11/11/2013

MEMÓRIAS, FRAGMENTOS E COISAS AFINS

 
Banho de Lua

Tenho algo a ver com a Lua mas não me considero (muito, epa!) lunático.
Sempre me agrada lá pelas tantas da noite dar uma olhada para a Lua como se fosse algum corpo que acaricia ternamente com a sua luz prateada.

Ora, direis, estais a fazer poesia!

Mas, não, madrugada dessas, lá pelas três e tanto acordei com um facho de luar me iluminando, avançando por uma fresta da janela entreaberta.

Gostei, olhei para a Lua, as nuvens a cobriram em segundos.
Poucos minutos depois o facho estava de volta sobre o meu rosto. Que momento inspirador!

Permaneci acordado até que os movimentos do pequeno planeta apagassem a tépida luz prateada, coberta novamente pelas nuvens.



Nessas madrugadas, particularmente essa iluminada volto-me para aquele passado longínquo e com pouco a me arrepender. Quando me voltam episódios ao quais me arrependo faço uma reflexão e tento superar por aqueles outros que me instigam por todos esses anos.

De repete, volto-me para um bairro da cidade de Santo André, Utinga (“Águas claras” em tupi), vizinho de São Caetano do Sul – cidade onde vivi momentos expressivos na minha juventude.

Mas, por que Utinga?

É que como péssimo aluno, fui jubilado do principal Colégio do Estado da Região, o Bonifácio da Carvalho.

Apesar disso, sequer cogitei de parar de estudar. Jamais.

O Colégio de Utinga ("Amaral Wagner") era de bom padrão. Todo dia lá ia eu apressado para a estação de trem de São Caetano para curta viagem até Utinga, estação seguinte, ou ônibus lotado, ou mesmo a pé.



Foram muito bons meus dois anos lá.

Não demorou muito, fiz amizade com um professor de português, muito querido, o “Caveirinha”, de tão magro que era, rosto chupado, bochechas encostando nos maxilares, pele mulata, cabelos lisos, fã incondicional de Joaquim Nabuco, pernambucano como ele. (*)

Fez um concurso literário sobre o grande abolicionista. Concorri e obtive o 2° lugar. Ganhei uns trocados de prêmio e aumentamos a nossa amizade.

Se bem me lembro, tinha ele envolvimento com algumas lideranças do bairro, muito extenso. 

Havia um movimento “surdo” para promover a autonomia do bairro, fazendo-o um município independente de Santo André. Idealista como era, para defender esses ideais, fundou um jornal de quatro páginas, “O Independente”, no qual me envolvi até o pescoço.

Alguns dias da semana, saía a cata de anúncios, sempre obtendo algum resultado. Havia um comerciante de ferragens, que toda vez me recebia bem e sempre autorizava anúncios para o jornal.

É sempre uma luta, quando se trata de jornal pequeno e sem capital. Acho até que o professor para fazer circular alguns exemplares semanais cobria o déficit do próprio bolso.

O movimento autonomista de Utinga não vingou. Que eu saiba nunca mais essa tentativa voltou.

Talvez poucos se lembrem por lá disso desse projeto frustrado mas sob o luar intenso tudo isso revivi com prazer e saudades.



Depois de formado, voltei ao Colégio Bonifácio de Carvalho, de São Caetano do Sul, matriculei-me no Clássico mas isso já é outra história não menos saudosa. Fica para outra vez.

Pequenos êxitos

Essa ligação, sempre, mesmo com a pequena e mesmo média imprensa, na verdade, já devo ter dito isso antes, não fiz jornalismo, optando pelo Direito que, na verdade, era o curso motivador por excelência para todos aqueles que cursavam humanas no colegial naqueles idos.

Nessa angústia de publicar e publicar, certo dia, em 1974 remeti um artigo ‘jurídico’ para o jornal “O Estado de São Paulo”.

O artigo foi publicado com destaque, uma alegria só, porque a página era coordenada por um ex-ministro do TST, já falecido.

Pouco tempo depois, em fevereiro de 1975, um segundo foi publicado no grande jornal.

Aí, transbordante, eu achei que era “dono do pedaço”. Artigos sem qualidade, ficaram sobrando, mas estaria mentindo se não reconhecesse, certo “estado de graça”, então, pelos trabalhos publicados no grande jornal.

Naqueles tempos, sabem.

Depois disso, de eventos diversos eu participei, palestras, congressos. Tudo ficou no tempo! 
Que interesse há? Estão mal arquivados em pastas que envelhecem e amarelam.

Tempo inexorável, meus amigos. Não há como escapar.



Quando da 3ª edição do meu “Sindicalismo e Relações Trabalhistas”, saudoso amigo meu escreveu no mesmo jornal sobre mim e sobre o livro, com palavras gentis. A edição estava muito ruim por descuido imperdoável da editora que não procedeu à sua tarefa de revisão, talvez porque eu fosse considerado peão, perto daqueles ministros todos que ela patrocinava.

(Eu recebi carta de profissionais de relações trabalhista da Bahia, questionando essa má revisão).

Mas, sobre mim, disse esse amigo (diretor de RH de multinacional) com gentileza: “...pessoa simples e modesta, até com traços de aparente timidez, não é de hoje que vem dando importantes contribuições ao desenvolvimento de modernas relações trabalhistas e o melhor entendimento do sindicalismo no Brasil. (...) é advogado de esmerada formação jurídica, mas não se deixa envolver no uso exagerado do chamado “advogadês”; ao contrário, consegue comunicar-se de maneira simples, em linguagem ao alcance de todos os mortais capazes de ler, sem em nenhum momento resvalar para a vulgaridade.”

Esses amigos, hem, que se encontram poucos.

[Quanto à “aparente timidez” a que se referiu esse amigo, talvez ele tivesse alguma razão, porque no passado eu conseguira superá-la; já houve, por outra, quem dissesse que eu não me relacionava bem. Provavelmente, por causa dessa “aparência”, seja verdade.]

Tiro de guerra

Sou reservista de 2ª categoria. Não escapei ao Tiro de Guerra.
Tantos e tantos anos depois, o que posso dizer é que tudo aquilo fora uma festa.
Soava em quase todas as marchas e prontidão, o grito do sargento: “- 61, dez flexões por errar o passo da marcha”... e lá ia eu para o castigo, para satisfação do sargento exultante; “ - 361, comporte-se, arrume o bibico, será possível!”



E por aí as coisas caminhavam.

No exercício de tiro para obter o certificado, o sargento fazia de conta que eu acertava o alvo. Eu nunca achava no alvo os meus tiros que se perdiam no éter.

Aprendi a muito custo desmontar e montar o fuzil 1908 (!)

As marchas eram de 20 ou 30 quilômetros estafantes, mas suportáveis, vá lá...

Para a corrida de oito quilômetros que todo o TG participou, eu me cansara demais na véspera, sábado, andando para cima e para baixo (não havia carro, não, ô meu, era tudo a pé – uma 'fuca' 1300 era espécie de trono que os riquinhos ostentavam e dirigiam).

Corri os 8 quilômetros, língua de fora, cheguei honrosamente ao fim mas minha classificação foi medíocre.

Tudo uma festa que me atrapalhou um pouco a vida profissional, mas sobrevivi.

Pequenas experiências que transbordam da memória.



(*) No dia da "Consciência Negra" (20.11.2013) publicarei um artigo, "recuperado" de outra publicação no qual destaco a atuação de Joaquim Nabuco na luta abolicionista.

Crônicas correlatas neste blog

1. “Idade” de 13.05.2013
2. “Poeta, cantais as ilusões desfeitas” de 15.04.2013
3. “A estação de trem e sua luz” de 05.06.2011
4. “Da vaidade ao pó” de 24.04.2011
5. “A história de uma edição” de 31.10.2010

Fotos:

As fotos de locais específicos, são da época,

1. Estação de trem de Utinga
2. I. E. ”Cel. Bonifácio de Carvalho” de São Caetano do Sul

3. Noite enluarada de Milton Pimentel Martins

2 comentários:

Caio Martins disse...

Meu querido amigo Milton! Há, no texto, um trecho que bem o define:
"...é advogado de esmerada formação jurídica, mas não se deixa envolver no uso exagerado do chamado “advogadês”; ao contrário, consegue comunicar-se de maneira simples, em linguagem ao alcance de todos os mortais capazes de ler, sem em nenhum momento resvalar para a vulgaridade." Assino junto!
Forte abraço!

TEMAS LIVRES disse...

Caio,
Nos tempos do "Bonifácio" é até agora você tem sido um cara que me influenciou e me influencia,um tipo de amizade que já dura décadas, digo sem medo, incondicional. Quanto ao comentário do saudoso José de Freitas Picardi fora de ocasião, ligado ao "interesse" profissional que, a despeito dessa ressalva, claro que guardo as palavras como agradável "memória".