14/06/2009
A UNIVERSIDADE DE COIMBRA - PORTUGAL
Eu e D. Diniz (Roupa larga e vento frio)
Esta crônica tem ligação estreita com aquela inserida em 30.05.2009, "Largo de São Francisco: A Academia de São Paulo".
Claro que, pela minha formação jurídica, a presença em Portugal exige uma visita à cidade de Coimbra. Lá está desde 1537 a Universidade de Coimbra, fundada em 1290 (nela incluída a Faculdade de Direito) uma instituição pouco conhecida para quem vive deste lado do Atlântico, a despeito de seu conceito, tradições, incluindo o uso da capa preta pelos seus alunos. Símbolos.
Duas horas e pouco de ônibus ao norte da bela e próspera Lisboa e se chega à rodoviária de Coimbra, meio bagunçada, não muito bonita. Paro no botequim e arrisco um café a peso de euro: sofrível!
A impressão inicial de Coimbra não é muito satisfatória, talvez porque o tempo estivesse fechado, um pouco frio, realçando o cinza escurecido e a antiguidade dos prédios. Ruas movimentadas e não muito asseadas.
Um quilômetro na avenida e se alcança o ponto do auto-car (ônibus) que nas suas voltas leva até o cume da colina, onde se situa a Universidade.
Durante a espera, uma senhora portuguesa espontaneamente puxa conversa ao perceber o sotaque brasileiro. Tinha um filho trabalhando em São Paulo e me surpreende com a pergunta: “o que fazem nesta terra caquética?” Percebendo surpresa ela explica que tudo por ali era velho, estagnado e que pouco havia a fazer. Eu procurei entender sua angústia. Estariam no Brasil os grandes desafios e o muito a realizar?
Chega-se no alto, na Universidade. Dou de cara com uma frase típica de grafiteiro bem desenhada num muro próximo: “Isto aqui já não é mais aquilo que nunca foi. Imbecis.” Não excluo esse desabafo de algum brasileiro gaiato, entre os que lá estudam. Naquele dia frio, os que estavam no campus, todos trajavam as tais capas pretas.
A Universidade de Coimbra é composta de prédios realmente muito antigos. Suas instalações internas como não poderia ser diferente, refletem esse estágio de antiguidade, mas com seus encantos, aquelas vibrações meio sacras que provém dos séculos de ensino e cultura.
Bem na frente da Universidade, a estátua de dom Dinis de quem sou fã. Rei de Portugal de 1279 a 1325, foi o fundador da instituição, de modo a evitar que seus súditos fossem estudar em outros países (a instituição das faculdades de Direito no Brasil, tivera motivação semelhante: evitar que os estudantes se formassem em Coimbra). Visionário, dom Dinis incentivou a exploração de pinhais em Leiria que seriam usados na construção das embarcações que explorariam os mares, mais tarde.
Para descer do cume da cidade, bastara valer-se de uma ruela ladeira abaixo e observar nos detalhes quão velha a cidade.
Lá embaixo, no meio do caminho, foi agradável uma olhada nas ruas comerciais. Lembrancinhas cuidadosamente selecionadas porque a moeda é o euro.
Já chegando a hora de voltar para a rodoviária, vêm-me à mente uns acordes muito conhecidos entre nós, de linda música portuguesa que fala de Coimbra, cujos autores são Raul Ferrão e José Galhardo:
Coimbra do Choupal
Ainda és capital
Do amor em Portugal
Ainda.
Coimbra onde uma vez
Com lágrimas se fez
A história desta Inês
Tão linda.
Choupal é a denominação de um bosque da cidade de Coimbra / Choupo = Álamo)
E “a história desta Inês tão linda?” Dos amores impossíveis e trágicos...
Em meados dos anos 1300, dom Pedro, herdeiro do trono português, apaixona-se por uma prima distante, Inês de Castro, encantado pela sua beleza. Nasce um romance adúltero. Dessa relação, Inês dá a luz a três filhos de dom Pedro. Os irmãos de Inês passam a influenciar dom Pedro. Dom Afonso IV, pai de dom Pedro, decide autorizar o assassinato de Inês de Castro, de modo a cortar a influência que exercia sobre ele, além de evitar que algum dos seus filhos aspirasse a futura sucessão de dom Pedro.
Naqueles tempos, Inês passara a ser sinônimo de prostituta.
Foi ela degolada na frente dos filhos. A revolta de dom Pedro fora imensa contra o pai.
Ao assumir o trono, executou os assassinos de Inês e determinou que o corpo da amada, com grande pompa, fosse sepultado em local (Mosteiro de Alcobaça) que asseguraria ficar ao seu lado quando ele mesmo morresse. Tal se deu em 1367.
Eis como se refere Luis de Camões em “Os Lusíadas” sobre Inês de Castro:
Estavas, linda Inês, posta em sossego.
De teus anos colhendo doce fruito,
Naquele engano da alma, ledo e cego.
Que a fortuna não deixa durar muito (...)
E eu encerro estas impressões, com alguma emoção, valendo-me de mais um trecho da música “Coimbra”:
“O livro é uma mulher
Só passa quem souber
E aprende-se a dizer
SAUDADE”.
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5 comentários:
Esmerado, muito bem estruturado e informativo, com tempero de paixão. Melhor impossível. Parabéns, Mestre.
Belíssima menção a Inês de Castro, talvez um dos mais belos trechos do épico camoniano. Mais que uma confissão de amor por Portugal, é a demonstração de um profundo senso de pertinência.
“Isto aqui já não é mais aquilo que nunca foi. Imbecis.”
Coisa de brazuca? Acho que não. Fosse e o xingamento seria de calibre bem mais grosso, basta ver o que fazem com os monumentos em nosso país.
Parabéns por essa narrativa das terras lusitanas.
Gostaria de saber o porque do senhor ter andando 1 Km para pegar um autocarro, sendo que a paragem fica na frente da estação.
O café, tem que se saber qual é o tipo, porque, se não, sabem que é um estrangeiro (o que creio que aconteceu no seu caso.)
Claro que cada um tem a sua opinião sobre cada lugar, mas deve-se fazer juz ao que cada lugar tem de melhor.
As ruas estreitas, é mais que óbvio, estão apenas dentro daquilo que eram os muros medievais, que redeavam o castelo - (que foi destruido durante o Estado Novo) e que remonta a Idade Media - (e como toda cidade europeias que tem sua parte histórica, que remonta essa época, são todas parecidas)
Coimbra não é apenas o que está dentro do que eram os muros da cidade – se veio para ver a cidade saberia disso.
E não é pelas estreitas ruas que se consegue ver o que é a cidade de Coimbra. Se foi a faculdade de Direito que o senhor veio ver, certamente esteve no patio por de tras da Porta Férrea, onde está a Estatua de D. João III – de lá vê-se até o Mondego.
O termo "imbecil" não é muito usado em portugal - portanto já se imagina de onde vem.
Opinião de uma brasileira que vive cá a mais de 10 anos.
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