20/12/2009

IMAGENS DE LISBOA

Disse numa outra crônica sobre Portugal que para o visitante de fora, as imagens que coleta pertencem àquele momento em que presenciadas ou fotografadas. Num estalo tudo pode mudar, embora na Europa muita coisa não mude. Há monumentos que sobrevivem há séculos.
Nos meus tempos de ginasial havia um professor de história que enaltecia o rei D. Diniz que intensificara na localidade de Leiria, a cultura de pinhais que serviriam mais tarde para a construção naval. Na época dos descobrimentos, o pinho fora usado na construção dos navios.
Inibo-me um pouco em perguntar que fim levaram os Pinhais de Leiria na minha ignorância num momento duma excursão. A guia me pediu que esperasse.
Uns minutos depois, chamou-se a atenção apontando para uma enorme área verde:
- Ali estão os pinhais de Leiria!
Bem, lá estão, preservados, há já 700 e tantos anos.
A Europa é assim. Ela guarda a memória dos séculos.



Lisboa é uma cidade arrumadinha, bonita, que se entrosou na comunidade européia e, sem dúvida, foi beneficiada por isso.
Um local muito agradável é o bairro do Rossio. Descemos à estação de Campo Pequeno do métro (pronúncia em Portugal), bem cedo para irmos até lá.
À nossa frente a bilheteria eletrônica que nos parecia uma entidade marciana. Eis que uma senhora portuguesa que lá desembarcara, com incrível delicadeza, percebendo as dificuldades dos “estrangeiros patrícios”, foi solícita e amável em nos ensinar a mexer na geringonça.


Não dá para negar nossa descendência portuguesa para quem tem, claro, sangue português. Nós nos parecemos de um modo incrível. No vagão deparei-me com um sósia de um velho tio. Tanto era parecido que evitei encará-lo para evitar mal entendido.


Fotografado da Torre da Santa Juta, o Rossio com destaque para a Praça Dom Pedro IV


O Rossio preserva o lado mais antigo e tradicional de Lisboa. Afastando-se do centro, encontram-se vielas e becos, casas velhas, que não imagino o tempo de existência.
Por ali, num ponto mais alto, numa praça, esculpido na rocha, o deus Netuno mira o mar com aquele semblante severo para não ser contrariado. Afinal, é o deus dos mares.





Netuno esculpido na rocha - Rossio









Descemos nos rumos do Largo do Chiado. Tiro foto dando a mão para a escultura em tamanho natural do poeta e escritor português Fernando Pessoa, “sentado” numa mesa do bar “Café a brasileira” que fora a de sua preferência.


















Eu e Fernando Pessoa (1888-1935), o grande poeta e escritor português - também astrólogo - na Praça do Chiado. As referências dão conta de que no local de preferência do escritor se instalava o "Café a Brasileira". Vejam que a foto revela uma certa "Casa Havaneza". Não procurei saber da "Casa a Brasileira". Quem sabe alguém explique. Duas frases de Fernando Pessoa: "Precisar de dominar os outros é precisar dos outros. O chefe é um dependente." e esta: "O homem não sabe mais que os outros animais; sabe menos. Eles sabem o que precisam saber. Nós não."


Tomo um susto com a placa “zona pedonal” que soa muito estranho. A palavra não existe no Aurélio mas por derivadas, conclui tratar-se de zona de pedestres.
Por ali é possível ascender pelo elevado de Santa Justa, inaugurado em 1902, uma Torre Eiffel em miniatura. De lá de cima dá para mirar ao longe a cidade, incluindo o Castelo de São Jorge, do outro lado, construído numa colina.


De bonde chegamos a esse Castelo-fortaleza de São Jorge – santo guerreiro – construído em 138 AC. Todas essas construções (muito) antigas mexem comigo, ao imaginar o nível de sacrifício que aquela gente (islâmicos?), em condições tão precárias, sem recursos técnicos, enfrentou para elevar uma fortificação daquele porte no alto duma colina.
Mas, ali, no pátio do Castelo, há um chamamento à reflexão. Sob a sombra tênue de uma oliveira, que parecia ter sido vandalizada, uma placa já desbotada, destacava uma mensagem “aos viajantes”. A “oração da árvore” difundida na internet, como agora constato, com o texto seguinte contendo forte apelo ecológico:

[Abaixo, Castelo de São Jorge - à direita a árvores e a placa com a "oração da árvore". Sua autoria é atribuída a Veiga Simões, Arganil, Portugal, 1914 - seria adaptação de um texto iugoslavo]



Tu que passas e ergues para mim o teu braço,
Antes que me faças mal, olha-me bem.
Eu sou o calor do teu lar nas noites frias de inverno;
Eu sou a sombra amiga que tu encontras
Quando caminhas sob o sol de agosto;
E os meus frutos são a frescura apetitosa
Que te sacia a sede nos caminhos.
Eu sou a trave amiga da tua casa,
A tábua da tua mesa, a cama em que tu descansas
E o lenho do teu barco.
Eu sou o cabo da tua enxada, a porta da tua morada,
A madeira o teu berço e o aconchego do teu caixão.
Eu sou o pão da bondade e a flor da beleza.
Tu que passas, olha-me e não me faças mal.





De volta ao Rossio, descendo de auto-car (ônibus) rumamos para a rua Augusta, imperdível, sofisticada como fora (ou é) a nossa própria rua Augusta em São Paulo. Bons restaurantes, lojas e tudo o mais.

Há muito, muito mais a dizer de Lisboa, mas fico por aqui até porque as imagens se perdem na memória mesmo com a ajuda das fotos.

E os portugueses em relação ao Brasil? Pelo que constatei pelas ruas, eles gostam muito do Brasil, como uma criação sua, que fala português, embora com “aperfeiçoamentos” (por exemplo, a palavra “bicha” para fila, foi “definitivamente” substituída por esta última por “influência” brasileira, pelo significado que tem aquela aqui).
Mencionam muito a violência brasileira, no Rio em especial, mas são admiradores declarados da música e de pontos da cultura brasileira. E das novelas.

Fico por aqui. Não falarei mais de Portugal embora haja muito a falar, após fechar a trilogia: Coimbra, Évora e agora Lisboa. Nem tenho mais disposição de voltar para Portugal, não por qualquer rejeição ao país que gosto muito, mas por não suportar 11 horas dentro dum avião. Quer saber? Não sei, sei lá, entende.

Um consolo: conheci em Lisboa uma guia de turismo de bom nível cultural que gostaria de conhecer o Brasil, mas receava atravessar o Atlântico...de avião. Jamais seria navegadora naqueles tempos de descobrimentos e aventuras porque havia que vencer o “mar tenebroso” (Atlântico) cheio de monstros e traições...

13/12/2009

BUCÓLICOS (i)

O Rio Piracicaba e seu nascedouro em Joanópolis (SP)




























Foto 1: “Cachoeira dos Pretos” onde nasce o Rio Piracicaba – há alguma divergência sobre a origem do nome. A versão aceita, oficial, tem a ver com o português Antonio Preto que aportou na Colônia em 1562. Entre seus descendentes, Manoel Preto, escravagista, caçador de índios foi bandeirante e sertanista. O nome da cachoeira, então, proviera da família Preto.

Foto 2: Barco solitário no rio Piracicaba em dia de cheia (foto de Milton Pimentel Martins).

Morei no ABC e guardo, sim, muitas lembranças de São Caetano do Sul. Acho que já me referi nestes Temas sobre isso. E por que fui embora?
Porque de onde morava via aquela chaminé assustadora da refinaria de Capuava, tal qual uma vela gigante queimando gases, por horas e horas.
O odor forte de borracha queimada que vinha das indústrias de pneus. Gases tóxicos expelidos na calada da noite que dificultavam a respiração.
Um dia, há mais de duas décadas, aproveitando a proposta profissional, de “mala e cuia” e mudamos para o interior.
Quando aqui chegamos, no meu bairro, no qual até hoje estou, pela manhã, uma pequena boiada cruzava o meu caminho. Pássaros em profusão caminhando a poucos metros de meus pés.
Veio o progresso, claro, a cidade cresceu muito. Sumiu a boiadinha, claro, mas ainda usufruo desses privilégios porque vivo próximo de amplas áreas verdes, num setor mais alto próximo duma das margens do rio Piracicaba. No parque da rua do Porto a que já me referi, todo domingo caminho por ali o que me ajuda a relaxar e a própria reflexão na medida em que a idade é assumida.

O Rio de Piracicaba nasce na pequena cidade de Joanópolis, a 170 quilômetros de Piracicaba.
No dia em que lá estive chuvas intensas faziam da Cachoeira dos Pretos (a 18 km do centro de Joanópolis), um espetáculo a parte, uma queda magnífica de 154 metros sinuosos transitando a água entre pedras, um trajeto sinfônico. Diz a placa: “Aqui nasce o Rio Piracicaba”.

Duma nascente semi-canalizada, em espasmos, jorra água límpida logo ali ao lado. Experimento aquela água levíssima da fonte, algo raro nestes tempos de degradação. Nada de excepcional se não sentisse seus influxos positivos que provieram, certamente, de seu nascedouro virgem.
Naquela paragem, a área é de preservação ambiental. Um dia desses volto e subo no alto da montanha de jipe (oferecido no local como “aventura”) para me aproximar mais da intimidade daquela exuberância toda, do seu nascedouro. Encantamentos.

Aqui em Piracicaba, o rio que lhe dá o nome está bem com tanta chuva. Nos tempos de seca é uma lástima. Mesmo assim, nesses dias magros com baixíssima vazão, lá estão pescadores insistentes com suas varas, lançando anzois sob água “servida”, mal cheirosa...
Os peixes de pequeno porte sobrevivem nesses tempos magros, nessas águas turvas. Corajosos os pescadores e os peixes.




Joanópolis é considerada a "Capital do Lobisomem" desde 1983 por conta de obra literária e causos sobre a figura folclórica. Na cidade é ele um personagem hospitaleiro e bom sujeito. Assim, "cabe a cada um desvendar os mistérios da meia-noite nas noites de lua cheia" em Joanópolis.



Voltarei com esse tema, “Bucólicos”: Ilhabela e borboleta azul, gambazinhos e papagaios.