Aqui neste
canto do escritório, já pelas tantas, livro aberto tento vencer o sono. Já é
tarde. Nas páginas abertas mosquinhas minúsculas, verdinhas como revela a
lupa, que se na horizontal cabem numa paralela de um milímetro.
De onde elas
vêm? Do jardim seria improvável, por causa da distância. Chego perto com o
polegar e elas alçam voo não superior a 40 centímetros. Batem nos meus olhos.
Elas
enxergam a ameaça do meu dedo indicador? Elas têm a percepção da ameaça, instinto de
preservação?
São por
demais minúsculas para tais reações “normais”. Tão pequenas que, antes de
fechar o livro eu as espanto, não são muitas, para que não sejam amassadas pelo
peso das páginas juntas.
Naquele momento,
o universo dessas mosquinhas, essa viagem improvável, é o meu livro aberto.
Os olhos
fecham pesados. Já é tarde.
Me estiro,
então, numa cama confortável. Mas, não caíra tranquilo no sono ainda leve,
tênue. Sou acordado por uma luz agradável, tépida: o luar bate no meu rosto,
ultrapassando um vão da janela entreaberta.
Que coisa
magnífica! De vez em quando sou agraciado por essa luz que sorrateiramente me
invade e me faz bem.
Afinal, qual
influência é mais forte? A gravidade da Lua sobre a Terra ou o contrário.
Não resisto,
saio lá fora. O céu está límpido, sereno, mesmo as luzes da cidade não impede rever
o incompreensível do universo.
São bilhões
de estrelas, de sois até maiores que o nosso Sol, planetas outros imensos que,
na escala do universo, a Terra cabe, com as equivalências, em duas paralelas de
um milímetro.
E onde estou
nisso tudo? Uma mosquinha com "voos limitados", cheio de angústias e alegrias,
não poucas vezes perguntando o sentido dessa imensidão toda, da própria vida?
Volto para o
quarto, o luar já não bate na cama, os astros se movimentam.
Se havia
sono, agora a insônia comanda.
Há uma
divindade que a tudo isso comanda?
Lá na interioridade
admito que nada disso se refere a “geração espontânea”, nem a mosquinha
diminuta que frequenta as letras do meu livro.
Impossível
desvendar qualquer sentido dessa abóbada, dos conflitos e alegrias que me
influenciam no dia a dia. E do que se passa em não mais do que meio metro de
gramado.
Não penso em
religião, tão contraditórios são seus conceitos.
Mas, repenso
esta passagem do Bhagavad Gitâ (“A Sublime canção”), “episódio da grande e
antiga epopeia hindu, intitulada Mahâbhârata [Maha – grande; Bhârata – Índia: então, a “grande Índia”],
que contem 250.000 versos...”
A passagem:
“O caminho dos que Me reconhecem como o Absoluto e Imanifesto, é
muito mais árduo do que o caminho dos que Me adoram como Deus manifesto e possuidor
de forma. A concepção de Absoluto, Infinito é a causa mais difícil para a mente
finita do homem. É muito difícil para o visível conceber o invisível, o finito
conceber o infinito.”
E é nesta
concepção que muitas religiões atuam, oram para o “Deus manifesto e possuidor
de forma.” Imagens.
Toda essa
impossibilidade de conceber o Universo e sua força, se encontra até mesmo na
Bíblia, em Jó que desenvolve desafio
bem mais corrente, do dia a dia, ao se referir à chuva, neste trecho (36:26-28):
36...
26. Eis que Deus é grande, e nós não o compreendemos, e o número dos seus anos não se pode esquadrinhar.
26. Eis que Deus é grande, e nós não o compreendemos, e o número dos seus anos não se pode esquadrinhar.
27. Porque faz miúdas as
gotas das águas que, por seu valor, derramam a chuva,
29. Porventura pode alguém entender as extensões das nuvens, e os estalos da sua
tenda?
Sim, muitos
são os cientistas que contam com todo o aparato técnico possível mas não conseguem
desvendar tantas e inumeráveis indagações que o Universo impõe.
O tamanho da Terra em relação ao Sol
Talvez não deva
me inibir em empregar a palavra correta: mistérios. Insondáveis. A qualquer
descoberta, transpõe-se um muro mas em seguida outro mais alto se apresenta. E
assim sucessivamente.
Amanhã,
seguramente, ao abrir o livro, terei a companhia daquelas mosquinhas verdes
frequentando suas páginas, suas palavras. O seu universo...
2 comentários:
Bonitos sonhos e divagações, Milton!
"A criatura, que é tão somente uma partícula microscópica do Universo, não está capacitada para julgar e explicar o Cosmo em todos os seus aspectos".
Ah! benditas mosquinhas e bendita luz da lua, que fizeram você escrever essa crônica deliciosa.
Milton, você ia adorar o livro "O Evangelho à Luz do COSMO" DE RAMATIS.
Beijo!
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