EXPLICAÇÃO
Esta crônica foi publicada no portal “Prosa e Verso de Boteco” não faz muito. Preciso trazê-la para cá para ir centralizando tudo o que tenho escrito de bom e ruim. Há outras por aí que preciso achar.
No citado portal, esta explicação seria dispensável, porque é mais aberto, mais acessado. Nestes “Temas”, acho que a coisa fica mais reservada aos poucos leitores que me acompanham. Mas, enquanto houver um...
Pode parecer que o seu título fora inspirado numa campanha de famosa rede de fast food que não frequento e, claro, não consumo seus lanches. Nenhum.
O motorista parecia eufórico naquela manhã e se saiu com ela, essa frase, como explicado na “1ª cena”.
Na “2ª cena” me refiro no final a um restaurante-lanchonete que conheço há anos na rua de São Bento, São Paulo. De vez em quando eu passo por lá. O lanche a que me referi fora um sanduíche de queijo provolone quente com fatias imensas no pãozinho com bastante alface e rodelas de tomate no meio, muito bom.
O problema é a dose de colesterol. Juro que depois dele andei bastante pela minha destratada e querida cidade natal para queimar a gordura. Mas, não tem jeito. Sempre sobra alguma coisa e essa sobra faz crescer a elevação umbilical. Ai, ai, ai, o que fazer?
1ª cena: “Eu amo tudo isto”
Vou para uma audiência em Belo Horizonte marcada para as 09h00, início dos trabalhos. Saí de madrugada, preocupado porque minha viagem iniciada em Viracopos comportaria conexão no Rio de Janeiro. Chego meio em cima da hora no aeroporto de Confins. Se considerada a distância do centro de Belo Horizonte, realmente está ele nos confins. Alcanço o taxi. Falo de modo peremptório ao motorista:
- Olha, tenho que chegar à Justiça do Trabalho antes das nove. Você vai ter que sair pelas quebradas. Eu sei que estamos a 40 quilômetros do centro e veja a hora...
- Vai dar tempo, doutor! - respondeu com um largo sorriso.
Sujeito bem humorado! Mantive o meu mutismo, nervoso com o andar do relógio. O taxista quebra o “gelo”:
- Veja só doutor, estamos já em novembro, o tempo está passando depressa demais, não? - hoje já é quinta e daqui a pouco estaremos no Natal. Tem um cientista que diz que o tempo, por causa da poluição e das mudanças na atmosfera anda mais depressa, mas marcando o relógio a mesma hora de sempre.
- Talvez você se refira à Ressonância Schumann, disse eu impaciente. Por causa dos desarranjos ambientais, segundo essa teoria, a terra de uns anos para cá estaria em permanente taquicardia, mexendo com a velocidade do tempo do jeito que você falou. Mas, acredite se quiser...
Entramos num congestionamento terrível nas proximidades do centro. Olho para o relógio desesperado e ironizo:
- É, aqui o relógio realmente está rolando depressa demais.
- Garanto ao senhor que chegaremos a tempo, respondeu o taxista sorridente.
Retomando o assunto do tempo se esvaindo mais depressa do que no passado, ilustrei:
- Olha, o tempo pode até estar passando depressa, mas na média estamos vivendo mais, não sei se é bom ou ruim.
- Bom demais, doutor, eu amo tudo isto, respondeu dando uma arrancada e saindo à direita por uma quebrada estreita conseguindo fugir do congestionamento.
Ao me deixar na frente do prédio da Justiça do Trabalho, logo depois, antes de dar a partida, fez um sinal e gritou:
- Vou saber dessa tal “ressonância”. Até sempre.
Às 8h55 já estava no elevador da Justiça do Trabalho, lotado. Havia certo nível de tensão naqueles rostos todos. Audiência para mim é sempre um momento de tensão. Veio-me a frase do motorista:
- “Bom demais, eu amo tudo isto!”
2ª cena: “Minha idade de vida? 92 anos”
Desço tranquilo do 5° andar do Fórum João Mendes, em São Paulo. As coisas tinham caminhando bem nos meus (poucos) processos por lá e por isso havia baixado meu estágio “normal” de tensão quando da subida. Alojo-me bem na frente da porta do elevador e ouço um velhote, mas bem idoso mesmo, debatendo com outro idoso algumas questões jurídicas.
Volto-me e me surpreendo com ele, magrinho, baixo, cabelo ralos dividido no meio. No térreo não resisti:
- O senhor é advogado militante? Posso perguntar sua idade?
O velhote me olhou de alto a baixo, segurou firme a gravata verde, vacilou um pouco, respondeu:
- Sou advogado e minha idade são 92 anos.
- Mas o senhor ainda exerce a profissão?
Diante da resposta afirmativa, aquele que parecia ser seu cliente, também idoso, arrematou:
- E ele viaja para outras cidades para audiências e o que mais necessário.
Revelei minha admiração pela sua disposição para o trabalho e me envergonhei um pouco pela minha preguiça, mesmo depois de estar me aproximando das quatro décadas advogando ou indiretamente me valendo da advocacia para outros tipos de trabalho.
A advocacia é uma espécie de cachaça embora de má qualidade que vicia.
Sai para a rua de São Bento nos rumos de um velho bar para um lanche reforçado. Na frente da estação do Metrô, a uns dois passos do Largo de São Bento.
- Bom demais, eu amo tudo isto!
Fotos (from Google):
1. Fórum João Mendes (www.flickr.com)
2. Largo de São Bento (ircaldas.spaces.live.com/blog/)
27/06/2010
20/06/2010
A ESPREITADORA
Explicação
Não pretendo ser lúgubre nesta crônica, embora reconheça que se trata daquele tema que muitos tentam ignorar e levam a vida pra frente, mesmo sabendo que a espreitadora anda por aí.
Eu também levo a vida pra frente mas quando se atinge certa idade, alguns amigos começam a ser “recolhidos”, pessoas importantes que foram referência também, e é nessa hora que paro um pouco para meditar sobre essa inevitabilidade.
Não fui fundo nas transcendências que o tema pode sugerir, até porque não tenho condições intelectuais para tanto.
O recolhimento do escritor português José Saramago no último dia 18 de junho em linhas gerais foi assim descrito: tomara o café da manhã, começando logo depois a se sentir mal, teve atendimento médico, mas não resistiu às sequelas de sua doença respiratória, entre outras deficiências, do alto de seus 87 anos. As Divindades lhe garantiram um passamento suave mesmo considerando sua proclamada condição de ateu: “Deus não existe fora da mente das pessoas”. Mas, e certas emanações que provém da mente, meu ilustre “cara pálida”? Melhor não pensar?
Morte suave também se deu com meu pai, que cuidava de enfisema pulmonar que adquirira, creio eu, por conta de décadas de fumante de cigarros “quebra-peito”, aqueles “macedônia”, “continental” e outros de “altos teores”. Naqueles tempos em que os atores de Hollywood nos filmes faziam ligação de cena fumando com prazer seus cigarros. Claro que também dessa indústria deveria rolar um belo cachê.
Esse relato sobre o meu pai pode ser lido em "Amarguras e ternuras contidas", crônica de 22.05.2009.
Aquilo que de modo eufemístico, qualifico de “recolhimento”, sempre me causa perplexidades, porque o momento em que eclode, ou ocorre de modo suave, ou com extrema e traumática violência. Os acidentes aéreos são sempre impressionantes.
É a eterna espreitadora que resolve a hora e o modo de agir, aproveitando até mesmo a reunião de tantos num dado momento e lugar, por conta de “carmas” comuns, tentam explicar aqueles que acreditam na compensação de saldos que ficaram pendentes ao longo das existências. Lei de talião?
Há milhares de casos iguais a este que acompanhei por força de minha profissão o que explica o meu absoluto afastamento da área criminal. Em aulas de medicina legal meu estômago, ao presenciar certas imagens, me traía.
Um atropelamento fatal que um cliente jovem praticara, vitimando uma moça bem jovem que, depois de uma festa, caminhava de madrugada pelo leito molhado de rodovia de alta velocidade com pouco movimento naquela hora, acompanhada de outros colegas, todos alcoolizados em maior ou menor dose. Chovera muito, horas antes. Havia lama no acostamento, forçando os festeiros a andarem no meio da estrada. Uma neblina tênue dificultava a visão dos motoristas. Os faróis só em parte ajudavam porque o nevoeiro diminuía sua eficiência. O atropelamento fora inevitável, a vítima caminhava com passos incertos a dois metros no leito da rodovia, quase no seu centro.
A foto que compunha o inquérito policial me impressionaria para sempre. O rosto da jovem, jogada a metros de distância, estirada num barranco raso ao lado do acostamento, no meio de vegetação rasteira, cabelos loiros bem cuidados, olhos abertos, boca entreaberta, dentes à mostra, um sorriso macabro de surpresa, parecia não entender o fim violento da sua vida, a irreversibilidade do seu passamento. Aquela foto, aquela rosto, aquela expressão ficaram em minha mente por semanas, meses.
Muitas vezes, ao saber de atropelamentos fatais, aquela imagem angustiada, sorriso triste me assaltava, não como assombração, mas como uma advertência da fragilidade da vida que às vezes se esquece naqueles momentos de soberba.
Lembrava-me sempre dos versos de um poeta “sofredor”:
“Da mais humilde à mais soberba criatura
A vaidade impulsiona o mundo, porém
Mas, no fim, nada restará senão o pó, o além...”
Afinal, uma fração de segundo antes do acidente mortal, aquela moça comemorava a alegria do baile que se encerrara minutos antes, alguns copos de cerveja a mais, desenhando sonhos e projetos já para o dia que nascia, um domingo que prometia tranquilo, após a madrugada chuvosa. O céu limpara, a noite começava dar lugar à aurora.
A lua dera o ar da graça entre nuvens que se recolhiam mas já ofuscada pela luz do amanhecer. As estrelas desapareciam também ofuscadas pela luz solar. A tragédia em nada impediria uma manhã ensolarada dando a impressão de que as árvores rebrilhavam comemorando a chuva forte de horas antes, enquanto bem-te-vis, andorinhas e pardais esvoaçavam, alguns caçando insetos despertos que saiam dos esconderijos recepcionando o sol.
Era o sinal de que a vida seguiria seu curso, cada um a experimentando segundo seu grau de merecimento até os limites postos pela espreitadora no exato instante que resolve intervir.
Muitos ela conduz por um túnel onde irradia a paz para novas missões.
Para outros, os de má índole...
Imagem: "Nebulosa de Hélice ("O Olho de Deus" - explosão de estrela semelhante ao Sol) NASA, from Google.
Não pretendo ser lúgubre nesta crônica, embora reconheça que se trata daquele tema que muitos tentam ignorar e levam a vida pra frente, mesmo sabendo que a espreitadora anda por aí.
Eu também levo a vida pra frente mas quando se atinge certa idade, alguns amigos começam a ser “recolhidos”, pessoas importantes que foram referência também, e é nessa hora que paro um pouco para meditar sobre essa inevitabilidade.
Não fui fundo nas transcendências que o tema pode sugerir, até porque não tenho condições intelectuais para tanto.
O recolhimento do escritor português José Saramago no último dia 18 de junho em linhas gerais foi assim descrito: tomara o café da manhã, começando logo depois a se sentir mal, teve atendimento médico, mas não resistiu às sequelas de sua doença respiratória, entre outras deficiências, do alto de seus 87 anos. As Divindades lhe garantiram um passamento suave mesmo considerando sua proclamada condição de ateu: “Deus não existe fora da mente das pessoas”. Mas, e certas emanações que provém da mente, meu ilustre “cara pálida”? Melhor não pensar?
Morte suave também se deu com meu pai, que cuidava de enfisema pulmonar que adquirira, creio eu, por conta de décadas de fumante de cigarros “quebra-peito”, aqueles “macedônia”, “continental” e outros de “altos teores”. Naqueles tempos em que os atores de Hollywood nos filmes faziam ligação de cena fumando com prazer seus cigarros. Claro que também dessa indústria deveria rolar um belo cachê.
Esse relato sobre o meu pai pode ser lido em "Amarguras e ternuras contidas", crônica de 22.05.2009.
Aquilo que de modo eufemístico, qualifico de “recolhimento”, sempre me causa perplexidades, porque o momento em que eclode, ou ocorre de modo suave, ou com extrema e traumática violência. Os acidentes aéreos são sempre impressionantes.
É a eterna espreitadora que resolve a hora e o modo de agir, aproveitando até mesmo a reunião de tantos num dado momento e lugar, por conta de “carmas” comuns, tentam explicar aqueles que acreditam na compensação de saldos que ficaram pendentes ao longo das existências. Lei de talião?
Há milhares de casos iguais a este que acompanhei por força de minha profissão o que explica o meu absoluto afastamento da área criminal. Em aulas de medicina legal meu estômago, ao presenciar certas imagens, me traía.
Um atropelamento fatal que um cliente jovem praticara, vitimando uma moça bem jovem que, depois de uma festa, caminhava de madrugada pelo leito molhado de rodovia de alta velocidade com pouco movimento naquela hora, acompanhada de outros colegas, todos alcoolizados em maior ou menor dose. Chovera muito, horas antes. Havia lama no acostamento, forçando os festeiros a andarem no meio da estrada. Uma neblina tênue dificultava a visão dos motoristas. Os faróis só em parte ajudavam porque o nevoeiro diminuía sua eficiência. O atropelamento fora inevitável, a vítima caminhava com passos incertos a dois metros no leito da rodovia, quase no seu centro.
A foto que compunha o inquérito policial me impressionaria para sempre. O rosto da jovem, jogada a metros de distância, estirada num barranco raso ao lado do acostamento, no meio de vegetação rasteira, cabelos loiros bem cuidados, olhos abertos, boca entreaberta, dentes à mostra, um sorriso macabro de surpresa, parecia não entender o fim violento da sua vida, a irreversibilidade do seu passamento. Aquela foto, aquela rosto, aquela expressão ficaram em minha mente por semanas, meses.
Muitas vezes, ao saber de atropelamentos fatais, aquela imagem angustiada, sorriso triste me assaltava, não como assombração, mas como uma advertência da fragilidade da vida que às vezes se esquece naqueles momentos de soberba.
Lembrava-me sempre dos versos de um poeta “sofredor”:
“Da mais humilde à mais soberba criatura
A vaidade impulsiona o mundo, porém
Mas, no fim, nada restará senão o pó, o além...”
Afinal, uma fração de segundo antes do acidente mortal, aquela moça comemorava a alegria do baile que se encerrara minutos antes, alguns copos de cerveja a mais, desenhando sonhos e projetos já para o dia que nascia, um domingo que prometia tranquilo, após a madrugada chuvosa. O céu limpara, a noite começava dar lugar à aurora.
A lua dera o ar da graça entre nuvens que se recolhiam mas já ofuscada pela luz do amanhecer. As estrelas desapareciam também ofuscadas pela luz solar. A tragédia em nada impediria uma manhã ensolarada dando a impressão de que as árvores rebrilhavam comemorando a chuva forte de horas antes, enquanto bem-te-vis, andorinhas e pardais esvoaçavam, alguns caçando insetos despertos que saiam dos esconderijos recepcionando o sol.
Era o sinal de que a vida seguiria seu curso, cada um a experimentando segundo seu grau de merecimento até os limites postos pela espreitadora no exato instante que resolve intervir.
Muitos ela conduz por um túnel onde irradia a paz para novas missões.
Para outros, os de má índole...
Imagem: "Nebulosa de Hélice ("O Olho de Deus" - explosão de estrela semelhante ao Sol) NASA, from Google.
15/06/2010
A COPA É A DE 1958 (Quando tudo começou!)
Não me venham com essa de que o que passou, passou e que as reminiscências são exercícios de quem se volta para o passado porque no seu hoje os desencontros são doses de angústia insuperáveis.
Quanto a mim, pelas reminiscências, já fiz várias comparações e chego sempre à conclusão de que aquelas são espécie de alimento que amenizam, sim, minhas angústias nestes tempos cruéis. O que fazer? Mas, eu não desisto, não!
Lá estão as origens, lá estão as marcas dos pés que ficaram no tempo. Os passos da vida a serem contados aos que se disponham a ouvir.
Morávamos numa casa modesta, já melhorada, porém, com um quintal apreciável, duas cachorrinhas que minha mãe cuidava com carinho, um papagaio instável que só não se irritava com meu pai. Esse papagaio tinha a liberdade de se locomover por um longo arame esticado que saía de um poleiro próximo de uma parreira que pouca uva dava – se é que dava alguma – até nos fundos, no quartinho de despejo, também oficina de marcenaria de meu pai, um talento que tinha e com ele construía brinquedos e utilidades bem feitinhos.
As bananeiras também nos fundos ao lado do quartinho deram muitos cachos que viravam bananada no panelão. Eram pequenas. No meio do caminho, aquela fruta meio ácida que conhecíamos como “tomate japonês”.
Garotão em 1958, no ginasial, no 1° ano, palmeirense como todos em casa, comecei a me dar conta da Copa do Mundo, acho, quando a seleção brasileira venceu a da Áustria por 3 x 0 em 8 de junho.
À medida que a seleção ia vencendo o interesse ia crescendo na mesma proporção. Conseguiria o Brasil o campeonato mundial, finalmente? Na verdade, apenas oito anos depois, que me lembre hoje, ninguém mais se importava, então, com a derrota de 50. Acho que é coisa da imprensa, aquelas comparações absurdas, tanto que sempre que a seleção do Brasil joga com a do Uruguai, a partida se “transforma’ em revanche de 50. E o goleiro Barbosa, coitado, foi “condenado” para sempre. Que perdoe os brasileiros e a crônica esportiva no seu recolhimento.
Dava gosto ouvir a narração de Pedro Luis e Edson Leite que se revezavam nas transmissões da “cadeia verde-amarela”. Imaginem, comparar esses locutores com os de hoje – é melhor não comparar porque ofenderia a memória de ambos. Acho até hoje que Pedro Luis era palmeirense, de tão bom que era.
A coisa chegou à empolgação no jogo da terça-feira, dia 24, quando a seleção venceu a França por 5 x 2 e foi para a final com a seleção da Suécia.
Domingo, dia 29, nascera ensolarado. A decisão.
Havia nervosismo geral eclodindo no ar. O jogo começaria aí pela hora do almoço.
Todos a postos na minha casa, meus pais, irmãos, as cachorras e o papagaio temperamental se equilibrando entre um poleiro e outro pelo arame.
Logo no início o time da Suécia fez o primeiro gol da partida. Minutos depois, Vavá empataria e faria o 2°. O radio em volume alto transmitia a narração impecável de Pedro Luis. No final do 1° tempo, 2 x 1 para o Brasil, crescera o estado ansioso generalizado.
No 2° tempo o time do Brasil deslanchou: gol de Pelé, de Zagalo, 4 x 1, gol da Suécia, 4 x 2 e o “magistral gol de Pelé” (assim qualificado por Edison Leite que narrara o 2° tempo com emoção) o último, no final, que confirmaria o título para o Brasil, 5 x 2.
Fogos e rojões saíram de não sei de onde e espocaram lá nos altos do quintal, todo mundo emocionado em casa, as cachorras perdidas com aquele alvoroço incomum, trêmulas com os estouros, precisaram ser contidas e acariciadas, o papagaio maluco que, descendo para o chão, batia asas, gritando feito louco acompanhando o embalo da festa...
Ah, aquele dia de 1958! Aquela seleção sem estrelismos, sem endeusamentos, sem os milhões, profissionais que honraram o país.
O que fazer se o futebol é assim!
Até hoje reflito sobre aqueles momentos de confraternização e alegria em casa por obra da Copa de 1958 e ainda hoje quando ouço trechos da narração de Pedro Luis e Edson Leite, me arrepio.
E já despontava a bossa nova!
Meu Deus, que tempos aqueles!
Foto: Pelé aos prantos apoiado pelo goleiro Gilmar e Didi - 1958 (Google Imagens)
Página do Diário do Grande ABC de 22.06.2018
Acessar: https://martinsmilton.blogspot.com/p/moravamosnuma-casa-modesta-em-sao.html
Quanto a mim, pelas reminiscências, já fiz várias comparações e chego sempre à conclusão de que aquelas são espécie de alimento que amenizam, sim, minhas angústias nestes tempos cruéis. O que fazer? Mas, eu não desisto, não!
Lá estão as origens, lá estão as marcas dos pés que ficaram no tempo. Os passos da vida a serem contados aos que se disponham a ouvir.
Morávamos numa casa modesta, já melhorada, porém, com um quintal apreciável, duas cachorrinhas que minha mãe cuidava com carinho, um papagaio instável que só não se irritava com meu pai. Esse papagaio tinha a liberdade de se locomover por um longo arame esticado que saía de um poleiro próximo de uma parreira que pouca uva dava – se é que dava alguma – até nos fundos, no quartinho de despejo, também oficina de marcenaria de meu pai, um talento que tinha e com ele construía brinquedos e utilidades bem feitinhos.
As bananeiras também nos fundos ao lado do quartinho deram muitos cachos que viravam bananada no panelão. Eram pequenas. No meio do caminho, aquela fruta meio ácida que conhecíamos como “tomate japonês”.
Garotão em 1958, no ginasial, no 1° ano, palmeirense como todos em casa, comecei a me dar conta da Copa do Mundo, acho, quando a seleção brasileira venceu a da Áustria por 3 x 0 em 8 de junho.
À medida que a seleção ia vencendo o interesse ia crescendo na mesma proporção. Conseguiria o Brasil o campeonato mundial, finalmente? Na verdade, apenas oito anos depois, que me lembre hoje, ninguém mais se importava, então, com a derrota de 50. Acho que é coisa da imprensa, aquelas comparações absurdas, tanto que sempre que a seleção do Brasil joga com a do Uruguai, a partida se “transforma’ em revanche de 50. E o goleiro Barbosa, coitado, foi “condenado” para sempre. Que perdoe os brasileiros e a crônica esportiva no seu recolhimento.
Dava gosto ouvir a narração de Pedro Luis e Edson Leite que se revezavam nas transmissões da “cadeia verde-amarela”. Imaginem, comparar esses locutores com os de hoje – é melhor não comparar porque ofenderia a memória de ambos. Acho até hoje que Pedro Luis era palmeirense, de tão bom que era.
A coisa chegou à empolgação no jogo da terça-feira, dia 24, quando a seleção venceu a França por 5 x 2 e foi para a final com a seleção da Suécia.
Domingo, dia 29, nascera ensolarado. A decisão.
Havia nervosismo geral eclodindo no ar. O jogo começaria aí pela hora do almoço.
Todos a postos na minha casa, meus pais, irmãos, as cachorras e o papagaio temperamental se equilibrando entre um poleiro e outro pelo arame.
Logo no início o time da Suécia fez o primeiro gol da partida. Minutos depois, Vavá empataria e faria o 2°. O radio em volume alto transmitia a narração impecável de Pedro Luis. No final do 1° tempo, 2 x 1 para o Brasil, crescera o estado ansioso generalizado.
No 2° tempo o time do Brasil deslanchou: gol de Pelé, de Zagalo, 4 x 1, gol da Suécia, 4 x 2 e o “magistral gol de Pelé” (assim qualificado por Edison Leite que narrara o 2° tempo com emoção) o último, no final, que confirmaria o título para o Brasil, 5 x 2.
Fogos e rojões saíram de não sei de onde e espocaram lá nos altos do quintal, todo mundo emocionado em casa, as cachorras perdidas com aquele alvoroço incomum, trêmulas com os estouros, precisaram ser contidas e acariciadas, o papagaio maluco que, descendo para o chão, batia asas, gritando feito louco acompanhando o embalo da festa...
Ah, aquele dia de 1958! Aquela seleção sem estrelismos, sem endeusamentos, sem os milhões, profissionais que honraram o país.
O que fazer se o futebol é assim!
Até hoje reflito sobre aqueles momentos de confraternização e alegria em casa por obra da Copa de 1958 e ainda hoje quando ouço trechos da narração de Pedro Luis e Edson Leite, me arrepio.
E já despontava a bossa nova!
Meu Deus, que tempos aqueles!
Foto: Pelé aos prantos apoiado pelo goleiro Gilmar e Didi - 1958 (Google Imagens)
Página do Diário do Grande ABC de 22.06.2018
Acessar: https://martinsmilton.blogspot.com/p/moravamosnuma-casa-modesta-em-sao.html
06/06/2010
TERRORES E TREMORES
"Ainda que tivesse sido o maior pecador dentre os homens, a nave do conhecimento da Verdade te conduzirá sem perigo pelo mar dos pecados”.
“Dirige, pois, a Mim todos os seus pensamentos e luta. Se a tua mente e o teu coração em Mim firmemente fixares, com certeza, enfim, a Mim chegarás”. (Bhagavad Gîtâ)
- Bem, pelo jeito posso lhe relatar alguns terrores que tenho guardado comigo e posso até ter escrito sobre eles mas de um modo meio poético, sabe aqueles devaneios ambíguos, nem sim nem não?
Não saberia precisar bem o momento ou suas causas. Talvez tivesse algo a ver com meu desinteresse religioso ou por fixação nalguma literatura que lera em algum momento. Não sei.
O processo fora gradativo. No começo, durante o sono, ocasionalmente, sentia-me incomodado. Nesses momentos, parecia estar lúcido no sonho, tentando desesperadamente acordar, mas alguma coisa me impedia de retornar ao "lar", de reassumir, digamos, a minha própria vida. De repente, como num estalo, acordava sobressaltado, totalmente consciente do que experimentara, de todo o mal-estar que tivera.
Acho até que na morte assim ocorre para aqueles muito apegados às coisas da terra. Talvez essas experiências, por esse lado, a mim se aplicam até que bem.
Preciso fazer um parêntesis, porém. Sabe do livrinho Bhagavad Gîtâ que já lhe falei?
- “Sublime canção”, lembro sim.
- Tem um trecho assim, dito por Krishna - que poderia ser considerado, para nós, o “Eu Superior”...
- A essência de Deus em nós?
- Diz:
“Faze bem o que te compete fazer no mundo: cumpre bem as tuas tarefas: ocupa-te da obra que encontras, para fazê-la o melhor possível: assim será muito bom para ti. Atividade é melhor do que a ociosidade.
E olha o que mais, porque a Divindade reconhece que o nosso mundo é também o da matéria:
“A atividade fortalece a mente e o corpo, e conduz a uma vida longa e normal; a ociosidade enfraquece tanto o corpo como a mente, e conduz a uma vida impotente e anormal, de duração incerta”.
E isso foi escrito lá pelo século IV antes de Cristo!
- Vida é movimento, então? Para ser bem simples. É bem atual.
- Pois bem. Passados esses momentos de terror, embora um pouco perturbado saía logo cedo para o meu mundo de obrigações, para as minhas tarefas da vida, “porque a ociosidade enfraquece...”
Certa noite, como se tocado na região dos tornozelos, tivera novos momentos de terror. Aquele toque sobremaneira físico, fizera vibrar todo o meu corpo, a alma, sei lá, tudo. Acordara instantaneamente, vivendo ainda aquelas impressões, aquele toque tão real, coração batendo a mil, trêmulo, aterrorizado, o desejo imenso de me esconder sem saber bem aonde, sob as cobertas, de mim mesmo, sabe lá. Sentia-me mal, muito mal.
Quando tal ocorria, meu dia não era bom.
Numa dessas visitas particularmente difíceis invoquei, “Jesus Cristo me ajude”. O resultado foi imediato. Acordei sobressaltado, mas instantaneamente livre daquela invasão, digamos, com alívio.
- Mas, você não se proclama agnóstico?
- Moderado meu caro, eu já disse a você sobre isso – lembre-se da minha definição particular. Tanto que nessa questão de vida e morte pendo para a reencarnação.
Passado algum tempo desses "toques" assustadores, fantasmagóricos, certa vez alguma mudança ocorreu.
Umas poucas vezes que me lembre, o sintoma do "toque" voltou a se manifestar como se me amarrasse. Mas, em minha mente, veio uma mensagem nítida:
- É benigno !
Meu corpo e alma novamente vibraram, mas de modo inspirador, tranqüilizador.
Acordei após aqueles segundos de sensações como se estivesse interiormente iluminado, com muita paz.
Na manhã seguinte, mesmo envolvido nos meus afazeres graves, carregava comigo resíduos de paz e harmonia.
- Experiências do bem e do mal, acho.
- Eu assim interpreto, mas não sei porque logo eu teria essas experiências.
Seria também uma dose tênue do evento morte ou a exteriorização dos efeitos do mal e do bem sobre nossa alma que, por uma razão qualquer me foram transmitidos. Pela fresta que se abriu no reino dos sonhos, eclodindo como um vulcão, o que se acumula no Ego inferior (o “porão”) e no superior (“uma impecável e imaculada sala de visitas”), as contradições da vida.
- E você invocou Jesus Cristo, hem?
- E como relatei, o resultado não poderia ter sido melhor. O que dizer, se não a verdade do que se passou?
- Sabe de uma coisa? Duvidava que você me contasse tudo o que me contou. Acho mesmo que o mundo dos sonhos tem “regras” próprias incompreensíveis. Eu por exemplo, não poucas vezes, me vi viajando em localidades estranhas e até conhecidas. Não é que certa vez, caminhava por uma cidade na qual vivi minha juventude e até visualizei o nome de rua nessas placas comuns que, para dizer a verdade, naqueles tempos, pouco conhecia. O nome da rua veio comigo quando cheguei a acordei. Usei o mapa para localizá-la naquela cidade. E ela lá estava.
E sabe o que mais? Isso que você me revelou daria uma crônica que até já bolei o título: “terrores e tremores”.
- É complicado falar sobre isso. Reflita muito antes de divulgar esse relato porque são experiências muito pessoais, sujeitas ao descrédito quase total. Quantos não teriam algo a dizer a respeito e silenciam. Com essas revelações alguns dirão: “o cara é alucinado, beirando a doideira”. E, claro, não se menciona nome...se você, um dia, tiver coragem de publicar. (1)
Imagens:
(i) yogasaocaetanodosul.blogspot.com
(ii) Theconspirate.blogspot.com (Jesus Cristo e Krishna)
(Google imagens)
(1) V. "Alucinações, Sonhos (?)" de 03.04.2011
30/05/2010
COMO OUSAS? TUDO O QUE FICOU...
Explicação
Estaria hoje “publicando” crônica sobre a final da Copa de 1958, tudo o que houve em volta dela naqueles meus dias. Resolvi adiar.
Mas, há dias nestes dias difíceis de viver em que as coisas enroscam na indiferença e naquela pergunta perigosa:
- Para que tudo isto? Jogue tudo para cima, ora!
Refletindo um pouco, resolvi republicar a crônica completa, me referindo sobre dois espelhos. Faço, porque de um jeito ou outro há um sentido de profundidade naqueles amores impossíveis porque assim decidiram os “futuros ex-amantes” diante das circunstâncias refletidas em seu tempo.
A crônica “Como Ousas” já foi publicada em alguns blogs. Ela completa, incluindo a parte “Tudo que ficou” somente no blog “Prosa e Verso de Boteco”, que pode ser acessado por aqui. Esse blog contém poesias e crônicas inspiradas, merecendo visitas permanentemente.
Como ousas?!
Mas, como chegara aos 70 anos?
Pois, não foi ontem de manhã que assistiu o surgimento da bossa nova, mais tarde a Jovem Guarda com o ainda hoje "rei" Roberto Carlos, já meio monótono.
E os namoros, os bailes, essas coisas?
Tudo passou de repente, embora ainda sentisse o perfume da noite, da alegria dos tempos, alguns acordes ainda chegavam aos seus ouvidos, sabe lá de onde. Do éter? Ora!
- Como é bonita a Deyse, diziam seus admiradores no colégio, muitos.
O tempo foi passando e ela se casou. O marido seria guindado tempos depois a um elevado cargo executivo numa multinacional. Sua vida foi muito fácil, muitas viagens ao exterior. Sabia que os executivos da empresa a admiravam. Não poucas vezes flagrou alguns meio boquiabertos a examinando. Aquela morena, de cabelos soltos e olhos verdes...
Teve três filhos: um professor, de vida simples, mas o mais culto, um engenheiro executivo de multinacional que enriqueceu e um médico que clinicava na Itália. Tinha orgulho de dizer de seu filho médico na Itália. Tinha facilidade de ir para lá. Sempre que ia, chegava até Assis e visitava o túmulo de São Francisco. Ficava ali, naquela meia luz, absorvendo as boas vibrações e se emocionando com as pessoas piedosas que ali oravam. Como ela. Saia dali sempre renovada.
Já pelos seus 40 anos resolveu trabalhar num núcleo de saúde infantil como voluntária, ajudando um médico, pouco mais jovem parecia, com sua barba espessa, bem contornada no rosto. Bonito? Era, reconhecia Deyse.
Teve muita convivência com ele, pelo menos duas vezes por semana. Por meses. Um dia, enquanto separava ela remédios entregues, o médico entrou, postou-se ao seu lado e, baixando a cabeça encabulado, disse quase sussurrando:
- Dona Deyse, estou apaixonado pela senhora. Eu amo a senhora!
Paixão é difícil de não confidenciar. Atônita, conseguiu responder:
- Eu também, doutor.
O médico se aproximou e trocaram um leve beijo, próximo dos lábios. Deyse caiu em si, seu rosto explodiu vermelho, saiu apressada e disse, já no jardim:
- Como ousas? Como ousas?
Nunca mais voltou ao núcleo assistencial. Pior para as crianças de tão dedicada que era.
Hoje, viúva, mirando-se no espelho, pouco ligando para as poucas rugas, estava conservada, lembrando-se de sua vida serena, realizada. Num dado momento, acariciou seu próprio rosto, bem ali onde o médico lhe beijara. Sentira o perfume de sua loção, de novo. Enrubesceu e emocionada, disse alto:
- Como ousas?
Fugiu do espelho que a encarava com rigor...
Tudo o que ficou...
Mira-se no espelho e vê a realidade nua de seu rosto, já enrugado, cabelos grisalhos, ajeitados.
Há muito tirara a barba trabalhada que lhe dava um ar elegante e, sabia, chamava a atenção das mulheres à sua volta.
Ali, na imagem do espelho, havia um médico envelhecido que não enriqueceu. Afinal, trabalhara para os mais pobres, e por muitos anos num núcleo de assistência infantil.
Clínico geral, não saía de sua cabeça uma frase de uma humilde paciente. O tratamento que dispensara, culminando com uma cirurgia complicada, tivera êxito. Ela agradecia a todos os santos, especialmente São Francisco, de quem era devota exaltada.
Semanas depois da alta, ela voltou ao seu consultório e ao sair disse uma frase que talvez tivesse ouvido alhures:
- Doutor, o senhor é de uma raça em extinção.
E o espelho apenas confirmava isso, do ponto de vista físico...
Tinha hoje 72 anos. Viúvo havia quatro anos. Sua esposa morrera em seus braços de infarto fulminante. Nada pôde ser feito.
Essa experiência fora dolorosa, porque salvara tanta gente em momentos semelhantes e não obtivera êxito com sua própria esposa. Essa contradição mexera com sua cabeça, meditara sobre sua espiritualidade, mas as respostas não vinham. Com a profundidade que desejava.
Seus dois filhos avançaram na vida. Um era médico como ele, cirurgião exímio. O outro advogado também bem sucedido.
Este último tivera sérios problemas havia alguns anos o que o fez abandonar a advocacia criminal depois que um bandido o procurou para defendê-lo. Ao ter à sua frente aquela celebridade com ficha criminal medida a metros, decidiu rejeitar o trabalho. O bandido o ameaçara violentamente, obrigando-o a se afastar do trabalho e se esconder por algum tempo.
O que restara de sua vida aos 72 anos? Como não poderia deixar de ser, também para ele que sempre vivera no limiar da vida e da morte, o tempo também passara.
Recordara de sua infância, de sua juventude sacrificada fazendo trabalhos avulsos e ministrando aulas para ajudar nas despesas da faculdade. Lembrava-se de seu pai, que trabalhava como operário cerca de 12 horas por dia para ajudá-lo e sua mãe que tanto o incentivara, vendendo em sua casa, roupas feitas. E de sua esposa que o encorajara ao trabalho dedicado aos mais carentes com pouco retorno econômico.
Um drama que efetivamente vivera, parecendo enredo de romance de escritor pouco inspirado.
Mas, não havia somente essas lembranças atribuladas.
Sem qualquer peso na consciência nunca esquecera a curta paixão que vivenciara havia anos após a sua formatura, trabalhando num centro de assistência infantil.
Ali, uma senhora dos seus 40 anos, lindíssima, morena de olhos verdes, prestava trabalho voluntário. Com ela convivera, por meses, duas vezes por semana.
Um dia, não se conteve e confessou:
- Dona Deyse, estou apaixonado pela senhora. Eu amo a senhora!
Para sua surpresa, ela respondeu:
- Eu também, doutor.
Aproximou-se então e deu-lhe um leve beijo, próximo dos lábios.
A mulher enrubesceu e se retirou apressada.
Nunca mais a viu e nem poderia procurá-la por saber de sua conduta e de sua vida social
Aquela lembrança, na frente do espelho fora de emoção. Um alento aos seus sacrifícios. Revivera o perfume do rosto daquela mulher que lhe inspirara tanto e que se foi.
Como o tempo...
Estaria hoje “publicando” crônica sobre a final da Copa de 1958, tudo o que houve em volta dela naqueles meus dias. Resolvi adiar.
Mas, há dias nestes dias difíceis de viver em que as coisas enroscam na indiferença e naquela pergunta perigosa:
- Para que tudo isto? Jogue tudo para cima, ora!
Refletindo um pouco, resolvi republicar a crônica completa, me referindo sobre dois espelhos. Faço, porque de um jeito ou outro há um sentido de profundidade naqueles amores impossíveis porque assim decidiram os “futuros ex-amantes” diante das circunstâncias refletidas em seu tempo.
A crônica “Como Ousas” já foi publicada em alguns blogs. Ela completa, incluindo a parte “Tudo que ficou” somente no blog “Prosa e Verso de Boteco”, que pode ser acessado por aqui. Esse blog contém poesias e crônicas inspiradas, merecendo visitas permanentemente.
Como ousas?!
Mas, como chegara aos 70 anos?
Pois, não foi ontem de manhã que assistiu o surgimento da bossa nova, mais tarde a Jovem Guarda com o ainda hoje "rei" Roberto Carlos, já meio monótono.
E os namoros, os bailes, essas coisas?
Tudo passou de repente, embora ainda sentisse o perfume da noite, da alegria dos tempos, alguns acordes ainda chegavam aos seus ouvidos, sabe lá de onde. Do éter? Ora!
- Como é bonita a Deyse, diziam seus admiradores no colégio, muitos.
O tempo foi passando e ela se casou. O marido seria guindado tempos depois a um elevado cargo executivo numa multinacional. Sua vida foi muito fácil, muitas viagens ao exterior. Sabia que os executivos da empresa a admiravam. Não poucas vezes flagrou alguns meio boquiabertos a examinando. Aquela morena, de cabelos soltos e olhos verdes...
Teve três filhos: um professor, de vida simples, mas o mais culto, um engenheiro executivo de multinacional que enriqueceu e um médico que clinicava na Itália. Tinha orgulho de dizer de seu filho médico na Itália. Tinha facilidade de ir para lá. Sempre que ia, chegava até Assis e visitava o túmulo de São Francisco. Ficava ali, naquela meia luz, absorvendo as boas vibrações e se emocionando com as pessoas piedosas que ali oravam. Como ela. Saia dali sempre renovada.
Já pelos seus 40 anos resolveu trabalhar num núcleo de saúde infantil como voluntária, ajudando um médico, pouco mais jovem parecia, com sua barba espessa, bem contornada no rosto. Bonito? Era, reconhecia Deyse.
Teve muita convivência com ele, pelo menos duas vezes por semana. Por meses. Um dia, enquanto separava ela remédios entregues, o médico entrou, postou-se ao seu lado e, baixando a cabeça encabulado, disse quase sussurrando:
- Dona Deyse, estou apaixonado pela senhora. Eu amo a senhora!
Paixão é difícil de não confidenciar. Atônita, conseguiu responder:
- Eu também, doutor.
O médico se aproximou e trocaram um leve beijo, próximo dos lábios. Deyse caiu em si, seu rosto explodiu vermelho, saiu apressada e disse, já no jardim:
- Como ousas? Como ousas?
Nunca mais voltou ao núcleo assistencial. Pior para as crianças de tão dedicada que era.
Hoje, viúva, mirando-se no espelho, pouco ligando para as poucas rugas, estava conservada, lembrando-se de sua vida serena, realizada. Num dado momento, acariciou seu próprio rosto, bem ali onde o médico lhe beijara. Sentira o perfume de sua loção, de novo. Enrubesceu e emocionada, disse alto:
- Como ousas?
Fugiu do espelho que a encarava com rigor...
Tudo o que ficou...
Mira-se no espelho e vê a realidade nua de seu rosto, já enrugado, cabelos grisalhos, ajeitados.
Há muito tirara a barba trabalhada que lhe dava um ar elegante e, sabia, chamava a atenção das mulheres à sua volta.
Ali, na imagem do espelho, havia um médico envelhecido que não enriqueceu. Afinal, trabalhara para os mais pobres, e por muitos anos num núcleo de assistência infantil.
Clínico geral, não saía de sua cabeça uma frase de uma humilde paciente. O tratamento que dispensara, culminando com uma cirurgia complicada, tivera êxito. Ela agradecia a todos os santos, especialmente São Francisco, de quem era devota exaltada.
Semanas depois da alta, ela voltou ao seu consultório e ao sair disse uma frase que talvez tivesse ouvido alhures:
- Doutor, o senhor é de uma raça em extinção.
E o espelho apenas confirmava isso, do ponto de vista físico...
Tinha hoje 72 anos. Viúvo havia quatro anos. Sua esposa morrera em seus braços de infarto fulminante. Nada pôde ser feito.
Essa experiência fora dolorosa, porque salvara tanta gente em momentos semelhantes e não obtivera êxito com sua própria esposa. Essa contradição mexera com sua cabeça, meditara sobre sua espiritualidade, mas as respostas não vinham. Com a profundidade que desejava.
Seus dois filhos avançaram na vida. Um era médico como ele, cirurgião exímio. O outro advogado também bem sucedido.
Este último tivera sérios problemas havia alguns anos o que o fez abandonar a advocacia criminal depois que um bandido o procurou para defendê-lo. Ao ter à sua frente aquela celebridade com ficha criminal medida a metros, decidiu rejeitar o trabalho. O bandido o ameaçara violentamente, obrigando-o a se afastar do trabalho e se esconder por algum tempo.
O que restara de sua vida aos 72 anos? Como não poderia deixar de ser, também para ele que sempre vivera no limiar da vida e da morte, o tempo também passara.
Recordara de sua infância, de sua juventude sacrificada fazendo trabalhos avulsos e ministrando aulas para ajudar nas despesas da faculdade. Lembrava-se de seu pai, que trabalhava como operário cerca de 12 horas por dia para ajudá-lo e sua mãe que tanto o incentivara, vendendo em sua casa, roupas feitas. E de sua esposa que o encorajara ao trabalho dedicado aos mais carentes com pouco retorno econômico.
Um drama que efetivamente vivera, parecendo enredo de romance de escritor pouco inspirado.
Mas, não havia somente essas lembranças atribuladas.
Sem qualquer peso na consciência nunca esquecera a curta paixão que vivenciara havia anos após a sua formatura, trabalhando num centro de assistência infantil.
Ali, uma senhora dos seus 40 anos, lindíssima, morena de olhos verdes, prestava trabalho voluntário. Com ela convivera, por meses, duas vezes por semana.
Um dia, não se conteve e confessou:
- Dona Deyse, estou apaixonado pela senhora. Eu amo a senhora!
Para sua surpresa, ela respondeu:
- Eu também, doutor.
Aproximou-se então e deu-lhe um leve beijo, próximo dos lábios.
A mulher enrubesceu e se retirou apressada.
Nunca mais a viu e nem poderia procurá-la por saber de sua conduta e de sua vida social
Aquela lembrança, na frente do espelho fora de emoção. Um alento aos seus sacrifícios. Revivera o perfume do rosto daquela mulher que lhe inspirara tanto e que se foi.
Como o tempo...
23/05/2010
INVASÃO ALIENÍGENA: UM PERIGO PARA A HUMANIDADE?
Nunca fui muito ligado ao “fenômeno” dos discos voadores, embora não despreze o assunto.
Basta olhar para esse universo infinito e meditar um pouco. Seremos, mesmo, os únicos inteligentes – embora meio irresponsáveis como somos – nessa imensidão toda?
Confesso que, nos meus tempos de ABC, muitas vezes íamos, eu e minha esposa Ana Rosa, numa espécie de beco – rua sem saída - que era interrompida pela via Anchieta lá embaixo. A penumbra era total. A noite revelava com mais nitidez aquele céu estrelado sem fim. Ficávamos por ali algum tempo apreciando aquilo tudo – hoje seria impossível porque os tempos são de perigo - e, quem sabe, ver algum objeto não identificado vagando no espaço. Nada.
Os que dizem ter tido contato de terceiro grau descrevem as criaturas alienígenas sempre com a mesma complexão: cabeça desproporcional e oval, olhos grandes e meio puxados, baixa estatura. Será que todas essas descrições coincidem por espécie de autossugestão?
Meu conceito, a despeito do trauma que poderá causar a visita aberta de “alliens”, é de que seriam seres evoluídos porque, ao chegarem num nível de tecnologia espacial a ponto de viajarem pelo espaço infinito não podem ser destrutivos, dominadores.
Eis que ninguém menos que o cientista Stephen Hawking sobre a eventual visita dos alienígenas afirmou o seguinte:
“Se os estraterrestres nos visitarem, os resultados seriam como quando Colombo chegou à América, o não acabou nada bem para os nativos”. E argumenta mais o cientista: “...em vez de tentar achar vida no cosmos e se comunicar com esses seres extraterrestres, seria melhor que os humanos fizessem tudo o que pudessem para evitar esse contato”. (1)
É que há várias sondas da NASA que buscam planetas fora do sistema solar que poderiam conter vida inteligente. A mesma NASA enviou em 2008 a música “Across the Universe”, dos Beatles para “viajar” pelo universo tentando que seja captada e respondida por alguma inteligência nesses confins do universo.
Essa música tem estas estrofes entre outras:
“Imagens de luzes quebradas que dançam na minha frente como milhões de olhos
Eles me chamam para ir pelo universo
Pensamentos se movem como um vento incansável dentro de uma caixa de correio
Eles tropeçam cegamente enquanto fazem seu caminho pelo universo”
(...)
Sons de risos, sombras de amor estão tocando meus ouvidos abertos
Incitando e me convidando.
Ilimitado amor eterno, que brilha em minha volta como milhões de sóis,
E me chamam para ir pelo universo.”
O ponto de vista de Hawking me leva inevitavelmente para a abra de ficção do inglês Herbert G. Wells, “A Guerra do Mundos”, lançado em 1898.
A origem dessa obra memorável nascera de um comentário do irmão do autor mais ou menos assim:
“Imagine se descessem alguns marcianos e nos tratassem como nós (Inglaterra) tratamos nossas colônias”.
Na obra de Wells realmente os marcianos são dominadores e cruéis. Dois filmes se inspiraram no livro, mantendo o mesmo título: de 1953, o melhor e mais recentemente (2005) o de Steven Spielberg, neste os alienígenas são, além de assassinos, espécie de vampiros.
Todas sabem o final, não há surpresa: os invasores foram abatidos por bactérias (“as menores criaturas de Deus”) que consumiram suas resistências havendo, então, um sentido de gratidão religiosa. A humanidade fora salva.
Num conto de minha autoria mal recebido tratei da possibilidade da abdução do personagem, dando-se o trauma à alma de modo até amargo com a revelação de que pouco valem as conquistas materiais que obtemos e usufruímos. Algo utópico, uma renúncia que poucos se atrevem a encarar. Deixo uma interrogação sobre o que realmente se passou com o personagem embora fosse afetado psicologicamente.
Aquele trauma que acima imagino que se daria se aparecessem formalmente os ETs por aqui para o mundo inteiro ver. (2 e 3)
Bem, para estabelecer espécie de contraposição à seriedade do tema, deixo algumas linhas de uma música carnavalesca que não consigo esquecer, da década de 50, creio – não encontrei nada dela na internet, nem autor nem a época precisa – que proclama também, num sentido otimista mas jocoso a visita dos marcianos, mais ou menos assim:
“Desceu um disco voador
Na praia do Arpoador,
O marciano foi pescar uma serei na areia
Essa turma e muito forte,
A turma lá de marte é de morte
Passou pra trás a marciana
Por um broto de Copacabana
Bebeu cachaça com vermute
Pois a pinga lá de Marte é um chute...”
Não me interpretem mal, hem!
Referências no texto:
(1) “O Estado de São Paulo” de 10.05.2010, transcrevendo artigo de Alok Jha do “The Guardian”. As afirmações de Stephen Hawking foram feitas em documentário para o Discovery Channel. Hawking é doutor em Cosmologia, autor do livro “Uma breve história do tempo”.
Sofre de doença degenerativa se comunicando por um computador acoplado à sua cadeira de rodas, no qual “um software permite que ele escolha palavras de uma lista e as reproduza através de um sintetizador de voz.” (V. meu artigo “Dos sem religião” de 25.04.2010)
(2) O livro de H. G. Wells foi utilizado por Orson Welles na radio CBS - Columbia Broadcasting, programa “Radioteatro Mercury” numa transmissão para Dia das Bruxas, 30 de outubro de 1938. Essa memorável dramatização da invasão marciana levou pânico a milhares americanos com intensa repercussão, produzindo manchetes pelo mundo afora. Todos sabem que Orson Wells depois se tornaria diretor e ator famoso de cinema.
(3) “O Solitário - Delírios e Altruísmos”, neste blog, publicação de 02.03.2009)
Foto (1): Cena do filme de 1953 "Guerra dos Mundos". (Fonte: Google Imagens)
Foto (2): Stephen Hawking (Fontes diversas via Google Imagens)
Basta olhar para esse universo infinito e meditar um pouco. Seremos, mesmo, os únicos inteligentes – embora meio irresponsáveis como somos – nessa imensidão toda?
Confesso que, nos meus tempos de ABC, muitas vezes íamos, eu e minha esposa Ana Rosa, numa espécie de beco – rua sem saída - que era interrompida pela via Anchieta lá embaixo. A penumbra era total. A noite revelava com mais nitidez aquele céu estrelado sem fim. Ficávamos por ali algum tempo apreciando aquilo tudo – hoje seria impossível porque os tempos são de perigo - e, quem sabe, ver algum objeto não identificado vagando no espaço. Nada.
Os que dizem ter tido contato de terceiro grau descrevem as criaturas alienígenas sempre com a mesma complexão: cabeça desproporcional e oval, olhos grandes e meio puxados, baixa estatura. Será que todas essas descrições coincidem por espécie de autossugestão?
Meu conceito, a despeito do trauma que poderá causar a visita aberta de “alliens”, é de que seriam seres evoluídos porque, ao chegarem num nível de tecnologia espacial a ponto de viajarem pelo espaço infinito não podem ser destrutivos, dominadores.
Eis que ninguém menos que o cientista Stephen Hawking sobre a eventual visita dos alienígenas afirmou o seguinte:
“Se os estraterrestres nos visitarem, os resultados seriam como quando Colombo chegou à América, o não acabou nada bem para os nativos”. E argumenta mais o cientista: “...em vez de tentar achar vida no cosmos e se comunicar com esses seres extraterrestres, seria melhor que os humanos fizessem tudo o que pudessem para evitar esse contato”. (1)
É que há várias sondas da NASA que buscam planetas fora do sistema solar que poderiam conter vida inteligente. A mesma NASA enviou em 2008 a música “Across the Universe”, dos Beatles para “viajar” pelo universo tentando que seja captada e respondida por alguma inteligência nesses confins do universo.
Essa música tem estas estrofes entre outras:
“Imagens de luzes quebradas que dançam na minha frente como milhões de olhos
Eles me chamam para ir pelo universo
Pensamentos se movem como um vento incansável dentro de uma caixa de correio
Eles tropeçam cegamente enquanto fazem seu caminho pelo universo”
(...)
Sons de risos, sombras de amor estão tocando meus ouvidos abertos
Incitando e me convidando.
Ilimitado amor eterno, que brilha em minha volta como milhões de sóis,
E me chamam para ir pelo universo.”
O ponto de vista de Hawking me leva inevitavelmente para a abra de ficção do inglês Herbert G. Wells, “A Guerra do Mundos”, lançado em 1898.
A origem dessa obra memorável nascera de um comentário do irmão do autor mais ou menos assim:
“Imagine se descessem alguns marcianos e nos tratassem como nós (Inglaterra) tratamos nossas colônias”.
Na obra de Wells realmente os marcianos são dominadores e cruéis. Dois filmes se inspiraram no livro, mantendo o mesmo título: de 1953, o melhor e mais recentemente (2005) o de Steven Spielberg, neste os alienígenas são, além de assassinos, espécie de vampiros.
Todas sabem o final, não há surpresa: os invasores foram abatidos por bactérias (“as menores criaturas de Deus”) que consumiram suas resistências havendo, então, um sentido de gratidão religiosa. A humanidade fora salva.
Num conto de minha autoria mal recebido tratei da possibilidade da abdução do personagem, dando-se o trauma à alma de modo até amargo com a revelação de que pouco valem as conquistas materiais que obtemos e usufruímos. Algo utópico, uma renúncia que poucos se atrevem a encarar. Deixo uma interrogação sobre o que realmente se passou com o personagem embora fosse afetado psicologicamente.
Aquele trauma que acima imagino que se daria se aparecessem formalmente os ETs por aqui para o mundo inteiro ver. (2 e 3)
Bem, para estabelecer espécie de contraposição à seriedade do tema, deixo algumas linhas de uma música carnavalesca que não consigo esquecer, da década de 50, creio – não encontrei nada dela na internet, nem autor nem a época precisa – que proclama também, num sentido otimista mas jocoso a visita dos marcianos, mais ou menos assim:
“Desceu um disco voador
Na praia do Arpoador,
O marciano foi pescar uma serei na areia
Essa turma e muito forte,
A turma lá de marte é de morte
Passou pra trás a marciana
Por um broto de Copacabana
Bebeu cachaça com vermute
Pois a pinga lá de Marte é um chute...”
Não me interpretem mal, hem!
Referências no texto:
(1) “O Estado de São Paulo” de 10.05.2010, transcrevendo artigo de Alok Jha do “The Guardian”. As afirmações de Stephen Hawking foram feitas em documentário para o Discovery Channel. Hawking é doutor em Cosmologia, autor do livro “Uma breve história do tempo”.
Sofre de doença degenerativa se comunicando por um computador acoplado à sua cadeira de rodas, no qual “um software permite que ele escolha palavras de uma lista e as reproduza através de um sintetizador de voz.” (V. meu artigo “Dos sem religião” de 25.04.2010)
(2) O livro de H. G. Wells foi utilizado por Orson Welles na radio CBS - Columbia Broadcasting, programa “Radioteatro Mercury” numa transmissão para Dia das Bruxas, 30 de outubro de 1938. Essa memorável dramatização da invasão marciana levou pânico a milhares americanos com intensa repercussão, produzindo manchetes pelo mundo afora. Todos sabem que Orson Wells depois se tornaria diretor e ator famoso de cinema.
(3) “O Solitário - Delírios e Altruísmos”, neste blog, publicação de 02.03.2009)
Foto (1): Cena do filme de 1953 "Guerra dos Mundos". (Fonte: Google Imagens)
Foto (2): Stephen Hawking (Fontes diversas via Google Imagens)
16/05/2010
SOLIDÃO
O sujeito era culto, lia muito e falava pelo menos quatro idiomas fluentemente. Fora executivo de multinacional.
Sua vida fora sempre muito confusa. Quando mais jovem frequentara a noite e as denominadas "bocas" de São Paulo.
Nesse ambiente conheceu aquela que seria mais tarde sua esposa de papel passado, uma mulher que embora frequentasse aqueles pontos, preservava a sua dignidade com discrição. Sua vida privada era pouco conhecida.
Mas, a forma como e local onde começou o relacionamento acabaria por provocar sérios atritos mais tarde entre o casal até porque mantinha ela amizades antigas e estranhas que permaneceram no tempo e atrapalhavam o relacionamento incomum de ambos.
No limite do insuportável, o casal se separou de modo traumático. Por fim um acordo judicial proveitoso. Superadas todas essas batalhas, diria ele aliviado:
- Depois de tudo isso que passei, vou voltar a "curtir" a noite de São Paulo.
Muito tempo depois eu o encontro num restaurante italiano, sozinho, magro como sempre fora, a espera da comida, tendo a frente uma garrafa pequena de vinho. Deixara de fumar, ele que era inveterado. Depois dos cumprimentos, cada um dizendo o que fazia, pergunto:
- Como vai a noite de São Paulo?
- Não há mais essa de noite em São Paulo. Fico a maior parte do tempo em casa lendo. As mulheres da noite são incapazes de soletrar sequer o abecedário, seu próprio nome, respondeu ele contrariado.
Na verdade, dera-se conta de que os tempos mudaram e que ele mudara.
Havia algo mais, uma ponta de decepção. Não encontrara Maria Benedita, uma mulata vistosa, dentada, que soube estar presa injustamente como traficante, num pequeno presídio feminino numa cidade que sequer gravara o nome, a uns 200 quilômetros dali, com quem tivera (ou pensara ter) algo além do simples prazer sensual naqueles tempos.
Soubera por acaso, ao cortar caminho por aqueles fundos da avenida São João e pelo bairro Santa Cecília. Dera de cara com uma antiga conhecida que morava por ali, escondida num apartamento sombrio:
- Ela vivia bem com um sujeito decente que era traficante. Ela nunca desconfiou. Um dia a polícia bateu na sua porta e encontrou um pacote de droga escondido sobre a caixa d’ água do banheiro. Foi injustamente acusada de cúmplice...
Voltou para os livros e para a solidão.
- As mulheres de seu tempo, mesmo frequentando os inferninhos eram diferentes? Eram?
Não respondeu.
- Solidão com livros é solidão? insisti como forma de apoio. - E afinal, você conseguiu ler inteiro o Ulisses de James Joyce? emendei, as mil páginas do livro que da última vez que falei com ele, há tempos, reclamava que a obra era chata mas que a leria até o fim de qualquer jeito.
Olhou-me fixamente, um sorriso amarelo como resposta.
Começara a se dar conta que aqueles tempos haviam morrido - e ele próprio.
Fui para outra mesa.
Ele saiu em silêncio sem um sinal de despedida.
Nunca mais o vi.
Figura: Artista João Werner
Foto da avenida São João - cdcc.usp.br (Google imagens)
Sua vida fora sempre muito confusa. Quando mais jovem frequentara a noite e as denominadas "bocas" de São Paulo.
Nesse ambiente conheceu aquela que seria mais tarde sua esposa de papel passado, uma mulher que embora frequentasse aqueles pontos, preservava a sua dignidade com discrição. Sua vida privada era pouco conhecida.
Mas, a forma como e local onde começou o relacionamento acabaria por provocar sérios atritos mais tarde entre o casal até porque mantinha ela amizades antigas e estranhas que permaneceram no tempo e atrapalhavam o relacionamento incomum de ambos.
No limite do insuportável, o casal se separou de modo traumático. Por fim um acordo judicial proveitoso. Superadas todas essas batalhas, diria ele aliviado:
- Depois de tudo isso que passei, vou voltar a "curtir" a noite de São Paulo.
Muito tempo depois eu o encontro num restaurante italiano, sozinho, magro como sempre fora, a espera da comida, tendo a frente uma garrafa pequena de vinho. Deixara de fumar, ele que era inveterado. Depois dos cumprimentos, cada um dizendo o que fazia, pergunto:
- Como vai a noite de São Paulo?
- Não há mais essa de noite em São Paulo. Fico a maior parte do tempo em casa lendo. As mulheres da noite são incapazes de soletrar sequer o abecedário, seu próprio nome, respondeu ele contrariado.
Na verdade, dera-se conta de que os tempos mudaram e que ele mudara.
Havia algo mais, uma ponta de decepção. Não encontrara Maria Benedita, uma mulata vistosa, dentada, que soube estar presa injustamente como traficante, num pequeno presídio feminino numa cidade que sequer gravara o nome, a uns 200 quilômetros dali, com quem tivera (ou pensara ter) algo além do simples prazer sensual naqueles tempos.
Soubera por acaso, ao cortar caminho por aqueles fundos da avenida São João e pelo bairro Santa Cecília. Dera de cara com uma antiga conhecida que morava por ali, escondida num apartamento sombrio:
- Ela vivia bem com um sujeito decente que era traficante. Ela nunca desconfiou. Um dia a polícia bateu na sua porta e encontrou um pacote de droga escondido sobre a caixa d’ água do banheiro. Foi injustamente acusada de cúmplice...
Voltou para os livros e para a solidão.
- As mulheres de seu tempo, mesmo frequentando os inferninhos eram diferentes? Eram?
Não respondeu.
- Solidão com livros é solidão? insisti como forma de apoio. - E afinal, você conseguiu ler inteiro o Ulisses de James Joyce? emendei, as mil páginas do livro que da última vez que falei com ele, há tempos, reclamava que a obra era chata mas que a leria até o fim de qualquer jeito.
Olhou-me fixamente, um sorriso amarelo como resposta.
Começara a se dar conta que aqueles tempos haviam morrido - e ele próprio.
Fui para outra mesa.
Ele saiu em silêncio sem um sinal de despedida.
Nunca mais o vi.
Figura: Artista João Werner
Foto da avenida São João - cdcc.usp.br (Google imagens)
09/05/2010
VEGETARIANO ENRUSTIDO: AS RECEITAS
Você torce pelo touro todo ferido com aqueles espadins, odiando o toureiro com aquela roupinha ridícula? Ai, o touro acerta o toureiro e você grita como se fosse um gol do seu time num momento de decisão? Espera ai. E a violência que você rejeita filosoficamente?
- Bem a violência gera a violência, especialmente quando há atos brutais de covardia, como se dá com o touro acuado - esses toureiros efeminados só merecem chifradas mesmo.
Mau sinal.
Ai você considera um negócio até desonesto os rodeios, pela brutalização dos animais e um bando de idiotas aqueles montadores? Que podem se arrebentar no chão com os saltos do touro sofrendo pelas amarras na sua genitália? E você pensa alto:
- Tomara que se arrebentem, sabe.
Sinal de “perigo”. Você é um forte candidato ao vegetarianismo. Mas, saiba, você pode pensar ou tentar sem chegar a tanto. Porque o caminho é árduo. Mais fácil deixar de fumar mesmo que você nunca tenha fumado.
Começa assim:
Rejeita um bife de vez em quando, pensando no sofrimento da vaca, fala para o garçom passar reto com os espetos, se enche de salada, no queijinho assado e guarnições e disfarça.
Pergunta que ainda não vai calar:
- Você não está comendo carne? Esta picanha sangrenta está uma delícia.
Você mente:
- Sabe, hoje não estou me sentindo bem. Meu médico me recomendou não comer nada gorduroso.
Com o tempo você abole a carne vermelha e seguramente terá que explicar porque você assim decidiu e deverá estar preparado para responder os motivos:
Religioso? Filosófico? Regime especial? O quê, o quê, hem?
Você já começa a ser o diferente nos almoços de trabalho e sociais.
Nem uns hambúrgueres no McDonalds? Ah, tentação, com aquelas fritas sequinhas e um copo imenso de guaraná. Difícil, hem.
No churrasco com os amigos você fará “churrasco” de pão e molhinho. Conseguirá (mesmo) rejeitar a linguicinha e o coraçãozinho de frango no espeto?
Epa, mas o coraçãozinho é de frango, carne branca. Acho que vou avançar...
- Será que não vai mais comer nem frango, nem nada, você se questiona?
E responde:
- Sei não, acho que não vou, até porque a “produção” é também de imensa crueldade.
E a partir daí não tem jeito. Você se assume, quase vegetariano, não radical, porque não rejeita um peixe (já pensou o “filhote” assado, tentação!), uns nacos de bacalhau, uns frutos do mar, uns camarões...
Até que um dia no mercado você encara os olhos de peixe morto te assediando. Ah, não o peixe não!
E devagar você começa a se questionar. Afinal, o peixe não é de carne? Mas tão saborosa, tão cheia de vitaminas!
E vagarosamente começa a rejeitar o peixe:
- Será possível? Com vou explicar isso em casa? E nas minhas viagens, vou comer o quê?
A resposta vem espontânea:
- Avance nas saladas, no grão-de-bico, na soja temperada. Massa, meu amigo, mas cuidado com a barriga! As pizzas estão por aí, em qualquer canto tentando de dia e de noite.
Pronto, agora você é consumidor de brócolis, couves, abobrinhas refogadas e a milanesa, pimentões, quiabos e jilós, quibes e estrogonofe de composto (carne) de soja...e por aí vai! E frutas em profusão.
Que mudança, hem?
Ai, nos coquetéis você se obriga a perguntar ao garçom qual o recheio da empadinha com jeito apetitoso:
- É de palmito?
- Palmito e frango, responde exultante o garçom ávido por presenciar a gula coletiva.
Você rejeita a empadinha porque botou na cabeça que frango desfiado cheira pena molhada. Você pode degustar uns canapés de conteúdo não identificado. Feche os olhos e arrisque. Ou fique só no guaraná e na coca-cola...
Renúncias são renúncias.
E se prepare. Você faz uma visita a um velho amigo e em sua homenagem ele prepara língua ao molho pardo. Você faz tudo para não jogar o estômago no prato e dá uma desculpa a mais esfarrapada possível e só fica no arroz branco e no tomate da salada.
A esposa do seu amigo, constrangida, sugere fritar uns ovos, uma omelete.
Não, no ovo você ainda não chegou e não quer nem pensar! Você aceita, toma uns goles de vinho e tudo acaba bem. Todos alegres, contando causos e piadas. Exageros e gafes com os efeitos do vinho avançando.
Ainda bem, ainda bem. Eta dificuldade!
Com o tempo esses percalços deixarão de ocorrer. Não estranhe se você deixar de ser convidado para aqueles grandes encontros e reuniões regados a churrasco e linguicinhas. E chope, é claro.
Todos os seus amigos, seus familiares, descobrem que você é um chato.
Mas um chato feliz que torce pelo touro, sempre, sem crises de consciência.
Talvez você até entre em estudos filosóficos sobre o enigma da existência dos animais, o amor e o respeito que merecem. Aí você atingiu o clímax.
Fotos:
(i)Secretaria do Abastecimento de São Paulo (via Google imagens)
(ii)foradomanual.blogspot.com (via Google imagens)
- Bem a violência gera a violência, especialmente quando há atos brutais de covardia, como se dá com o touro acuado - esses toureiros efeminados só merecem chifradas mesmo.
Mau sinal.
Ai você considera um negócio até desonesto os rodeios, pela brutalização dos animais e um bando de idiotas aqueles montadores? Que podem se arrebentar no chão com os saltos do touro sofrendo pelas amarras na sua genitália? E você pensa alto:
- Tomara que se arrebentem, sabe.
Sinal de “perigo”. Você é um forte candidato ao vegetarianismo. Mas, saiba, você pode pensar ou tentar sem chegar a tanto. Porque o caminho é árduo. Mais fácil deixar de fumar mesmo que você nunca tenha fumado.
Começa assim:
Rejeita um bife de vez em quando, pensando no sofrimento da vaca, fala para o garçom passar reto com os espetos, se enche de salada, no queijinho assado e guarnições e disfarça.
Pergunta que ainda não vai calar:
- Você não está comendo carne? Esta picanha sangrenta está uma delícia.
Você mente:
- Sabe, hoje não estou me sentindo bem. Meu médico me recomendou não comer nada gorduroso.
Com o tempo você abole a carne vermelha e seguramente terá que explicar porque você assim decidiu e deverá estar preparado para responder os motivos:
Religioso? Filosófico? Regime especial? O quê, o quê, hem?
Você já começa a ser o diferente nos almoços de trabalho e sociais.
Nem uns hambúrgueres no McDonalds? Ah, tentação, com aquelas fritas sequinhas e um copo imenso de guaraná. Difícil, hem.
No churrasco com os amigos você fará “churrasco” de pão e molhinho. Conseguirá (mesmo) rejeitar a linguicinha e o coraçãozinho de frango no espeto?
Epa, mas o coraçãozinho é de frango, carne branca. Acho que vou avançar...
- Será que não vai mais comer nem frango, nem nada, você se questiona?
E responde:
- Sei não, acho que não vou, até porque a “produção” é também de imensa crueldade.
E a partir daí não tem jeito. Você se assume, quase vegetariano, não radical, porque não rejeita um peixe (já pensou o “filhote” assado, tentação!), uns nacos de bacalhau, uns frutos do mar, uns camarões...
Até que um dia no mercado você encara os olhos de peixe morto te assediando. Ah, não o peixe não!
E devagar você começa a se questionar. Afinal, o peixe não é de carne? Mas tão saborosa, tão cheia de vitaminas!
E vagarosamente começa a rejeitar o peixe:
- Será possível? Com vou explicar isso em casa? E nas minhas viagens, vou comer o quê?
A resposta vem espontânea:
- Avance nas saladas, no grão-de-bico, na soja temperada. Massa, meu amigo, mas cuidado com a barriga! As pizzas estão por aí, em qualquer canto tentando de dia e de noite.
Pronto, agora você é consumidor de brócolis, couves, abobrinhas refogadas e a milanesa, pimentões, quiabos e jilós, quibes e estrogonofe de composto (carne) de soja...e por aí vai! E frutas em profusão.
Que mudança, hem?
Ai, nos coquetéis você se obriga a perguntar ao garçom qual o recheio da empadinha com jeito apetitoso:
- É de palmito?
- Palmito e frango, responde exultante o garçom ávido por presenciar a gula coletiva.
Você rejeita a empadinha porque botou na cabeça que frango desfiado cheira pena molhada. Você pode degustar uns canapés de conteúdo não identificado. Feche os olhos e arrisque. Ou fique só no guaraná e na coca-cola...
Renúncias são renúncias.
E se prepare. Você faz uma visita a um velho amigo e em sua homenagem ele prepara língua ao molho pardo. Você faz tudo para não jogar o estômago no prato e dá uma desculpa a mais esfarrapada possível e só fica no arroz branco e no tomate da salada.
A esposa do seu amigo, constrangida, sugere fritar uns ovos, uma omelete.
Não, no ovo você ainda não chegou e não quer nem pensar! Você aceita, toma uns goles de vinho e tudo acaba bem. Todos alegres, contando causos e piadas. Exageros e gafes com os efeitos do vinho avançando.
Ainda bem, ainda bem. Eta dificuldade!
Com o tempo esses percalços deixarão de ocorrer. Não estranhe se você deixar de ser convidado para aqueles grandes encontros e reuniões regados a churrasco e linguicinhas. E chope, é claro.
Todos os seus amigos, seus familiares, descobrem que você é um chato.
Mas um chato feliz que torce pelo touro, sempre, sem crises de consciência.
Talvez você até entre em estudos filosóficos sobre o enigma da existência dos animais, o amor e o respeito que merecem. Aí você atingiu o clímax.
Fotos:
(i)Secretaria do Abastecimento de São Paulo (via Google imagens)
(ii)foradomanual.blogspot.com (via Google imagens)
02/05/2010
PESSIMISTA, MAS ESPERANÇOSO
Não há jeito. Qualquer autor, numa regra bem cerrada, escreve por experiência vivida, por conhecer episódios que o inspiram a escrever, mas sempre relatando passagens do passado. Ainda que escrita no presente, isto é, o relato se dando “hoje”. O cronista mais ainda. Ele também se vale de imagens do cotidiano ou de sua própria vida. No mais, se “viajar” para o futuro, entra no campo do prognóstico ou de ficção.
O ano de 1965 foi para mim, “de ouro”, de realizações que ficarão comigo para sempre. Lá eclodiam as músicas orquestradas por Ray Coniff, da jovem guarda com Roberto Carlos e a bossa nova com músicas lindíssimas todas ainda por aí. A adolescência estendida ou a maturidade postergada um pouco, as oportunidades que obtive ou que criei no meio estudantil de São Caetano do Sul ou na imprensa local deram-me naquele ano, quando deixava o colegial, um sentido de realização, de superação convivendo com amigos dedicados e verdadeiros. Nesse âmbito, sentira que “conquistara” a cidade.
Já naqueles idos deixara apenas um pouco de lado aqueles meus princípios e estudos esotéricos que tanto me haviam influenciado anos antes.
O rosacrucianismo, muito em voga então, foi para mim, pelos exercícios mentais que propunha, espécie de autoajuda. Todo esse conjunto e, depois o aprofundamento desses estudos, deram-me uma visão que hoje não poderei mais esquecer. Não poderei apagar de minha mente. Essas experiência ficaram comigo e me influenciam.
Lembro-me - e relato novamente se já o fiz -, quando no clássico, de um professor de filosofia, sujeito humilde, de pequena complexão, competente e culto, muito tolerante comigo porque suportava as minhas intervenções expondo esses princípios, em contraposição às suas valiosas lições em classe. Entoava, então, um samba sem ritmo e absolutamente desconexo que resultava, porém, em excelentes notas, eu que era péssimo aluno.
Foi desse tempo, não sei bem em que momento, embora reconheça alguma influência de minha falecida irmã, em que comecei a rejeitar com muita lentidão a carne vermelha e depois todas as outras. Essa renúncia é dificílima. Voltarei a esse assunto.
Em que momento comecei a me apegar aos animais? Talvez desde minha infância mas não me dera conta disso, então.
Alerto que durante minha vida profissional depois daqueles anos, fui obrigado a esquecer idealismos. Ora, idealismo sim, mas para servir a empresa, para garantia do seu lucro. Quantos vezes me vi naquelas quatro paredes, abatido, sentindo que as obrigações impostas pela empresa significavam não só para mim mas para muitos, verdadeiro “cemitério de talentos”.
Hoje, me situo nesse mundo louco. Deparo-me sim com jovens muito inteligentes e realizadores, mas não sou otimista.
O raciocínio “objetivo” predomina. Explico: esse raciocínio converte uma árvore centenária num valor econômico; uma mata sem qualquer valor desde que vire pasto, a extração da madeira a preço da devastação irresponsável, a predominância da proposição econômica em tudo. A violência política cuja marca indelével é o 11 de setembro – o ataque às torres gêmeas de Nova York. E hoje, precisamente hoje, a imensa mancha de óleo que cresce de modo assustador no golfo do México após a explosão e afundamento da plataforma de extração de petróleo sem que esses indivíduos que a controlavam tivessem sequer pensado numa alternativa em caso de desastre grave ou não. Lucro era e é palavra. Estamos condenados a assistir de novo aquelas cenas dolorosas de aves e animais marinhos em agonia, encharcados daquele óleo negro e bruto, inapelável.
O raciocínio “subjetivo” dá à mata seu valor como fonte de vida, não aceita sua destruição para converter sua área sagrada em pasto, que se emociona com um riacho ainda preservado e limpo longe da ação humana nefasta, não se envergonha em fazer poesia sobre suas belezas, sobre seus pássaros e borboletas, que não faz da vida uma proposição econômica como fim, mas como meio de sobrevivência digna. Que olha nos olhos dos animais e se pergunta como aquela vida se movimenta, como ela se dá, como é dirigida, quem a dirige? E a respeita.
A violência se propaga. Há uma disputa ferrenha pela conquista da tecnologia nuclear para fins não pacíficos. Afinal a violência humana cotidiana ceifa vidas por uma carteira sem dinheiro e quaisquer outros motivos fúteis. Ou uma bomba que ceifa dezenas de uma só vez. Há focos crescentes de desrespeito às crianças por toda sorte de violências. Há notória vinculação entre esses atos criminosos todos, espécie de encorajamento e inspiração maléfica.
Afinal, para onde vamos?
Há previsões apocalípticas do calendário maia que prevê o final dos tempos nos últimos dias de 2012, que coincidem com as profecias de Nostradamus. Não sei e nem me animo a ir além dessa citação. Se assim não for, estarei ingressando nos prognósticos ou na ficção, válidos, mas não aqui e agora.
Mas, merecemos um começar de novo. E como merecemos.
Sou pessimista, sim, mas esperançoso. Assumo a contradição entre os dois conceitos.
Por tudo isso, mesmo com os dois pés em 2010, sem reservas, me olho no espelho de 1965
Comparo e me emociono. Não por saudosismos imaturos, mas por comparar as realidades, hoje tão duras, amargas.
Foto: 1964 - minha participação num concurso de oratória no colégio.
O ano de 1965 foi para mim, “de ouro”, de realizações que ficarão comigo para sempre. Lá eclodiam as músicas orquestradas por Ray Coniff, da jovem guarda com Roberto Carlos e a bossa nova com músicas lindíssimas todas ainda por aí. A adolescência estendida ou a maturidade postergada um pouco, as oportunidades que obtive ou que criei no meio estudantil de São Caetano do Sul ou na imprensa local deram-me naquele ano, quando deixava o colegial, um sentido de realização, de superação convivendo com amigos dedicados e verdadeiros. Nesse âmbito, sentira que “conquistara” a cidade.
Já naqueles idos deixara apenas um pouco de lado aqueles meus princípios e estudos esotéricos que tanto me haviam influenciado anos antes.
O rosacrucianismo, muito em voga então, foi para mim, pelos exercícios mentais que propunha, espécie de autoajuda. Todo esse conjunto e, depois o aprofundamento desses estudos, deram-me uma visão que hoje não poderei mais esquecer. Não poderei apagar de minha mente. Essas experiência ficaram comigo e me influenciam.
Lembro-me - e relato novamente se já o fiz -, quando no clássico, de um professor de filosofia, sujeito humilde, de pequena complexão, competente e culto, muito tolerante comigo porque suportava as minhas intervenções expondo esses princípios, em contraposição às suas valiosas lições em classe. Entoava, então, um samba sem ritmo e absolutamente desconexo que resultava, porém, em excelentes notas, eu que era péssimo aluno.
Foi desse tempo, não sei bem em que momento, embora reconheça alguma influência de minha falecida irmã, em que comecei a rejeitar com muita lentidão a carne vermelha e depois todas as outras. Essa renúncia é dificílima. Voltarei a esse assunto.
Em que momento comecei a me apegar aos animais? Talvez desde minha infância mas não me dera conta disso, então.
Alerto que durante minha vida profissional depois daqueles anos, fui obrigado a esquecer idealismos. Ora, idealismo sim, mas para servir a empresa, para garantia do seu lucro. Quantos vezes me vi naquelas quatro paredes, abatido, sentindo que as obrigações impostas pela empresa significavam não só para mim mas para muitos, verdadeiro “cemitério de talentos”.
Hoje, me situo nesse mundo louco. Deparo-me sim com jovens muito inteligentes e realizadores, mas não sou otimista.
O raciocínio “objetivo” predomina. Explico: esse raciocínio converte uma árvore centenária num valor econômico; uma mata sem qualquer valor desde que vire pasto, a extração da madeira a preço da devastação irresponsável, a predominância da proposição econômica em tudo. A violência política cuja marca indelével é o 11 de setembro – o ataque às torres gêmeas de Nova York. E hoje, precisamente hoje, a imensa mancha de óleo que cresce de modo assustador no golfo do México após a explosão e afundamento da plataforma de extração de petróleo sem que esses indivíduos que a controlavam tivessem sequer pensado numa alternativa em caso de desastre grave ou não. Lucro era e é palavra. Estamos condenados a assistir de novo aquelas cenas dolorosas de aves e animais marinhos em agonia, encharcados daquele óleo negro e bruto, inapelável.
O raciocínio “subjetivo” dá à mata seu valor como fonte de vida, não aceita sua destruição para converter sua área sagrada em pasto, que se emociona com um riacho ainda preservado e limpo longe da ação humana nefasta, não se envergonha em fazer poesia sobre suas belezas, sobre seus pássaros e borboletas, que não faz da vida uma proposição econômica como fim, mas como meio de sobrevivência digna. Que olha nos olhos dos animais e se pergunta como aquela vida se movimenta, como ela se dá, como é dirigida, quem a dirige? E a respeita.
A violência se propaga. Há uma disputa ferrenha pela conquista da tecnologia nuclear para fins não pacíficos. Afinal a violência humana cotidiana ceifa vidas por uma carteira sem dinheiro e quaisquer outros motivos fúteis. Ou uma bomba que ceifa dezenas de uma só vez. Há focos crescentes de desrespeito às crianças por toda sorte de violências. Há notória vinculação entre esses atos criminosos todos, espécie de encorajamento e inspiração maléfica.
Afinal, para onde vamos?
Há previsões apocalípticas do calendário maia que prevê o final dos tempos nos últimos dias de 2012, que coincidem com as profecias de Nostradamus. Não sei e nem me animo a ir além dessa citação. Se assim não for, estarei ingressando nos prognósticos ou na ficção, válidos, mas não aqui e agora.
Mas, merecemos um começar de novo. E como merecemos.
Sou pessimista, sim, mas esperançoso. Assumo a contradição entre os dois conceitos.
Por tudo isso, mesmo com os dois pés em 2010, sem reservas, me olho no espelho de 1965
Comparo e me emociono. Não por saudosismos imaturos, mas por comparar as realidades, hoje tão duras, amargas.
Foto: 1964 - minha participação num concurso de oratória no colégio.
25/04/2010
AMARGURAS, A BUSCA DO REENCONTRO
Na obra prima de Dostoievski, “Crime e Castigo”, há cenas impressionantes. Histórias curtas dentro do enredo principal.
Uma delas é o patético relato do personagem Marmieládov, um alcoólatra inveterado que anula a família, deixa-a na miséria absoluta por conta do vício. Ao chegar à sua pobre moradia, sua penitência eram as surras que a mulher desesperada lhe impunha:
“– Isso me consola! Não creia que isso seja para mim um sofrimento, mas sim um prazer, senhor! – exclamou ele, enquanto Ekatierina Ivánovena lhe sacudia com força a cabeça, chegando mesmo a bater com ela no assoalho”.
O relato que faço é de ouvir contar, mas posso assumir que tem algum fundo de verdade - baseado em fatos “reais”.
Conheço o local em São Caetano: a adega, que não sei se ainda existe, ficava numa avenida que ia do centro até o rio Tamanduateí, cruzando a linha de ferro. A igreja é conhecida como a matriz “velha” da cidade e fica no bairro da Fundação.
A velha senhora todo o domingo, vindo do armazém passava na frente da adega. Num dia desses de sol, olhando para dentro daquele local cheio de sombras, sempre obscurecido e sórdido, foi assaltada, segundo ela, por visões aterradoras.
Conforme relatou à filha:
- Eu vi umas sombras horríveis lá dentro daquela adega, monstruosas, rindo debochadas dos bêbados, se misturando com eles, encostadas nas suas narinas como se tirasse o oxigênio delas dali.
- Mamãe, a senhora não viu nada, a senhora tomou muito sol na cabeça. Está muito calor. Venha que lhe dou um copo de água geladinha e depois deite-se um pouco no sofá!
- Não adianta você duvidar. Eu vi, eu vi e jamais vou esquecer.
No relato de um sonho aterrador que assalta o personagem Raskólnikov,no “Crime e Castigo” no qual há a descrição pavorosa de bêbados massacrando até a morte uma frágil eguazinha, o grande autor russo descreve as imediações da taberna:
“Havia sempre ali uma turba que berrava, ria, se enfurecia e brigava, ou que cantava com voz rouca coisas de apavorar! Nos arredores da taberna sempre andavam bêbados de rostos horríveis!... (...) A passagem que conduz à taberna está sempre coberta de uma poeira negra”.
Mal sabia aquela velha senhora que, cerca de uma hora depois de ter visto aquelas sobras horríveis em volta dos embriagados, deu-se um fenômeno inexplicado.
Um desses alcoólatras de fim-de-semana e às vezes de meio de semana, completamente tonto por tudo o que bebera, ergueu o copo como se fosse um troféu, voltou-se para o sol lá fora e ergueu a cabeça para o último gole, a última gota.
Olhou para o fundo do copo, a luz do sol penetrou por ele, como um caleidoscópio. Como se levasse um violento soco no estômago, curvou-se, cambaleou para trás e caiu sentado violentamente, como se toda a gravidade lhe puxasse para baixo. O copo espatifou-se no chão. Encostou-se sentado no balcão, naquele chão imundo, sem que os demais companheiros de copo lhe dessem qualquer atenção ou ajuda. Porque aquele tipo de coisa não era incomum. Alguns até caiam pelas sarjetas.
Passaram-se os minutos, até que o dono da adega, já preocupado, deu a volta no balcão, varreu num canto os cacos do copo e ergueu o ébrio sem qualquer consideração:
- Vai embora, é hora de ir embora.
Com a ajuda, levantou, cambaleando, curvado com dores terríveis no estômago.
Aos trancos e barrancos chegou em casa. O portão estava aberto como se fosse esperado. A porta destrancada. Olhou para a mulher com os olhos vermelhos porque chorara, para os filhos envergonhados, o almoço já frio no fogão, desviou-se de todos e foi para o quarto.
Sentou-se na cama, cobriu o rosto com as duas mãos, chorou copiosamente e ali ficou por horas.
Envergonhado, nada comeu e no dia seguinte, servindo-se do café ralo com pão seco o possível naquela situação, sem erguer os olhos, a ressaca horrorosa afetando sua mente, dores horríveis no estômago foi para o trabalho que lhe restava. Ainda.
O que viu naquele caleidoscópio do fundo do copo? Nunca revelou. Nunca se soube.
Depois daquele domingo, muitas vezes foi visto, quando aberta, sentado num canto da velha matriz, com as duas mãos cobrindo o rosto e ali permanecia alguns minutos, creio que num processo de reencontro consigo mesmo, nem tanto de fé.
Aqueles momentos de solidão, ademais, eram cruciais, a fronteira entre o antes ou depois do almoço, quando o aperitivo apetece e, não resistindo à tentação, poderia fazê-lo voltar à adega, mesmo com a dor de estômago e tudo que despontava sempre que pensava nisso.
Não saberei informar o desfecho deste relato. Perdi o contato com quem poderia me informar. A única coisa que posso dizer é que torço muito para que tenha ele se reencontrado e nesse caso obtido verdadeira redenção. Torço.
Foto: Matriz "velha" de São Caetano (Google Imagens)
Uma delas é o patético relato do personagem Marmieládov, um alcoólatra inveterado que anula a família, deixa-a na miséria absoluta por conta do vício. Ao chegar à sua pobre moradia, sua penitência eram as surras que a mulher desesperada lhe impunha:
“– Isso me consola! Não creia que isso seja para mim um sofrimento, mas sim um prazer, senhor! – exclamou ele, enquanto Ekatierina Ivánovena lhe sacudia com força a cabeça, chegando mesmo a bater com ela no assoalho”.
O relato que faço é de ouvir contar, mas posso assumir que tem algum fundo de verdade - baseado em fatos “reais”.
Conheço o local em São Caetano: a adega, que não sei se ainda existe, ficava numa avenida que ia do centro até o rio Tamanduateí, cruzando a linha de ferro. A igreja é conhecida como a matriz “velha” da cidade e fica no bairro da Fundação.
A velha senhora todo o domingo, vindo do armazém passava na frente da adega. Num dia desses de sol, olhando para dentro daquele local cheio de sombras, sempre obscurecido e sórdido, foi assaltada, segundo ela, por visões aterradoras.
Conforme relatou à filha:
- Eu vi umas sombras horríveis lá dentro daquela adega, monstruosas, rindo debochadas dos bêbados, se misturando com eles, encostadas nas suas narinas como se tirasse o oxigênio delas dali.
- Mamãe, a senhora não viu nada, a senhora tomou muito sol na cabeça. Está muito calor. Venha que lhe dou um copo de água geladinha e depois deite-se um pouco no sofá!
- Não adianta você duvidar. Eu vi, eu vi e jamais vou esquecer.
No relato de um sonho aterrador que assalta o personagem Raskólnikov,no “Crime e Castigo” no qual há a descrição pavorosa de bêbados massacrando até a morte uma frágil eguazinha, o grande autor russo descreve as imediações da taberna:
“Havia sempre ali uma turba que berrava, ria, se enfurecia e brigava, ou que cantava com voz rouca coisas de apavorar! Nos arredores da taberna sempre andavam bêbados de rostos horríveis!... (...) A passagem que conduz à taberna está sempre coberta de uma poeira negra”.
Mal sabia aquela velha senhora que, cerca de uma hora depois de ter visto aquelas sobras horríveis em volta dos embriagados, deu-se um fenômeno inexplicado.
Um desses alcoólatras de fim-de-semana e às vezes de meio de semana, completamente tonto por tudo o que bebera, ergueu o copo como se fosse um troféu, voltou-se para o sol lá fora e ergueu a cabeça para o último gole, a última gota.
Olhou para o fundo do copo, a luz do sol penetrou por ele, como um caleidoscópio. Como se levasse um violento soco no estômago, curvou-se, cambaleou para trás e caiu sentado violentamente, como se toda a gravidade lhe puxasse para baixo. O copo espatifou-se no chão. Encostou-se sentado no balcão, naquele chão imundo, sem que os demais companheiros de copo lhe dessem qualquer atenção ou ajuda. Porque aquele tipo de coisa não era incomum. Alguns até caiam pelas sarjetas.
Passaram-se os minutos, até que o dono da adega, já preocupado, deu a volta no balcão, varreu num canto os cacos do copo e ergueu o ébrio sem qualquer consideração:
- Vai embora, é hora de ir embora.
Com a ajuda, levantou, cambaleando, curvado com dores terríveis no estômago.
Aos trancos e barrancos chegou em casa. O portão estava aberto como se fosse esperado. A porta destrancada. Olhou para a mulher com os olhos vermelhos porque chorara, para os filhos envergonhados, o almoço já frio no fogão, desviou-se de todos e foi para o quarto.
Sentou-se na cama, cobriu o rosto com as duas mãos, chorou copiosamente e ali ficou por horas.
Envergonhado, nada comeu e no dia seguinte, servindo-se do café ralo com pão seco o possível naquela situação, sem erguer os olhos, a ressaca horrorosa afetando sua mente, dores horríveis no estômago foi para o trabalho que lhe restava. Ainda.
O que viu naquele caleidoscópio do fundo do copo? Nunca revelou. Nunca se soube.
Depois daquele domingo, muitas vezes foi visto, quando aberta, sentado num canto da velha matriz, com as duas mãos cobrindo o rosto e ali permanecia alguns minutos, creio que num processo de reencontro consigo mesmo, nem tanto de fé.
Aqueles momentos de solidão, ademais, eram cruciais, a fronteira entre o antes ou depois do almoço, quando o aperitivo apetece e, não resistindo à tentação, poderia fazê-lo voltar à adega, mesmo com a dor de estômago e tudo que despontava sempre que pensava nisso.
Não saberei informar o desfecho deste relato. Perdi o contato com quem poderia me informar. A única coisa que posso dizer é que torço muito para que tenha ele se reencontrado e nesse caso obtido verdadeira redenção. Torço.
Foto: Matriz "velha" de São Caetano (Google Imagens)
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