26/12/2010
SETE PECADOS CAPITAIS / GULA
20/12/2010
REGRESSÃO (III): CARROCINHAS
MEMÓRIA: UM BRINQUEDO INESPERADO. UMA SURPRESA
Vou retornar no tempo, há muito tempo.
Eu ainda morava em São Paulo, na Lapa, bairro onde nasci. Na rua Roma.
Tempos de “pureza”, mais do que nunca, palavrão era pecado.
Criança, 6 ou 7 anos, saía sem medo pelas ruas dava a volta no quarteirão e parava nos escritórios da fábrica de máquinas de costura Leonam (Manoel ao contrário porque o dono seria Manoel Ambrósio Filho). As ruas eram praticamente desertas.
Tenho leve lembrança de queixas da derrota do Brasil na Copa de 1950 no Maracanã.
Acho que, pela família palmeirense, não sei se ainda na |Lapa ou já em São Caetano tenho distante a voz do incomparável narrador Pedro Luiz emocionado com a conquista pelo Palmeiras do campeonato mundial interclubes em 1951, comemorado apoteoticamente por 100 mil torcedores no mesmo Maracanã. Acho que meu irmão empolgado dissera: “o Palmeiras é campeão”. Não sei se foi nesse campeonato…
A proximidade do Natal e do Ano Novo tinha um sabor especial, muito mais do que agora, certamente. Naqueles idos na Lapa, a família toda se reunia na casa de um tio e lá havia a ceia do dia 31 de dezembro.
Minha mãe, excelente cozinheira, uns dois dias antes do Natal se unia às minhas tias e começavam a prepará-la.
Todos se uniam, meus primos e primas, meus pais, meus tios que contavam "causos", piadas, havia um clima de descontração pelo Natal, desprovido do apelo comercial de hoje e na véspera do Ano Novo, na virada, o rádio transmitia a corrida de São Silvestre. Em 1950 venceu um belga.
Penso que meus pais enfrentavam problemas, tanto que logo depois mudamos para as imediações de São Caetano, um trauma para minha mãe porque tudo estava por fazer, uma cidade que obtivera a autonomia havia dois anos.
Há desses momentos que não se esquece. E foi na Lapa. Guardei para sempre pelo gesto que surpreendeu o menino.
Fora, também, resultado de um impulso decidido, há quantos anos!
Quanto a mim, lembro-me bem, não sabia se meu presente de Natal seria bom. Se haveria presente.
Dias antes do Natal, meu primo fora ao "jardim de infância" para a festa da escola onde estava matriculado. Era perto de onde morávamos.
Fui com ele mas não tive coragem de entrar. Eu não "era" da escola.
Fiquei no portão e pude ver à distância todas as brincadeiras, as balas distribuídas e, para surpresa geral, no fim da festa, a escola distribuiu brinquedos a todos os alunos.
As crianças que estavam fora, vendo os presentes nas mãos dos meninos que saiam contentes, permaneciam boquiabertas pelos brinquedos que não ganhariam do "jardim da infância". E quiçá, do papai noel que naqueles tempos era uma figura comercial, mas nem tanto.
Eu não poderia ficar sem brinquedo também.
Criei coragem, entrei na escola quase vazia e vi-me numa sala ampla, toda enfeitada.
Uma mulher lá estava. Não me lembro do seu rosto? Era jovem? era velha? Bonita ou feia? Talvez mais jovem que velha. Jeito de professora, com certeza:
- Também quero um brinquedo, afirmei meio trêmulo com os olhos voltados para o chão.
A mulher, surpresa com o pedido, olhou-me por alguns segundos e sem relutar pegou sobre um armário uma carrocinha de madeira, puxada por um cavalinho. Caprichada, perfeita. Estava desembrulhada, sem a caixa. Talvez por isso tenha sobrado.
Entregou-me:
- Para você.
Foi demais. Inesquecível. Minha mãe ficou surpresa e contente com o presente inesperado que recebera. Jamais esquecerei essa carrocinha, pela forma como ela me foi dada.
Naqueles tempos e hoje com jogos eletrônicos e tudo, ainda acho que há uma idade em que a criança se encanta com um brinquedo. E quando ele é dado como foi dado sem qualquer relutância, seu valor se multiplica e permanece para sempre na memória.
Há um sentido de leveza e intensidade na gratidão a lembrar e a relatar.
Ainda que tenha sido há muito tempo, enleva tanto quem concede sem relutar, como quem recebe tanto que até hoje tenho guardada (na memória) essa carrocinha e seu cavalinho...
12/12/2010
A MATANÇA DAS BALEIAS E OUTROS BICHOS.
A mais recente se refere a pedido de ajuda para combater a matança de baleias pelos japoneses.
A tradução tem lá suas dificuldades, mas a mensagem tem o seguinte teor:
Enquanto você lê este e-mail, a frota baleeira japonesa está se aquecendo nos rumos Oceano Antártico para iniciar o abate anual da baleia. A “quota planejada” nesta temporada é de cerca de 1.000 baleias minc, 50 baleias jubarte e 50 baleias fin ameaçadas de extinção.
Temos de parar este massacre agora.
Durante a campanha de 2008, o então senador Obama disse: "Como presidente, vou garantir que os EUA assumam a liderança na aplicação de acordos internacionais de protecção da vida selvagem, incluindo a moratória internacional à caça comercial da baleias." Mas já há três temporadas caça têm ido e vindo desde que Obama falou aquelas palavras, e nenhuma alteração foi feita.
E aqui o pedido de donativos:
Por favor, apresse sua contribuição mais generosa como uma pressão sobre o presidente Barack Obama para cumprir sua promessa de campanha!
“Permitir que o Japão continui a caça comercial é inaceitável", como o próprio presidente Obama declarou, e o Greenpeace está arregimentando apoio para pôr fim ao massacre, uma vez por todas.
A caça comercial não só é inaceitável, é uma violação do direito internacional.
Imagine um navio japonês apressando-se através do Oceano Antártico. De repente, o arpoador vê uma baleia mãe e seu filhote. Os sons do oceano são abafados pelas explosões de arpões que atingem a baleia.
E o relato doloroso que seria preferível ignorar, não saber:
A dupla luta para libertar-se das linhas de arpão durante quase uma hora, debatendo desesperadamente suas caudas na água, até que, finalmente, um pistoleiro do convés atira para que sejam morta de vez. A baleia mãe e o filhote são arrastados até rampa de lançamento da nave, deixando um longo rastro de sangue atrás de si.
Para nossa frustração, em poucos dias essa cena trágica no Oceano Antártico vai se repetir inúmeras vezes. O Greenpeace precisa da sua ajuda, e a ajuda do presidente Obama, para pôr fim à matança dessas criaturas de nossos oceanos, “as mais originais, inteligentes e emocionais.”
Além do Japão, também a Noruega e a Islândia caçam baleias alegando interesse “científico” mas que na verdade, em especial os japoneses, apreciam a carne do maravilhoso cetáceo, fazendo parte de sua “cultura”.
Países ditos civilizados praticando tal barbaridade sem concessões.
Essa cena dolorosa há mais de um século foi descrita por Herman Melville no livro “Moby Dick”:
“Como quando o cachalote ferido, que desenrolou da tina centenas de braças de arpoeira, depois de um profundo mergulho flutua de novo e mostra a corda frouxa e torcida erguendo-se a boiar e espiralando-se rumo á tona, assim Starbuck viu longos rolos do cordão umbilical de Madame Leviatã, com o qual o filhotinho ainda parecia amarrado à mãe. Não raro, nas rápidas vicissitudes da caça, esse cordão natural, com a extremidade materna solta, enrola-se na arpoeira de cânhamo, de modo que o filhote é assim capturado.”
(...)
No que se refere às tetas na fase da amamentação, “preciosas numa fêmea que aleite, são cortadas pela lança do caçador, o sangue e o leite que correm da mãe mancham à porfia o mar, por quinas de metros. O leite é muito doce e forte, tem sido provado pelo homem, iria bem com morangos.” (1)
Ora, perguntareis:
Não há crueldade idêntica ou pior nos matadouros bovinos e caprinos, nos abatedouros de aves?
Não foi o Greenpeace que remeteu outra mensagem no “dia de ação de graças” deste ano, feriado americano, relatando seus êxitos enquanto, na véspera, eram abatidos milhares de perus, ave símbolo da comemoração? Que comemoração é essa em “dia de ação de graças” com tal matança?
E o “nosso” Natal com a matança dos leitões e também dos perus?
Sim, há. Este é o seu mundo, cara.
Mas, se esta é uma realidade dura, é chegada a hora de ir diminuindo essa prática. E por que não a partir das baleias, essas criaturas “mais originais, inteligentes e emocionais.”?
Já me referi em várias crônicas e artigos sobre os estragos ambientais que produzem o gado bovino – no Brasil o maior rebanho do mundo - criado “artificialmente”, no que concerne à devastação das florestas, emissão de gás metano pela sua defecação.(2)
Se a humanidade não se convence de que a carne é dieta dispensável ou que pelo menos tivesse consumo menor, “tudo bem!”, mas que fiquem em paz as baleias na imensidão dos oceanos. Comecemos por elas a nossa contenção à imensa crueldade que praticamos contra os animais, melhorando nossa moral perante eles e, principalmente, perante nós mesmos, absorvendo aqueles sentimentos de paz e amor que eles, no seu habitat e a seu modo, inspiram.
(1) Já fiz referência a essa obra na crônica “Baleias, Caranguejos e Tartarugas” de 27.02.2010.
(2) O artigo mais recente constitui-se uma resenha que publiquei no portal www.votebrasil.com e no http://martinsmilton2.blogspot.com/ de 21.11.2010. Há um resumo do relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente que trata desse tema, inclusive fazendo referência à mudança de hábitos alimentares.
Fotos:
1. Baleias orca, from http://www.portalsaofrancisco.com.br
2. "Açougue" (Google)
05/12/2010
PÁSSAROS
Aqui do meu “escritório” de casa – já me referi a isso – muitas vezes fico assistindo esses pássaros avançando com apetite em fatias de mamão e banana postas sobre o muro. Mesmo à distância, bastou em gesto qualquer é eles esvoaçam com toda a pressa possível e, só depois, quando não notam mais a ameaça voltam para continuar a refeição.
Há algum tempo, num dia em que não me situava muito tolerante com tudo e com todos, chego até a loja de produtos de consumo animal e me deparo – como até hoje lá estão – aquelas gaiolas mal cuidadas com uma dezena de passarinhos massacrados entre as grades.
Perco a paciência e indago à atendente que sempre tão bem me atendia:
- Qual o preço de todos esses passarinhos?
- Deixa ver. Uns R$X.
- Tudo bem, levo todos. Coloque-os naquela gaiola ali que daqui a pouco volto para buscá-los. Vou soltá-los todos no parque...
- Mas, o senhor não pode fazer isso. Todos morrerão porque eles nasceram cativos e não sobreviverão na natureza.
Resigno-me, dou um soco na parede e me retiro contrariado. “Esse é o seu mundo, cara.”
Meu contato “íntimo” com passarinhos, pela sua desconfiança, foi mínimo. Já relatei a experiência com beija-flor quem sabe atraído pelo perfume do suco de uva, perdeu-se na sala e, por mais que fosse encaminhado para a saída, não conseguia sair. Batia no vidro, nas paredes, num ambiente que nunca seria o seu. Cansado se entregou. Com cuidado eu o peguei no chão. Um chumaço de penas. Olhinhos pretos esperando a vez como se estivesse sob as presas de um gato esfomeado.
Soltei-o e ele, talvez para recuperar o fôlego, empoleirou-se numa pinheiro por perto.
Mas, foi com um exemplar admirável de calopsita que me trouxe intimidade com um passarinho admirável, inteligente que “sabia o que queria”.
O exemplar pertence a um meu filho caçula, que ficou por uns tempos por aqui.
Sem poder voar porque suas asas foram cortadas – pelo mesmo motivo dos passarinhos engaiolados – com seus piados estridentes exigia companhia e, com aquele seu bico cortante andando pelo teclado do computador, quase cortou o fio do mouse e do próprio teclado.
Sempre de ombro a ombro, quando comigo, encarando-me com aqueles seus olhinhos pretos, seu topete amarelo empinado, havia algo de paz com sua presença. Algo inspirador, de inofensivo, de inocência, de anjinho.
A cena mais surpreendente deu-se numa tarde quando todos falavam na sala. Ele lá no canto, em sua gaiola aberta, piava alto reclamando por companhia, já que nós éramos suas asas. Não atendido nos seus apelos, sem nos ver, apenas o som das vozes porque a sala é em L, desceu da gaiola e com aquele penacho empinado, piando alto veio até nós, cerca de 12 metros até escalar os ombros pelos nossos pés.
E como assoviava bem acordes do hino nacional, repetindo sempre que atendido, a palavra que aprendera: “gotosinho”, “gotoso”
Ele vai fazer falta, mesmo exigente como era. Ah, se vai.
Passarinhos são um passatempo de Deus...
Todos se lembram do filme “O Pássaros” de Alfred Hitchcock de 1963, a história de milhares de pássaros que avançam sobre uma cidade e atacam violentamente os moradores. O filme pode ser interpretado de várias maneiras. Em 1963, bem me lembro, a ecologia não estava em voga, não havíamos chegado aos limites que chegamos neste século 21 de absoluto desrespeito ambiental a despeito das severas advertências do que está advindo desses atos insensatos e até um tanto suicidas.
Pois bem, o jornal “O Estado” do dia 21 de novembro, ilustrada com foto de quase meia página, trouxe a seguinte notícia, curta, em transcrição literal:
“Um bando de pássaros é flagrado pela fotógrafa Kaia Larsen, da AP, ao cercar um avião militar E-68 nos Estados Unidos. A imagem foi feita no dia 29 de outubro, mas só agora divulgada. O avião conseguiu pousar em segurança em Arkansas, e as aves o perseguiram até bem perto da pista. Não se sabe o que as fez ter esse tipo de comportamento.”
A notícia se encerra assim, desse modo lacônico. Que se saiba, não houve qualquer pesquisa para pelo menos “teorizar” o que fez as aves terem “esse tipo de comportamento”.
Os pássaros!