26/06/2023

ETÉREOS

O passado está comigo...”

Espero que estes escritos não revelem delírios porque volto no tempo e me situo nas margens do rio Tamanduateí. Pela ponte de madeira sobre ele, a poucos passos de São Caetano, chegava do lado da Vila Califórnia (SP) avançando naqueles campos devastados e mais lá à frente campinhos de futebol.

Aquilo tudo tinha sabor de aventuras, até nos detalhes: a alegria em encontrar um pé de manga recém-brotado do caroço, em folhas grenás, os túneis das paquinhas nas areias à borda das valetas e, arranhando pelos seus espinhos, os juás brabos que o grito unânime denunciava como venenosos seus frutos verdes- amarelinhos que maduros expelem suas sementes.

Hoje já nem sei do veneno. Já há informações que seus frutos devidamente manipulados têm propriedades medicinais. De admirar! E nem penso que proliferassem em terrenos distantes de seu ambiente “normal”. Porque aqui perto me deparo, nascida num canto de uma guia, uma muda da planta que vai indo muito bem.











Juá "renascido"


Qual a origem de sua semente a ponto de espocar nesse local?

Mas, nesses campos com essa vegetação arbustiva, com os juás em profusão, sempre era surpreendido pelas borboletas azuis. Se bem me lembro, grandes que iam se aproximando brilhando sob o sol. Esvoaçavam ali e aqui e saiam em busca das raras flores para cumprir sua missão de polinizar as que encontravam.

Eu não posso esquecer, porém, que encostadas nos muros daquelas casas humildes em ruas de terra batida proliferavam dálias enormes e as flores amarelinhas das giestas. Não tenho mais visto essas belezas. A última giesta encontrei um dia em Campos do Jordão. Consegui as sementes, elas brotaram mas não vingaram. Talvez prefiram locais mais frios porque agora tudo mudou...

As borboletas azuis nunca saíram dos meus encantos a partir da infância.

E parece que não somente comigo esse encanto com elas.

Há pouco relembrei ao acaso o belo poema, “Meus oito anos” de Casimiro de Abreu que no trecho duma estrofe, diz:

(…)

Correndo pelas campinas

A roda das cachoeiras,

Atrás das asas ligeiras

Das borboletas azuis!

Aqui no meu pequeno quintal esvoaçam borboletinhas brancas e amarelas, bem-vindas mas que não têm o encanto daquelas azuis de tamanho exuberante.

No dia do sepultamento do meu generoso irmão, há alguns meses, no magnífico Cemitério Horto da Paz, em Itapecerica da Serra, no qual a ecologia é ponto de referência ali, não tendo ido ao ato final da entrega do seu corpo ao túmulo, acompanhando enquanto isso o suave nadar das carpas beirando canteiros — lá não há moedas atiradas na água que poderiam colocá-las irresponsavelmente em risco — meditava como muito tenho feito, sobre esses mistérios todos da vida e do Universo não escondendo, intimamente, minhas angústias … e, então, no meio das flores eis que brilhou ao sol bem na minha frente, por um instante… uma borboleta azul!






"Horto da Paz" - Ecológico



Não do tamanho que admirava na minha infância mas foi muito significativo esse, digamos, reencontro naqueles momentos de luto.

Porque há alguns anos refletindo um pouco sobre essas transcendências escrevi uma composição inspirada nelas, que chamei de “etéreos” na qual a borboleta azul na sua dança suave não desprezara o resto de vida que havia numa margarida cujas pétalas já haviam caído.

O poema – se me permitido assim qualificar – é este:

ETÉREOS

Nessa de desânimo

apatia

Não sei o porquê

de tal melancolia

(ou nostalgia?)

Desmedida


Sei não!

Cadê a Inspiração

os elementos Etéreos?

Clamo, pois, só, no (meu) deserto

Respostas não vêm

Ilusões não há (mais)

Miro margaridas murchas

(bem-me-quer, bem-me-quer!)

Que se preparam para semente

Sinto o sol...

mas não me aqueço.

Num momento, surpreso

confuso,

Sinto o Etéreo, porém.


Uma manchinha azul

No éter

Vindo, chegando, esvoaçando!


Ora, uma simples...

Borboleta ...azul!


Ela dança nos meus olhos

Solene, encantada, frágil

magnífica, rebrilhante...

E pousa, então...

na margarida

a mais desfeita

na gema amarela.

(apenas três pétalas ressequidas)


Apreendi logo

o valor da escolha...

Da borboleta azul

Etérea

tão tênue

tão efêmera

Bem-vinda...


Porque na margarida

murcha

na gema

Ela sentiu a vida

(ainda)


Assim falava ela

a borboleta azul

Etérea

na minha nostalgia

(ou melancolia?)

Naquele dia…








11/06/2023

FLORES E ORAÇÕES

Mirando meu pequeno quintal, misturo, na preguiça que se me abate, uma série de pensamentos que vão e vem, incluindo pessoas, fatos e emoções que se perderam no tempo e que, num desses instantes, voltam à mente de modo inexplicável.

Estava exatamente refletindo sobre isso, sobre o passar dos anos – e como passaram céleres! – volto-me para o alto e lá as nuvens brancas sopradas pelo vento, formavam figuras disformes que se alteravam rapidamente pelo invisível que sopra. Sempre me encantam esses movimentos.

Mas, ali, do lado da pequena garagem, naquele momento de serenidade, sou alertado pela transcendência de fenômenos tão corriqueiros ou complexos: quais as indagações que esses movimentos somados a tantos outros nos influenciam de algum modo e o próprio planeta? Mas, que são ignorados com um simples dar de ombros? Qual a conjunção universal dessa sucessão de fenômenos? Para que nisso pensar se difíceis?

Quanto a mim reclamo e reclamo da ignorância que não me deixa avançar! Simples pardais por cima me desafiam como se rissem das minhas impossibilidades. As maritacas barulhentas no cume das árvores...

Talvez, de um outro modo já tenha falado dessas “angústias” todas. Se falei, que me perdoem.

Digo que tenho inspirações neste meu pedaço de chão. Neste meu pequeno quintal fico ao lado ou junto de minhas plantas, quase um mundinho a parte.











Tenho aqui uma muda de “ora-pro-nobis” que quando plantei não tinha de tamanho mais que um palmo. Agora ela avança firme sobre o muro com aqueles espinhos agressivos e imperdoáveis.

Nele acompanho as poucas laranjas que amadurecerem num único pé, aguardo as três primeiras “ponkans” que também amadurecem, minhas roseiras, os hibiscos brilhantes, inclusive um, cujas flores chamo de “espeloteadas” porque dobradas, mas lá estão as anteninhas rodeadas de pontinhos amarelinhos. Alguém me explique essas perfeições todas.



Penso nas bananeiras como uma planta abençoada porque num dado estágio de crescimento, à noite, no silêncio do milagre, elas vertem o coração de onde florescem os cachos pesados. Essas bananeiras aqui se entrelaçam com um ipê que nasceu “espontaneamente”.

Um poema que escrevi há décadas chamava as florestas de “templos violados” pela ação predatória perversa do homem que já então demonstrava não entender nada da harmonia que o planeta contem como garantidor da vida.

Uma estrofe:

Um Templo sob azul e límpida nascente

Permitia saciar n'Alma adormecida,

Inspiração profunda no mundo perecida

Intuindo orações de elevação crescente.

Se a mata fechada é um templo para mim, neste meu pedaço de terreno tão infértil, tão forrado de pedras, plantas tão bonitas, porém, considero uma ...capelinha. Que me faz bem demais.

Ora, direis, falar com as plantas é um delírio, tal a impossibilidade de recepção do que se lhe é dito. Não há que esquecer que o pensamento é uma força.

E, ademais, o iogue Yogananda relata que visitava frequentemente o americano Luther Burbank, "um santo entre as rosas" a quem qualificava de horticultor, um cientista que fazia experiências positivas com plantas e até conversava com elas: "Além do conhecimento científico, o segredo para melhorar o cultivo das plantas é o amor". (*)

E, então nestes tempos de devastação ambiental é sempre bom lembrar que, no simbolismo do Gênesis, o "verde" foi criado antes dos animais e do homem. Prioridades do Criador.

Em muitas madrugadas sob o olhar da lua, ouvindo a voz do silêncio, tento estreitar essas afinidades com o que transmitem esse ambiente à minha frente.

Eu sei da paz no humilde brilho das plantas e de suas flores estas sempre presentes em atos importantes da vida colhidas para prestigiar a vida e a solenidade da morte.

E a oração nesse clima todo, nessa luta em controlar o pensamento de regra avassalador, sempre tenho em mente, em alguns momentos, com tais inspirações, seguir o versículo 6.6 do Evangelho de Mateus. É um incentivo ao encontro e à meditação. Ao silêncio.

Eu tento isso tudo. Porque, repito, o pensamento corre solto e quanto me torno indiferente a essas transcendências! Contradições.

Não convém me alongar, mas preciso falar dos passarinhos. Mesmo cuidados, por aqui eles são poucos, mas sei que o dormitório de muitos deles é uma ameixeira de tamanho avançado que faz parte do conjunto. Bom que se diga que nos seus galhos baixos florescem orquídeas.


Mas, se tudo favorável, voltarei ao tema.


Referência:


(*) Livro “AUTOBIOGRAFIA DE UM IOGUE” de Paramahansa Yogananda. Essa mesma experiência com o cientista citado na transcrição, com mais detalhes é revelada no livro “A vida secreta das plantas”.

● Esta crônica é transcrição da publicação "O Ginasiano" de junho de 2023 que faz parte, entre outras iniciativas, do grupo de veteranos do Ginásio Amaral Wagner de Utinga - Santo André.