Tenho um refúgio em Águas de São Pedro, no
interior de São Paulo, cidade com seu verde exuberante. Nem sempre preservado como deveria ser. Esta tarde o tempo está
fechado o que me remete aos meus tempos jovens, nestas mesmas tardes, mais
intensas, porém.
Agora aprecio as árvores e os arbustos floridos neste meu recanto, não de
descanso, mas de meditação. Talvez apenas o descanso da alma. Estar comigo. Sei
que nesses momentos se pode atingir algo de universal. Quem sabe algumas luzes
se iluminem num lampejo.
Não fujo da realidade, porém, mas o passado está comigo, como
disse e tenho dito.
Olhas para trás e o que vês?
Apenas um passado de sombras?
Ou há luzes que oscilam tênues?
O que fazer com tais obras?
Não há como delas escapar,
Mas, estás em silêncio aqui e agora
Perplexo com clamores e decepções
Que revolvem a mente e tudo explora?
Respiro neste silêncio um sentido de paz interior. Lá fora,
além das nuvens me deparo com pássaros saltitando num pequeno gramado. O que
são eles senão a inspiração dessa paz? Um brinquedo leve da Natureza?
Desconfiados, quando aparo a grama, bem-te-vis ficam por perto caçando os
insetos que estranham a perda da proteção e saem à luz. Por que não se aproximam,
não chegam até mim?
Seria o auge da poesia aplicada! Uma realização.
Inspira-te nos pássaros à tua janela
Que sobrevivem em árvores
desalinhadas
Aproximaram-se do cinza das cidades
Encontrando vãos para suas ninhadas.
Nesta minha idade sou chamado ao perdão. Em perdoar a todos.
Enterrar essas mágoas que a nada mais levam. Estou lá, mas o meu presente me
clama ao perdão. Conseguirei, superarei os rancores, há mágoas, eu sei, que me
marcaram pela vida. O tempo da reconciliação como filho e como pai.
O que és agora nasceu naqueles idos
Naqueles dias de alegria, dúvidas e
solidão
Caminhas, sabes, para a frente, para
além,
Mas, ressurgem nos sonhos apelos, a
emoção!
O que fazes com tais angústias que te
assaltam?
Com tantos sentidos de nostalgia e desamor?
Basta viver cada hora, ouves...cada
dia
Neste mundo sem tréguas, cruéis e
de...amor!
Não serei ingênuo em ignorar este meu tempo de horrores, de
contradição e que me assalta. Eu vivo nele e nele sobrevivo. Quantas vezes
gritei alto, dolorosamente, “o que mais terei que ver nesta loucura?” Essa
vontade de desaparecer, de abreviar o meu próprio tempo. Mas, não, miro-me na
minha existência e recebo a resposta: “não
ainda não realizei tudo o que quero (ou preciso?), ainda que pouco seja a
realizar.”
A minha idade! Minha antiga...idade!
Sabes que nestes tempos de agora
São tempos de soberba e de devastação
Os horrores se multiplicam
assustadores
Rareiam os gestos de tolerância e
devoção
Essas contradições que te assaltam
Falsas virtudes que te afagam
Apele para o que te resta de
superação
Aquilo que estes tempos duros apagam.
Muitas vezes, ah, a minha idade, pela manhã, às vezes
lembranças tênues de sonhos insondáveis de há pouco, sobrevém aquela angústia
do dia a ser vencido com seus desafios. Melhor que eu ficasse num ócio consciente,
se tal fosse possível, com o que do céu enxergo, esses recantos de beleza que ainda
vejo erguendo os olhos, árvores altas e floridas em volta, o meu coqueiro que
dá coco, lembranças de minha cadelinha preta que não recebeu de mim todo o amor que deu...
...minhas pequenas orquídeas, minhas
violetas, begônia “eterna” num cantinho que bem as protege. Extremas
simplicidades.
Mas, não!
Saio para o tempo tentando encontrar qualificativos na
divergência, vencer os revezes efêmeros e as vitórias também efêmeras e no
final do dia, uma certa dignidade pelo enfrentamento a que me obriguei.
O que é viver nestes dias tensos, pois?
Significa não ignorar o quê em tua
volta
Não significa a tudo relevar e
renunciar
Não é essa uma atitude sóbria, sábia
Contra tal corrente há que resistir e
lutar.
Este é um apelo solene que eclode,
então
Não desistas do amor e da
reconstrução
Reaja às desolações e às perdas
Porque nestes tempos tudo clama ação.
Nunca me imaginei chegar a estes tempos que para mim, neste
passado que está comigo, jamais pensei que chegasse. É que eram tempos tão
distantes, inatingíveis, sequer pensados. Não pelo receio da vida que se
extingue e se extinguirá a qualquer momento. Naqueles tempos não havia morte,
apenas a imortalidade da graça vivida.
Eis-me, aqui, agora, porém. Apenas mortal. Algum dia, uma
tênue e efêmera lembrança.
Fotos (Não são de paisagens de Água de São Pedro, embora existam lá até com maior beleza):
1a. Azáleas e arbusto - Foto de Milton Pimentel Martins
2a. Gramado "frequentado" por bem-te-vis quando aparada a grama
3a. Ramos de tipuana e espatódia entrelaçados - Foto de Milton Pimentel Martins
4. Canto das orquídeas, violetas e begônias. Já inseri fotos semelhantes em outras crônicas.
TEMA CORRELATO: "O SENTIDO DA VIDA" DE 19.07.2013
TEMA CORRELATO: "O SENTIDO DA VIDA" DE 19.07.2013
3 comentários:
OS SEUS VERSOS precisam de ser lidos e relidos... tanta verdade eles dizem!
MEDITAR E REFLECTIR, eis a solução, no passado, no presente e no futuro...... a CHAVE DA VIDA!
PARABENS MILTON
HELENA
Helena
Grato pelas suas palavras. Elas são um incentivo valoroso para mim. Quanto ao texto, reflete minha perplexidade com o tudo da vida. Sds. Milton Martins
Taí, Milton... já não somos mais imortais. Mas, sempre valerá a pena gastar o tempo restante com flores e passarinhos. Forte abraço!
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