MEMÓRIA - A COPA DO MUNDO DE 1958


DIÁRIO DO GRANDE ABC DE 22 DE JUNHO DE 2018

































TEXTO INTEGRAL DE MILTON MARTINS


Morávamos numa casa modesta em São Caetano, com um quintal apreciável, duas cachorrinhas, um papagaio instável que só não se irritava com meu pai.

Árvores frutíferas, “tomate japonês”, fruta meio ácida apreciada e nos fundos pés de banana que deram muitos cachos que viravam bananada no panelão.

Garotão em 1958, no ginasial, palmeirense como todos em casa, comecei a me dar conta da Copa do Mundo quando a seleção brasileira venceu a da Áustria por 3 x 0 em 8 de junho.

À medida que a seleção ia vencendo o interesse ia crescendo na mesma proporção. Conseguiria o Brasil o campeonato mundial, finalmente? Na verdade, apenas oito anos antes o “maracanaço” era o trauma do futebol brasileiro com a derrota para o Uruguai. Acho que é coisa da imprensa, aquelas comparações absurdas até hoje, tanto que sempre que a seleção do Brasil joga com a do Uruguai, a partida se “transforma” em revanche de 50. Quantas revanches! E o goleiro Barbosa, coitado, foi “condenado” para sempre – teria falhado nos dois gols uruguaios. Faleceu no ano 2000. Que perdoe os brasileiros e a crônica esportiva no seu recolhimento.

Dava gosto ouvir a narração de Pedro Luiz e Edson Leite que se revezavam nas transmissões da “cadeia verde-amarela”.

A coisa chegou à empolgação no jogo da terça-feira, dia 24, quando a seleção venceu a França por 5 x 2 e foi para a final com a seleção da Suécia.
Domingo, dia 29, nascera ensolarado. A decisão.
Havia nervosismo geral eclodindo no ar. O jogo começaria aí pela hora do almoço.
Todos a postos na minha casa, meus pais, irmãos, as cachorras e o papagaio temperamental se equilibrando entre um poleiro a outro pelo arame.
O radio em volume alto transmitia a narração impecável de Pedro Luiz. Logo no início o time da Suécia fez o primeiro gol. Minutos depois, Vavá empataria e faria o 2°.  Primeiro tempo, 2 x 1 para o Brasil.

Estado ansioso generalizado.

No segundo tempo o time do Brasil deslanchou: gol de Pelé que Edson Leite qualificou de “magistral gol de Pelé”, o quarto de Zagalo, 4 x 1, gol da Suécia, 4 x 2 e no último minuto do jogo, gol de Pelé, Brasil, 5 x 2.

Fogos e rojões saíram de não sei de onde e espocaram lá nos altos do quintal, todo mundo emocionado em casa, as cachorras perdidas com aquele alvoroço incomum, trêmulas com os estouros, precisaram ser contidas e acariciadas pela minha mãe, o papagaio maluco que, descendo para o chão, batia asas, gritando feito louco acompanhando o embalo da festa...

Ah, aquele dia de junho de 1958! Aquela seleção sem estrelismos, sem endeusamentos, profissionais que honraram o país sem os milhões nas contas bancárias.

Até hoje reflito sobre aqueles momentos de confraternização e alegria em casa e no país todo por obra da Copa de 1958 e ainda hoje quando ouço trechos da narração de Pedro Luiz (falecido em 1998) e Edson Leite (falecido em 1983) me arrepio. 
Acho até hoje que Pedro Luiz tão bom que era nunca teve substituto a altura na crônica esportiva.

E naqueles dias já despontava a bossa nova!


Meu Deus, que tempos aqueles!


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