29/04/2012

INGLÊS. AH, VOCÊ PRECISA MESMO APRENDER..


Quantas vezes tenho relatado episódios dos meus tempos de garoto atirado carregando meus grilos.
Pois, nos tempos do ginasial, eu não tremia com uma professora de inglês, da melhor qualidade?
Ela mandava preparar textos na língua para expor em classe e fazia sorteio pelo número do livro de chamada valendo-se de pedras de tômbola. Eu entrava em pânico. E se chamasse o meu número? Nem pensar.
Quando sabia que não suportaria aquela tortura, porque nada preparara eu fugia da aula, chegando a pular o muro da escola.
Esses traumas, obstáculos.
Mas, o inglês, seria o meu tormento pelo resto dos meus dias profissionais.
Tudo me conduzia para o idioma: numa das primeiras multinacionais que trabalhei, um dos meus trabalhos era traduzir currículos de americanos que fariam parte de processos de autorização para trabalharem no Brasil.
Na década de 70, na minha primeira viagem internacional pela América Latina – e não cheguei aos Estados Unidos porque tinha pavor de emudecer nos contatos com os americanos – enfrentei dois incidentes que me desgastaram.
Chego à Argentina falando um bom portunhol. Conduzido à antessala do diretor de RH me dirijo de modo amistoso à secretaria, falando portunhol.
Ah, o orgulho argentino. Reposta mal educada e lacônica:
-Yo no hablo portugués, espanõl e Inglés solamente.
Constrangido, entrei num processo de mutismo forçado como se a secretaria não existisse e eu não estivesse na Argentina. (*)
No México, em visita às pirâmides de Teotihuacán nas proximidades da capital, hospedado num hotel voltado para hóspedes americanos, passei maus bocados em muitos momentos culminando com a excursão, porque toda em inglês. (1)
Fazia-me de mudo. Nada era comigo. Que tormento!
Aí, tardiamente, estudei muito mas concluíra pelas minhas dificuldades reais com o idioma.
Uma professora de multinacional onde trabalhava chegara a afirmar:
- Você nunca vai falar inglês.
Estudando fortemente o idioma nessa multinacional eis que alguns anos depois fui para os Estados Unidos.
Já por lá, soletrava o idioma no começo com muita dificuldade. Os dias foram passando e, dependendo do interlocutor americano, esquecia que falávamos em inglês. Meus ouvidos estavam melhorando.
Prova de que estágio em país de língua inglesa, aguça a possibilidade da fluência. As palavras aprendidas em aula começam a aparecer com pronúncias variáveis.
E também se aprende o real significado de certas, digamos, pegadinhas: a sobra de refeição em restaurante que se manda embrulhar, usei o “please, dog bag” para salvar um “saldo” de pizza – aquelas adocicadas com “catchup” - que seria o mesmo que pedir para embrulhar, como me fora ensinado.
A supervisora do restaurante ao meu pedido, mostrou-se contrariada e o que fez? Trouxe-me um saco plástico e deixou comigo a tarefa de inserir o resto da pizza diretamente, sem o embrulho cuidadoso. (2)
“Dog bag”, ora.
Num jantar entre gerentes americanos e visitantes sindicais belgas – que falavam francês, espanhol e flamengo – cheguei a traduzir para um americano ao meu lado o que diziam os belgas. (**)
Naquela noite, voltei exultante para o hotel porque me convencia que poderia falar o idioma. Estava chegando lá.
Pensara no que dissera aquela professora:
- Eu a derroto!
Mas, depois dessa viagem, raramente precisei do idioma e ele foi sendo enfraquecido. Alguns anos se passaram.
Muitas vezes, nesses pesadelos acordado em que tinha que me valor do inglês, no sonho me vi em situações nas quais falava o idioma com bastante fluência.
Pois é, falava inglês dormindo, sonhando, mas sofrível acordado.
Anos depois, há uns três anos, voltei aos Estados Unidos a passeio.
Quão decepcionante para mim! Num dado momento, num “fastfood” precisava de uma colher – mas onde estava a palavra?
Apontei a colher para a atendente:
- Ok, you need a spoon!
- Yes, respondi logo.
Aquela professora me vencera.
(E a dizer que fui “sócio” oculto de uma escola de inglês!)

Referencias no texto:
(*) O orgulho argentino ainda prevalece. Há alguns anos, não tanto, lá em Buenos Aires pergunto a um guia turístico argentino orgulhoso qual banco fora adquirido pelo Itaú que possui várias agências em Buenos Aires.
Resposta do meu interlocutor:
- Nenhum é apenas uma franquia do Itaú.
Não consegui conter o riso irreverente. O Itaú vendendo franquia...

(**) “Flamengo”, conforme a Wikipédia: Flamengo (Vlaams) é o nome dado à língua neerlandesa à falada na Bélgica. Não existe nenhuma língua flamenga exceto o próprio neerlandês, que é a língua oficial principal na Bélgica: 60% dos belgas vivem numa zona onde o neerlandês é a única língua oficial. O francês e o alemão também são línguas oficiais no sul do país. O neerlandês é falado em toda a Flandres, da costa até Limburgo, embora Bruxelas, no centro da Flandres, seja oficialmente bilíngue (neerlandês e francês em condição de igualdade), o resto da Flandres é unilíngue.

(1) Ver crônica “Pirâmide de Teotihuacán e os arrepios da brisa” de 04.04.2010.
(2) Ver crônica “Camarões” de 14.10.2010

15/04/2012

POETA, CANTAI, CANTAI AS ILUSÕES DESFEITAS

I Minha juventude foi passada na cidade de São Caetano do Sul. Quanto já disse! Aos trancos e barrancos, em meio a flertes e paixões, de regra com meninas bem situados, economicamente, fui me envolvendo no meio estudantil e nem sei dizer como é que me envolvi com a imprensa nanica na cidade – nanica mas influente. Ainda me lembrarei. Naqueles tempos, São Caetano brilhava no ABC. Em plena ditadura, todo mundo meio desconfiado de tudo – olha o que fala, pense escondido! – a cidade fervilhava. E foi nessa onda que obtive alguma projeção na cidade, julgando-me alguém cujo futuro reservava a missão de promover grandes transformações sociais. Não importa o que pensavam meus interlocutores, tão malucos quanto eu. Para mim, eu era mais eu. Acho que o ano de 1965 foi a coroação de tudo em que me meti. Um ano doirado. Mas, já aí a idade me chamava. Afinal, colegas cdf já estavam ingressando nas melhores faculdades, especialmente no Direito do Largo de São Francisco. Não consegui chegar perto porque a despeito desses encantos eu era mau estudante. O acaso – ou a sorte – me abriu as portas para a PUC- SP. Teria que trabalhar para pagar a faculdade, fosse ela aonde fosse. Embora envolvido com políticos, um pouco por falta de coragem outro pouco por falta de estrutura não pensei em enveredar para a política. Trabalhando aqui e acolá, haveria que, num dia, encontrar um emprego que não me anulasse, que eu pudesse desenvolver os trabalhos com a mesma desenvoltura que tivera na imprensa local e nos movimentos estudantis que há pouco deixara, além de me formar no Clássico no mesmo ano. 

  II Não demoraria muito, fui trabalhar na principal multinacional da cidade (automobilística). Um choque tremendo. O supervisor tinha lá seus “grilos" a resolver, porque mal resolvidos - esses caras que um dia pensaram em ser padres -, tinha atitudes intempestivas e abusadas. Marca da ferradura. Ah, sim, tenho até hoje uma marca dela no peito já cicatrizada. Mas, dá para ver... Não posso dizer que tudo foram desenganos. Foi lá que viajei de avião pela primeira vez, foi lá que conheci Brasília, foi lá que aprendi a dirigir para valer, foi lá que me desinibi no seu âmbito ministrando palestras para supervisores mas, também, foi lá que ia encher o tanque do carro do chefe com alguma regularidade, ia colher assinaturas de documentos lá pelos fundos da fábrica e algo que me marcou muito: com a perua Veraneio da empresa rumei muitas vezes pela periferia mais periférica de São Paulo tentando achar empregados (os carinhosamente denominados “peões”) a ponto de me obrigar a compulsar o livro dos horrores no IML aquelas fotos “no estado em que se encontravam as vítimas”, para tentar identificar um empregado desaparecido. O ar por ali era ruim, odor de...carniça! Restos mortais... Muitos “desaparecidos” flagrei em pequenos botecos jogando bilhar com uma dúzia de cervejas já consumidas. Aquelas desculpas constrangedoras pela falta ao trabalho havia dias... Eu me convertera num operário de relações trabalhistas. Com o tempo e por conta do salário, dos laços familiares nascidos, fui me adaptando e, de certo modo, me anulando, aquele sentido de perda por tudo que julgava havia feito mas, como tudo na vida tem o outro lado, houve também momentos de empolgação. Mas, depois de tantas multinacionais, com tanta submissão hierárquica, me tornei retraído, as desilusões que me abatiam. Convivendo com algumas mediocridades. 

  III Numa das últimas vezes em que frequentara a pizzaria do Satriani – fenômeno -, no Ipiranga com a família, notei que no balcão de bebidas, um sujeito de aparência cansada, cabelos grisalhos, barba alta também grisalha, trabalhada, me olhava meio de lado, de modo discreto. Minutos depois, dirigi-me em sua direção, para pedir refrigerantes. O sujeito me encarou por alguns segundos, olhar ansioso e perguntou: - Você não é o advogado, que trabalhou na G.? Meio surpreso porque não o reconhecera, encarei-o, tentando me lembrar de onde teria havido algum contato com o interlocutor. Mas, o homem grisalho se apresentou: - Eu sou F., que trabalhava na área de projetos. Lembro-me bem de você, pelas palestras que você ministrava no curso de formação de supervisores. Esse ex-colega tivera atuação profissional destacada na multinacional a partir de suas sugestões, amealhando prêmios importantes, pelas alternativas e ideias que formulara em inúmeras oportunidades, reduzindo custos de operações e melhorando o próprio produto final. Trabalhara por mais de 30 anos para a empresa e para nenhuma outra. Fidelíssimo. Sua saída fora suave, conforme relatou. Sua demissão fora anunciada com calma. Recebera homenagens por tudo o que fizera. O primeiro mês do desemprego, para quem se envolvera tanto com a empresa, parecera um período de férias meio longo. Mas, os dias foram passando e, num certo momento, deu-se conta de que as férias seriam permanentes. Alguns meses depois, angustiado, entrara num estágio de depressão brava, tendo que ter assistência médica por meses. Chegara a se esconder num quarto escuro por horas, rejeitava ver ou falar com alguém, quem fosse. Relatara ele tal experiência, com muita emoção, ainda, concluindo: - Tudo isso porque para mim a G. fora uma extensão de minha vida e porque muitas das minhas ideias foram aplicadas diretamente nos produtos. Pela perda disso tudo sofri muito, mesmo nada tendo a reclamar dela. Para superar esse vazio, associara-se à pizzaria e estava “levando a vida pra frente”, conforme explicou. 

  IV Deparei-me muito com situações dessas, ex-empregados que desempenharam funções gerenciais que se vincularam tanto à empresa que não tinham outro assunto para conversa que não os “bons tempos” nela. Reúnem-se para relaxar mas o relaxamento se concentra nesses tempos do emprego, do feito e do não feito. Do ruim e do bom. Quanto a mim, depois de tantas multinacionais automobilísticas que trabalhei, não adquiri esse “hábito”, porque além do meu empenho profissional algo me provocava na interioridade e aquela angústia consequente. Saí delas, da última, de modo meio melancólico, porque retraído sim, mas minha sobrevivência fora sempre por eficiência profissional e não política. Saibam que há muita política por trás dos muros das empresas. 
(1) Quanto às desilusões foram muitas, tinha, talvez ainda tenha uma veia jornalística, mas é ao Direito que me curvo por tudo – pouco que seja – que conquistei. Até hoje. Há muito que relatar.
 (2) Poeta, poeta, cantai as ilusões desfeitas. 








  Legendas: (1) V. crônica “Pensamento forte” de 17.11.2010 (2) Crônicas relacionadas. São muitas: De 2009 19.04 – Versos para ninguém – dias de ingenuidade (I) 26.04 – “Tempos modernos” 03.05 – Versos para ninguém (II) 30.05 – A academia de São Paulo 21.06 – Raízes sancaetanenses (I) 11.07 – Raízes sancaetanenses (II) 03.11 – Encontros e desencontros De 2010 11.04 – Ternura, essa palavra feminina...(?) 14.12 - Camarões De 2011 17.04 – “Sermão da montanha, fragmentos históricos”

01/04/2012

“PAIXÃO MAL RESOLVIDA”

Não me chame de Leocádio. Não escolhi e não gosto do meu nome. Me chame de Leo, por favor. Leo lembra leão. Signo, de virgem, fazer o quê? De setembro. Gosto de astrologia, mas não esses astrólogos que fazem horóscopos diários, sabem?
Caras, há uns bons anos trabalhei numa grande empresa, num serviço chatíssimo. Não dava para aguentar. Tinha que cadastrar fichas guardadas nuns caixotes dos quais saiam até tesourinhas. Dava para aguentar?
Sem computador, faz tempo!
Mas, diariamente, de manhã e a tarde era servido o sempre esperado cafezinho e lá vinha uma humilde copeira, despejando a bebida quentinha para todo o salão.
Depois, com uma jarra de inox alvíssima enchia os copos com água dos gerentes, uns três nas salas em frente.
Tinha a impressão que sempre que chegava até à minha mesa, ela fazia algum gesto simpático. Servia o meu café e quase segurava minha mão. Roçava nos meus dedos.
- Bom dia senhor; boa tarde senhor.
Nesses meses todos entrei num processo de incontrolável paixão.

Saibam que naquela minha mesa acinzentada e gasta havia momentos de folga.
E esperando todas as manhãs e tardes a copeira, a minha Deise – um nome americano para margarida -, numa dessas folgas, rabisquei uns versos que irradiavam a minha paixão:




Menina, sua humildade é que me inflama
Sua voz de poucas notas doces e suaves inspira
Menina, olha por um instante a este que a ama
Sorri tão lindamente para este que mal respira.


Esta Deise, sua imagem, ficou comigo até há pouco. Ou talvez esteja até hoje. Achei que fosse uma paixão mal resolvida numa encarnação passada, porque não era possível que eu não a esquecesse.
Ai, soube de uma astróloga conceituada que respondia consultas feitas por carta.
Escondido, escrevi uma carta informando meus dados pessoais, nome, signo, essas coisas. Perguntei se nesse caso seria uma paixão mal resolvida num passado remoto da minha vida. Numa encarnação passada.
Passou um tempo, esqueci completamente da consulta. Não da Deise.
Uns dois meses depois, a resposta da astróloga veio lacônica:
“Senhor Leocádio, pode até ser uma paixão mal resolvida numa encarnação passada, mas está me parecendo que estou diante de um Leão virgem mal resolvido. Hoje!”

Fiquei surpreso e ofendido com a resposta. Tentei esquecê-la mas não havia jeito. Ela martelava na minha cabeça:
- Ora, pode ser que a astróloga tenha razão. Onde estará Deise. Envelhecida?

Seguramente sequer sabe quem eu sou ou fui. Vai se lembrar de modesto empregado e sua mesa gasta? Que esperava ela aparecer com o bule? Ora...
Comecei a lutar contra o “vazio”. Na hora do almoço, o perfume do feijão recém-cozido delicioso aguça a minha fome. Minha esposa cantarola na cozinha.
Mas, continuo não gostando do meu nome. Tenho que conviver com ele...
Prefiro Leo. Leão.