Sempre
pelas minhas andanças pelas páginas dos jornais via e até
consultava os horóscopos sempre com muita desconfiança.
Como
é que foi escrito, qual tipo de "consulta aos astros" houve? Ou foi
apenas um modo de preencher o espaço destinado pelo jornal, iludindo os
leitores induzindo melhor sorte até porque os horóscopos nunca acentuam um
momento de pessimismo.
Pois
bem, no meu livro "Joana d'Art", inspirado rigorosamente em
"fatos reais", converti a elaboração de horóscopo semanal numa
anedota, um modo de se desviar um pouco daqueles temas sérios
autobiográficos e a ficção trágica do livro.
Mas,
não foi somente eu quem desqualifiquei os horóscopos. Numa crônica
de 05.01.2020 no jornal "O Estado de São Paulo" Luiz Fernando Veríssimo publicou
um depoimento pessoal de horoscopistas que complicou seus
horóscopos.
"Houve um tempo em que eu dava uma olhada no horóscopo. Muita gente leva o horóscopo a sério. Mas, naquele momento ri muito ao me lembrar como um velho jornalista que conhecera tão de perto e que dirigia um jornaleco semanário que tinha lá seus encantos, porém. Eram aqueles tempos heroicos em que a composição era feita nas linotipos. O velho jornalista tinha um perfil todo próprio: baixinho, desmazelado - diziam que meio avesso a banho - irreverente e desbocado.
Certo
dia resolveu que o seu jornal teria um horóscopo. Depois de muito
procurar, não encontrando um horoscopista ou um astrólogo que
aceitasse sua oferta, irrisório, resolveu que ele próprio,
semanalmente, produziria o horóscopo.
Semanas
depois, o primeiro horóscopo foi publicado, assinado pelo estranho
nome de "Monsieur Abidul - o astrólogo internacional",
tudo muito bem feitinho e organizado, com os símbolos do zodíaco e
tudo. E assim a cada semana, lá estava o horóscopo fresquinho,
regendo toda a semana seguinte dos leitores.
Mas,
depois de um tempo, aquele exercício de horoscopista estava lhe
dando cansaço e tédio porque passara a ser um compromisso
inadiável. Havia o espaço a preencher. Já não aguentava mais
"capricórnio, cuidado com amores inesperados, mantenha-se
vigilante !", "virgem, prepare-se, você pode receber
pequena fortuna!", "balança, como diz seu próprio signo,
um dos pratos pesará mais e um amigo lhe trará agradável surpresa
nesta semana!" e assim por diante.
Até
que, no minuto final de fechar a edição, cheio de preguiça,
cultivando sua mania de manipular nos dedos um pedaço de chumbo de
gravação rejeitada que saíra defeituosa da velha linotipo como se
fosse um bolinha de gude, todas as previsões dos signos foram
trocadas: as de touro, foram parar em virgem, de balança em câncer,
de capricórnio em aries, de aries em capricórnio e assim por
diante. E o horóscopo foi assim montado por semanas seguidas.
Naquela
manhã de segunda-feira – o jornal circulava aos domingos - o
telefone da redação toca. A voz feminina pediu para chamar o
horoscopista.
O
estafeta sonolento que atendera insistiu que o tal Monsieur não
trabalhava no jornal.
-
Como não? já impaciente a leitora. É ele quem faz os horóscopos!
Acordando
como se levasse um balde de água fria, o estafeta tapou com a mão o
fone e chamou o diretor:
-
Diretor, tem uma mulher aqui querendo falar com o tal do Monsieur
Abidul.
Nessa
hora eu chego e assisto tudo.
Meio
surpreso no primeiro segundo, mais que depressa, estirou-se torto na
cadeira, pé direito apoiado na última gaveta da mesa gasta onde se
espalhavam as provas das páginas da última edição , afinando a
voz, respondeu num sotaque misto de francês e inglês, tudo ridículo
e risível.
-
Bien, como posso ajudarr o senhorra ? Here é o Monsieur Abidul?
-
"Seu" Abidul, suas previsões estão muito estranhas. Tenho
certeza que no mês passado houve no meu signo um horóscopo idêntico
ao de ontem. Minha filha leu o horóscopo de seu namorado, que é de
leão com as mesmas previsões feitas para o seu próprio, de virgem,
da semana passada. Como se explica isso?
Sem
nenhum constrangimento, o diretor mantendo aquele sotaque híbrido,
risos contidos à sua volta, respondeu marotamente:
-
Oui, a senhorra. nunca ouviu dizerr que os astros e as stars se mexem
no céu. Órra, os horoscôpos tem a mesma prrevison when os astros
girram para o mesmo lugarr.
Ao que a mulher respondeu:
Ao que a mulher respondeu:
-
O que gira é sua cabeça, Monsieur Abe... não sei o quê, seu
charlatão. Seu sem-vergonha. E desligou o telefone.
O
diretor perplexo manteve por alguns segundos o fone na mão,
boquiaberto, enquanto seus óculos de lentes riscadas escorregavam
das orelhas suadas. Não pôde conter a ruidosa gargalhada que ecoou
por toda a redação e oficinas. Mesmo não entendendo nada, todos
riam alto como se a gargalhada do diretor fosse, por si só, uma
grande piada. Eu ri a ponto de ficar com dor no estômago.
Na
edição seguinte o horóscopo deixou de ser publicado, com uma nota
da direção do jornal simplória e curta no canto direito da
primeira página: o astrólogo horoscopista havia sido demitido
porque "descobriu-se que era um charlatão".
Rememorando
essa história, considerada anedota por todos os meus amigos quando
contava, mas que assistira de perto, porque naquele dia aziago lera
meu horóscopo logo cedo, não contive mais uma vez a gargalhando
pelo calçadão e pela galeria ignorando os olhares curiosos e
inspirando o riso de outros que me encaravam.
O
"horoscopista" Luiz Fernando Veríssimo:
História
pessoal, que já contei mais de uma vez: quando comecei a trabalhar
na imprensa, há 200 anos, fazia de tudo na redação, depois de
passar o dia no meu outro emprego de redator de publicidade. Um dia
me pediram para fazer o horóscopo, já que o astrólogo profissional
insistia em ganhar um aumento, uma reivindicação irrealista, dadas
as condições do jornal. Como eu já fazia de tudo na redação,
comecei a fazer o horóscopo também. Todos os dias inventava o
destino das pessoas e distribuía as previsões e os conselhos pelos
12 signos do zodíaco.
***
O
horóscopo era a última coisa que eu fazia no jornal antes de ir me
encontrar com a Lucia e, se tivéssemos sorte, ir a um cinema, de
modo que meu horóscopo era sempre feito às pressas, e com a escassa
energia que sobrava depois de um dia fazendo de tudo, na agência de
publicidade e na redação. E então bolei uma solução genial para
liquidar o horóscopo em pouco tempo e ir embora. Como era óbvio que
as pessoas só querem saber o texto do seu próprio signo e não o
dos outros, comecei a fazer um rodízio: mudava os textos de signo e
de lugar. O que um dia era o texto para libra no dia seguinte era
para sagitário, etc. Ninguém iria notar a trapaça sideral, os
deuses me perdoariam.
***
Não
demorou para que o editor do jornal me chamasse. Tinha muita gente
reclamando do horóscopo. O que eu pensava que era óbvio não era.
Minha pseudoesperteza tinha sido descoberta, aparentemente todo o
mundo lê todo o horóscopo todos os dias. Minha breve carreira de
astrólogo terminou ali. Mas eu só queria dizer que, mesmo quando
era eu que escrevia os textos, nunca deixava de olhar para ver o que
libra reservava para meu futuro. Fazer o quê? Precisamos de uma
direção na vida, venha ela de onde vier.
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