Tenho muito o que contar desse tempo remoto. Ainda contarei um dia desses, desse cotidiano do passado que teve expressão forte em tudo o que vivi.
Mas, agora, só o leitãozinho esfaqueado será o tema.
Sempre que ia ao açougue naqueles tempos já saindo da meninice me desagradava aqueles ganchos nos quais eram pendurados pedaços de cadáver de porco e boi.
Mas, agora, só o leitãozinho esfaqueado será o tema.
Sempre que ia ao açougue naqueles tempos já saindo da meninice me desagradava aqueles ganchos nos quais eram pendurados pedaços de cadáver de porco e boi.
Muitas vezes, no mesmo horário de domingo, lá estava o chinês dono de pastelaria próxima, aproveitando o moedor do açougue para preparar o recheio dos pastéis. Os filetes da carne moída e das pelancas que se misturavam caiam numa bacia imunda, meio amassada, contendo nas reentrâncias resíduos de outras moagens.
Os pedaços de porco mais me impressionavam porque havia alguns anos assistira ao abate de um leitãozinho que circulava meio livre pelo quintal.
Chegou o dia de ser abatido assim foi anunciado. Fim de ano. O vizinho afeito à matança desses animais se prontificara a não só abater o bicho já grandinho como retalhá-lo em pedaços para serem consumidos.
O Natal seria comemorado dali a pouco.
Numa manhã de domingo tal se consumou. O homem, já velho, curvado, nariz avantajado com crateras lunares, olhos avermelhados, sofridos, sem expressão, de chapéu de feltro batido e desbotado, escondendo seus cabelos grisalhos, apropriou-se de uma faca enorme, agarrou sem dificuldades o porquinho porque habituado à presença de todos, segurou-o pelas costas apertado-o no seu peito com o braço esquerdo e com a mão direita desferiu o golpe abaixo de sua pata dianteira em direção ao coração.
A facada não atingira o coração do bicho. Gritando desesperado, pressentindo a traição e a morte iminente, aqueles olhos vermelhos procuravam por todos em sua volta em quem confiara e recebera carinho ou atenção, de mim especialmente, se debatendo não demorou, momentos depois, a perecer num segundo golpe, agora certeiro.
Não sei, mas seus olhos morreram fixados nos meus.
Não sei, mas seus olhos morreram fixados nos meus.
2 comentários:
Milton, você viu essa cena, uma vez? Pois, eu vi, quando criança, várias vezes e hoje eu daria a própria vida para salvar os animais de toda essa crueldade. Sei que você é contra essa covardia, mas, esse texto me atingiu em cheio, no plexo solar.
Grande abraço!
A única forma de termos paz neste planeta é pararmos com a crueldade e exploração dos nossos irmãos de jornada, os animais.
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