[O “meu” quati]
Numa dessas,
em Águas de São Pedro, com muita surpresa me deparei com um bando de quatis “atacando”
uma lata de lixo em busca de alimentos a ponto de até mesmo disputar entre eles
restos que conseguiam obter.
Nunca
imaginei presenciar tal cena, quatis explorando lixo. Vi esses animaizinhos
famintos em Foz do Iguaçu, semi-domesticados “assediando” turistas por uns
restos de comida.
.
Em Águas, pelo que descobri, sua população cresce a despeito da escassez de alimentos, até porque eles vivem num pequeno bosque nos rumos da estrada que chega a São Pedro
Seu ambiente natural vai sendo reduzido e eles se obrigam a viver como cães abandonados ávidos por comida.
Isso tudo é triste. Afinal, não são só os quatis que perdem espaço natural. na insanidade de devastar meios naturais.
Um quati – um indivíduo igual a esses
de Águas -, por meses, fez parte da minha infância que relatei numa crônica já
publicada mais de uma vez.
Mas, lá vai ela de novo. (*)
(*) Publicada neste "Temas" em 10.04.2009 - "Animais (zinhos)". Além da minha convivência com o quati, relato experiências com "A coruja", "Abelhas", "Vespas e marimbondos", " O leitãozinho" e "O escorpião no sapato".
O "meu" Quati
Houve um tempo em que
morara numa casinha simples, boazinha, cujo quintal dava fundos para o já então
poluído rio Tamanduateí, violentado pelo despejo de fábricas, esgotos, lixo. O
quintal era separado por uma cerca de ripas, tendo um portãozinho que dava para
um terreno baldio e, atravessado esse, a aproximadamente 30 metros, depois de
um caminho de terra à "caia-se" no rio Tamanduateí. Perto dali, havia
uma ponte de madeira e, na outra margem, na mesma direção do meu quintal, havia
um campo de futebol, onde aprendera a andar de bicicleta.
Quando chovia muito,
o rio transbordava, chegando as águas até ali, perto da cerca, inundando todo o
terreno baldio dos fundos. As águas não chegavam até meu quintal, porque o
terreno de minha casa era mais alto. Bem encostada na cerca, do lado de dentro
de meu quintal, havia uma amoreira, que frutificava sem parar. Quase que
diariamente, meus dedos ficavam tingidos de vermelho das amoras, graúdas, muito
boas.
Certa feita,
trouxera meu pai para casa, um quati. Não sei dizer sua origem. Viera ele
dentro de um caixote.
Foi-lhe posta uma
coleira, sendo preso por uma corrente, com cuidados especiais, próximo à
amoreira. Meio selvagem, meio ‘perigoso’ pelos seus dentes caninos, mantínhamos
certa distância no começo. O quati, segundo o Dicionário Aurélio, é um mamífero
[não só] carnívoro, "com sete subespécies distribuídas por todo o
Brasil" (!?)
O "meu"
quati, seguindo a descrição normal das espécies, tinha focinho e pés pretos,
corpo meio amarelado, com cauda longa e com anéis pretos. O animalzinho preso,
tinha mobilidade suficiente para trepar na amoreira.
E isso ele fazia
constantemente, enroscando a corrente nos galhos. Com muito cuidado, algumas
vezes por dia, íamos desenroscá-la para que o bicho voltasse a ter a mesma
mobilidade. Quanto a mim, depois de algum tempo de sua chegada, querendo as
amoras criei coragem e fui para perto da árvore e comecei a colhê-las.
O quati
permaneceu quieto de pé, cauda alevantada. Quando me sentei para comer as
frutinhas acompanhando o caminho de formigas cortadeiras que passavam por ali
carregando pedacinhos de folhas, entre assustado e em pânico, tentei tirar o
quati de cima de minha cabeça que avançara inesperadamente, tendo a corrente
batendo no meu rosto.
Mas ele não fora
feroz. Não fora agressivo. Na verdade, tivera tempo de "cavoucar"
delicadamente minha cabeça com as patas dianteiras. E esse carinho maravilhoso
ele repetiria sempre. Subia pelos meus ombros sem cerimônia e
"cavoucava" minha cabeça.
Comia quase de tudo na minha casa, como um cachorro.
Nasceria ali uma amizade duradoura. Eu o levava para passear no terreno do
fundo, ele abria pequenas covas com seu focinho e suas patas.
Uma alegria para ele.
Chegava mesmo a soltá-lo da corrente. Dava um pouco de trabalho resgatá-lo, mas
quando se cansava, espontaneamente voltava.
Pela amizade do quati, entendo bem a frase inspirada
de Antoine de Saint-Exupéry no seu consagrado "O Pequeno Príncipe",
pela voz da raposa: "- Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que
cativas".
Ele tinha umas pequenas feridas e coceiras na cauda.
Eram tratadas com mercurocromo e não progrediam. Desapareciam um tempo, mas
voltavam.
Um dia precisou ser levado embora. Não me lembro bem
porque. Teria sido levado para uma espécie de convento, conduzido por
religiosas que possuía ampla área verde.
Soube que morrera algum tempo depois. As feridas na
cauda evoluíram, disseram-me, resultando em sua morte. Certamente que não fora
cuidado devidamente. Ou morrera de saudades.
Até hoje
lembro-me dele com carinho... Uma vidinha simples, de amor e de amizade
incondicionais, sem escolher dia e hora.
2 comentários:
Linda história, a natureza sempre é linda, mesmo em seus momentos mais devastadores. Nessa história envolvendo natureza e infância então...tudo se resume em beleza. Parabéns. (y)
Um prazer reler a história, Milton! Mas, se no início um quati se foi, agora muitos voltaram, em que pesem os motivos. Forte abraço.
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