Quantas vezes tenho relatado episódios
dos meus tempos de garoto atirado carregando meus grilos.
Pois, nos tempos do ginasial, eu não
tremia com uma professora de inglês, da melhor qualidade?
Ela mandava preparar textos na língua
para expor em classe e fazia sorteio pelo número do livro de chamada valendo-se
de pedras de tômbola. Eu entrava em pânico. E se chamasse o meu número? Nem
pensar.
Quando sabia que não suportaria aquela
tortura, porque nada preparara eu fugia da aula, chegando a pular o muro da
escola.
Esses traumas, obstáculos.
Mas, o inglês, seria o meu tormento
pelo resto dos meus dias profissionais.
Tudo me conduzia para o idioma: numa
das primeiras multinacionais que trabalhei, um dos meus trabalhos era traduzir
currículos de americanos que fariam parte de processos de autorização para
trabalharem no Brasil.
Na década de 70, na minha primeira
viagem internacional pela América Latina – e não cheguei aos Estados Unidos
porque tinha pavor de emudecer nos contatos com os americanos – enfrentei dois incidentes
que me desgastaram.
Chego à Argentina falando um bom portunhol. Conduzido à antessala do diretor de RH me dirijo de modo amistoso à secretaria, falando portunhol.
Chego à Argentina falando um bom portunhol. Conduzido à antessala do diretor de RH me dirijo de modo amistoso à secretaria, falando portunhol.
Ah, o orgulho argentino. Reposta mal
educada e lacônica:
-Yo no hablo portugués, espanõl e
Inglés solamente.
Constrangido, entrei num processo de
mutismo forçado como se a secretaria não existisse e eu não estivesse na
Argentina. (*)
No México, em visita às pirâmides de Teotihuacán
nas proximidades da capital, hospedado num hotel voltado para hóspedes
americanos, passei maus bocados em muitos momentos culminando com a excursão,
porque toda em inglês. (1)
Fazia-me de mudo. Nada era comigo. Que
tormento!
Aí, tardiamente, estudei muito mas concluíra
pelas minhas dificuldades reais com o idioma.
Uma professora de multinacional onde
trabalhava chegara a afirmar:
- Você nunca vai falar inglês.
Estudando fortemente o idioma nessa
multinacional eis que alguns anos depois fui para os Estados Unidos.
Já por lá, soletrava o idioma no
começo com muita dificuldade. Os dias foram passando e, dependendo do
interlocutor americano, esquecia que falávamos em inglês. Meus ouvidos estavam
melhorando.
Prova de que estágio em país de língua
inglesa, aguça a possibilidade da fluência. As palavras aprendidas em aula
começam a aparecer com pronúncias variáveis.
E também se aprende o real significado
de certas, digamos, pegadinhas: a sobra de refeição em restaurante que se manda
embrulhar, usei o “please, dog bag” para salvar um “saldo” de pizza – aquelas
adocicadas com “catchup” - que seria o mesmo que pedir para embrulhar, como me
fora ensinado.
A supervisora do restaurante ao meu
pedido, mostrou-se contrariada e o que fez? Trouxe-me um saco plástico e deixou
comigo a tarefa de inserir o resto da pizza diretamente, sem o embrulho
cuidadoso. (2)
“Dog bag”, ora.
Num jantar entre gerentes americanos e
visitantes sindicais belgas – que falavam francês, espanhol e flamengo –
cheguei a traduzir para um americano ao meu lado o que diziam os belgas. (**)
Naquela noite, voltei exultante para o
hotel porque me convencia que poderia falar o idioma. Estava chegando lá.
Pensara no que dissera aquela
professora:
- Eu a derroto!
Mas, depois dessa viagem, raramente
precisei do idioma e ele foi sendo enfraquecido. Alguns anos se passaram.
Muitas vezes, nesses pesadelos
acordado em que tinha que me valor do inglês, no sonho me vi em situações nas
quais falava o idioma com bastante fluência.
Pois é, falava inglês dormindo,
sonhando, mas sofrível acordado.
Anos depois, há uns três anos, voltei
aos Estados Unidos a passeio.
Quão decepcionante para mim! Num dado
momento, num “fastfood” precisava de uma colher – mas onde estava a palavra?
Apontei a colher para a atendente:
- Ok, you need a spoon!
- Yes, respondi logo.
Aquela professora me vencera.
(E a dizer que fui “sócio” oculto de
uma escola de inglês!)
Referencias no texto:
(*)
O orgulho argentino ainda prevalece. Há alguns anos, não tanto, lá em Buenos
Aires pergunto a um guia turístico argentino orgulhoso qual banco fora
adquirido pelo Itaú que possui várias agências em
Buenos Aires.
Resposta do meu interlocutor:
- Nenhum é apenas uma franquia do Itaú.
Não consegui conter o riso irreverente. O Itaú vendendo franquia...
Resposta do meu interlocutor:
- Nenhum é apenas uma franquia do Itaú.
Não consegui conter o riso irreverente. O Itaú vendendo franquia...
(**) “Flamengo”, conforme a Wikipédia: Flamengo (Vlaams) é o nome dado à língua neerlandesa à falada na Bélgica. Não existe nenhuma língua
flamenga exceto o próprio neerlandês, que é a língua oficial
principal na Bélgica: 60% dos belgas vivem numa zona onde o neerlandês é a
única língua oficial. O francês e o alemão também são línguas oficiais
no sul do país. O neerlandês é falado em toda a Flandres, da costa até Limburgo, embora Bruxelas, no centro da
Flandres, seja oficialmente bilíngue (neerlandês e francês em condição de
igualdade), o resto da Flandres é unilíngue.
(1) Ver crônica “Pirâmide de Teotihuacán
e os arrepios da brisa” de 04.04.2010.
(2) Ver crônica “Camarões” de
14.10.2010
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