21/01/2012

SANTOS DUMONT vs IRMÃOS WRIGHT. Pioneirismos

Lembro-me que a primeira vez que entrei num avião, trabalhava numa multinacional e, principiante, havia que cumprir uma audiência em Belo Horizonte.
Ficava imaginando como me comportar no avião. Entrei naquele “pássaro”, trêmulo e cheio de dúvidas.
Minha ansiedade foi ao extremo no momento em que ele se pôs em movimento e em minutos cortava as nuvens.
O avião tremia um pouco. Eu olhava para baixo angustiado com minha acrofobia (medo de altura) não conseguindo entender como um mostrengo daqueles permanecia apoiado no nada, no éter.
Demorei em me acostumar com essa ideia, com a ideia desses aviões cada vez maiores transitarem pelo ar com absoluto equilíbrio, carregando toneladas e toneladas não só pelo seu próprio tamanho, como centenas de passageiros e respectivas bagagens. E cargueiros enormes.
Assim, me empolgo com aviões, preferentemente quando fora deles. Mas, já levitei dezenas de vezes da poeira onde se assentam os pés.
Acho até hoje avião “impossível” mas quantas vezes já singrei os ares com essa impossibilidade!
Pois bem, outro dia, um canal a cabo exibiu as 100 invenções que mudaram o mundo.
Uma delas era o relógio de pulso, “oficializado”, por Louis Cartier, porque um aviador, “informava” o documentário, havia pedido ao joalheiro que fizesse um novo modelo porque na condução de seus balões as mãos ocupadas não podiam manejar relógio de maior padrão.
Não foi mencionado no documentário o nome do aviador, que no caso era ninguém menos do que Santos Dumont. O brasileiro é mui frequentemente, sempre que possível, ignorado em tudo que enalteça os seus méritos.
E a Wikipédia assim conclui a história do relógio de pulso:
“Cartier colocou então uma pulseira de couro num dos maiores modelos de relógio de pulso femininos da sua coleção, e em março de 1904 ofereceu-o a Santos-Dumont. Este episódio leva a que se considere Santos Dumont como o responsável pela popularização do relógio de pulso entre os homens.”
Tenho comigo velha edição da “Encyclopedia pela Imagem”, um trabalho publicado em fascículos pela Editora Lello, de Portugal, que circulou pouco tempo antes da década de 40 do século passado. Há que destacar que os fatos documentados sobre aviões estavam bem mais próximos dessas edições – pouco mais de 30 anos e menos quando naquela atualidade.
E ademais o texto é uma tradução de autor francês, o que garantiu alguns créditos aos seus patrícios, mas no que concerne ao aparelho dos irmãos Wright, o relato é o seguinte:
“Estes (os irmãos Wright) realizaram aparelho que era preciso lançar artificialmente, mas que podia voar e até levar um passageiro.”
Aparelho lançado...por catapulta...
Deu-se imensa publicidade, diz a velha enciclopédia, pelo que abafou todos os outros inventores e pesquisadores, inclusive os franceses. “Passava-se isto em 1908.”
Mas, diz o capítulo:
“Já em 1906, dois anos antes dos irmãos Wright, o ilustre brasileiro Santos Dumont efetuara em voo de cem metros.” (pelo sempre lembrado 14 – Bis).
Essas informações são imparciais e colocam as coisas nos seus devidos níveis. O avião dos americanos precisava ser lançado...

Mas, acompanhando o esforço americano e aliados em atribuir aos Irmãos Wright a invenção do primeiro avião que se alçara acima do solo em 1903 há comprovado o seguinte: até 1906, quando se deu o voo precário do 14-Bis, os irmãos Wright haviam aperfeiçoado tecnicamente seus aparelhos de modo superior ao 14-Bis. Por isso, só raramente o nome do brasileiro é lembrado como inventor do avíão e quando ocorre, é tratado como inventor coadjuvante.

E a enciclopédia, daqueles idos observava sobre o futuro:
“Assim, por progressos sucessivos, o homem chegou a realizar a conquista definitiva da atmosfera, deste elemento gasoso que lhe parecia vedado para sempre. E, finalmente, por um último esforço do seu gênio, elevou-se na atmosfera num aparelho mais pesado que o ar.
E este sucesso aumenta ainda mais as suas ambições. Já sonha ultrapassar o limite da atmosfera, que lhe parece agora uma prisão, ainda que outrora encarnasse a sua liberdade. Sonha em transpor as camadas aéreas, lançar-se no espaço à conquista de outros mundos, ir por pé nas “terras do céu”! Serão realizadas essas ambições? Sonhos, dizem uns. Esperanças, exclamam outros”.

E isso aí.

Imagem: Abertura da "Enciclopédia pela Imagem" no capítulo "A Aviação"

Estampa do 14-Bis (Wikipédia)

Talento brasileiro para a aviação. Avião Embraer 195

08/01/2012

NUM DOMINGO CHUVOSO. Reflexões. Dos que vão e não vão mais cedo


Até acho que já escrevi sobre domingos chuvosos, especialmente quando a chuva avança pela tarde naquelas horas em que pouca vontade há de se fazer alguma coisa. A preguiça. É domingo, deixa chover. O dia não é “feio”, como alguns classificam, apenas choroso.
Mas, no dia seguinte, quando o sol desponta pela manhã, parece que as árvores sorriem. Receberam seu prêmio.
Nesse 1° do ano, domingo, a chuva foi calma, o que me faz recordar cenas do cotidiano que eu não consigo explicar. Uma que sempre está comigo se refere à simplicidade extrema: duas garçonetes que não me lembro dos rostos, sequer, nos restaurante de uma multinacional para a qual trabalhei, elogiando uma jarra de inox como se um troféu. Por que essa imagem não se apaga?
Mas, nessa mistura de imagens, de repente caio num vazio, no vazio da absoluta ignorância. Não me ocorre, tal qual digo sobre a chuva, deixar a vida (também) rolar.
Não, não consigo. Não sei o que me espera o dia em que abruptamente ou pela velhice extrema deixar as surpresas e dores deste mundo meio sem sentido. Porque eu também faço a célebre pergunta, a pergunta que não quer calar, o que faço aqui? Encaro-me no espelho e confesso que muitas vezes não sei o que represento no meio dessas atribulações todas.
Se houver vida depois da passagem para o outro lado, como terei lá que viver? Afinal tenho por aqui, também, minhas delícias, minhas surpresas, delírios - converso com a Lua, a jarra de inox - e meus profundos desgostos. Terei o livre arbítrio de uma boa preguiça numa hora qualquer?
Mas, aprendi que a vida é assim, de delícias, estranhezas e desgostos. Por isso gosto de estar aqui.
As coisas são realmente complicadas, a partir das diferenças entre os semelhantes, alguns tão brutais que são menos semelhantes. Quanto já escrevi sobre isso! Quanto?
O que me chama mais a atenção e me põe sempre em alerta é a seleção aparentemente injusta dos que são chamados para entregar seus postos nesta onda de vida e partem para algum lugar – não sei que lugar é esse. Mas, há algum lugar?
Se der crédito aos sonhos, tinha um amigo que carregava algumas lesões congênitas que não permitiram que resistisse muito tempo e partiu. Um dia sonhei com ele: lá estava ele com seu rosto não muito definido, mas era ele, indicando que residia numa espécie de vila, com casas assobradadas, talvez geminadas com jardim e verde florido em volta. Será que as coisas são mesmo assim?
Que tipo de serviço será exigido de cada um nessa nova etapa?
Se aqui a regra é “trabalho”, não parece que nessas novas paragens para onde levados, serviços não sejam exigidos. Não acredito naqueles augúrios normalmente pronunciados: “descanse em paz”. Não creio que haja descanso. Paz, talvez...(?)
São mais que perguntas, verdadeiros dilemas que me assaltam.
Neste domingo de chuva, por acontecimentos de agora e do passado não escondo a perplexidade ao saber de amigos e figuras brilhantes, na faixa dos 40 anos, muitos saudáveis enquanto outros enfrentando graves doenças, dotados de conhecimentos a oferecer aos semelhantes mas que deixam a vida precocemente de modos diferentes. Alguns abruptamente num ataque impensado, impactante. (*)
Fora uma escolha proferida em outra escala?
Enquanto isso, no outro extremo idosos, que a muito custo mantém sua dignidade, nos desafiam a compreender esse critério de “escolha”...a dedo (?).
Seria uma advertência presente, que “a divina mente escola”, para lembrar de nossa fragilidade de um modo ou outro?
Que tudo deixamos nos lugares onde deixamos? De que fomos privados dos meios de haver com nossas coisas às quais nos apegamos?
Porque se trata de sono profundo que não nos é permitido acordar.. Romperam-se os fios. Há quem diga que vagamos no éter – por algum tempo...segundo o merecimento (?) Mas, há tempo?
Ficam as lembranças boas ou ruins entre os próximos mas que o tempo vai apagando. Inexoravelmente.
Estas questões todas voltaram a mim e me emociono com a minha ignorância nisso tudo. Serei digno, um dia em obter alguma resposta?
Provavelmente passado esse dia 1° do ano, o último de longos feriados, chamado para os meus serviços a que estou obrigado, pela vivência e sobrevivência, esqueça momentaneamente essas indagações todas.
Até o próximo 1° do ano, quem sabe, se der tempo.

(*) A propósito da morte precoce do jornalista e escritor Daniel Pizza, vítima de AVC aos 41 anos.
A poesia abaixo, que achei muito bonita, de autoria do amigo Caio Martins tem muito a ver com a crônica “Num domingo chuvoso”. Constitui-se outra forma de abordagem, variação do mesmo tema porque,
“O que corrói
é a espera...”

A ESPERA


Caio Martins


Te olhas ao espelho,
infinitesimal partícula cósmica:
- Que horror, a consciência do mundo!
Khronos, O Implacável,
comeu tuas façanhas,
as entranhas de teus versos
e não és, Poeta, senão
anti-herói de ti mesmo.
Feneceram-te musas e vestais,
as prostitutas do Templo
envelheceram...

- Que trágico! Que lindas... que loucas eram!

Aminimigos mortos
não tens mais batalhas:
as tuas guerras
perderam-se no pó da história
- da memória -
a esmo...

Nas tuas retinas estilhaçadas
não mais cabe o mundo;
ao redor ruge o caos
aos cacos.
Estás só!
A solidão, se nem a morte,
atemoriza... (Arre!)medos.

O que corrói
é a espera...

(img: cvm - estilhaços - 2012)

Fotos que ilustram a crônica são de Milton Pimentel Martins