13/08/2021

O FAZEDOR DE DESERTOS – Folha do ABC de 02.09.1984


Esse artigo de 1984 tem alguns pontos de repercussão da época, de teorias (“passarinhada” foi um festa com churrasco de passarinhos que se deu numa cidade vizinha de São Paulo).

No estágio atual de desvios climáticos graves de hoje, o artigo de “ontem” não deixou de apontar essas imensas dificuldades atuais que tendem a se agravar com a devastação ambiental severa.

Em artigos mais recentes voltei a me valer das advertências de Euclides da Cunha em “Os Sertões” sobre as queimadas que se davam e se dão agora, mais do que nunca nas matas sob fogo implacável.

Este o trecho um pouco mais elucidativo extraído da grande obra:

"Esquecemo-nos, todavia, de um agente geológico notável - o homem. Este de fato, não raro reage brutalmente sobre a terra e entre nos, nomeadamente, assumiu em todo o decorrer da história o papel de um terrível fazedores de desertos. Começou isto por um desastroso legado indígena. Na agricultura primitiva dos silvícolas era instrumento fundamental - o fogo." (*)

Encontrei a prática das queimadas pelos indígenas em duas outras obras. Os relatos são do final das décadas de 30 e 40:

Tupari” de Franz Caspar:

Para preparação de suas culturas, havia com muita regularidade, desmatamentos e até mesmo incêndios perigosos mas que não avançavam, pelo que se depreende do relato do Autor, além do "planejado". (**)

E também na obra “Roncador” de Willy Aureli:

Os xavantes segundo relata o livro frequentemente faziam fogo queimando imensas extensões da floresta sem que houvesse qualquer explicação quanto à utilidade prática. Não se tratava de desmatamento para plantio.” (***)

São tragédias hoje agravadas na Amazônia pela grilagem e extração ilegal de madeira. O tema é árduo porque se tornou espécie de cultura da devastação impune.

Esse artigo de 1984 no semanário “Folha do ABC” foi o possível de localizar. Há anteriores muito mais antigos sobre o mesmo tema que se perderam naqueles idos do registro em papel.

Eis o teor desse artigo de 1984:


FAZEDOR DE DESERTOS


"Esquecemo-nos, todavia, de um agente geológico notável – o homem. Este, de fato, não raro reage brutalmente sobre a terra e entre nós, nomeadamente, assumiu, em todo o decorrer da história, o papel de um terrível fazedor de desertos.” Euclides da Cunha, “Os Sertões”.

As linhas acima, de Euclides da Cunha foram escrita no início do século (passado), quando os recursos energéticos não representavam, como hoje, o polo central do desenvolvimento tecnológico para satisfazer as necessidades básicas ou supérfluas de uma humanidade sempre e inevitavelmente crescente.

Aqui já nos manifestamos numa linha ecológica que nos parece, daqui para frente, numa progressão geométrica o grande desafio que enfrentaremos, não como demonstração piegas de “amor à natureza”, mas como elemento de sobrevivência.

Enquanto isso, os técnicos, diante dos fenômenos naturais incomuns que se intensificam no mundo todo, costumam achar explicações científicas e racionais concluindo, em outras palavras, que se trata de um capricho da natureza.

Ora, certos aspectos não podem mais ser enquadrados nessa ótica limitada. O materialismo se dilui insolúvel, por exemplo, quando se medita sobre a vida e a morte. Como é incompreensível, diante de nossos olhos, o corpo morto, inerte e sem brilho.

Dessa forma, acima dos cálculos e dos gráficos, latentes e poderosas permanecem as mensagens intuitivas que, silenciosamente, vão nos dando a medida das coisas. E a essas, não é nada coerente ignorarmos.

A natureza age com outras forças. Notem os prognósticos dos meteorologistas, cuja única tarefa é analisar as condições do tempo. Passam horas diante dos seus instrumentos e gráficos e com que frequência erram em suas previsões.

Todas essas conturbações que estamos vivendo tendem a se intensificar. As enchentes no Sul, além do desmatamento indiscriminado e irresponsável ao longo de décadas, se deve (a despeito dos desmentidos técnicos), à imensa reserva aquática debitada à Usina de Itaipu que passou a representar o desequilíbrio maior numa região já sensível aos efeitos das frentes frias.

Há mesmo que se pergunte que tipo de reação natural suportaremos futuramente com a monumental extração petrolífera que se verifica em todos os recantos do globo terrestre.

Definitivamente, a preocupação pelo meio ambiente não pode mais ser tratada com o riso debochado dos que se sentem seguros do sucesso e que entendem o mundo como mero instrumento de lucro e poder.

Achamos que essa questão devesse se transformar numa disciplina escolar. Já para a infância de tal sorte que as crianças quando adultas tivessem nessa matéria a responsabilidade e o trato que não estamos tendo.

Hoje, esse mínimo de bom senso nos parece uma utopia: empresas impunemente poluem a atmosfera, os rios, verifica-se a existência de “passarinhadas”, árvores serem tratadas com descaso e mutiladas e mesmo o fim dos jardins e hortas residenciais.

Mudemos ou lutemos para mudar essa mentalidade acomodada e insensível. Está em jogo nossa sobrevivência e a possibilidade de conviver com nossos semelhantes, sem aumentarmos a tensão a níveis insuportáveis e belicosos. 



Referências