10/10/2014

SAUDADES & [Outras] 'ORAÇÕES'

Algum remorso

Dos meus filhos pequenos – quem me dera voltar no tempo e fazer coisas indiferentes! Brinquedos, folguedos, participação, carinho.
Gratidão aos anjos
Aos meus anjos da guarda de me guiarem naqueles tempos loucos de descer uma longa avenida em declive radical, de bicicleta e outras barbaridades (rua Baia Grande, Vila Bela, SP até a ponte do rio Tamanduateí – divisa com São Caetano – que não existe mais).
Ando esquecido deles mas acho que eles estão por perto não esquecidos de mim e no silêncio sopram sabedoria nestes tempos difíceis.
Nestes tempos em que sobram sopros malévolos.

Passeio Astral
Chego perto do Cine Vitória, de São Caetano, numa madrugada escura. Que viagem é essa? Era nesse ponto, ali naquela esquina (Baraldi com Santo Antônio) que se davam os encontros e debates entre estudantes e acadêmicos. Tive vontade de falar... com quem? O cinema não existe mais, onde os seus frequentadores, onde os debates que resolviam a vida, o país sempre sem solução? O tempo passou (passou?) e estou aqui nessa escuridão da madrugada.



Preciso estar fisicamente por ali dia desses. Deve valer a pena repensar. Parar um pouco.

Constrangimentos, lembranças
De um professor de matemática, eufórico, no exame oral, com um visitante ao seu lado. Seus alunos não sabiam nada dos exercícios das provas. Na minha vez, vi-me exposto a coisas “em grego” transcritas na lousa para resolver. Eu era a esperança. Nada feito. Frustrado. Nervoso, constrangido aprovou todos. E o visitante parecia compreender o analfabetismo matemático de seus alunos que nas aulas faziam cara inteligente. Nas provas, só colas. Nos exames faltaram elas.





Inglês
De uma professora de inglês, rigorosa ao extremo desejando que seus alunos aprendessem a língua da América na marra. Nas chamadas orais para interpretar em inglês um texto na classe, rezava para não ser sorteado. Seria zero e a vergonha. Anos mais tarde pagaria pela minha negligência e dificuldade em aprender o idioma. Um trauma.
A minha necessidade de inglês chegara a ser tão intensa mais tarde que me “matriculei” num curso em São Paulo que usava um certo método se não me engano denominado “teleométrique” que além das aulas teóricas, muito corridas, exigia por algum tempo, a fixação de microfones atrás das orelhas, no osso mastoide, que transmitia sons da língua que iam direto para o cérebro. Resultado final: zero!
Foram muitas as rezas para recuperar o tempo perdido.

Solidão
Pode não ser o vazio da existência. Ela pode preencher a alma com revelações inesperadas, interiores. Lembranças e esperanças. Além de se misturar aos livros quando é sério o vazio.
Um pouco de música clássica não ajuda também a superar esse sentimento de perda?

Saudades
Da missa das 10h40 da matriz de São Caetano. Praça Cardeal Arcoverde. As meninas desfilavam bonitas e elegantes. Flores.
Do baile anual das debutantes na Associação Cultural, no salão do prédio do Cine Vitória. A fina-flor e algumas flores meio artificiais. Mas, havia beleza. Que tempos primorosos.

Infância
Dos divertimentos de rua, jogos de taco, da bolinha de gude. Achar o tesouro no barranco na Vila Bela. A televisão era remota. Não havia a rede global alienante. Não havia computador, nem internet, jogos na tela, facebook – mesmo que ele tenha facilitado o “direito” de qualquer dos seus membros em se comunicarem.
Se comunicarem ou se alienarem no nada mentalizar.

Saudade adocicada: Esquálidus
Na década de 50, a figura misteriosa de Esquálidus, amigo de Mickey nos quadrinhos de Disney. Se bem me lembro era um ET provindo da Lua que no começo não conseguia se comunicar com Mickey.
Depois se comunicava em todas as línguas – falava com a letra “p”: pLua, pamigo... - falava com os animais e plantas. Previa o futuro, tinha força incomum, atravessava paredes e levitava.

Com todos esses poderes não se lembrava, porém, da palavra mágica para voltar à Lua. - ou de onde viera. Um dia Mickey ordena: “vamos dar o fora!”

DAR-O-PHORA era a palavra mágica. E, com ela, pronunciada, deixou a Terra e os quadrinhos do Mickey.
O tempo fica e a gente passa. Inexorável.

Plantas e árvores
Protesto perante manacá de jardim que não floria, como floriam os das vizinhanças.
No dia seguinte, sábado, ouvindo meus apelos, não só floriu como perfumou o corredor. Tinha a impressão que ao chegar perto, o perfume se tornava mais...perfumado.

Tenho o direito de pensar que as plantas têm seus desejos e respondem a estímulos.

Vejam esta árvore – seria ficus? – que vez por outra visito. Sob sua fronde há dignidade, o clamor pelo respeito e o verdadeiro mistério que suas vibrações exalam. Vibrações serenas de paz e emocionante humildade. E essas coisas têm muito com divindades em sua volta. (*)
Pergunto, então, qual a repercussão moral que decorre da devastação das florestas? Dessas catástrofes ambientais? O “suor” das matas não são as chuvas? Qual a repercussão moral pela degradação simultânea da fauna?
Há um preço que temos que pagar pela insanidade, pela imoralidade. E pagamos.
(*) Essa árvores pode ser vista "ao vivo" na área verde do Carrefour Piracicaba
Amigos
Posso afirmar que os tenho. Poucos. Aqueles principais são os que permanecem por décadas. Que me perdoem os mais recentes. Sabem aquela do vinho?
Amigos que não são amigos, são aqueles do mero relacionamento profissional. Sobre amigos que se revelaram na vida profissional, talvez me lembre de dois que sumiram pelas voltas da vida.
Mas, pelo menos, eles “estão” comigo até hoje.
Reconheço que essa escassez de amigos possa ter como causa, meu modo de ser e de encarar as coisas e até mesmo contundente.
O que fazer?

Já disse, eu passei e o tempo ficou.



A foto acima é de autoria de Milton Pimentel Martins