A gula
Sem qualquer compromisso de explanar sobre os demais pecados, começarei com a “gula” porque se trata, a “arte” de comer, do nosso dia-a-dia, indispensável e prazerosa.
Já se disse que todos os prazeres mundanos são efêmeros, isto é, eles resistem pouco: uma viagem tão ansiada se perde num maço de fotografias que com o tempo vão sendo esquecidas, o sono recompõe as forças, mas no fim do outro dia ele haverá que ser renovado.
Mas, e o comer?
Talvez seja, para os que desfrutem de relativa fartura um daqueles prazeres que deixam marca, a marca da gula.
As refeições não se limitam no dia-a-dia, elas podem se repetir com diferentes quitutes, várias vezes: um café reforçado, cheio de pães, presuntos, biscoitos e compotas, pouco depois, no almoço regado a frituras, carnes assadas, legumes na manteiga ou margarina, cervejas ou refrigerantes, doces amanteigados, saladas e quem sabe, frutas na sobremesa se não for sorvete.
À tarde para não perder a oportunidade, um café com bolo e, à noite, para comemorar qualquer coisa, uma massa bem feita ou mesmo pizzas “temperadas” com vinho.
No fim de semana, inevitável comparecimento à churrascaria para se deliciar de nacos de picanha suculentos e gordurosos e outros do rodízio - colesterol "in natura" -, chopes, várias canecas... (*)
A marca da gula esta na barriga e na sua circunferência. A balança silenciosa revela que antes registrara 80 quilos e agora mais de 90 quilos...
A barriga é notória, pontuda, não dá para esconder mais. Por causa dela, o manequim sobe dois números ou mais.
- Puxa fulano, você engordou. O pasto é bom, hem. Você consegue amarrar os sapatos?
Gozação sutil. Que vergonha!
Faz o teste de amarrar os sapatos. A barriga vai antes e suprime parte da respiração e dificulta o movimento. Amarrados os sapatos, parece ter havido um teste de fôlego, a respiração volta dificultosa.
- Meu Deus, preciso emagrecer!
O consolo é examinar as barrigas maiores e constatar que há ainda muito que avançar até alcançar aquele estágio de 120 quilos.
E os americanos comendo hambúrgueres, fritas e refrigerantes todos os dias? Milhares caminham imitando hipopótamos.
- Meu Deus, preciso emagrecer!
No supermercado tem início a tentativa:
- Quero muçarela magra, de búfala.
- Mas, não tem gosto essa muçarela, observa o atendente atrevido.
Mostra a barriga pontuda.
- Preciso começar um regime
E ele observa, encarando a barriga saliente:
- Mas, o senhor foi feliz, comeu do melhor. Saboreou.
Levou muçarela de búfala.
Mas, as massas da noite anulariam as calorias economizadas com a muçarela de búfala.
É isso aí, são sete os pecados capitais. Mas é a barriga que denuncia a gula, o guloso, o pecado
- Começo o regime no ano novo. Já há uns dez anos que tento, desta vez vai.
Será que contraio anorexia?
Ai, ai, ai...
Referências
(1) “Cassiano - bem poderia ser escolhido o padroeiro dos jornalistas - é o homem que, em torno do ano 400, percorreu os desertos do Oriente para recolher - em "reportagens" e entrevistas - as experiências radicais vividas pelos primeiros monges; já o papa Gregório (não por acaso cognominado Magno), cuja morte em 604 marca o fim do período patrístico, é um dos maiores gênios da pastoral de todos os tempos. (Jean Lauand - Prof. Titular FEUSP - IJI – Univ. do Porto.
(2) “São Tomas de Aquino e os pecados capitais”)
(*) “Gula” trata-se de crônica. Preciso esclarecer que não me alimento de carnes. Uma luta difícil pró-vegetarianismo. Agora, a barriga...
Imagem: "Hagar, o horrível" e "Helga" personagens criadas por Dick Browne. Direitos autorais: "King Features Syndicate".
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