19/07/2013

“O SENTIDO DA VIDA”


NADA

Quantos pensam nessa expressão que frequentemente é seguida de interrogação: “qual o sentido da vida?” Quantos?

Tenho por hábito me dar por perdido em locais que até conheço bem: “onde estou agora?”

Dá-se nesses instantes uma mudança de órbita, mesmo!

Outro ponto são as minhas microdepressões. Elas me incomodam, me angustiam, mas jamais serão verdadeiras depressões, essa doença moderna que a tantos ataca.

Volto pelo caminho de sempre no final de tarde e baixa a angustia que me leva a questionar a minha existência.

Mas, o que faço aqui?

Segue-se um sentido de (i) reflexão, de questionamentos e chego... ao NADA. Como se fosse um branco mental.

Não houve para preencher esse vazio instantâneo um chamado à fé, às divindades. NADA.

Já não de hoje questiono, sem entender, o mecanismo do sexo e a sua explosão. Nada de malícia. Dele nascem bilhões de pessoas que se relacionam e se amam... e se odeiam.


Decaio no NADA mas esse NADA se lança numa região anímica. Só minha. Nada sei. Não consigo.

Mal consigo expressá-lo. Porque é o NADA


 Vegetarianismo, meditação e espiritualismo

O ministro aposentado (do STF) Carlos Ayres Brito, em entrevista à Folha de São Paulo de 18.11.2012, revelou-se vegetariano que conquistou num processo gradativo de eliminação de carne, começando pela vermelha, depois frango e por fim o peixe.


Eu sei aqui no meu cantar do dia-a-dia como é difícil essa renúncia alimentar para alguém exposto às contradições do convívio social que tem a carne como prato básico.


Disse o ex-ministro que, com base em estudos espiritualistas é contemplativo e, pelo que afirma, essa contemplação suaviza sua vida.


Ao ser perguntado se o vegetarianismo seria um passo para a iluminação respondeu:


“Não chegaria a isso, não. Agora, tudo tem uma lógica elementar. É claro que não vou explicar tudo pela lógica, porque o mundo do mistério existe e o mistério está fora da lógica convencional. Quando você olha para você e diz: "Não há ninguém dentro de mim, o meu corpo não está abrigando ninguém", quando você diz "eu sou um vazio", você enxota o ego.


Mas não há vácuo na natureza. O que acontece? O vácuo vai ser preenchido pelo universo, pelo Cosmos, pela existência, outros preferem dizer por Deus. Expulse de si o ego que o espaço deixado por ele vai ser instantaneamente ocupado pela existência. Aí você dialoga com a existência, isso é elementar. Aí você tem um vislumbre do eterno, do definitivo, mais clarividente, você abre os poros da lógica, do seu cartesianismo, você vê o direito por um prisma novo.


Agora, você paga um preço por isso. Qual é? Quando vê as coisas por um prisma totalmente novo, a sociedade não tem parâmetro para avaliar seu prisma diante do inédito para ela. 

Você é um antecipado, viu antes dela. O que ela faz, lhe desanca, lhe derruba, se não ela vai se sentir menor, inferiorizada, aturdida. O que ela faz, ela lhe desanca, você está errado, ou então você não é um cientista, você é um mistificador.


A sociedade não tem parâmetro para analisar os antecipados no tempo. Veja a lógica das coisas, o tempo só pode se guiar por quem anda adiante dele. São os espiritualistas, os artistas, porque eles não têm preconceitos, pré-interpretações, pré-compreensões." (*)


Nesta crônica me refiro ao sumiço momentâneo do [meu] “ego”, com o NADA que se manifesta.


Claro que o ex-ministro está muitos passos à frente em seu estágio contemplativo, de meditação, porque o seu “vazio” pode ser “preenchido pelo universo”.


Eu não consigo ainda me livrar das minhas circunstâncias, do aprofundamento do terror que estes meus tempos propiciam e me afetam. 


Talvez por isso para mim manifesta-se o NADA, o ego desparece por instantes e ressurge neste mesmo mundo conflituoso.

 Por enquanto sou assaltado pelas influências terrenas, pelo horror.


(*) A entrevista completa do ex-ministro Carlos Aires Brito por ser lida no portal “Ser Vegetariano” (http://serveg.blogspot.com.br/)

  
BILA. O CÃO RAIVOSO

Bila era o apelido de um menino de seus três, quatro anos de idade que podia sentar na guia da calçada sem perigo.

Numa manhã ele fez isso mastigando um pedaço de pão com manteiga.

Um cão raivoso apareceu do nada é o atacou ferindo-o gravemente com mordida profunda no rosto.

Tratava-se de um cão doente, raivoso.

Não sem antes mostrar seus dentes ameaçadores, vertendo baba letal, foi morto logo em seguida com um golpe de taco de golfe pesado na cabeça. 
Imóvel, estirado no chão de terra batida, sangrando.

Bila, não resistiu ao ferimento e morreu.

Porque tal coisa de deu?

Ora direis, há coisas piores neste mundo de ódios e vampiros. Mas, neste momento apenas isso me afeta.  Essas imagens. Estão na minha mente, para sempre.




Sempre num relance, no silêncio, nas horas da noite flagro vultos brancos à espreita. 

O EX-GALÃ

Ligado aos meios de comunicação, muito conhecido, agora com cabelos grisalhos, penso que começara a se ressentir das fãs sempre disponíveis que começavam a rarear.

Ele chega para falar com uma pessoa conhecida com a qual conversava numa sala de escritório.

Troca algumas palavras com esse interlocutor, seu amigo do mesmo ramo, e se despede.

Aperto de mão.

Chega até mim é faz o mesmo gesto:

- Até logo.

No dia seguinte se lançou no Vale do Anhangabaú. Saltando do Viaduto do Chá.

A sua morte extrema foi abafada. O NADA extremado.


Tema Correlato: "Idade" de 13.05.2012

14/07/2013

“QUATIZADA” EM ÁGUAS DE SÃO PEDRO


[O “meu” quati]

Numa dessas, em Águas de São Pedro, com muita surpresa me deparei com um bando de quatis “atacando” uma lata de lixo em busca de alimentos a ponto de até mesmo disputar entre eles restos que conseguiam obter.
Nunca imaginei presenciar tal cena, quatis explorando lixo. Vi esses animaizinhos famintos em Foz do Iguaçu, semi-domesticados “assediando” turistas por uns restos de comida.
.




Em Águas, pelo que descobri, sua população cresce a despeito da escassez de alimentos, até porque eles vivem num pequeno bosque nos rumos da estrada que chega a São Pedro




Seu ambiente natural vai sendo reduzido e eles se obrigam a viver como cães abandonados ávidos por comida.
Isso tudo é triste. Afinal, não são só os quatis que perdem espaço natural. na insanidade de devastar meios naturais.


Um quati – um indivíduo igual a esses de Águas -, por meses, fez parte da minha infância que relatei numa crônica já publicada mais de uma vez.
Mas, lá vai ela de novo. (*)

(*) Publicada neste "Temas" em 10.04.2009 - "Animais (zinhos)". Além da minha convivência com o quati, relato experiências com "A coruja", "Abelhas", "Vespas e marimbondos", " O leitãozinho" e "O escorpião no sapato".

O "meu" Quati

Houve um tempo em que morara numa casinha simples, boazinha, cujo quintal dava fundos para o já então poluído rio Tamanduateí, violentado pelo despejo de fábricas, esgotos, lixo. O quintal era separado por uma cerca de ripas, tendo um portãozinho que dava para um terreno baldio e, atravessado esse, a aproximadamente 30 metros, depois de um caminho de terra à "caia-se" no rio Tamanduateí. Perto dali, havia uma ponte de madeira e, na outra margem, na mesma direção do meu quintal, havia um campo de futebol, onde aprendera a andar de bicicleta.

Quando chovia muito, o rio transbordava, chegando as águas até ali, perto da cerca, inundando todo o terreno baldio dos fundos. As águas não chegavam até meu quintal, porque o terreno de minha casa era mais alto. Bem encostada na cerca, do lado de dentro de meu quintal, havia uma amoreira, que frutificava sem parar. Quase que diariamente, meus dedos ficavam tingidos de vermelho das amoras, graúdas, muito boas.

 Certa feita, trouxera meu pai para casa, um quati. Não sei dizer sua origem. Viera ele dentro de um caixote.

Foi-lhe posta uma coleira, sendo preso por uma corrente, com cuidados especiais, próximo à amoreira. Meio selvagem, meio ‘perigoso’ pelos seus dentes caninos, mantínhamos certa distância no começo. O quati, segundo o Dicionário Aurélio, é um mamífero [não só] carnívoro, "com sete subespécies distribuídas por todo o Brasil" (!?)

O "meu" quati, seguindo a descrição normal das espécies, tinha focinho e pés pretos, corpo meio amarelado, com cauda longa e com anéis pretos. O animalzinho preso, tinha mobilidade suficiente para trepar na amoreira.

E isso ele fazia constantemente, enroscando a corrente nos galhos. Com muito cuidado, algumas vezes por dia, íamos desenroscá-la para que o bicho voltasse a ter a mesma mobilidade. Quanto a mim, depois de algum tempo de sua chegada, querendo as amoras criei coragem e fui para perto da árvore e comecei a colhê-las.

 O quati permaneceu quieto de pé, cauda alevantada. Quando me sentei para comer as frutinhas acompanhando o caminho de formigas cortadeiras que passavam por ali carregando pedacinhos de folhas, entre assustado e em pânico, tentei tirar o quati de cima de minha cabeça que avançara inesperadamente, tendo a corrente batendo no meu rosto.

Mas ele não fora feroz. Não fora agressivo. Na verdade, tivera tempo de "cavoucar" delicadamente minha cabeça com as patas dianteiras. E esse carinho maravilhoso ele repetiria sempre. Subia pelos meus ombros sem cerimônia e "cavoucava" minha cabeça.

Comia quase de tudo na minha casa, como um cachorro. Nasceria ali uma amizade duradoura. Eu o levava para passear no terreno do fundo, ele abria pequenas covas com seu focinho e suas patas.

Uma alegria para ele. Chegava mesmo a soltá-lo da corrente. Dava um pouco de trabalho resgatá-lo, mas quando se cansava, espontaneamente voltava.

Pela amizade do quati, entendo bem a frase inspirada de Antoine de Saint-Exupéry no seu consagrado "O Pequeno Príncipe", pela voz da raposa: "- Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas".

Ele tinha umas pequenas feridas e coceiras na cauda. Eram tratadas com mercurocromo e não progrediam. Desapareciam um tempo, mas voltavam.

Um dia precisou ser levado embora. Não me lembro bem porque. Teria sido levado para uma espécie de convento, conduzido por religiosas que possuía ampla área verde.

Soube que morrera algum tempo depois. As feridas na cauda evoluíram, disseram-me, resultando em sua morte. Certamente que não fora cuidado devidamente. Ou morrera de saudades.



 Até hoje lembro-me dele com carinho... Uma vidinha simples, de amor e de amizade incondicionais, sem escolher dia e hora.

08/07/2013

“NÃO CONFUNDA O AMOR”

           
“Aquela quarta-feira, no ônibus para chegar a São Paulo, quase três horas de viagem. Não sei mais dirigir na minha cidade. É mais seguro o ônibus e o metrô a partir do Terminal do Tietê.
Vou lá para os últimos lugares do ônibus para ler e cochilar. Na minha pasta, o pequeno grande livro “Minha Formação” de Joaquim Nabuco – que lamentei um pouco ao chegar à última página.
Uma senhora bonita entra apressada no ônibus. A última passageira a embarcar. Ela me encara, faz um leve movimento de cumprimento mas não a reconheci. Talvez alguém que nalgum instante por causa da minha profissão, um encontro casual no Fórum, na própria cidade.

Na chegada ao Terminal do Tietê me apresso para as rolantes ao andar superior, ansioso com compromissos no Tribunal de Justiça do Pátio do Colégio.


Um chamado:
- Doutor espere, preciso lhe falar.
Volto-me. Aquela moça bonita, de cabelos castanhos chegando aos ombros, olhos vivos, algumas rugas revelando maturidade. Vestia uma blusa vermelha e saia preta combinando.
- Não me reconheceu? Eu sou a C.M. O senhor fez a minha separação e muito me ajudou...
- Mas, você está realmente muito bonita! Por isso não a reconheci.
- Casei-me de novo e mudarei para a Europa, disse ela. - Meu marido está sendo transferido para lá e mudaremos na semana que vem. Nem carro tenho mais. Vou visitar minha mãe em Santana. Me despedir.
Tomou minhas mãos, apertou-as e agradeceu.
- O senhor foi muito legal comigo.
Aproximou seu rosto para troca de beijinhos no rosto. Acedi.
Mas, não. Ela beijou-me na boca de modo delicado.
Apenas disse:
- Não confunda o amor.
Afastou-se, fez um sinal de adeus e seguiu nos rumos do metrô no sentido Santana (Tucuruvi).
Fiquei ali parado alguns minutos, me recompondo. Segui, então, no sentido contrário subindo as escadas rolantes para embarcar no metrô sentido Jabaquara. Em 15 minutos desceria na Praça da Sé.

Muito surpreso ainda lembrei-me bem do que se passara com ela havia alguns anos.
Fora contratado pelo seu ex-marido para formalizar a separação judicial. Por isso, desconfiada, a muito custo ela aceitou falar comigo.
Apresentou-se uma mulher envelhecida, de olhos fundos, muito magra, revelando no rosto seus desgostos com o casamento em vias de se encerrar de modo traumático.
 O marido já vivia com outra mulher.
Com cuidado fui dissipando as desigualdades, os desentendimentos diminuindo os traumas da separação que nesse caso eram evidentes.
Foi só isso. O que mais fizera que não fosse o que tinha que ser feito?”