Sabem essas
pausas de leitura nas quais um livro qualquer lhe cai às mãos e você passa a
ler para não perder aquele hábito relutante porque a televisão está à sua
frente como sereia pegajosa, bastando um clique?
Foi assim
com o livro de André Maurois, “Ariel ou a vida de Shelley”, com tradução de
Manuel Bandeira.
Bem, o livro
deveria ser bom porque Mourois (1885-1967) fora renomado escritor francês,
membro da Academia Francesa desde 1938. Manuel Bandeira (1886-1968), renomado escritor
e poeta brasileiro, fora o tradutor. Deste o sempre lembrado “Vou-me embora pra
Pasárgada”:
[Vou-me embora prá Pasárgada
Lá sou o amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora prá Pasárgada.]
À medida que
avanço nas páginas do pequeno livro (197 páginas) vou com ele me encantando com
os episódios da vida de Shelley, poeta inglês com grande talento. Descrito como “muito
bonito”, com traços femininos, rebelde ao extremo, “não cristão” – defendera na
juventude a necessidade de ser ateu.
Pela sua
rebeldia, seu pai, muito rico, negou-lhe ajuda o que fez com que vivesse sempre
com imensas dificuldades o que não o impediu de se casar aos 19 anos, com
Harriet, de 16 anos.
Sua vida foi
marcada por tragédias: a primeira esposa (Harriet) suicidou-se quando
abandonada por ele, filhos seus que morreram precocemente naqueles tempos de
medicina precária. Já vivendo com Mary Goldwin, casou com ela 15 dias depois da
notícia da morte de sua primeira esposa. Após o casamento chamou-se Mary Shelley.
Nessa quadra de amargura vira a filha de sua
cunhada Clara com Lord Byron - tratado como um devasso – deixada morrer,
abandonada, num convento pelo pai.
As escalas
poéticas, excêntricas de Shelley podem ser compreendidas por este trecho do
livro de Mourois:
“Um dia o marinheiro encontrou-o tão
absorvido numa visão longínqua que não ousou interrompê-lo sem primeiro lhe
despertar a atenção e fazendo estalar as agulhas secas dos pinheiros. (...)
Chamou Shelley, que virou a cabeça e
disse com lentidão:
- Hello! Entre.
- Este então é o seu gabinete de
trabalho?
- É, estar entre as árvores são os
meus livros. Quando a gente compõe, é preciso que a atenção não fique dividida.
Numa casa não há solidão: uma porta que se fecha, um rumor de passos, uma campainha
ecoam no espírito, dissipam visões.
- Aqui há rumores do rio, dos
pássaros.
- O rio desliza como o tempo, e os
sons da natureza fazem bem à alma. Só o animal humano é discordante e me
incomoda...Oh, como é difícil perceber por que razão estamos aqui neste mundo,
perpétuos tormentos para nós mesmos e para os outros!”
Percy Shelley morreu afogado aos 29 anos,
vítima de um naufrágio.
Mary
Shelley
No livro de
André Maurois, Mary Shelley é apresentada como mulher, esposa e até protetora
de seu marido.
Mas, Mary
Shelley fora escritora talentosa com inúmeras obras.
Talvez não a
melhor, mas aquela que ultrapassou os séculos é “Frankenstein”, escrita por
Mary quando tinha 19 anos, em 1817.
Esse seu personagem
ilustra até hoje histórias em quadrinhos, inúmeros filmes já foram produzidos, sendo
constantemente reintroduzido na ficção.
Frankenstein,
na obra, é o sobrenome do seu criador, Victor, que ao criar a criatura
monstruosa, se arrepende amargamente da experiência, é perseguido por ela que
em lugar de o atacar como ele receava, ataca sua esposa e a enforca. Há
momentos ternos mas Frankenstein é sempre tratado sem complacência, porque
julgado sobretudo por sua aparência.
No leito de
morte de Victor, a criatura lá está emocionada com a partida iminente do seu
criador.
A
filha legítima de Lord Byron – ADA LOVELACE
Shelley se
relacionou muito com Lord Byron, poeta e escritor inglês influente, mas tratado
no livro como um devasso.
Ele teve uma
filha legítima, Ada Lovelace. E daí?
Fora ele
talentosa matemática e é lembrada como a primeira programadora de computador.
Isso mesmo, e em meados do século 19!
Ada viveu pouco, apenas 37 anos incompletos (10.12.1815 - 27.11.1852). Mente avançada para o seu tempo, entendera a máquina de Charles Babbage, fizera anotações que seriam utilizadas um século depois de sua morte (início da década de 50) na construção dos primeiros computadores.
Envolvida no projeto Babbage, ela desenvolveu algoritmos que permitiriam à máquina computar valores de funções matemáticas.
[Algoritmo: passos para solucionar uma tarefa, um programa: como fazer...]
Ada viveu pouco, apenas 37 anos incompletos (10.12.1815 - 27.11.1852). Mente avançada para o seu tempo, entendera a máquina de Charles Babbage, fizera anotações que seriam utilizadas um século depois de sua morte (início da década de 50) na construção dos primeiros computadores.
Envolvida no projeto Babbage, ela desenvolveu algoritmos que permitiriam à máquina computar valores de funções matemáticas.
[Algoritmo: passos para solucionar uma tarefa, um programa: como fazer...]
Charles
Babbage (1791-1871) foi um cientista, matemático, engenheiro mecânico e
inventor e reverenciado como aquele que projetou o primeiro computador, a
máquina analítica, considerado como o “pai” da computação, embora seu invento
não fosse concluído pela precariedade técnica no seu tempo.
Essas
invenções, porém, não eram conhecidas dos criadores dos atuais computadores.
No que se
refere a Ada Lovelace em 1980, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos
registrou linguagem de programação estruturada com o nome “Ada” em, sua
homenagem. (1)
É pouco?
Todas essas
informações – úteis ou não – foram surgindo de um simples livro que o acaso
chegou até mim, o livro de André Maurois, “Ariel ou a vida de Shelley”. (1)
Referências:
(1) As
respectivas biografias de todos os nomes mencionados nesta crônica podem ser
encontradas nos portais de busca na internet
(2) Editora Record
Imagem:
2 comentários:
Grande Milton, belíssimo artigo, prende a atenção do início ao fim. Seu tique de historiador tem, muitas vezes, o jornalista se sobrepondo. O resultado é ótimo. Forte abraço.
Caio, amigo de meio século que me inspira a continuar escrevendo...
Grato pela sua presença de sempre.
Os elogios são imerecidos. Forte abraço. MM
Postar um comentário