13/09/2019

A DEVASTAÇÃO DA AMAZÔNIA COMO ESCREVI NO INÍCIO DO SÉCULO

Os textos são longos e tratam do tema muito caro para mim: o ambiental e, principalmente, a preservação da Amazônia.

Nos blogs que ainda detenho, de fácil acesso, são dezenas de artigos nessa linha ecológico-ambiental, mas publicado na imprensa regional dos quais recuperei três deles.

Eu os estou disponibilizando mais para meus registros ficando de livre acesso aos eventuais interessados e curiosos. São eles:

1. Jornal de Piracicaba (Editorial) de 15.10.1997: “Fazedores de Desertos”, partindo de texto sobre a queimada nas florestas, em “Os Sertões” de Euclides da Cunha;

2. Folha do ABC de 06.09.2003: “Um mundo em devastação” no qual aponto aspectos da poluição ambiental no mundo incluindo os absurdos testes nucleares;

3. Folha do ABC de 10.01.2004: “A Amazônia e a devastação” no qual dou destaque a um relatório ministerial que então revelava já no estágio grave de devastação que 25% da área devastada estava abandonada.
Acessar
4. INPE: Artigo mais recente de 30.08.2010, “Queimadas e Devastações”, publicado originalmente na plataforma “Vote Brasil”, extinta, foi transcrito no portal do INPE. Acessar:http://queimadas.cptec.inpe.br/~rqueimadas/material3os/queimadas_e_devastacoes.htm
Reconheço que o desflorestamento não se contém há décadas.
Mas, agora, é o que resta a ser preservado.

 Os artigos são estes:

JORNAL DE PIRACICABA de 15 de outubro  de 1997

FAZEDORES DE DESERTOS                  
                                                                                    
         
                     “Esquecemo-nos, todavia, de um agente
                      geológico notável – o homem.
                      Este, de fato, não raro reage brutalmente
                      sobre a terra e entre nós, nomeadamente
                      assumiu, em todo o decorrer da história,
o papel de um terrível fazedor de desertos.
Começou isto por um desastroso legado
indígena.
Na agricultura primitiva dos silvícolas era
instrumento fundamental – o fogo”

A citação acima, refere-se aos desertos provocados na região do nordeste com as queimadas praticadas de modo devastador que, ao longo do tempo, foi devastando imensas áreas de “flora estupenda”.

Essa citação, não foi extraída de algum manual de  entidade ecológica, entre tantas nacionais e internacionais que criticam a omissão brasileira na questão das queimadas havidas na floresta amazônica. 

Ela é de autoria de ninguém menos que Euclides da Cunha, ao estudar “a terra” em seu livro “Os Sertões”, cuja primeira edição apareceu em 1902.

Esse consagrado autor, já então no início do século, demonstrando certa perplexidade e amargura, apontava o absurdo das queimadas para abrir espaços para a atividade pastoril ou, “ao mesmo tempo o sertanista ganancioso e bravo, em busca do silvícola e do ouro”.

Décadas e décadas se passaram e a prática do fogo continuou destruindo desordenadamente as florestas brasileiras, praticamente extinguindo a mata atlântica e agora, em proporções assustadoras, a própria selva amazônica.

É brutal a omissão oficial a essa calamidade, cuja fumaça cega transeuntes, fecha aeroportos e dificulta a respiração de crianças, exatamente na região antes conhecida como o “pulmão do mundo”, qualificativo que fora um orgulho para nós brasileiros.

À omissão, alia-se o absoluto desrespeito à vida, pela natureza e pelo mistério das matas virgens, com as milhares de vidas que sustentam, levadas de roldão, inapelavelmente, pelo fogo.

Pois esses indivíduos que exploram madeira na Amazônia, não costumam chamar de  “pau” uma árvore com dezenas de anos, exuberante, em vias de ser cortada para ser vendida às serrarias estrangeiras ? Não a transformou em mera mercadoria ? Em vil metal ?

Nos dias de hoje, fala-se muito em ecologia nos discursos, nas solenidades simbólicas de plantio de árvores, nas escolas  mas, na prática, a realidade é dolorosa, assustadora, devastadora.

As autoridades que poderiam reverter esse processo criminoso omitem-se, fecham os olhos ao se depararem com a fumaça das queimadas e se voltam para a política barata, ao supérfluo, às questiúnculas partidárias, à vaidade, à tolice.

Há projetos de implantar o ensino permanente de ecologia nas escolas, de ordem que, no futuro, as crianças de hoje, cuidem da natureza, devotem mais amor por ela. Mas, o futuro já corre sérios riscos. O grave problema se verifica no presente. As ações devem ser tomadas agora, energicamente, de tal maneira que sobre algo para ser cuidado no futuro. Que valha a pena.

 O desrespeito chegou ao insuportável. O despreparo das entidades oficiais em enfrentar tais crimes é desanimador.

Chega a ser patético. As entidades não governamentais (ONGs), por sua vez, apenas denunciam e denunciam, mas não saem a campo em campanhas de protesto e de conscientização. E as queimadas abomináveis continuam.

Há mais de vinte anos, a revista “O Correio da Unesco”, reportava-se  ao “Avanço do Deserto” na Terra, esclarecendo uma das reportagens:

“Muitos acreditam que os desertos do Oriente Médio e da região mediterrânea foram criados pelo homem. Há dois ou três mil anos, as vertentes e as planícies do Líbano, da Síria, o litoral do Egito e da Tunísia eram cobertos por rica vegetação (lembremos os famosos cedros do Líbano)  e forneciam a Roma grandes quantidades de madeira, cereais, azeitonas, vinho e outros produtos. O abate de árvores, a destruição das florestas e da vegetação herbácea e o pisoteio das pastagens, juntamente com a erosão pelo vento e pela água, transformaram esses territórios em semidesertos”.

Incluindo as queimadas que em muito aumenta a gravidade da tragédia, estamos seguindo exatamente essa receita. A de construirmos desertos na região mais exuberante do planeta: a Amazônia.

Esse quadro desolador no “atacado”, se manifesta também no “varejo” em todas as cidades.

Árvores das ruas são cortadas indiscriminadamente, com a tolerância das autoridades, ora porque “fazem sujeira” com as folhas, porque dão sombra, porque danificam o asfalto e ora porque “esteticamente” incomodam o cidadão intolerante e insensato.

E, sem qualquer reflexão, às centenas, as árvores vão sendo cortadas das ruas sem serem substituídas, permanecendo seu toco como um alerta à insensibilidade humana.

É chegada a hora, sim, de olharmos para o futuro e para nossas crianças, de tal ordem que vivam num mundo mais respeitoso com a natureza. Que, ainda que numa mera poesia, se inspirem na simpatia que deve existir entre uma árvore e o homem.

 Entre os animais e os homens e entre estes e a água, um elemento vital, preocupante, também descurado.

No que conta sobre a preservação das águas, são os  discursos com as mesmices de sempre, promessas, decorrendo, ocasionalmente, medidas paliativas e modestas. No caso da fumaça das queimadas, fecham-se os olhos. No caso da água, tapam-se as narinas para não sentir o cheiro putrefato dos rios ou dos peixes mortos pela poluição.

Até quando a omissão? 





FOLHA DO ABC de 06 de setembro de 2003

UM MUNDO EM DEVASTAÇÃO


Não sei bem quando, mas talvez desde que me "conheço por gente" (frase inédita, não?) sou ferrenho defensor da natureza e dos animais — com estes só tive experiências de carinho e amor. Falarei oportunamente sobre essas experiências.

Por ora, direi de um modo amplo na velocidade de um desabafo.

Já não é de hoje que se filosofa em cima duma amarga realidade: a natureza devolve aquilo que recebe, embora pela sua força de recuperação, um milagre, quando deixa de haver a interferência do homem, ela volta a recompor áreas devastadas, dentro de suas possibilidades.

Sem muito destaque, noticia-se vez por outra o grave problema do aquecimento global não só pelo desmatamento mas pelo excesso de poluentes lançados na atmosfera. E as catástrofes que tudo isso provoca.

O maior poluidor do mundo, os Estados Unidos, não se preocupam em introduzir controles efetivos para a poluição industrial agravando seriamente o problema. Se controle houver, será por iniciativa privada, nunca pela ação efetiva do governo americano que considera essa uma preocupação secundária, a ser assumida pelos os "tolos” que desejarem fazê-lo.

Essa soma de desmandos vai fazendo suas vítimas. O calor intenso que surpreende a Europa — embora os especialistas não atribuam aumento da temperatura apenas à poluição, porque fora um fenômeno previsto para 2003 naquele Continente — deve servir como alerta porque a continuar o nível de devastação e poluição produzidas, essas anomalias tendem a ser "normais" daqui para futuro.

Com esse calor intenso, só na França, em razão dele, morreram 12 mil pessoas.

Isso não é pouco.

Entre nós, de muito pouco podemos nos vangloriar. A motosserra trabalha incansavelmente e de modo insano, tanto  na Amazônia e no pouco que resta da mata Atlântica, ora para captar madeira nobre, ora para produzir carvão, ora para aumentar pastos, significando nesse caso, que as áreas devastadas ficam a um passo da desertificação.

Esse efeito também se dá em razão das imensas plantações de grãos, embora seja imperioso preservar áreas verdes nessas plantações de tal ordem a garantir um mínimo de equilíbrio.

E esses assuntos não são levados tão a sério pela mídia.

Cansa, por exemplo, todo "santo" dia, sabermos que o dólar subiu ou desceu um centavo, que o risco Brasil variou para mais ou para menos — um índice que nem mesmo seus idealizadores internacionais dão a importância técnica que se dá por aqui — e se a "nasdaq" flutuou para cima ou para baixo — matérias absolutamente irrelevantes
do ângulo da vida. Enquanto isso, o placar da devastação ou do bom exemplo ecológico constitui-se matéria secundária, normalmente divulgada, no caso da televisão, em horários de pouca afluência.

Na Encíclica 'Centésimo Ano' de 1991 (que comemorou os cem anos da Encíclica `Rerum Novarum'), o papa João Paulo II  posiciona-se sobre a ecologia acentuando que a humanidade com seu consumismo exacerbado vem produzindo a "destruição insensata" do meio ambiente ("Pensa que pode dispor arbitrariamente da terra, submetendo-a sem reservas à sua vontade como se ela não possuísse uma força própria..."). E eu me pergunto, nessa linha de raciocínio, como é possível um mandatário pensar nos dias de hoje em fazer testes atômicos, num planeta já tão sofrido?

Afinal, o que querem esses vândalos, esses matadores rancorosos sem causa e esses devastadores que convertem a natureza numa moeda qualquer, no vil metal? Que num círculo vicioso de intensa interligação multiplicam pelos seus atos, a violência sórdida que vai se banalizando, um alimento indigesto no nosso dia-a-dia?

Para que a vida no seu conjunto tenha valor será preciso mudar a mentalidade universal, iniciando-se um processo de reeducação, de valor ecológico, de preservação, porque mesmo coma alta tecnologia (ou por causa dela), constatam-se dificuldades imensas no planeta a começar pela carência de água potável em países diversos, um problema que tendo a se agravar.

Individualmente, começarmos a dar valor às (supostas)  pequenas coisas, às coisas "simples": a uma fonte d'água, algo sagrado, a uma floresta, a um beija-flor, ao replantio onde possa ser recuperado o que foi devastado, à recuperação de um rio poluído, como um desafio fundamental, necessário...

Na realidade, longe da pieguice, há que haver um esforço na conquista do “amor global”, "ecológico" porque ele é simples e transmite essa simplicidade fundamental.







FOLHA DO ABC de 10 de janeiro de 2004

A AMAZÔNIA E A DEVASTAÇÃO

Preparado por 12 Ministérios um relatório, abordando a devastação da selva Amazônica, revelou o óbvio que pode ser resumido em poucas palavras: o desmatamento é acelerado e celerado. Antes de trazer os números da devastação divulgados nesse relatório, preciso dizer que não acredito numa ação firme desse governo para conter com a autoridade necessária esse quadro de abuso que, na verdade, diga-se desde logo, repete a mesma postura de todas as administrações anteriores.

Vejo na ministra Marina Silva um sem número de qualificativos: sua origem humilde, seu esforço pessoal para superar dificuldades, sua identificação com a mata e sua ligação com os ideais do preservacionista Chico Mendes.

Mas, daí a impor o nível de autoridade necessária para dar um basta nessa insanidade que se pratica na Amazônia, há uma longa distância.

E. por isso, sou pessimista no que concerne à sua estada na pasta do Meio Ambiente.

Ademais, o mundo se move por valores econômicos. Sabe-se diariamente como se comportaram as bolsas de valores do mundo inteiro. E nesse contexto, o dos "valores econômicos”, nele se inclui a lavoura e a pecuária, a madeira, ainda que, para a expansão devas atividades, pague-se um preço humano elevado, qual seja, do desmatamento desenfreado, sem medir as consequências para as futuras gerações.

Há pouco. num artigo simples mais altamente revelador publicado no jornal "O Estado" (título: "Indignação e fatalismo na Amazônia"), o cientista José Goldemberg. a propósito do nível de devastação que se constata na Amazônia, parece concluir nas entrelinhas que tal estado de gravidade não causa a indignação que seria esperada.

São suas palavras:

"Há no Brasil muitos acontecimentos que provocam - ou deveriam provocar - nossa indignação, mas não há nada na escala do que está acontecendo na Amazônia, a última das grandes florestas tropicais remanescentes".

Realmente, a questão ecológica não se constitui, efetivamente, numa grande preocupação nacional, há muito mais "dar de ombros" oficial do que indignação salvo no meio de grupos privados esclarecidos que alertam para as consequências permanecendo o desrespeito à flora e à fauna, como o que vem sendo praticado na Amazônia.

É "compreensível" essa omissão.

Afinal, as gerações futuras que resolvam o problema! Ora, os efeitos não são imediatos, mesmo que já sejam graves e urgentes...

Eis alguns números do relatório (fonte: jornal "O Estado" de 31.12.03):

. Área total estimada de devastação na Amazônia: 631 mil km2 ou 15,7% de toda a floresta;

. Área devastada entre agosto/01 a agosto/02: 25.500 km2, significando aumento de 40% em relação aos meses anteriores. Tal extensão é maior do que o estado de Sergipe;

. Estão abandonados cerca de 25% da área total desmaiada (165 mil km2) c isso não é pouco, correspondendo a uma área maior que o estado do Ceara;

. A pecuária é responsável por cerca de 80% de toda a área desmatada: o plantio da soja cresceu 57% entre 1999 e 2001 significando efetiva participação no desmatamento desordenado e sem controle oficial. E há, ainda, a ação implacável das madeireiras, muitas na ilegalidade que sobrevivem apenas pela falta de fiscalização.

Não deixa de acentuar José Goldemberg, que na extensão maior da Amazônia o solo é arenoso. E, nessa realidade. "o solo é paupérrimo, a floresta é mantida graças ao equilíbrio do ecossistema". Sendo assim, torna-se improdutivo em pouco tempo, o que explica o abandono da imensa área devastada (165 mil km2).

Há, pois, um imenso desafio se a matéria for tratada com o cuidado c premência que ela exige e que consiste no manejo sustentado, respeitoso com a mata e a fauna que ela contém.

Mas. como acima dito. sou pessimista quanto a qualquer medida enérgica do governo nessa linha, até mesmo pelo retrospecto conhecido, de omissão.

Vejam, como este país continental, mas pobre, tem seus exageros, seus atos megalômanos e antiecológicos: o Brasil está comemorando a impressão do maior diário oficial do mundo. Com efeito, a edição do dia 19 de dezembro último, o jornal oficial federal circulou com 5.700 páginas, devendo assumir posição de destaque no livro dos recordes (-Guinness Book").

A explicação: a Constituição exige a publicidade de todos os atos oficiais...

Perguntar não ofende: quantas árvores foram derrubadas para produzir apenas um exemplar desse diário oficial, verdadeira aberração? E uma centena? E os milhares de exemplares da edição toda?

Paro por aqui, indignado, diga-se.






03/09/2019

DESFECHO DE UMA VIDA SIMPLES



Os tempos de infância, lembrava-se saudosos. Afinal, chegara aos 80 anos e surpreendia a todos por sua incrível lucidez e disposição.

Quando lhe perguntavam qual o secredo, não respondia muito naqueles padrões normalmente atribuídos a outros idosos: "muito vinho e alegria", "comi tudo que tinha direito..."

Sua resposta era:

- Não fumei jamais, bebi pouco e ando bastante, dando preferência em visitar áreas verdes. De há muito minha dieta de carne é quase nula. Se isso for realmente uma receita de longevidade, não sei. Mas, eis-me aqui.

- Como assim:

- Bem, o cigarro encurta a vida, o vinho faz, ainda, parte dos meus dias solenes, o verde cuidado tem algo de divindade e quanto à carne tenho muito dó dos animais. Nem quero pensar no terror dos matadouros.

Nas suas meditações sobre a longa existência, retornava à juventude e mesmo à infância, sem qualquer rigor cronológico. Algumas cenas lhe martelavam a mente e o coração.

Nesses momentos, entrava num processo nostálgico, saudoso, até um pouco confuso. Sua infância relativamente feliz, o retrato mental de sua mãe que falecera quando ele tinha apenas 9 anos eram imagens preciosas. Pareciam um sonho. Será que não eram mesmo? Momentos de felicidade, geralmente fugazes,  não ficam na mente como um sonho?

Coisa estranha envelhecer :

- Sermos sempre nós mesmos e, no entanto, não sabermos explicar, ou entender esse evento irreversível da velhice e mesmo da morte.

Meus ídolos estão indo embora antes de mim.

Completados 80 anos – a mesma idade de seu pai -, tomara uma decisão: de trem, meio em segredo para não despertar os cuidados dos filhos e netos - era viúvo - voltaria à cidade natal e, no casebre onde tivera uma inesquecível experiência em sua infância, faria uma reflexão. Seria como que uma despedida daqueles velhos tempos de ternura que ainda o emocionavam tantos anos depois.

Sim, seria bom fazer uma oração no casebre, velho casebre se ainda preservado, sombreado por três gigantescas árvores.

Lembrava-se bem. Num dia de chuva pesada, refugiara-se no casebre invocando emocionado a imagem de sua mãe. Num dado momento, porém, em vez de estar encostado na rústica parede da pequena habitação, ouvindo a chuva descendo pelo telhado mal conservado, viu-se recostado no colo de sua mãe, recebendo dela, carinho, beijos na têmpora e frases de que onde se encontrava, não estava morta e, de lá, zelava por ele.

Não se assustou com a presença de sua mãe. Somente as crianças, naqueles tempos em que crianças eram crianças, podiam compreender momentos como esse. E não chorou mais, porque sua mãe, serena, sem as marcas da insidiosa doença que a consumira, assim pedira.

Com tudo isso em mente, tentaria retornar àquele local de árvores agora centenárias e seus passarinhos soltos, pipilando alto a liberdade sem a entender. Certamente a última visita àquelas paragens onde fora feliz ao lado dos seus pais e irmãos.

No dia seguinte, bem cedo, com sua velha Bíblia na mão, livro que começara a conhecer, conforme planejara, tomou o trem, rumando para sua cidade. Deixara um breve bilhete para sua filha. Viagem longa, cansativa, facilmente suportada, porém, pela sua disposição conseguida por caminhadas regulares.

Chegou no fim da manhã. Apressadamente, para aproveitar o sol, tomou o ônibus que o levaria àqueles sítios de sua infância.

Depois, pensaria no pernoite, provavelmente na casa de um sobrinho, se houvesse tempo para localizá-lo. Caso contrário, o hotelzinho da cidade seria a solução.

Mais meia uma hora e pouco de viagem, eis que chegou ao ponto de desembarque. Desceu ansioso do veículo, notando que havia, ainda, muitas paisagens de sua época. O riacho que agora abastecia a cidade, embora mais poluído, a igrejinha da comunidade num ponto mais alto, branca e todos aqueles sítios.

Caminhou a pé até a propriedade que fora um dia de sua família. Quando venceu a pequena subida, algum sentimento de perda antecipadamente lhe apertava o coração. A decepção fora terrível. Não encontrou mais suas árvores centenárias, mal reconhecendo o local do casebre. Uma estrada de ligação de sua cidade, com a rodovia principal passaria por ali: 
“a natureza dera lugar ao progresso”, pensou, inspirando-se numa placa que lera nalgum lugar algum dia.

Com profunda mágoa, aproximou-se do local onde certa vez fora consolado por sua mãe sem dar atenção às máquinas ruidosas que se movimentavam arrancando árvores ainda, emocionado, ajoelhou-se no chão de terra batida.


Olhou em sua volta, viu a violência, via as máquinas embaçadas pela fumaça ou por seus olhos úmidos como um pesadelo. Como não previra ou compreendera que o progresso poderia chegar um dia àquelas plagas?

Sob os olhares atônitos dos operários simples que ali estavam, naquele chão batido, sem grama ou eras, sem a sombra das árvores, fez sua reflexão.

Abriu ao acaso sua Bíblia - como aprendera em aulas de filosofia; a professora assim fazia e num tipo de jogo incentivava os alunos a encontrarem sentidos mais profundos aos versículos assim abertos - e em Isaías 60:18, leu em silêncio a mensagem que não entendera bem mas que a relendo, a entendera plenamente:

"Nunca mais haverá violência na tua terra; de desolação ou destruição nos teus termos; mas aos teus muros chamarás salvação; e às tuas portas louvor".

- Eu sei qual será minha terra, meu Deus. E as portas que louvarei.