O “dia da consciência negra” (20 de novembro) e a
“consciência branca”. Entre Zumbi dos Palmares e Joaquim Nabuco e José do
Patrocínio. A abolição da
escravatura em 13.05.1888.
escravatura em 13.05.1888.
De um prospecto sobre o 20 de novembro:
“O Dia da Consciência Negra é dedicado à reflexão sobre a situação
do negro na sociedade brasileira e celebrado em 20 de novembro. Esta data foi
escolhida por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695.
Durante cem anos (1595-1695) o Quilombo dos Palmares (situado entre os estados
de Alagoas e Pernambuco) constituiu um foco de resistência aos ataques da
Coroa. Em função da sua importância, tem sido um marco nas relações sociais e
culturais que contribui no fortalecimento de ações para ampliação da
cidadania”. (1)
Não será preciso dizer mais.
Essa “consciência”, dizem muitos, tem até mesmo o condão de
ofuscar a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel em 13 de maio de 1888, mal
lembrada e comemorada, quase dois séculos depois da morte de Zumbi.
[Neste artigo (ou crônica) de 22.11.2009 mantido nos seus fundamentos, a seguir resgato um pouco
da “consciência branca” que resultou na libertação dos escravos naquela data.]
CONSCIÊNCIAS [Branca e Negra]
Há alguns anos, uma edição de bolso, a obra “Minha Formação” de
Joaquim Nabuco veio às minhas mãos
duma dessas gôndolas giratórias de livraria. (2).
Como relatei antes, pouco sabia de Joaquim Nabuco que nascera no
Recife em 1849, era rico, monarquista e abolicionista ferrenho falecendo em
1910 em Washington, como embaixador do Brasil.(3)
Livro com texto rebuscado, porque Nabuco fora sobretudo um
intelectual, ao chegar à última página lamentei, sabendo que um dia desses
teria que reler a obra.
Trata-se de um documento valioso porque fora escrito por alguém
contemporâneo aos fatos e que, em muitas ocasiões, fortemente, tivera
influência sobre eles.
Atenho-me à sua luta abolicionista.
Morando com a madrinha, ainda menino tivera Nabuco uma primeira
experiência com o temor de um escravo que fugira duma senzala e agarrara seus
pés, implorando que fosse comprado por sua madrinha porque o seu senhor, muito
severo, castigava seus escravos com crueldade.
A partir dessa experiência, revelando que absorvera a escravidão
“no leite materno que me amamentou” [de uma negra], “uma carícia muda” que o
envolveu diria: “Assim eu combati a escravidão com todas as minhas forças,
repeli-a com toda a minha consciência, como a deformação utilitária da
criatura...”
Com a morte de sua madrinha, dona do engenho Massangana, relata
ele quando de sua volta 12 anos depois, referindo-se aos escravos que o
serviram:
“Não só esses escravos não se tinham queixado de sua senhora, como
a tinham até o fim a abençoado. Eles morreram acreditando-se os devedores (...)
seu carinho não teria deixado germinar a mais leve suspeita de que o senhor
pudesse ter uma obrigação com eles, que lhes pertenciam.” (*) (...) Oh! Os santos
pretos! Seriam eles os intercessores pela nossa infeliz terra, que regaram com
o seu sangue, mas abençoaram com seu amor!”
[(*)Essa frase tem suscitado dúvidas de significado. Tento esclarecer: o 'senhor', proprietário dos escravos é quem tinha obrigações com eles e. portanto, o 'senhor' pertencia a eles, escravos, e não o contrário.]
Claro que esse sentimento de gratidão de Nabuco provinha do que
recebera de seus escravos que, no fundo, fora viva retribuição do modo como
foram tratados no engenho de sua madrinha Ana Rosa.
Fora o Brasil o último país a promover a abolição dos escravos,
fato que “humilhava a nossa altivez e emulação de país novo”, embora ocorressem
muitas libertações gratuitas. Há referências de que na Província (Estado) de
São Paulo, até 1885, cerca de 11 mil escravos haviam sido libertados, embora
Nabuco revelasse que em 1879, quando iniciada a campanha abolicionista estavam
ainda sob jugo quase dois milhões de negros.
O tráfico deixara de ser praticado em 1850. Em 1871, a Lei do
Ventre Livre determinara que os filhos dos escravos, até que completassem oito
anos ficariam com a mãe. Depois dessa idade, até os 21 anos, prestariam
serviços aos seus senhores, o que significava “um regime igual ao cativeiro.”
Em 1888, Nabuco, como deputado, depois de constatar que o clero
saíra da neutralidade em relação à abolição, resolvera ir a Roma e obter uma
audiência com o papa Leão XIII – subscritor da encíclica “Rerum Novarum” de
1891 que entre outros temas apontou as condições subumanas de trabalho e as
extensas jornadas exigidas dos operários – na qual solicitaria uma declaração
do pontífice contra a escravidão no Brasil. Fora muito bem recebido e
sensibilizara o papa. Mas a abolição viria logo, poucos dias depois com a Lei
Áurea, assinada pela princesa Isabel em 13.05.1888.
Nabuco explana que ao assinar tal lei, sabia a princesa que dos
negros só poderia contar com seu sangue e “ela não o queria nunca...” e que a
classe proprietária “ameaçava passar-se toda para a República...”
Ela seria proclamada 18 meses depois. À família imperial fora
imposto o exílio imediato.
A abolição dos escravos não se constitui causa próxima do advento
da República [mas é uma causa, o Império já capengava], até pelo modo como fora
proclamada, atabalhoadamente, sem convicção por Deodoro.
Mas, não deixaria a princesa Isabel de comentar:
“Talvez seja devido a essa lei que estejamos indo para o
estrangeiro, mas se as coisas fossem repostas, não hesitaria em assiná-la”,
apontando para a mesa na qual havia mandado gravar no mármore a data 13 de maio
de 1888.” (4).
Com Nabuco muitos outros abolicionistas têm sua luta gravada, inclusive
os que a ele se uniram, uma luta de consciência branca, negra, incansável.
Consciências, redenções, mesmo que a cor da pele, então, fizesse diferença, a
nossa vergonha que até hoje de um modo ou outro ainda reacende.
∞
Livro de Laurentino Gomes (5)
“1889”
Como diz o título, no livro o escritor explana sobre o antes, o durante e o
depois da proclamação da República e detalha num capítulo a abolição da
escravatura.
Desse capítulo além da luta de Joaquim Nabuco, entre outros, dois
mulatos se destacam:
LUIZ GAMA, filho de negra liberta com português, mulato, vendido
pelo pai quando em dificuldades financeiras, formou-se advogado tornando-se
ferrenho defensor dos negros escravos. Por uma tese que defendia, a de que a
agressão dos escravos aos seus senhores constituía-se legítima defesa pelos
maus tratos que recebiam, foi ameaçado de morte obrigando-se a andar armado.
JOSÉ DO PATROCÍNIO, filho de um vigário com negra escrava, mulato,
formou-se em farmácia, mas não exerceu a profissão, tornando-se professor e
jornalista. Abolicionista, republicano – co-proclamador da República diante das
vacilações de Deodoro da Fonseca -, chamou a princesa Isabel, de “a redentora”.
Não fora, pois, um abolicionista branco que a homenageara com esse
qualificativo.
Onde ficam esses heróis e suas consciências?
Referências
1. Prospecto da Prefeitura Municipal de Piracicaba (SP) –
Secretaria de Ação Cultural (2009);
2. Joaquim Nabuco, “Minha Formação” – edição Martin Claret (a
falha nessa edição constitui-se na falta de notas explicativas a determinados
episódios muito pessoais do autor que exigiriam esclarecimentos de rodapé);
3. Sobre minhas “relações literárias” com o abolicionista, ver
minha crônica recente, de 11.11.2013, “Memórias, fragmentos e coisas afins”;
4. Revista “Veja” – Edição especial – “República”, de 15.11.1989;
5. Laurentino Gomes, “1889” – Globo Livros / 2013.
MORGAN FREEMAN
A posição
direta contra o dia da “consciência negra” é do ator americano, Morgan Freeman
(“freeman” = homem livre):
2 comentários:
Meu caro Milton, excepcional texto. Equilibrado, sensato e pertinente, como soem ser seus artigos. Parabéns! Forte abraço!
Caio, meu amigo, suas gentilezas não faltam. Esse texto já não é novo, foi atualizado e mais me animou a republicá-lo após ler o livro '1889' de Laurentino Gomes. Forte abraço. MM
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