10/12/2013

RESENHA AMBIENTAL E ECOLÓGICA

I - Pássaros e passarinhos

Já disse tantas vezes que pássaros e passarinhos (também as borboletas?)  tem algo de brinquedo de Deus. É como para nós, quando crianças, empinar papagaio (diversão que vai sumindo como tantas outras) e torcer para que o vento batesse forte e levasse a armação colorida para o alto e ai, controlávamos, soltando a linha até que ele se tornasse quase invisível no céu.
Veja se não tenho razão quanto a serem brinquedos da Divindade, esse contraste de cores, de trinados, de belezas, conforme alguns "exemplares" abaixo.
Infelizmente não sei o "nome" deles - só alguns, o pavão, a coruja -, tão lindos, tão coloridos, tão inofensivos.

[E há os malvados que os aprisionam, comercializam e deixam que morram num  cativeiro sórdido, gaiolas minúsculas, maldades.]

Você já teve a emoção de segurar um beija-flor afoito que entrou na sala, atraído pelo buque de suco de uva e não conseguia sair? E aí precisou ser agarrado?











II - Minha convivência com bem-te-vis


Tenho a impressão que os bem-te-vis no passado não eram tão, digamos, "domesticados". Hoje, como resultado de diminuição do seu habitat, eles estão por toda parte e, quando próximos, muito me agradam.
Já relatei uma dessas convivências duradouras, mas quero deixar registrado aqui, neste "Temas" que pode ser mais amplo a pessoas que não se encantam tanto com a velocidade do facebook.
Então, sobre essa convivência com os bem-te-vis, escrevi:
Um casal se instalou no vão do ar condicionado do meu escritório. Toda manhã, nestes últimos meses, aqueles trinados estridentes, do “bem-te-vi”, “bem-te-vi”, a sombra às minhas costas das suas idas-e-vindas ao ninho. A foto 'melhorzinha' um deles, atento posicionado sobre o ar condicionado, vigiando o ninho e a palha que sobra fora, embora eles a reponham sem parar. Na foto 'piorzinha' – o vidro é espelhado – o casal no andar de baixo exacerbando o trinado de que “bem-me-viu”...



A manhã começara mal-humorada

Não bastara o café adocicado

Algo no jornal me deprimira

Uma notícia cruel e malvada.

Mas, ai um bem-te-vi

Na janela me avisou que me vira

Eu também te vi vigilante passarinho!

Encontro seus olhinhos entre as tiras da cortina.

Há um ninho nos vãos de ar condicionado, por ali.

A vida ainda se renova, bem vi.

Até quando, meu querido amarelinho estridente, até quando?

Abelhas e cardeais

No Pantanal matogrossense, numa pousada para uma parada rápida, recomposição e descanso, uma surpresa porque impensado para os caipiras das cidades.
Numa pequena casinhola de madeira, quirera espalhada na sua também pequena base retangular, aguça o empenho das abelhas em obter...exatamente o quê?
- É o melzinho que tem o milho naquela parte branca, explica o caboclo.
Ora, pelo modo como elas se empenham sobre o milho picado, quase imóveis, parecem embriagadas ou querendo assim se tornar.


Não ligam em dividir a “iguaria” com dezenas de cardeais, aqueles pequenos passarinhos, de penugem vermelha na cabeça que se apoiam na casinhola e também avançam sobre a quirera. (Transcrito da crônica "Essas coisas de Mato Grosso" de 24.07.2012, neste blog)

III - Flores  e canteiros

Sempre sou criticado pelos meus canteiros e jardins, nos quais faço predominar flores, lírios, chorões, tentando um contraste com dracenas e folhagens. E aí falta estética, combinações.
Alguns desses canteiros já divulguei em outro local. 
Mas, as flores estão avançando ficando bonitas. entre "onze horas", gerânios, lírios, ixora,azálea... não tenho que me preocupar se a estética é pobre. As multicores são vivas, e compensam o "desarranjo".  










A DEVASTAÇÃO DA AMAZÔNIA

Quanto já escrevi sobre isso. Mas, neste meu canto e em qualquer outro que se apresente, falarei sempre. Vejam que absurdo! Por aqui se comemora a diminuição de áreas devastadas como se tal medida significasse alguma esperança de preservação íntegra da grande Amazônia.  Não critico o grande jornal de São Paulo, porque esse tipo de manchete é comum: "Desmate na Amazônia sobe pela 1ª  vez em 4 anos".
A manchete esperada é esta: "Não há desmate na Amazônia há 4 anos". 
Pois bem, a notícia dá conta de que  a devastação de agosto de 2012 a julho de 2013 fora de 5.843 km² contra 4571 km² em no mesmo período de 2011 a 2012. A soma da irresponsabilidade em 2 anos: 10.414 km². EU DISSE 10,4 MIL QUILÔMETROS QUADRADOS.


                (Desflorestamento no Pará, foto de Nelson Feitosa - Ibama)

Além da madeira ilegal levada a rodo, a área semi-desertificada servirá para plantio de soja, de cuja colheita parte servirá para o preparo de ração de gado ou para pasto do próprio gado.
Até quando esse nível de irresponsabilidade, de descaso a essa reserva que tem influência forte sobre o próprio clima da Terra?



Na 19ª Conferência do Clima realizada em Varsóvia foi enfatizada a tragédia provocada pelo tufão Hayan nas Filipinas. O negociador filipino Yeb Sano, muito emocionado com as 10 mil vítimas mortas pelo tufão, desafiou aqueles que não acreditam na realidade das mudanças climáticas, que visitassem as Filipinas naqueles dias tenebrosos.

                            
                               (Devastação na Filipinas: Tufão Hayan) 

 E apelou Sano para que a conferência de Varsóvia fosse aquela que "acabe com essa loucura." (da degradação climática).

(Imaginem milhões e milhões de carros, no mundo todo, expelindo monóxido de carbono...imaginem!)


CHUVA DE OURO PEQUENA, SORRI


Tão sorridente, brilhante
Nem a ventania forte a verga
Admirada por quem passa
Indiferente para quem vê, não enxerga.

RIO TIETÊ POLUÍDO  

O rio Tiete e o seu curso cortando todo o Estado de São Paulo. A sua degradação e a degradação generalizada dos mananciais. 

Se tem algo que me preocupa é o rio Tietê por sua poluição contumaz e, o máximo de contradição, a necessidade crescente de água potável na Grande São Paulo.
O rio Tietê tem um traçado surpreendente. Nasce nas vizinhanças do mar, mas desce atravessando todo o Estado de São Paulo. Há uma explicação geológica: sua nascente se encontra na cidade de Salesópolis (110 km de São Paulo), a cerca de 1.100 ms. de altitude. No seu curso, ao atingir Barra Bonita (282 km de São Paulo) a altitude da cidade já se reduz para 450 m. E nessa “descida” sua foz se dá na barragem do lago Jupiá, Rio Paraná, depois de 1.150 quilômetros de percurso.


                 (Nascente do rio Tietê em Salesópolis entre pedras).

Se me desviar para explicações não naturais, diria que o Tietê é obra da Providência, como se adivinhasse que por ali surgiria uma imensa metrópole que precisaria de água, necessidade que se estenderia por todas as outras regiões e cidades banhadas pelo rio.

Mas, o Rio Tietê vai bem na denominada região do Alto Tietê mas, como já tanto se disse, é um esgoto a céu aberto a partir da cidade de Mogi das Cruzes agravando-se a degradação já entrando em São Paulo. Muito se promete, mas nada muda. E há estudos prevendo que em pouco tempo municípios da grande São Paulo, incluindo a Capital,  terão (e já têm) problemas de abastecimento de água potável.

Houvesse juízo político e o Rio Tietê seria uma prioridade já há décadas e hoje seria fonte de abastecimento de água na Grande São Paulo.



("Monstro do lixo" - Parque de Lavras - Salto [SP] autoras Iriana Scalet Roque e Suelio Bernadochi - do lixo "obtido" no Rio Tietê).

Em tempohá noticia informando que convênio firmado entre o Governo do Estado de São Paulo e o governo da França resultará na aplicação das mesmas técnicas de despoluição utilizadas no Rio Sena, de Paris, ao Tietê de São Paulo. Todas as orações e esperanças renovadas.


PRIORIDADES ABANDONADAS

No que se refere aos municípios brasileiros, já se disse que a maioria deles deverá ser afetada pelo desabastecimento. Há ai, em curto prazo, um grave problema a ser enfrentado.

Claro que na produção de alimentos, o consumo de água é imenso. Mas, não posso defender, por absurdo, que haja diminuição nessa produção, mas não posso omitir o desperdício. Essa é uma questão central. Não há muito foi divulgado que o consumo de água para a produção de carne bovina, revelam dados assustadores: - para 200 kg de carne bovina, estima-se que o animal abatido após três anos de vida consumiu direta e indiretamente mais 1.300 quilos de grãos, 7.200 quilos de feno e outros, 24 mil litros de água para beber, 7 mil litros de água para manutenção geral. Para toda essa estrutura de alimentos e água, o boi abatido consumiu mais 3 milhões de litros de água, significando por quilo de carne, 15,5 mil litros de água consumida. (1)

Mas o e "efeito xixi"? Ora, direis, ele se dilui na natureza e acaba voltando para os mananciais como água isso quando não escorre "in natura"  diretamente para os rios e reservatórios. E mais o estrume – que também afeta o aquecimento global -, misturada aos dejetos humanos temos uma bela sopa para dai extrair a água potável (?!) a cada dia com o crescimento de consumo. Temos uma perspectiva de caos em curto prazo.


O Brasil é realmente o país das contradições, do carnaval e do futebol. Vem vindo aí a Copa do Mundo em 2014 que está exigindo investimentos imensos para estádios, infraestrutura grandiosa no entorno, aeroportos ampliados mas pouco com a infraestrutura considerada gênero de primeira necessidade, como cuidar da água potável [eu disse água potável!], dos esgotos – pensar numa tecnologia agressiva para ele a para o lixo.
No futebol, se tudo der certo, gritaremos os gols do Brasil e, no final, campeões ou não, passadas aquelas emoções, ainda sob o cheiro forte da fumaça dos fogos, tudo voltará ao dia-a-dia com tudo por fazer...e grandes estádios ociosos.

Referências:

(1) Jornal O Estado de São Paulo de 21.03.2011. Acesse, artigo no mesmo sentido: http://www.syntonia.com/terra/artigo-impactos-ambientais-do-consumo-carnivoro/index.htm;









19/11/2013

CONSCIÊNCIAS [Branca e Negra]



O “dia da consciência negra” (20 de novembro) e a “consciência branca”. Entre Zumbi dos Palmares e Joaquim Nabuco e José do Patrocínio. A abolição da 
escravatura em 13.05.1888.



De um prospecto sobre o 20 de novembro:

“O Dia da Consciência Negra é dedicado à reflexão sobre a situação do negro na sociedade brasileira e celebrado em 20 de novembro. Esta data foi escolhida por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695. Durante cem anos (1595-1695) o Quilombo dos Palmares (situado entre os estados de Alagoas e Pernambuco) constituiu um foco de resistência aos ataques da Coroa. Em função da sua importância, tem sido um marco nas relações sociais e culturais que contribui no fortalecimento de ações para ampliação da cidadania”. (1)

Não será preciso dizer mais.

Essa “consciência”, dizem muitos, tem até mesmo o condão de ofuscar a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel em 13 de maio de 1888, mal lembrada e comemorada, quase dois séculos depois da morte de Zumbi.

[Neste artigo (ou crônica) de 22.11.2009 mantido nos seus fundamentos, a seguir resgato um pouco da “consciência branca” que resultou na libertação dos escravos naquela data.]

CONSCIÊNCIAS [Branca e Negra]

Há alguns anos, uma edição de bolso, a obra “Minha Formação” de Joaquim Nabuco veio às minhas mãos duma dessas gôndolas giratórias de livraria. (2).

Como relatei antes, pouco sabia de Joaquim Nabuco que nascera no Recife em 1849, era rico, monarquista e abolicionista ferrenho falecendo em 1910 em Washington, como embaixador do Brasil.(3)




Livro com texto rebuscado, porque Nabuco fora sobretudo um intelectual, ao chegar à última página lamentei, sabendo que um dia desses teria que reler a obra.





Trata-se de um documento valioso porque fora escrito por alguém contemporâneo aos fatos e que, em muitas ocasiões, fortemente, tivera influência sobre eles.

Atenho-me à sua luta abolicionista.

Morando com a madrinha, ainda menino tivera Nabuco uma primeira experiência com o temor de um escravo que fugira duma senzala e agarrara seus pés, implorando que fosse comprado por sua madrinha porque o seu senhor, muito severo, castigava seus escravos com crueldade.

A partir dessa experiência, revelando que absorvera a escravidão “no leite materno que me amamentou” [de uma negra], “uma carícia muda” que o envolveu diria: “Assim eu combati a escravidão com todas as minhas forças, repeli-a com toda a minha consciência, como a deformação utilitária da criatura...”

Com a morte de sua madrinha, dona do engenho Massangana, relata ele quando de sua volta 12 anos depois, referindo-se aos escravos que o serviram:

“Não só esses escravos não se tinham queixado de sua senhora, como a tinham até o fim a abençoado. Eles morreram acreditando-se os devedores (...) seu carinho não teria deixado germinar a mais leve suspeita de que o senhor pudesse ter uma obrigação com eles, que lhes pertenciam.” (*) (...) Oh! Os santos pretos! Seriam eles os intercessores pela nossa infeliz terra, que regaram com o seu sangue, mas abençoaram com seu amor!”

[(*)Essa frase tem suscitado dúvidas de significado. Tento esclarecer: o 'senhor', proprietário dos escravos é quem tinha obrigações com eles e. portanto, o 'senhor' pertencia a eles, escravos, e não o contrário.] 

Claro que esse sentimento de gratidão de Nabuco provinha do que recebera de seus escravos que, no fundo, fora viva retribuição do modo como foram tratados no engenho de sua madrinha Ana Rosa.

Fora o Brasil o último país a promover a abolição dos escravos, fato que “humilhava a nossa altivez e emulação de país novo”, embora ocorressem muitas libertações gratuitas. Há referências de que na Província (Estado) de São Paulo, até 1885, cerca de 11 mil escravos haviam sido libertados, embora Nabuco revelasse que em 1879, quando iniciada a campanha abolicionista estavam ainda sob jugo quase dois milhões de negros.

O tráfico deixara de ser praticado em 1850. Em 1871, a Lei do Ventre Livre determinara que os filhos dos escravos, até que completassem oito anos ficariam com a mãe. Depois dessa idade, até os 21 anos, prestariam serviços aos seus senhores, o que significava “um regime igual ao cativeiro.”

Em 1888, Nabuco, como deputado, depois de constatar que o clero saíra da neutralidade em relação à abolição, resolvera ir a Roma e obter uma audiência com o papa Leão XIII – subscritor da encíclica “Rerum Novarum” de 1891 que entre outros temas apontou as condições subumanas de trabalho e as extensas jornadas exigidas dos operários – na qual solicitaria uma declaração do pontífice contra a escravidão no Brasil. Fora muito bem recebido e sensibilizara o papa. Mas a abolição viria logo, poucos dias depois com a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel em 13.05.1888.

Nabuco explana que ao assinar tal lei, sabia a princesa que dos negros só poderia contar com seu sangue e “ela não o queria nunca...” e que a classe proprietária “ameaçava passar-se toda para a República...”

Ela seria proclamada 18 meses depois. À família imperial fora imposto o exílio imediato.

A abolição dos escravos não se constitui causa próxima do advento da República [mas é uma causa, o Império já capengava], até pelo modo como fora proclamada, atabalhoadamente, sem convicção por Deodoro.

Mas, não deixaria a princesa Isabel de comentar:

“Talvez seja devido a essa lei que estejamos indo para o estrangeiro, mas se as coisas fossem repostas, não hesitaria em assiná-la”, apontando para a mesa na qual havia mandado gravar no mármore a data 13 de maio de 1888.” (4).

Com Nabuco muitos outros abolicionistas têm sua luta gravada, inclusive os que a ele se uniram, uma luta de consciência branca, negra, incansável. Consciências, redenções, mesmo que a cor da pele, então, fizesse diferença, a nossa vergonha que até hoje de um modo ou outro ainda reacende.

∞ 

Livro de Laurentino Gomes (5)

“1889”

Como diz o título, no livro o escritor explana sobre o antes, o durante e o depois da proclamação da República e detalha num capítulo a abolição da escravatura.
Desse capítulo além da luta de Joaquim Nabuco, entre outros, dois mulatos se destacam:

LUIZ GAMA, filho de negra liberta com português, mulato, vendido pelo pai quando em dificuldades financeiras, formou-se advogado tornando-se ferrenho defensor dos negros escravos. Por uma tese que defendia, a de que a agressão dos escravos aos seus senhores constituía-se legítima defesa pelos maus tratos que recebiam, foi ameaçado de morte obrigando-se a andar armado.


JOSÉ DO PATROCÍNIO, filho de um vigário com negra escrava, mulato, formou-se em farmácia, mas não exerceu a profissão, tornando-se professor e jornalista. Abolicionista, republicano – co-proclamador da República diante das vacilações de Deodoro da Fonseca -, chamou a princesa Isabel, de “a redentora”. Não fora, pois, um abolicionista branco que a homenageara com esse qualificativo.


Onde ficam esses heróis e suas consciências?


Referências

1. Prospecto da Prefeitura Municipal de Piracicaba (SP) – Secretaria de Ação Cultural (2009);

2. Joaquim Nabuco, “Minha Formação” – edição Martin Claret (a falha nessa edição constitui-se na falta de notas explicativas a determinados episódios muito pessoais do autor que exigiriam esclarecimentos de rodapé);

3. Sobre minhas “relações literárias” com o abolicionista, ver minha crônica recente, de 11.11.2013, “Memórias, fragmentos e coisas afins”;

4. Revista “Veja” – Edição especial – “República”, de 15.11.1989;

5. Laurentino Gomes, “1889” – Globo Livros / 2013.


MORGAN FREEMAN

A posição direta contra o dia da “consciência negra” é do ator americano, Morgan Freeman (“freeman” = homem livre):









11/11/2013

MEMÓRIAS, FRAGMENTOS E COISAS AFINS

 
Banho de Lua

Tenho algo a ver com a Lua mas não me considero (muito, epa!) lunático.
Sempre me agrada lá pelas tantas da noite dar uma olhada para a Lua como se fosse algum corpo que acaricia ternamente com a sua luz prateada.

Ora, direis, estais a fazer poesia!

Mas, não, madrugada dessas, lá pelas três e tanto acordei com um facho de luar me iluminando, avançando por uma fresta da janela entreaberta.

Gostei, olhei para a Lua, as nuvens a cobriram em segundos.
Poucos minutos depois o facho estava de volta sobre o meu rosto. Que momento inspirador!

Permaneci acordado até que os movimentos do pequeno planeta apagassem a tépida luz prateada, coberta novamente pelas nuvens.



Nessas madrugadas, particularmente essa iluminada volto-me para aquele passado longínquo e com pouco a me arrepender. Quando me voltam episódios ao quais me arrependo faço uma reflexão e tento superar por aqueles outros que me instigam por todos esses anos.

De repete, volto-me para um bairro da cidade de Santo André, Utinga (“Águas claras” em tupi), vizinho de São Caetano do Sul – cidade onde vivi momentos expressivos na minha juventude.

Mas, por que Utinga?

É que como péssimo aluno, fui jubilado do principal Colégio do Estado da Região, o Bonifácio da Carvalho.

Apesar disso, sequer cogitei de parar de estudar. Jamais.

O Colégio de Utinga ("Amaral Wagner") era de bom padrão. Todo dia lá ia eu apressado para a estação de trem de São Caetano para curta viagem até Utinga, estação seguinte, ou ônibus lotado, ou mesmo a pé.



Foram muito bons meus dois anos lá.

Não demorou muito, fiz amizade com um professor de português, muito querido, o “Caveirinha”, de tão magro que era, rosto chupado, bochechas encostando nos maxilares, pele mulata, cabelos lisos, fã incondicional de Joaquim Nabuco, pernambucano como ele. (*)

Fez um concurso literário sobre o grande abolicionista. Concorri e obtive o 2° lugar. Ganhei uns trocados de prêmio e aumentamos a nossa amizade.

Se bem me lembro, tinha ele envolvimento com algumas lideranças do bairro, muito extenso. 

Havia um movimento “surdo” para promover a autonomia do bairro, fazendo-o um município independente de Santo André. Idealista como era, para defender esses ideais, fundou um jornal de quatro páginas, “O Independente”, no qual me envolvi até o pescoço.

Alguns dias da semana, saía a cata de anúncios, sempre obtendo algum resultado. Havia um comerciante de ferragens, que toda vez me recebia bem e sempre autorizava anúncios para o jornal.

É sempre uma luta, quando se trata de jornal pequeno e sem capital. Acho até que o professor para fazer circular alguns exemplares semanais cobria o déficit do próprio bolso.

O movimento autonomista de Utinga não vingou. Que eu saiba nunca mais essa tentativa voltou.

Talvez poucos se lembrem por lá disso desse projeto frustrado mas sob o luar intenso tudo isso revivi com prazer e saudades.



Depois de formado, voltei ao Colégio Bonifácio de Carvalho, de São Caetano do Sul, matriculei-me no Clássico mas isso já é outra história não menos saudosa. Fica para outra vez.

Pequenos êxitos

Essa ligação, sempre, mesmo com a pequena e mesmo média imprensa, na verdade, já devo ter dito isso antes, não fiz jornalismo, optando pelo Direito que, na verdade, era o curso motivador por excelência para todos aqueles que cursavam humanas no colegial naqueles idos.

Nessa angústia de publicar e publicar, certo dia, em 1974 remeti um artigo ‘jurídico’ para o jornal “O Estado de São Paulo”.

O artigo foi publicado com destaque, uma alegria só, porque a página era coordenada por um ex-ministro do TST, já falecido.

Pouco tempo depois, em fevereiro de 1975, um segundo foi publicado no grande jornal.

Aí, transbordante, eu achei que era “dono do pedaço”. Artigos sem qualidade, ficaram sobrando, mas estaria mentindo se não reconhecesse, certo “estado de graça”, então, pelos trabalhos publicados no grande jornal.

Naqueles tempos, sabem.

Depois disso, de eventos diversos eu participei, palestras, congressos. Tudo ficou no tempo! 
Que interesse há? Estão mal arquivados em pastas que envelhecem e amarelam.

Tempo inexorável, meus amigos. Não há como escapar.



Quando da 3ª edição do meu “Sindicalismo e Relações Trabalhistas”, saudoso amigo meu escreveu no mesmo jornal sobre mim e sobre o livro, com palavras gentis. A edição estava muito ruim por descuido imperdoável da editora que não procedeu à sua tarefa de revisão, talvez porque eu fosse considerado peão, perto daqueles ministros todos que ela patrocinava.

(Eu recebi carta de profissionais de relações trabalhista da Bahia, questionando essa má revisão).

Mas, sobre mim, disse esse amigo (diretor de RH de multinacional) com gentileza: “...pessoa simples e modesta, até com traços de aparente timidez, não é de hoje que vem dando importantes contribuições ao desenvolvimento de modernas relações trabalhistas e o melhor entendimento do sindicalismo no Brasil. (...) é advogado de esmerada formação jurídica, mas não se deixa envolver no uso exagerado do chamado “advogadês”; ao contrário, consegue comunicar-se de maneira simples, em linguagem ao alcance de todos os mortais capazes de ler, sem em nenhum momento resvalar para a vulgaridade.”

Esses amigos, hem, que se encontram poucos.

[Quanto à “aparente timidez” a que se referiu esse amigo, talvez ele tivesse alguma razão, porque no passado eu conseguira superá-la; já houve, por outra, quem dissesse que eu não me relacionava bem. Provavelmente, por causa dessa “aparência”, seja verdade.]

Tiro de guerra

Sou reservista de 2ª categoria. Não escapei ao Tiro de Guerra.
Tantos e tantos anos depois, o que posso dizer é que tudo aquilo fora uma festa.
Soava em quase todas as marchas e prontidão, o grito do sargento: “- 61, dez flexões por errar o passo da marcha”... e lá ia eu para o castigo, para satisfação do sargento exultante; “ - 361, comporte-se, arrume o bibico, será possível!”



E por aí as coisas caminhavam.

No exercício de tiro para obter o certificado, o sargento fazia de conta que eu acertava o alvo. Eu nunca achava no alvo os meus tiros que se perdiam no éter.

Aprendi a muito custo desmontar e montar o fuzil 1908 (!)

As marchas eram de 20 ou 30 quilômetros estafantes, mas suportáveis, vá lá...

Para a corrida de oito quilômetros que todo o TG participou, eu me cansara demais na véspera, sábado, andando para cima e para baixo (não havia carro, não, ô meu, era tudo a pé – uma 'fuca' 1300 era espécie de trono que os riquinhos ostentavam e dirigiam).

Corri os 8 quilômetros, língua de fora, cheguei honrosamente ao fim mas minha classificação foi medíocre.

Tudo uma festa que me atrapalhou um pouco a vida profissional, mas sobrevivi.

Pequenas experiências que transbordam da memória.



(*) No dia da "Consciência Negra" (20.11.2013) publicarei um artigo, "recuperado" de outra publicação no qual destaco a atuação de Joaquim Nabuco na luta abolicionista.

Crônicas correlatas neste blog

1. “Idade” de 13.05.2013
2. “Poeta, cantais as ilusões desfeitas” de 15.04.2013
3. “A estação de trem e sua luz” de 05.06.2011
4. “Da vaidade ao pó” de 24.04.2011
5. “A história de uma edição” de 31.10.2010

Fotos:

As fotos de locais específicos, são da época,

1. Estação de trem de Utinga
2. I. E. ”Cel. Bonifácio de Carvalho” de São Caetano do Sul

3. Noite enluarada de Milton Pimentel Martins

30/09/2013

ADVOGADOS e ADVOCACIA. Impressões de “antigo” advogado




Da cachaça ruim aos néctares

Não raro, quando lhe caia nas mãos um caso difícil, alguma doença que não sabia diagnosticar ou curar, seu amor-próprio recebia golpes terríveis que o deixavam por algumas horas, às vezes durante dias inteiros, mal-humorado e já quase decidido a abandonar a profissão.” (1)

Este trecho foi extraído de obra de Erico Veríssimo como forma de abrir esta crônica porque o personagem ali situado era médico (Rodrigo Cambará) e se referia àqueles casos em que a solução escapava totalmente de seu controle ou de seu conhecimento. 

Mas, ele se recuperava quando outro caso se lhe apresentava e obtinha êxito no diagnóstico e tratamento.

Pode haver um risinho de desfeita no que direi, mas num dado instante de ambas as profissões, a advocacia e a medicina, elas se tocam, ora no diagnóstico, ora no desgosto do resultado, ora na angústia do que foi feito porque não há como voltar ao ontem, especialmente quando tudo fora feito para sequer se pensar no mal resultado embora possível.

Quanto a mim, com mais de quatro décadas de profissão, ou mais ainda, ingressando nela ainda não diplomado, há desses dias amargos, dias em que costumo dizer para meus próximos:

- Estão vendo aquele canto ali do meu escritório? Pois é ali que bato a cabeça para curar os meus desgostos e, depois disso, aguardo o dia seguinte para tentar consertar tudo o que não deu certo hoje. Pensar no que fazer, um recurso ou o que mais houver.

Não trato com a própria vida numa mesa de cirurgia, mas com quanto de emoções, de esperanças pelo justo, com lágrimas pelo injusto primitivo que prevaleceu e, nesses casos, quão difícil explicar tecnicamente as causas: um tribunal que muda a maneira de julgar uma mesma tese, um juiz “técnico” e não jurista que julga mal, uma tese honesta que não foi acolhida até nas últimas instâncias.

Pergunta difícil:

- Por que ele ganhou e eu não? Não era a mesma causa?


Mas, não são somente amarguras que para mim são menos. Há aqueles tempos em que tudo dá certo, temas complicados que são acolhidos, às vezes no último minuto do último recurso.

Quantas vezes me deparei com esses êxitos? E, ao final, no fio último de esperança, na vitória que se materializa a tal ponto que nem me animara a comemorar: o desgaste todo até esse êxito fora imenso. Às vezes penso em mãos de divindades intercedendo. 
Como naqueles casos em que se desenha desastre iminente que algum empurrão que não se sabe de quem o desvia do ponto do grave atrito.

E, assim, me resigno a erguer um olhar para o alto.

É por isso que os êxitos médicos e da advocacia podem dar um mesmo sentido incomum de perda e ganho, de derrota e vitória.

Como não sou médico, o que posso dizer é que, por causa dessas variáveis da profissão do advogado quando exercida no seu rigor ético-profissional, ela se torna empolgante, até mesmo pelas possibilidades que concede em mudanças sociais na participação política e de construção jurisprudencial.

Mas, eu sei também que, no êxito, quanto ouve o advogado que “não fizera mais do que sua obrigação”, afinal fora “bem pago para isso”- embora haja, sim, reconhecimentos - mas se na derrota ela tivera como causa a “atuação falha do advogado.”

A culpa nunca será atribuída às reais vacilações de juízes e tribunais, mudanças de entendimento e quanto pode demorar um julgamento. A culpa tende sempre a ser atribuída ao advogado.
Apesar disso, como disse linhas acima a profissão tem sua empolgação máxime quando a demanda fora complexa e vitoriosa.

Por causa dessas alternativas, não consigo dela me separar.

Uma espécie de cachaça ruim da qual estou irremediavelmente viciado, mas há, também, aqueles momentos em que a alquimia jurídica a transforma em néctares. E eu os aproveito no silêncio da reflexão.


Em 27.06.2010, neste Temas, publiquei este relato e, sendo relato, verdadeiro:

“Minha idade de vida? 92 anos”

Desço tranquilo do 5° andar do Fórum João Mendes, em São Paulo. As coisas tinham caminhando bem nos meus (poucos) processos por lá e por isso havia baixado meu estágio “normal” de tensão quando da subida.

Alojo-me bem na frente da porta do elevador e ouço um velhote, mas bem idoso mesmo, debatendo com outro idoso algumas questões jurídicas.


Volto-me e me surpreendo com ele, magrinho, baixo, cabelo ralos dividido no meio. No térreo não resisti:

- O senhor é advogado militante? Posso perguntar sua idade?

O velhote me olhou de alto a baixo, segurou firme a gravata verde, vacilou um pouco, e respondeu:

- Sou advogado e minha idade são 92 anos.

- Mas o senhor ainda exerce a profissão?

Diante da resposta afirmativa, aquele que parecia ser seu cliente, também idoso, arrematou:

- E ele viaja para outras cidades para audiências e o que mais necessário.

Revelei minha admiração pela sua disposição para o trabalho e me envergonhei um pouco pela minha preguiça, mesmo depois de estar me aproximando das quatro décadas advogando ou indiretamente me valendo da advocacia para outros tipos de trabalho.

A advocacia é uma espécie de cachaça embora de má qualidade que vicia.

Sai para a rua de São Bento nos rumos de um velho bar para um lanche reforçado. Na frente da estação do Metrô, a uns dois passos do Largo de São Bento.

- Bom demais tudo isto! (2)

 Referencias:

(1) Erico Veríssimo, “O Retrato 2” (“O Tempo e o vento”);
(2) “Eu amo tudo isto?” (2° Cena) de 27.10.2010