13/09/2019

A DEVASTAÇÃO DA AMAZÔNIA COMO ESCREVI NO INÍCIO DO SÉCULO

Os textos são longos e tratam do tema muito caro para mim: o ambiental e, principalmente, a preservação da Amazônia.

Nos blogs que ainda detenho, de fácil acesso, são dezenas de artigos nessa linha ecológico-ambiental, mas publicado na imprensa regional dos quais recuperei três deles.

Eu os estou disponibilizando mais para meus registros ficando de livre acesso aos eventuais interessados e curiosos. São eles:

1. Jornal de Piracicaba (Editorial) de 15.10.1997: “Fazedores de Desertos”, partindo de texto sobre a queimada nas florestas, em “Os Sertões” de Euclides da Cunha;

2. Folha do ABC de 06.09.2003: “Um mundo em devastação” no qual aponto aspectos da poluição ambiental no mundo incluindo os absurdos testes nucleares;

3. Folha do ABC de 10.01.2004: “A Amazônia e a devastação” no qual dou destaque a um relatório ministerial que então revelava já no estágio grave de devastação que 25% da área devastada estava abandonada.
Acessar
4. INPE: Artigo mais recente de 30.08.2010, “Queimadas e Devastações”, publicado originalmente na plataforma “Vote Brasil”, extinta, foi transcrito no portal do INPE. Acessar:http://queimadas.cptec.inpe.br/~rqueimadas/material3os/queimadas_e_devastacoes.htm
Reconheço que o desflorestamento não se contém há décadas.
Mas, agora, é o que resta a ser preservado.

 Os artigos são estes:

JORNAL DE PIRACICABA de 15 de outubro  de 1997

FAZEDORES DE DESERTOS                  
                                                                                    
         
                     “Esquecemo-nos, todavia, de um agente
                      geológico notável – o homem.
                      Este, de fato, não raro reage brutalmente
                      sobre a terra e entre nós, nomeadamente
                      assumiu, em todo o decorrer da história,
o papel de um terrível fazedor de desertos.
Começou isto por um desastroso legado
indígena.
Na agricultura primitiva dos silvícolas era
instrumento fundamental – o fogo”

A citação acima, refere-se aos desertos provocados na região do nordeste com as queimadas praticadas de modo devastador que, ao longo do tempo, foi devastando imensas áreas de “flora estupenda”.

Essa citação, não foi extraída de algum manual de  entidade ecológica, entre tantas nacionais e internacionais que criticam a omissão brasileira na questão das queimadas havidas na floresta amazônica. 

Ela é de autoria de ninguém menos que Euclides da Cunha, ao estudar “a terra” em seu livro “Os Sertões”, cuja primeira edição apareceu em 1902.

Esse consagrado autor, já então no início do século, demonstrando certa perplexidade e amargura, apontava o absurdo das queimadas para abrir espaços para a atividade pastoril ou, “ao mesmo tempo o sertanista ganancioso e bravo, em busca do silvícola e do ouro”.

Décadas e décadas se passaram e a prática do fogo continuou destruindo desordenadamente as florestas brasileiras, praticamente extinguindo a mata atlântica e agora, em proporções assustadoras, a própria selva amazônica.

É brutal a omissão oficial a essa calamidade, cuja fumaça cega transeuntes, fecha aeroportos e dificulta a respiração de crianças, exatamente na região antes conhecida como o “pulmão do mundo”, qualificativo que fora um orgulho para nós brasileiros.

À omissão, alia-se o absoluto desrespeito à vida, pela natureza e pelo mistério das matas virgens, com as milhares de vidas que sustentam, levadas de roldão, inapelavelmente, pelo fogo.

Pois esses indivíduos que exploram madeira na Amazônia, não costumam chamar de  “pau” uma árvore com dezenas de anos, exuberante, em vias de ser cortada para ser vendida às serrarias estrangeiras ? Não a transformou em mera mercadoria ? Em vil metal ?

Nos dias de hoje, fala-se muito em ecologia nos discursos, nas solenidades simbólicas de plantio de árvores, nas escolas  mas, na prática, a realidade é dolorosa, assustadora, devastadora.

As autoridades que poderiam reverter esse processo criminoso omitem-se, fecham os olhos ao se depararem com a fumaça das queimadas e se voltam para a política barata, ao supérfluo, às questiúnculas partidárias, à vaidade, à tolice.

Há projetos de implantar o ensino permanente de ecologia nas escolas, de ordem que, no futuro, as crianças de hoje, cuidem da natureza, devotem mais amor por ela. Mas, o futuro já corre sérios riscos. O grave problema se verifica no presente. As ações devem ser tomadas agora, energicamente, de tal maneira que sobre algo para ser cuidado no futuro. Que valha a pena.

 O desrespeito chegou ao insuportável. O despreparo das entidades oficiais em enfrentar tais crimes é desanimador.

Chega a ser patético. As entidades não governamentais (ONGs), por sua vez, apenas denunciam e denunciam, mas não saem a campo em campanhas de protesto e de conscientização. E as queimadas abomináveis continuam.

Há mais de vinte anos, a revista “O Correio da Unesco”, reportava-se  ao “Avanço do Deserto” na Terra, esclarecendo uma das reportagens:

“Muitos acreditam que os desertos do Oriente Médio e da região mediterrânea foram criados pelo homem. Há dois ou três mil anos, as vertentes e as planícies do Líbano, da Síria, o litoral do Egito e da Tunísia eram cobertos por rica vegetação (lembremos os famosos cedros do Líbano)  e forneciam a Roma grandes quantidades de madeira, cereais, azeitonas, vinho e outros produtos. O abate de árvores, a destruição das florestas e da vegetação herbácea e o pisoteio das pastagens, juntamente com a erosão pelo vento e pela água, transformaram esses territórios em semidesertos”.

Incluindo as queimadas que em muito aumenta a gravidade da tragédia, estamos seguindo exatamente essa receita. A de construirmos desertos na região mais exuberante do planeta: a Amazônia.

Esse quadro desolador no “atacado”, se manifesta também no “varejo” em todas as cidades.

Árvores das ruas são cortadas indiscriminadamente, com a tolerância das autoridades, ora porque “fazem sujeira” com as folhas, porque dão sombra, porque danificam o asfalto e ora porque “esteticamente” incomodam o cidadão intolerante e insensato.

E, sem qualquer reflexão, às centenas, as árvores vão sendo cortadas das ruas sem serem substituídas, permanecendo seu toco como um alerta à insensibilidade humana.

É chegada a hora, sim, de olharmos para o futuro e para nossas crianças, de tal ordem que vivam num mundo mais respeitoso com a natureza. Que, ainda que numa mera poesia, se inspirem na simpatia que deve existir entre uma árvore e o homem.

 Entre os animais e os homens e entre estes e a água, um elemento vital, preocupante, também descurado.

No que conta sobre a preservação das águas, são os  discursos com as mesmices de sempre, promessas, decorrendo, ocasionalmente, medidas paliativas e modestas. No caso da fumaça das queimadas, fecham-se os olhos. No caso da água, tapam-se as narinas para não sentir o cheiro putrefato dos rios ou dos peixes mortos pela poluição.

Até quando a omissão? 





FOLHA DO ABC de 06 de setembro de 2003

UM MUNDO EM DEVASTAÇÃO


Não sei bem quando, mas talvez desde que me "conheço por gente" (frase inédita, não?) sou ferrenho defensor da natureza e dos animais — com estes só tive experiências de carinho e amor. Falarei oportunamente sobre essas experiências.

Por ora, direi de um modo amplo na velocidade de um desabafo.

Já não é de hoje que se filosofa em cima duma amarga realidade: a natureza devolve aquilo que recebe, embora pela sua força de recuperação, um milagre, quando deixa de haver a interferência do homem, ela volta a recompor áreas devastadas, dentro de suas possibilidades.

Sem muito destaque, noticia-se vez por outra o grave problema do aquecimento global não só pelo desmatamento mas pelo excesso de poluentes lançados na atmosfera. E as catástrofes que tudo isso provoca.

O maior poluidor do mundo, os Estados Unidos, não se preocupam em introduzir controles efetivos para a poluição industrial agravando seriamente o problema. Se controle houver, será por iniciativa privada, nunca pela ação efetiva do governo americano que considera essa uma preocupação secundária, a ser assumida pelos os "tolos” que desejarem fazê-lo.

Essa soma de desmandos vai fazendo suas vítimas. O calor intenso que surpreende a Europa — embora os especialistas não atribuam aumento da temperatura apenas à poluição, porque fora um fenômeno previsto para 2003 naquele Continente — deve servir como alerta porque a continuar o nível de devastação e poluição produzidas, essas anomalias tendem a ser "normais" daqui para futuro.

Com esse calor intenso, só na França, em razão dele, morreram 12 mil pessoas.

Isso não é pouco.

Entre nós, de muito pouco podemos nos vangloriar. A motosserra trabalha incansavelmente e de modo insano, tanto  na Amazônia e no pouco que resta da mata Atlântica, ora para captar madeira nobre, ora para produzir carvão, ora para aumentar pastos, significando nesse caso, que as áreas devastadas ficam a um passo da desertificação.

Esse efeito também se dá em razão das imensas plantações de grãos, embora seja imperioso preservar áreas verdes nessas plantações de tal ordem a garantir um mínimo de equilíbrio.

E esses assuntos não são levados tão a sério pela mídia.

Cansa, por exemplo, todo "santo" dia, sabermos que o dólar subiu ou desceu um centavo, que o risco Brasil variou para mais ou para menos — um índice que nem mesmo seus idealizadores internacionais dão a importância técnica que se dá por aqui — e se a "nasdaq" flutuou para cima ou para baixo — matérias absolutamente irrelevantes
do ângulo da vida. Enquanto isso, o placar da devastação ou do bom exemplo ecológico constitui-se matéria secundária, normalmente divulgada, no caso da televisão, em horários de pouca afluência.

Na Encíclica 'Centésimo Ano' de 1991 (que comemorou os cem anos da Encíclica `Rerum Novarum'), o papa João Paulo II  posiciona-se sobre a ecologia acentuando que a humanidade com seu consumismo exacerbado vem produzindo a "destruição insensata" do meio ambiente ("Pensa que pode dispor arbitrariamente da terra, submetendo-a sem reservas à sua vontade como se ela não possuísse uma força própria..."). E eu me pergunto, nessa linha de raciocínio, como é possível um mandatário pensar nos dias de hoje em fazer testes atômicos, num planeta já tão sofrido?

Afinal, o que querem esses vândalos, esses matadores rancorosos sem causa e esses devastadores que convertem a natureza numa moeda qualquer, no vil metal? Que num círculo vicioso de intensa interligação multiplicam pelos seus atos, a violência sórdida que vai se banalizando, um alimento indigesto no nosso dia-a-dia?

Para que a vida no seu conjunto tenha valor será preciso mudar a mentalidade universal, iniciando-se um processo de reeducação, de valor ecológico, de preservação, porque mesmo coma alta tecnologia (ou por causa dela), constatam-se dificuldades imensas no planeta a começar pela carência de água potável em países diversos, um problema que tendo a se agravar.

Individualmente, começarmos a dar valor às (supostas)  pequenas coisas, às coisas "simples": a uma fonte d'água, algo sagrado, a uma floresta, a um beija-flor, ao replantio onde possa ser recuperado o que foi devastado, à recuperação de um rio poluído, como um desafio fundamental, necessário...

Na realidade, longe da pieguice, há que haver um esforço na conquista do “amor global”, "ecológico" porque ele é simples e transmite essa simplicidade fundamental.







FOLHA DO ABC de 10 de janeiro de 2004

A AMAZÔNIA E A DEVASTAÇÃO

Preparado por 12 Ministérios um relatório, abordando a devastação da selva Amazônica, revelou o óbvio que pode ser resumido em poucas palavras: o desmatamento é acelerado e celerado. Antes de trazer os números da devastação divulgados nesse relatório, preciso dizer que não acredito numa ação firme desse governo para conter com a autoridade necessária esse quadro de abuso que, na verdade, diga-se desde logo, repete a mesma postura de todas as administrações anteriores.

Vejo na ministra Marina Silva um sem número de qualificativos: sua origem humilde, seu esforço pessoal para superar dificuldades, sua identificação com a mata e sua ligação com os ideais do preservacionista Chico Mendes.

Mas, daí a impor o nível de autoridade necessária para dar um basta nessa insanidade que se pratica na Amazônia, há uma longa distância.

E. por isso, sou pessimista no que concerne à sua estada na pasta do Meio Ambiente.

Ademais, o mundo se move por valores econômicos. Sabe-se diariamente como se comportaram as bolsas de valores do mundo inteiro. E nesse contexto, o dos "valores econômicos”, nele se inclui a lavoura e a pecuária, a madeira, ainda que, para a expansão devas atividades, pague-se um preço humano elevado, qual seja, do desmatamento desenfreado, sem medir as consequências para as futuras gerações.

Há pouco. num artigo simples mais altamente revelador publicado no jornal "O Estado" (título: "Indignação e fatalismo na Amazônia"), o cientista José Goldemberg. a propósito do nível de devastação que se constata na Amazônia, parece concluir nas entrelinhas que tal estado de gravidade não causa a indignação que seria esperada.

São suas palavras:

"Há no Brasil muitos acontecimentos que provocam - ou deveriam provocar - nossa indignação, mas não há nada na escala do que está acontecendo na Amazônia, a última das grandes florestas tropicais remanescentes".

Realmente, a questão ecológica não se constitui, efetivamente, numa grande preocupação nacional, há muito mais "dar de ombros" oficial do que indignação salvo no meio de grupos privados esclarecidos que alertam para as consequências permanecendo o desrespeito à flora e à fauna, como o que vem sendo praticado na Amazônia.

É "compreensível" essa omissão.

Afinal, as gerações futuras que resolvam o problema! Ora, os efeitos não são imediatos, mesmo que já sejam graves e urgentes...

Eis alguns números do relatório (fonte: jornal "O Estado" de 31.12.03):

. Área total estimada de devastação na Amazônia: 631 mil km2 ou 15,7% de toda a floresta;

. Área devastada entre agosto/01 a agosto/02: 25.500 km2, significando aumento de 40% em relação aos meses anteriores. Tal extensão é maior do que o estado de Sergipe;

. Estão abandonados cerca de 25% da área total desmaiada (165 mil km2) c isso não é pouco, correspondendo a uma área maior que o estado do Ceara;

. A pecuária é responsável por cerca de 80% de toda a área desmatada: o plantio da soja cresceu 57% entre 1999 e 2001 significando efetiva participação no desmatamento desordenado e sem controle oficial. E há, ainda, a ação implacável das madeireiras, muitas na ilegalidade que sobrevivem apenas pela falta de fiscalização.

Não deixa de acentuar José Goldemberg, que na extensão maior da Amazônia o solo é arenoso. E, nessa realidade. "o solo é paupérrimo, a floresta é mantida graças ao equilíbrio do ecossistema". Sendo assim, torna-se improdutivo em pouco tempo, o que explica o abandono da imensa área devastada (165 mil km2).

Há, pois, um imenso desafio se a matéria for tratada com o cuidado c premência que ela exige e que consiste no manejo sustentado, respeitoso com a mata e a fauna que ela contém.

Mas. como acima dito. sou pessimista quanto a qualquer medida enérgica do governo nessa linha, até mesmo pelo retrospecto conhecido, de omissão.

Vejam, como este país continental, mas pobre, tem seus exageros, seus atos megalômanos e antiecológicos: o Brasil está comemorando a impressão do maior diário oficial do mundo. Com efeito, a edição do dia 19 de dezembro último, o jornal oficial federal circulou com 5.700 páginas, devendo assumir posição de destaque no livro dos recordes (-Guinness Book").

A explicação: a Constituição exige a publicidade de todos os atos oficiais...

Perguntar não ofende: quantas árvores foram derrubadas para produzir apenas um exemplar desse diário oficial, verdadeira aberração? E uma centena? E os milhares de exemplares da edição toda?

Paro por aqui, indignado, diga-se.






03/09/2019

DESFECHO DE UMA VIDA SIMPLES



Os tempos de infância, lembrava-se saudosos. Afinal, chegara aos 80 anos e surpreendia a todos por sua incrível lucidez e disposição.

Quando lhe perguntavam qual o secredo, não respondia muito naqueles padrões normalmente atribuídos a outros idosos: "muito vinho e alegria", "comi tudo que tinha direito..."

Sua resposta era:

- Não fumei jamais, bebi pouco e ando bastante, dando preferência em visitar áreas verdes. De há muito minha dieta de carne é quase nula. Se isso for realmente uma receita de longevidade, não sei. Mas, eis-me aqui.

- Como assim:

- Bem, o cigarro encurta a vida, o vinho faz, ainda, parte dos meus dias solenes, o verde cuidado tem algo de divindade e quanto à carne tenho muito dó dos animais. Nem quero pensar no terror dos matadouros.

Nas suas meditações sobre a longa existência, retornava à juventude e mesmo à infância, sem qualquer rigor cronológico. Algumas cenas lhe martelavam a mente e o coração.

Nesses momentos, entrava num processo nostálgico, saudoso, até um pouco confuso. Sua infância relativamente feliz, o retrato mental de sua mãe que falecera quando ele tinha apenas 9 anos eram imagens preciosas. Pareciam um sonho. Será que não eram mesmo? Momentos de felicidade, geralmente fugazes,  não ficam na mente como um sonho?

Coisa estranha envelhecer :

- Sermos sempre nós mesmos e, no entanto, não sabermos explicar, ou entender esse evento irreversível da velhice e mesmo da morte.

Meus ídolos estão indo embora antes de mim.

Completados 80 anos – a mesma idade de seu pai -, tomara uma decisão: de trem, meio em segredo para não despertar os cuidados dos filhos e netos - era viúvo - voltaria à cidade natal e, no casebre onde tivera uma inesquecível experiência em sua infância, faria uma reflexão. Seria como que uma despedida daqueles velhos tempos de ternura que ainda o emocionavam tantos anos depois.

Sim, seria bom fazer uma oração no casebre, velho casebre se ainda preservado, sombreado por três gigantescas árvores.

Lembrava-se bem. Num dia de chuva pesada, refugiara-se no casebre invocando emocionado a imagem de sua mãe. Num dado momento, porém, em vez de estar encostado na rústica parede da pequena habitação, ouvindo a chuva descendo pelo telhado mal conservado, viu-se recostado no colo de sua mãe, recebendo dela, carinho, beijos na têmpora e frases de que onde se encontrava, não estava morta e, de lá, zelava por ele.

Não se assustou com a presença de sua mãe. Somente as crianças, naqueles tempos em que crianças eram crianças, podiam compreender momentos como esse. E não chorou mais, porque sua mãe, serena, sem as marcas da insidiosa doença que a consumira, assim pedira.

Com tudo isso em mente, tentaria retornar àquele local de árvores agora centenárias e seus passarinhos soltos, pipilando alto a liberdade sem a entender. Certamente a última visita àquelas paragens onde fora feliz ao lado dos seus pais e irmãos.

No dia seguinte, bem cedo, com sua velha Bíblia na mão, livro que começara a conhecer, conforme planejara, tomou o trem, rumando para sua cidade. Deixara um breve bilhete para sua filha. Viagem longa, cansativa, facilmente suportada, porém, pela sua disposição conseguida por caminhadas regulares.

Chegou no fim da manhã. Apressadamente, para aproveitar o sol, tomou o ônibus que o levaria àqueles sítios de sua infância.

Depois, pensaria no pernoite, provavelmente na casa de um sobrinho, se houvesse tempo para localizá-lo. Caso contrário, o hotelzinho da cidade seria a solução.

Mais meia uma hora e pouco de viagem, eis que chegou ao ponto de desembarque. Desceu ansioso do veículo, notando que havia, ainda, muitas paisagens de sua época. O riacho que agora abastecia a cidade, embora mais poluído, a igrejinha da comunidade num ponto mais alto, branca e todos aqueles sítios.

Caminhou a pé até a propriedade que fora um dia de sua família. Quando venceu a pequena subida, algum sentimento de perda antecipadamente lhe apertava o coração. A decepção fora terrível. Não encontrou mais suas árvores centenárias, mal reconhecendo o local do casebre. Uma estrada de ligação de sua cidade, com a rodovia principal passaria por ali: 
“a natureza dera lugar ao progresso”, pensou, inspirando-se numa placa que lera nalgum lugar algum dia.

Com profunda mágoa, aproximou-se do local onde certa vez fora consolado por sua mãe sem dar atenção às máquinas ruidosas que se movimentavam arrancando árvores ainda, emocionado, ajoelhou-se no chão de terra batida.


Olhou em sua volta, viu a violência, via as máquinas embaçadas pela fumaça ou por seus olhos úmidos como um pesadelo. Como não previra ou compreendera que o progresso poderia chegar um dia àquelas plagas?

Sob os olhares atônitos dos operários simples que ali estavam, naquele chão batido, sem grama ou eras, sem a sombra das árvores, fez sua reflexão.

Abriu ao acaso sua Bíblia - como aprendera em aulas de filosofia; a professora assim fazia e num tipo de jogo incentivava os alunos a encontrarem sentidos mais profundos aos versículos assim abertos - e em Isaías 60:18, leu em silêncio a mensagem que não entendera bem mas que a relendo, a entendera plenamente:

"Nunca mais haverá violência na tua terra; de desolação ou destruição nos teus termos; mas aos teus muros chamarás salvação; e às tuas portas louvor".

- Eu sei qual será minha terra, meu Deus. E as portas que louvarei.





                       

08/07/2019

OS ROBÔS e EU E A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL


Lá pelos idos da década de 70, eu assentava meus filhos pequenos no banco traseiro do Dodginho (Chrysler) e saía pelo ABC e São Paulo nalguns passeios e regularmente à rua 7 de Abril numa lanchonete "Jack in the box" (acho que não existe mais ali) sofisticada e todos lanchando os abomináveis hamburgueres, inclusive de linguiça.

Argh!

Nessas idas de vindas, para acalmar as criança impacientes lá atrás, eu contava histórias e, repetindo muitas vezes, o primeiro conto do livro "Eu Robot", de Isaac Asimov que fora lançado em 1950.

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É a história do robô mudo Robbie, espécie de ama-seca da menina Glória com quem interage como se humano fosse.

A mãe de Glória implica com a máquina que poderia ser perigosa até o ponto em que Robbie é devolvido ao fabricante.

Glória sofre muito com a separação, sempre esperando que Robbie volte:

— "Por que está chorando, Gloria? Robbie era apenas uma máquina, uma máquina velha e feia (...) 
— “Ele 'num' era nenhuma máquina!”, gritou Gloria ferozmente. Ele era uma ‘pessoa’, como eu e você; e era meu amigo. Quero Robbie de volta."

Até que depois de um tempo por injunção do pai a família visita a fábrica para mostrar à menina que os robôs não passavam de máquinas que se movimentavam.

Quando Glória, ao longe, avista Robbie, corre em sua direção sem perceber que perigosamente se aproximava um trator pesado na iminência de atropela-la mortalmente.

Robbie avança e a salva a tempo.

O robô já obsoleto, então, é aceito de volta à casa cuidando da menina Glória.

Esse conto de Assimov fazia muito sucesso entre os meus filhos pequenos.

Logo na abertura, o livro dá a conhecer as três leis da robótica:

1) um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal; 2) os robôs devem obedecer às ordens dos humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a primeira lei; e 3) um robô deve proteger sua própria existência, desde que não entre em conflito com as leis anteriores. 

Será que essas leis serão, afinal, cumpridas?

Porque, além da robótica e da automação, a inteligência artificial, hoje, avança com a celeridade nunca pensada.

No meu artigo, "Temas de Relações Trabalhistas" publicado em março de 1983 na Revista Jurídica LTr, entre os vários temas de interesse me referi ao avanço da automação e introdução de robôs nas linhas de montagem da indústria automobilística.

Tudo nesse tempo e nesse tema havia lá suas desconfianças,  descrenças e até "profecias".

A introdução dessas máquinas trazia indagações até ilustradas com um acidente do trabalho fatal que chamaria a atenção para o "milagre japonês" e seu eficiente sistema de robôs, que já ia sendo a implantado intensamente. A morte do operário japonês Kenji Urada, de 37 anos, for noticiada com detalhes: 

"Urada morreu quando tentava consertar um requintado robô, vendido ao preço de 46 mil dólares (...) que distribui peças a máquinas montadoras de caixa de câmbio para automóveis e pode ser programado, ainda, para trabalhos de soldagem e pintura. E morreu por ter desrespeitado normas básicas de segurança. Ele pulou a corrente que circunda o robô a alguns centímetros do solo — quando o correto seria utilizar-se de uma portinhola que, aberta, o desativaria de imediato. O operário preferiu desligar a máquina com as próprias mãos, mas, depois, tocou inadvertidamente no mesmo botão. Colhido no peito pelo braço de aço do robô, Urada teve morte instantânea". (1)

Os robôs nos meios de produção geraram polêmica. Os sindicatos reconheciam que a automação tendia a substituir trabalhadores. Alguns setores industriais foram adotando robôs apenas para atividades insalubres ou penosas.

Mas, essa tecnologia com os resultados que trazia (e traz) não ficara só nisso.

Em meio à essa polêmica anunciaram-se estudos identificadores do impacto dos robôs sobre a mão-de-obra, com intuito de determinar regras para sua implantação.

Nunca soube desses estudos e quais regras, tanto que os robôs devagar foram sendo instalados em diferentes atividades da produção, especialmente na indústria automobilística.

Já se disse eu digo tanto quanto, que os robôs são incansáveis, o seu ambiente é limpo, não são sindicalizadas, não descansam, não fazem greve e são extremamente lucrativos, porque não há salários e não há encargos adicionados.

E o que nos reserva o futuro com o avanço dos robôs?

(...) no fim deste século, a máquina terá provavelmente alcançado o "homo sapiens". "Dentro de 20 ou 30 anos — diz Hans Moravec, "pai" do robô de nove olhos — as máquinas serão tão inteligentes quanto nós. 

E concluía:

"A longo prazo os humanos não terão outra coisa senão abdicar". (2)

Essa "profecia" é de 1981. 

Nesse diapasão, a automação e os robôs nas empresas dos mais variados ramos tornaram-se realidade irreversível.

Os homines sapientes naquelas profissões menos especializadas, foram substituídos em larga escala, não por abdicação, mas por exoneração inevitável. Os robôs fazem com precisão milimétrica inumeráveis atividades antes desenvolvidas por dezenas de profissionais.

Quando escrevi aquele artigo, em 1983 havia poucos meses, eu deixara de trabalhar na Chrysler do ABC que encerraria suas atividades logo depois. As instalações foram adquiridas pela VW.














Linha de montagem do Dodge Polara - Chrysler  (SBC) - em 1973  movimentação manual.

Sob a linha, operadores agachados em trabalhos de montagem manual. 

A linha de montagem Dodge embora automática era lenta, e a produção toda manual razão pela qual me chamava a atenção os avanços iniciais da automação.

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Linha de montagem moderna, automatizada com robôs e alta tecnologia. Poucos operadores.

Em 1989 já seis anos longe da indústria automobilística, conheci essa linha da Chrysler em Detroit. A operação na montagem dos carros era muito rápida: começava num extremo a configuração das carcaças e no final da linha os carros saíam praticamente prontos e, pela ação dos robôs, com baixo número de profissionais presentes.

Naquela oportunidade confirmei a minha "suspeita" de que essa tecnologia haveria de ter forte impacto sobre o mercado de trabalho e sobre a mão de obra num nível mundial.

Os fatos hoje revelam tais mudanças de modo impressionante.

Nessa massa de desempregados, quantos foram afetados pela generalizada automação que se dá no mercado industrial?

Na década de 80 a VW, por exemplo, tinha cerca de 35 mil empregados, não menos que isso. Em 2022, apenas 8.200. Essa redução de efetivo não tem a ver com eventual "diminuição da demanda" da marca mas, sobretudo, com a automação. 

Esse quadro é uma realidade.

Mas, não só isso, estamos caminhando céleres para a Inteligência Artificial – AI.

Há filmes de ficção que exploram o domínio da inteligência artificial sobre as ações e sobre a inteligência humana e, nesses casos, os robôs ignoraram aquelas três leis da robótica de Asimov. 

O mais emblemático é o filme de Stanley Kubrick, "2001, uma Odisseia no Espaço" de 1968.

Nesse filme admirável, estabelecera-se, então, uma viagem interplanetária para Júpiter, cuja nave seria toda controlada por um computador poderosíssimo, o Hal 9000, infalível, revelando "sentimentos", especialmente o da arrogância.  Ameaçado de ser desconectado, depois de um erro inexplicável na missão, tornou-se rebelde e assassino da tripulação sendo por fim desligado pelo último sobrevivente.

Há filmes nos quais os robôs são muito mais cruéis e desdenham da mortalidade inevitável do ser humano.

Um deles, "Alians Covenant" de 2017 do diretor Ridley Scott.

Diálogo entre o criador do robô e o próprio robô batizado de Davi inspirando-se na imagem de Davi, a escultura perfeita de Michelangelo:

Eu sou o seu criador, você me deve obediência.
— Se você é meu criador, quem o criou? pergunta o robô.
— A dúvida é de onde viemos...
— Mas, como humano, você é mortal e eu sou imortal.
— Davi me sirva um chá, agora, ordena o criador,  para confirmar sua autoridade.
Davi obedece.


O robô Davi seria escalado para assessorar missões interplanetárias e se revela cruel, inclusive cultivando 'óvulos' de "xenomorfos", aqueles monstros horrorosos, violentos e carnívoros do tipo visto no filme "O oitavo passageiro".

Davi desdenhando dos homens: "Eles são humanos, eles morrem."

Mas, abreviando o tempo dessa discussão no meio científico indagam-se  as consequências do aperfeiçoamento da IA — Inteligência Artificial do controle da informação, da desinformação, da liberdade de pensamento, do controle político mencionando-se mesmo os riscos à democracia.

No mundo do trabalho há estudos não otimistas (Goldman Sachs) dando conta que a AI poderá diminuir 300 milhões de empregos no mundo à medida que essa nova tecnologia for avançando.

Quem, afinal de contas, controlará esse poder imenso que pode resultar do aperfeiçoamento da IA?  

Nas várias atividades que pode responder a AI há a possibilidade de manifestar algo parecido com o sentimento humano, nas suas virtudes e tragédias.

Num artigo publicado no The New York Times, num trecho se lê:

"O que significaria para os humanos viver em um mundo no qual uma grande porcentagem das narrativas, melodias, imagens, leis, políticas e ferramentas é moldada por inteligência não humana, que sabe como explorar com eficiência sobrehumana fraquezas, vieses e vícios da mente humana ao mesmo tempo que sabe formar relações íntimas com os seres humano?" (3)

Essas proposições não seriam mais ficção, como a convivência  da menina Glória e seu Robbie no livro de Isaac Asimov. 

E essa IA não necessariamente seguirá os princípios morais da "lei da robótica".

Fora já "profetizado", como acima mencionado, que os humanos com essa tecnologia não terão outra coisa que não seja "renunciar".

Nesse mesmo artigo do TNYT, é esclarecido que numa sondagem  feita em 2022, entre mais de 700 acadêmicos e pesquisadores, metade deles "declarou que existe uma chance de 10% ou mais de extinção da humanidade (ou alguma insegurança similarmente permanente e grave) provocada por sistemas de IA." (3)

Dai porque nessa perspectiva que até pode-se dizer sombria, há muitos que se preocupam com a evolução dessa "inteligência" exatamente pelas mudanças severas de paradigmas na vida de todos como indagamos linhas acima. E pedem cautela às experiências que avançam.

Pensando bem, já não estamos renunciando?


Referências

(1) Revista Veja de 16.12.1981
(2) O Estado de São Paulo de 13.09.1981
(3) Artigo publicado no The New York Times e transcrito em "O Estado de São Paulo" de 29.03.2023. "Será a inteligência artificial o começo de nosso fim?" (Autores: Yuval Arari, Tristan Harris e Aza Raskin).



02/04/2019

MEMÓRIA: OS TEMPOS DE 1964



O trecho abaixo, faz parte da minha "memória', exposta no meu livro Joana d'Art. Vou desde logo informando que já "convivia" naqueles tempos de 64 gloriosos e contraditórios. Eu vivi bem aproveitando o pleno emprego e progresso.
Com censura e tudo, a produção musical e artística foi muito rica.

A queda de João Goulart precipitada por clamor popular, se golpe houve, avançou na madrugada de 02 de abril no Congresso Nacional, por ato do senador Moura Andrade, que declarou vaga a Presidência da República, quando o presidente se refugiava no Rio Grande do Sul. Darci Ribeiro informara que o presidente lá estava em missão oficial. Estava em território brasileiro, dai o golpe.

 Nesse momento, houve aplausos e protestos. Tancredo Neves o teria chamado de "canalha".

Depois, a posse de Castelo Branco e com ele as cassações, a repressão militar, a censura nos meios de comunicação e no ambiente artístico.

Os grupos armados que se opuseram à deposição de Goulart e que se organizaram anos depois, não procuraram a restauração da democracia, mas a introdução de um regime do tipo que vigorava (e vigora) em Cuba, muito na moda naqueles anos.


A guerra fria depois desse pico - refiro-me ao incidente dos mísseis soviéticos instalados em Cuba e apontados para os Estados Unidos -, teria influência decisiva no Brasil, com a suposta ameaça comunista já no Governo de João Goulart.

A reação se alvoroçara quando Luiz Carlos Prestes dissera que os comunistas estavam no poder, mas não ainda no governo.

Tinha, quando ainda acadêmico, um amigo judeu, estatura mediana, nariz adunco, sempre com seu fusca vermelho, crítico feroz de Prestes. Não fazia concessões o Israel:

- Esse comunista, dizia ele, tivera vida política inútil, trágica. Constitui-se herói do nada. Um desastre. Mesmo respeitando a época em que viveu, cheia de ideologias, autoritarismos, preconceitos, guerras e violência inimagináveis, propícia à ampliação do comunismo no mundo, debito-lhe nessa insanidade os argumentos dos ditadores para implantarem a ditadura no Brasil.

Mas, os eventos políticos nos idos de 64, com a ameaça comunista se precipitaram, resultando na deposição de João Goulart pelos militares.

Houve festa e alívio no âmbito da classe média alta e baixa que aplaudiu o golpe. “A propriedade estava salva”.

O golpe contra Jango deu-se em 1° de abril de 1964. Comentário do jornal “O Estado de São Paulo” de 2 de abril que encontrei num monte de jornais velhos:

A grande vitória de ontem, conduzida pela mão segura do general Amauri Kruel a frente do II Exército, vem, como era inevitável, sendo interpretada das mais diversas maneiras. Para os que tendem a encarar os acontecimentos pelo seu lado superficial, ela surge como epílogo dos fatos que tiveram início na Semana Santa. Na realidade, porém, o significado do 1° de abril é muito mais profundo e complexo. Antes do mais, o triunfo alcançado está a dizer-nos que, finalmente, a democracia brasileira venceu a ditadura em cujas estruturas a nação vegetava.”

Aquilo tudo, a marcha da família em São Paulo, os noticiários relatando a gravidade do momento, não me afetaram muito. Ingenuamente, estava em disputa no grêmio do colégio pelo que quase tudo acompanhava de longe.

A década de 60 para os que não se engajaram, os indiferentes, aceitando que os tempos de Jango não poderiam mais ser adiados ou suportados – porque havia forte campanha contra ele na imprensa e declarada conspiração americana –, viveram esses anos sentindo certa glória pela criação artística, com a música marcante da bossa-nova, da jovem guarda, no teatro e cinema quando vencida a cesura, impertinente, sem critérios, e quantas vezes burra.

Nessa década os grupos armados que se organizaram opondo-se ao golpe militar, iniciaram luta surda. Nos porões dos órgãos de repressão, a tortura selvagem se tornara uma prática comum. Brutal. Mas, claro que não havia santos do lado dos grupos clandestinos armados.

Jovens e estudantes inteligentes se uniram a esses movimentos alimentando um ideal ambíguo de desforra impossível. De mudar o país com o povo unido. Mas, não havia povo. Ideais e ideologias que não diziam respeito a muitos daqueles que aderiram a essa luta. E, pior, tombaram sem bandeira e sem razão. 

Essa luta armada, no fundo, dera munição aos militares para o endurecimento do regime e o “vale tudo” da linha dura prevaleceu na ação repressiva.

Não foram muitos os que se decidiram por aquele espírito belicoso incluindo os que rumaram meio às cegas, mas vários foram os militantes que se deram mal. 

Esse tipo de oposição fora instituída num momento de arrogância militar. 

Um erro. Haveria que esperar o momento começando por discutir ideias. O regime militar haveria que se enfraquecer como resultado de sua fadiga. 

Cairia de velho.

O sindicalismo no ABC por linhas tortas tivera essa percepção ou tudo fora casual. De um modo ou outro deram contribuição para a queda do regime militar mais tarde.

16/02/2019

COMO É DIFÍCIL SER VEGETARIANO!




ESTUDOS INCENTIVAM MUDANÇAS NA ALIMENTAÇÃO COMO OPÇÃO AMBIENTAL



Meus caros, como é difícil ser vegetariano!

E vegano, então, aquele pessoal que não consome nada de origem animal, sequer o sapato e o cinto de couro.

Como é difícil!

Lembro-me com saudades de minha mãe. Um detalhe, todos os sábados, sabendo que eu almoçaria em sua casa, preparava o pescado a dore, bem passado, estalando.

Esses pratos se tornaram um padrão na minha vida por muito tempo.

Um dia, por uma série de influências e literaturas especializadas, fui deixando a carne de lado. Repugnam-me os açougues – quaisquer se que sejam os pedaços pendurados nos ganchos, um odor desagradável—e tenho muito dó das aves pelo modo truculento como tratadas antes e no abate.

Nunca vou esquecer como minha mãe as abatia. Naqueles idos.

Até elas se apegam.

As duas galinhas e um galo que apareceram por aqui, foram se aproximando esperando comida chegando à confiança de treparem no parapeito da janela.

Uma das galinhas desapareceu. A outra, tudo indica fora atropelada porque tinha que atravessar uma rua movimentada.

Essa galinha preta, antes de morrer não deixou de botar o ovo com todo aquele sacrifício da dor.



O galo foi levado para lugar melhor, mais seguro – perderia a liberdade das ruas perigosas pela garantia de sobrevivência—e ao ser capturado, se debatendo, preso numa caixa de papelão ouvindo a voz amiga teria respondido cocoricando preocupado com a possível “traição”.

Tenho mais coisas para contar sobre bichos. Coisinhas simples que me marcaram que não relato porque poderão parecer descabidas ao senso que predomina.

E depois, nestes últimos 40 anos ou mais tenho mantido luta renhida anticarne porque sei da crueldade que se dá principalmente com o abate do gado bovino.

Um dia, para registrar a gratidão uma vaca levantou a cabeça me encarando com aqueles olhos inocentes, após beber um balde de água que lhe ofereci e a seu bezerro, sob sol escaldante. Não havia árvores para se abrigar.

Rejeitar pratos preparados com carne em recepções sem poder explicar aos circunstantes ou mal explicar as razões.

Mas, vou sobrevivendo.




Na Fórum de Davos, realizado nos dias 22 e 23 de janeiro último foi divulgado um estudo da Universidade de Oxford no qual recomenda que a alimentação carnívora (bovina, principalmente) seja gradativamente substituída por outras opções de alimentos como carne sintética – produzida a partir de amostras de células de músculos animais que se expandem em laboratórios – tofu, lentilhas, nozes, jaca e uma gama imensa de outros produtos naturais não a base de carne.

A Universidade inclui até mesmo insetos, alimento comum em outros países, particularmente na China.

Ora, entre nós os insetos causam repugnância. Mas, eu fico aqui pensando no prazer de chupar ostras naquelas casquinhas in natura, para mim não menos repugnante.

Esse estudo atribui à produção da carne bovina, a porcentagem de 25% das emissões de gases do efeito estufa no todo do setor alimentar.

E, claro, à medida que o plantel aumenta, aumentam as áreas de pasto. A alimentação que avança sobre a mata não se dá apenas nas pastagens “naturais”, de gramíneas, mas também pela soja e seus derivados.
Quanto a mais na emissão de gases do efeito estufa, nessa parte da soja para o consumo do gado de corte?

As mudanças climáticas são visíveis: calor intenso, chuvas fortíssimas e vendavais, nevascas rara ou jamais sentidas nos países do hemisfério norte alterações graves que, pela linguagem do dinheiro, do imediatismo, não são levadas a sério e, de regra, desdenhadas.

No tocante ao consumo de água, dados confiáveis informam que, para obter um quilo de
Carne bovina – 15 mil litros
Carne suína – 6 mil litros
Frango – 3.9 mil litros
Queijo – 5 mil litros
Nota-se que o alimento de origem animal do ponto de vista ambiental é desastroso.

Um suplemento "Agro" do jornal “O Estado de São Paulo” de 30.01.2019 (*) a propósito do estudo da Universidade de Oxford ouviu dois especialistas brasileiros, o engenheiro agrônomo Maurício Palma Nogueira e Alexandre Berndt, este pesquisador de “sistemas de produção sustentáveis da Embrapa”.

Para eles, as emissões antiambietais seriam ou são dez vezes menores do que se dá na produção bovina em outros países.

Disse Berndt:

No Brasil, em pastagens com o uso de tecnologias básicas, as emissões são 10 vezes menores do que as apresentadas no relatório”. E, se forem consideradas as fazendas com sistemas de produção pecuária de ponta ou as que fazem a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), o saldo de emissões de CO2 pode ser negativo.”

Esclarecem mais que a produção da carne bovina no Brasil é bem eficiente a par do baixo preço cobrado por aqui, daí porque a troca da carne por outros alimentos não seria cabível ou necessária.

Eu acrescento, por enquanto...

A projeção se dá até os anos 2.050 quando a Terra teria 10 bilhões de habitantes (!).

Aumentada a produção do gado bovino de 4,5 arrobas por hectare (baixa) para 50 arrobas um objetivo “possível” numa linha de eficiência o Brasil poderia produzir, hipoteticamente, 130 milhões de toneladas de carcaça bovina, na mesma área de 165 milhões de hectares de terras hoje destinadas à pecuária.
E sempre a linguagem do dinheiro porque em 2018 as vendas de carne ao exterior registraram um recorde de 1,64 milhão de toneladas “volume responsável por uma receita de US$6,5 bilhões”.

Por fim, mesmo que repudiando o consumo de insetos, mas a cultura é a mesma quando se trata do desmatamento porque os países do denominado 1º mundo, após devastaram suas matas agora querem a preservação das matas do Brasil. Se aceitarmos esse “raciocínio distorcido”, cometeremos os mesmos erros desses países com graves repercussões ambientais.

Nesse sentido, disse Berndt:

Eu não me sinto confortável que alguém de fora venha ditar regras para o consumo dentro da minha casa. Este é um costume cultural, e não vão conseguir impor a uma nação”.

Claro que eu não comeria inseto jamais embora haja alimentos tão repugnantes quanto.

Até 2050, quero destacar que aumentando ou não a produção bovina em mais de 1100% (de 4,5 arrobas para 50 por hectare), comendo insetos ou não está muito claro para mim que se não mudados os hábitos alimentares nos próximos anos, será a devastação florestal que garantirá o aumento de pastos para alcançar o tal “aumento” de “carcaças bovinas” para consumo internos e externo.

O clima será muito mais afetado nessa hipótese.

Não sou otimista. Diviso um estádio de caos no futuro impondo graves restrições de vida aos nossos netos e descendentes.

Quem viver, viverá.

(*) "Carne bovina em xeque" -