“O passado está comigo...”
Espero que estes escritos não revelem delírios porque volto no tempo e me situo nas margens do rio Tamanduateí. Pela ponte de madeira sobre ele, a poucos passos de São Caetano, chegava do lado da Vila Califórnia (SP) avançando naqueles campos devastados e mais lá à frente campinhos de futebol.
Aquilo tudo tinha sabor de aventuras, até nos detalhes: a alegria em encontrar um pé de manga recém-brotado do caroço, em folhas grenás, os túneis das paquinhas nas areias à borda das valetas e, arranhando pelos seus espinhos, os juás brabos que o grito unânime denunciava como venenosos seus frutos verdes- amarelinhos que maduros expelem suas sementes.
Hoje já nem sei do veneno. Já há informações que seus frutos devidamente manipulados têm propriedades medicinais. De admirar! E nem penso que proliferassem em terrenos distantes de seu ambiente “normal”. Porque aqui perto me deparo, nascida num canto de uma guia, uma muda da planta que vai indo muito bem.
Juá "renascido"
Qual a origem de sua semente a ponto de espocar nesse local?
Mas, nesses campos com essa vegetação arbustiva, com os juás em profusão, sempre era surpreendido pelas borboletas azuis. Se bem me lembro, grandes que iam se aproximando brilhando sob o sol. Esvoaçavam ali e aqui e saiam em busca das raras flores para cumprir sua missão de polinizar as que encontravam.
Eu não posso esquecer, porém, que encostadas nos muros daquelas casas humildes em ruas de terra batida proliferavam dálias enormes e as flores amarelinhas das giestas. Não tenho mais visto essas belezas. A última giesta encontrei um dia em Campos do Jordão. Consegui as sementes, elas brotaram mas não vingaram. Talvez prefiram locais mais frios porque agora tudo mudou...
As borboletas azuis nunca saíram dos meus encantos a partir da infância.
E parece que não somente comigo esse encanto com elas.
Há pouco relembrei ao acaso o belo poema, “Meus oito anos” de Casimiro de Abreu que no trecho duma estrofe, diz:
(…)
Correndo pelas campinas
Aqui no meu pequeno quintal esvoaçam borboletinhas brancas e amarelas, bem-vindas mas que não têm o encanto daquelas azuis de tamanho exuberante.
No dia do sepultamento do meu generoso irmão, há alguns meses, no magnífico Cemitério Horto da Paz, em Itapecerica da Serra, no qual a ecologia é ponto de referência ali, não tendo ido ao ato final da entrega do seu corpo ao túmulo, acompanhando enquanto isso o suave nadar das carpas beirando canteiros — lá não há moedas atiradas na água que poderiam colocá-las irresponsavelmente em risco — meditava como muito tenho feito, sobre esses mistérios todos da vida e do Universo não escondendo, intimamente, minhas angústias … e, então, no meio das flores eis que brilhou ao sol bem na minha frente, por um instante… uma borboleta azul!
"Horto da Paz" - Ecológico
Não do tamanho que admirava na minha infância mas foi muito significativo esse, digamos, reencontro naqueles momentos de luto.
Porque há alguns anos refletindo um pouco sobre essas transcendências escrevi uma composição inspirada nelas, que chamei de “etéreos” na qual a borboleta azul na sua dança suave não desprezara o resto de vida que havia numa margarida cujas pétalas já haviam caído.
O poema – se me permitido assim qualificar – é este:
ETÉREOS
Nessa de desânimo
apatia
Não sei o porquê
de tal melancolia
(ou nostalgia?)
Desmedida
Sei não!
Cadê a Inspiração
os elementos Etéreos?
Clamo, pois, só, no (meu) deserto
Respostas não vêm
Ilusões não há (mais)
Miro margaridas murchas
(bem-me-quer, bem-me-quer!)
Que se preparam para semente
Sinto o sol...
mas não me aqueço.
Num momento, surpreso
confuso,
Sinto o Etéreo, porém.
Uma manchinha azul
No éter
Vindo, chegando, esvoaçando!
Ora, uma simples...
Borboleta ...azul!
Ela dança nos meus olhos
Solene, encantada, frágil
magnífica, rebrilhante...
E pousa, então...
na margarida
a mais desfeita
na gema amarela.
(apenas três pétalas ressequidas)
Apreendi logo
o valor da escolha...
Da borboleta azul
Etérea
tão tênue
tão efêmera
Bem-vinda...
Porque na margarida
murcha
na gema
Ela sentiu a vida
(ainda)
Assim falava ela
a borboleta azul
Etérea
na minha nostalgia
(ou melancolia?)
Naquele dia…
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