GENEROSIDADES E AMIZADES (*)
Sim, eu já contei parte desta experiência.(**)
Mas, depois de tantos anos, me veio a mente o valor da generosidade, do ponto de vista de quem a praticou, não de quem a recebeu.
Tudo lá pelos idos de 1964, a adolescência um pouco adiada e assim se deu pelas minhas repetições ginasiais. Essas circunstâncias me levaram à busca pelo trabalho remunerado sem me afastar das atividades estudantis intensamente aproveitadas em São Caetano.
Depois, a maturidade viria exigindo pisar firme no chão duro da vida e daí para frente, sempre…
Os episódios que de novo relatarei foram então explanados sob a minha perspectiva vaidosa, porque num dado momento “reconhecido” pela autoridade maior da cidade, no caso o prefeito Anacleto Campanella naqueles tempos em que São Caetano prometia em tudo ser o que é hoje.
Ora, quanto a esse efeito – o da minha vaidade que perdurou por tantos anos - já recebi de sobejo o meu galardão.
Mas, eu convivo também com meus bons “fantasmas”. Veem-me frequentemente o nome de alguém longe há muito de minha memória, de um evento qualquer, antecipação de um resultado de uma pendência que me interessa, de um caminho a percorrer e os sonhos, essas imagens e visões misteriosas que eles projetam no sono.
E nessa soma de variáveis, ocorreu-me que já fui agraciado com generosidades que só mais tarde as reconheci como tal e por isso, nessas novas reflexões, relembro algumas com algum peso de consciência porque não as agradeci. Não considerei, naqueles tempos, o sentido da graça que tais gestos inspiravam.
Constato hoje que o oposto, gestos de desprezo e descaso marcam muito na mente porque negativos, porque ferem. E resquícios ficam ao longo do tempo.
Generosidade todos tem alguma noção do significado ou significados. Por exemplo, a concessão de uma oportunidade, a caridade longe dos holofotes, uma amizade, tudo sem interesse de retribuição.
Conto de novo para explicar.
Lá pelos idos de 1964 engajei-me no semanário “Tribuna de São Caetano” porque tinha e até acho que ainda tenho, uma forte queda pela imprensa escrita, pelos jornais e até pelas oficinas.
Nesse período, seu diretor era João da Costa Faria e eu redator não muito afiado.
Salvo engano, ao entardecer das quintas-feiras o jornal de pequeno porte era “fechado”.
A redação era numa das salas do prédio do Cine Vitória – naqueles tempos nas noitadas na lanchonete nos seus baixos era um ponto de encontro e de salvação do mundo pelos estudantes.
Um dia Faria me disse de entrevistar o prefeito Campanella.
Tudo bem, aceitei como um desafio marquei o horário no gabinete, e numa tarde lá fui eu.
Sou bem recebido pelo seu então “eterno” secretário e aguardo na antessala. Campanella sai do gabinete curioso e apressado. Ele me encara com aquele seu jeito impaciente, olhando para os papeis, responde algumas perguntas e me ordena:
- Venha comigo.
Saímos do prédio da Prefeitura. No estacionamento, ele abre a porta do carro, manda que eu entre e segue nos rumos de Santo André. Nesse trajeto, a “entrevista” foi se realizando.
As fotos da entrevista e a própria entrevista de perderam.
Paramos no próspero “Diário do Grande ABC” que eu recebia diariamente com paixão e ali me apresentou ao diretor de redação do jornal.
Como resultado da apresentação do prefeito Campanella, escrevi para o Diário por algum tempo com cuidados redobrados. Por encarar outras atividades, mesmo no meio estudantil como aluno do Colégio Bonifácio de Carvalho me afastei da responsabilidade para com o jornal mas havia, também, certa timidez e insegurança, o compromisso em estar disponível a qualquer chamado do jornal. Tudo a lamentar. Como já se disse: “perdas são perdas”.
Em 1969, como deputado federal, logo depois do AI-5 do regime militar fora Campanella cassado na "lista" de 12.01.1969 com direitos políticos suspensos por dez anos. Parece que não sentira o golpe nos primeiros dias.
Mas, acho que dias depois, essa ato de violência política o afetou, sim.
Algumas vezes, de propósito, passava aos sábados na Barbearia do Chichillo na rua Baraldi e o encontrava. Essa Barbearia fora por algum tempo um ponto de encontro político importante, certamente por causa da presença de Campanella.
Anos mais tarde, no mesmo local eu o encontrava abatido porque doente.
Morreu jovem, aos 47 anos, em 1974.
Naqueles dias quando me apresentou ao Diário do Grande ABC o que poderia eu significar para ele? Ele lera algo que eu escrevera no jornal? Porque nunca dele me aproximara, salvo nalgum momento esporádico. Tudo o que fosse não poderia justificar seu gesto de generosidade, não político mas apenas de … generosidade.
E para gestos assim não há explicação.
Muito jovem, pude acompanhar o progresso de São Caetano. Menino, aventurando-me naqueles tempos sem medo saindo do Bairro da Fundação a pé, assisti à inauguração em 1954 do Viaduto dos Autonomistas sobre a linha férrea – que travava o tráfego no centro da cidade quando baixava a porteira - e lá estava ao longe o prefeito Campanella.
Como sabido, seu nome está marcado no estádio municipal da cidade.
Talvez meu apreço por ele de tantos anos mas nunca demonstrado, tenha produzido esse gesto inesperado que relatei, essas consagrações que não são explicáveis, porque resolvidas nalgum plano imaterial. Penso assim.
Hoje, São Caetano se tornou a pequena gigante cidade, exemplo para este país sofrido.
E nesse tema das generosidades e das amizades tenho que me referir ao advogado João da Costa Faria. Somos amigos há décadas – cerca de seis pelo menos.
Logo depois ele deixaria o jornal para se ocupar de sua profissão, da advocacia. Ele se formara na PUCSP. Aos trancos e barrancos me formei mais tarde na mesma PUCSP.
E por todo o seu discernimento não poderia ser diferente: sem qualquer favor, de tão competente, é ele hoje dos mais destacados advogados de São Caetano. Uma referência na cidade.
Estas lembranças, tento homenagear a generosidade e a amizade, irmãs siamesas.
Por isso tudo e mais há momentos em que me dá um nó por pensar nesses tempos mágicos que vivi e que chamo de “tempos de imortalidade”.
Embora ninguém me avisasse que teriam que ser aqueles dias aproveitados intensamente, eu fiz o possível.
Referências:
(*) Transcrito do mensário "O GINASIANO",publicação que congrega os ex-alunos do Ginásio Amaral Wagner de Utinga - Santo André.
(**) Diário do Grande ABC de 10.01.1917 (Coluna de Ademir Medici)
MINHA CHEGADA INDIRETA NO GRÊMIO
O Grêmio sempre fora, para mim, um sentido de realização no Bonifácio que, como disse, era menos colégio mais um “estado de espírito”. Devo ter, ainda, uma carteirinha de sócio, assinado pelo Fuad.
Havia voltado ao Bonifácio em 1963, no Clássico. Em 1964 resolvi me candidatar à presidência, do Grêmio que causou muita estranheza entre os próximos.
Perdi. Não demorou muito e o Grêmio foi administrado de modo não muito eficiente pelo vice quase se extinguindo.
Em 1965, o diretor Teixeirinha me chama na sala dele e diz:
- Olha, vou me aposentar e não pretendo que o Grêmio encerra as atividades neste ano. Você não quer presidi-lo neste ano?
Topei e, bem no jeito, a eleição foi “indireta”. Mas, a ideia dele era um Grêmio moderado sem muitas pretensões.
Uni-me a uma turma decidida (Nelsinho Ribeiro, Eduardo Ascêncio, Walter de Toledo Barros e outros, todos de uma geração posterior, claro) e fizemos muitas coisas: o coroamento foi o “baile do pinguim”, no Moinho São Jorge, que homenageou os 10 mais de São Cetano. A estudante homenageada, que havia ingressado no direito do Largo de São Francisco, foi a Eloisa Maria Baraldi, irmã do Vitório.
Além disso, “baile caipira”, “shows de bossa e poesia” (um fazendo parte das comemorações do 28 de julho – aniversário de SANCA), encontros musicais na sede nos domingos à tarde com o Jerry Adriani ocasionalmente e tudo o mais.
Tudo isso foi documentado no jornalzinho “O Pinguim” cujos exemplares devem ter se perdido: o Bonifácio me pedira para alguma exposição e nunca mais soube deles.
O Carmelo Conti, um sujeito humilde mas com muita vontade de participar. O que tinha de humildade, tinha de lealdade. Estivemos juntos não só no Grêmio (era diretor) como na imprensa local.
Não digo isso para maneirar divergências políticas que se deram neste espaço. Já me manifestei em particular com ele pelos meus excessos.
O ano de 1965 fora para mim de muita felicidade e realizações.
Depois, bem, depois tive que desistir da “imortalidade” e sair pelo mundo, sem qualquer moleza.
Em 03.01.2021
IDH sem índice ambiental
Bem, São Caetano é cinza.
Fachada pela avenida Goiás, do "Cel. Bonifácio de Carvalho" em 1965
A foto abaixo se refere ao encontro de 29 de julho de 2015. Alegria de viver, de participar já passados dos 70 anos de idade, pelo menos na média.
Visão geral 50 anos depois
Memória que se perde.
Meio desapontado saí um busca de um Café com algum atrativo, com alguma apresentação para uma média e algum tipo de pão. Só encontrei botecos e desisti.
Já falei demais...
Notícia em "A Tribuna de São Caetano"
de 19.03.1966
Se refere no texto o saudoso Glenir Santarnecchi que tínhamos alguma dorzinha de cotovelo das outras classes que só tinham professoras. No segundo ano, se não me falha a memória era a dona Denir, moça muito bonita, sem usar qualquer maquiagem.
TEXTO COMPLETO
Grupo Escolar "Senador Flaquer" nos dias atuais que completou um século em 2020:
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