com essa temática, tento me autoinspirar e praticar, lembrar a solidariedade. Não é fácil, pelas agressões do dia-a-dia, pela violência rotineira, pelas dores que nos constrangem e emocionam.  

Causa e efeito

Segue um caminho a linda jovem
Se arrasta infeliz o enigmático indigente,
No leito moribundo jaz para próxima viagem
O prostrado ancião já mirando para o poente.

Vemos pelo mundo afora, seres que sofrem, 
Semelhantes no mesmo teto tão diferentes
E no entanto não nos lembramos o sentido
Que, na essência, em tudo, somos parentes.

Nossa beleza, atividade, sofrimento,  amargura
Estão na proporção de ações já distantes, 
Mas, o amor, a caridade ao semelhante augura
A escola que cursaremos no exato instante.

O fútil, a injúria, o egoísmo, a inveja
São do interior atos sombrios de mau devedor,
O Interior elevado por certo preveja
Que a doação na vida é saldo credor.


III – PÁSSAROS

É sempre um alívio, para mim, ter pássaros próximos, mesmo que não percebam, por algumas razões, que estão sendo observados nos seus encantos. Ou um vidro de janela espelhado ou numa posição que se deixam ver sem serem vistos.
Sobre eles, os passarinhos, já escrevi crônicas diversas.
Os poemas abaixo “Bem-te-vi” e “Tristeza” estão relacionados porque o alento do bem-te-vi numa certa manhã teve o efeito restaurador, da esperança e da superação da tristeza. Quanto a esta, felizmente, é sempre efêmera. Ela se afasta de modo imperceptível, do mesmo modo como avançou: ou por um bem-te-vi, ou por uma notícia boa ou porque precisa ser sobrepujada. Há que ser conquistada, sempre, a alegria, ainda que apenas contida, se possível tal conceito.

Bem-te-vi

A manhã começara mal-humorada
Não bastara o café adocicado
Algo no jornal que me deprimira
Uma notícia cruel e malvada.
Mas, ai um bem-te-vi
Na janela me avisou que me vira
Eu também bem te vi, estridente passarinho.
Bem vindo que me consola.

Tristeza

Devagar ela se aproximou
Me visitou
E me tomou, pesada sombra
A tristeza que amarga, sem causa (?) 

Ameaço verter lágrimas
- Do quê? Por quê? Não sei
Ela é só minha, ela me pertence
Quem haverá de entendê-la...por mim?

Fico com ela, medito, aprofundo
Me liberto, dela saio, sobrevivo,
O que seria do poeta sem a tristeza?
O que seria da tristeza sem o poeta?


Referências:

(1) “Conceito Rosacruz do Cosmos”, Max Heindel – 3ª Ed./1993, pags. 98/102
(2) “Minha entrevista com Sócrates", Crônica de 16.10.2011