“Aquela quarta-feira,
no ônibus para chegar a São Paulo, quase três horas de viagem. Não sei mais
dirigir na minha cidade. É mais seguro o ônibus e o metrô a partir do Terminal
do Tietê.
Vou lá para os últimos
lugares do ônibus para ler e cochilar. Na minha pasta, o pequeno grande livro
“Minha Formação” de Joaquim Nabuco – que lamentei um pouco ao chegar à última
página.
Uma senhora bonita
entra apressada no ônibus. A última passageira a embarcar. Ela me encara, faz um leve
movimento de cumprimento mas não a reconheci. Talvez alguém que nalgum instante
por causa da minha profissão, um encontro casual no Fórum, na própria cidade.
Na
chegada ao Terminal do Tietê me apresso para as rolantes ao andar superior, ansioso
com compromissos no Tribunal de Justiça do Pátio do Colégio.
Um
chamado:
- Doutor
espere, preciso lhe falar.
Volto-me.
Aquela moça bonita, de cabelos castanhos chegando aos ombros, olhos vivos,
algumas rugas revelando maturidade. Vestia uma blusa vermelha e saia preta
combinando.
- Não me
reconheceu? Eu sou a C.M. O senhor fez a minha separação e muito me ajudou...
- Mas,
você está realmente muito bonita! Por isso não a reconheci.
-
Casei-me de novo e mudarei para a Europa, disse ela. - Meu marido está sendo
transferido para lá e mudaremos na semana que vem. Nem carro tenho mais. Vou
visitar minha mãe em Santana. Me despedir.
Tomou
minhas mãos, apertou-as e agradeceu.
- O
senhor foi muito legal comigo.
Aproximou
seu rosto para troca de beijinhos no rosto. Acedi.
Mas, não.
Ela beijou-me na boca de modo delicado.
Apenas
disse:
- Não
confunda o amor.
Afastou-se,
fez um sinal de adeus e seguiu nos rumos do metrô no sentido Santana (Tucuruvi).
Fiquei
ali parado alguns minutos, me recompondo. Segui, então, no sentido contrário
subindo as escadas rolantes para embarcar no metrô sentido Jabaquara. Em 15
minutos desceria na Praça da Sé.
Muito surpreso ainda
lembrei-me bem do que se passara com ela havia alguns anos.
Fora contratado pelo
seu ex-marido para formalizar a separação judicial. Por isso, desconfiada, a
muito custo ela aceitou falar comigo.
Apresentou-se uma
mulher envelhecida, de olhos fundos, muito magra, revelando no rosto seus
desgostos com o casamento em vias de se encerrar de modo traumático.
O marido já vivia com outra mulher.
Com cuidado fui
dissipando as desigualdades, os desentendimentos diminuindo os traumas da
separação que nesse caso eram evidentes.
Foi só isso. O que mais
fizera que não fosse o que tinha que ser feito?”
2 comentários:
Grande Milton! Adorável texto, humano no melhor sentido da palavra, simples e capaz de enternecer. Gostei muito!
Forte abraço!
A sensibilidade e a empatia são qualidades raras, que fazem com que alguém aja de forma correta, como no caso em questão...
Lindo texto, Milton!
Abraços
Márcia
Postar um comentário