19/06/2011

AQUELES QUE RENUNCIAM

O assunto que trato hoje nestes Temas, alerte-se, é meio tabu ou por outra, não tem aquele final no qual implicitamente há uma moral, como a “a moral da história”. O desenvolvimento se inspira em fatos. Faz parte das minhas andanças por esses caminhos retos ou tortuosos.
Quero avisar que, depois de mais de uma centena de composições aqui publicadas, nem sei se há muito ineditismo ou repetições nesta. Lugar comum? Obviedades? Não sei.


1.
Certa vez, a um materialista / ateu absolutamente cético ou exibido, tendo diante de nós um corpo sem vida de um amigo comum, desafiei-o.
- Explique a diferença entre o Alcides deitado naquele caixão inerte e você aí de pé perplexo e emocionado. Considere que há uns dias, falávamos com ele no almoço. Hoje ele está lá, sem expressão, sem respiração, sem voz.
Ele apenas me olhou aborrecido e respondeu:
- É por isso que não acredito em nada. O que dizer daquela massa inerte que não durará muito para se decompor...

2.
É muito comum pessoas com alguma interioridade ao acordarem de um sono profundo, sentirem-se angustiados ao constatar que voltaram a ser regidas pela lei da gravidade, devendo carregar seu corpo denso, nesta morada meio sem sentido neste planeta tão desigual. Porque no sono, parece, a alma, o espírito ou o nome que se queira dar a essa luz que nos diferencia dos mortos, desliza no éter sem peso, com liberdade e com a velocidade do pensamento.
Quanto vezes, vi-me levitando num sono “real” e ainda por cima envaidecido por exibir esses meus “poderes”. No sonho!

3.
O retorno, pois, à luta terrena pode causar certo desconforto, mas há que lutar porque há uma música religiosa que proclama que “a vida é luta sem quartel”. Esse fenômeno que se verifica no momento em que se desperta, dá uma idéia entre a possível vida leve do outro lado e a vida densa deste lado, do lado que julgamos ter consciência de nós mesmos. De viver.

4.
São essas variáveis que nos fazem lutadores, felizes tantas vezes, esse sentimento que exulta e nos faz poetas. Mesmo que composições não ritmadas, sem rimadas e sequer escritas.

5.
Mas, há seres humanos que se fixam demais no peso da vida, no que ela pode ter de amargo, assumem a falta de perspectiva, que não absorvem seu limite ou que se sentem derrotados (assumem a condição de "perdedores", em oposição aos "vencedores", um conceito vazio no qual predominam os bens materiais nada a ver com as indagações profundas da vida e da individualidade de cada um). Ao acordarem, diariamente, se angustiam por mais aquele dia de vida consciente, tendo à sua frente menores desafios e mais amarguras sem causa que atormentam. A vida torna-se um fardo.

6.
A moça que conheci era inteligente, tinha boa postura profissional e cultura formal. Viajara diversas vezes para o Exterior.
Sua vida particular não fugia muito da média. Trabalhara em São Paulo, morando sozinha, visitava os pais quase que semanalmente e tinha bons amigos. Demonstrava alguma devoção religiosa, assistindo, normalmente, missa dominical.
No seu relacionamento profissional cotidiano, porém, mostrava-se insegura. Insistia em lembrar os tempos em que fizera teatro amador. Dai seus gestos teatrais, sua entonação de voz.
Somente depois de algum tempo, começou a se descontrair, embora, com alguma regularidade, revelasse momentos depressivos, um estado que não se afastava muito de qualquer um de nós.
Certo dia, imaginando que bem me situava na vida profissional me perguntou:
- O que você está fazendo aqui, essa perda de tempo?

7.
Certo dia, soube que ela resolvera mudar sua vida profissional. Aceitara proposta de trabalho de volta em São Paulo que possibilitaria um convívio num outro ambiente mais "inteligente" no qual se dera melhor no passado.
Tempos depois, por razões de mercado de trabalho, fora ela demitida. Ficara desempregada, frustrando todas suas expectativas.

8.

Meses mais tarde, nas vésperas das festas de fim de ano, período em que a solidão bate forte porque o espírito natalino pode não ser apreendido por aqueles angustiados, tomando um velho revólver esquecido, carregado parcialmente, mirou-o contra o próprio peito, apertando o gatilho.
O tiro fora fatal. Atingira o coração. Nos segundos que se seguiram até sua morte, às pessoas que vieram em seu socorro, disse tenuemente que se arrependera e de que não queria morrer.
Apenas um momento de irreflexão, conduziu-a a um caminho sem volta.

9.
Tal gesto, mesmo que num momento de amargura e dor, exige uma imensa coragem e renúncia porque a viagem ao desconhecido tivera a hora antecipada e, sobretudo, uma atitude antiautopreservação.
O instinto de defesa é anulado, sobrepondo-se o sonho e a esperança da leveza e do encontro com divindades, num mundo no mínimo não tão denso e amargo como o seu. Por ruim que fosse, certamente seria melhor do que a vida vivida.

10.
Nesses casos, sempre me pergunto: que tipo de vozes interiores ouve o suicida no exato momento em que age contra a própria vida? Que vozes tão eloquentes são essas que suplantam o instinto primário da preservação? Se, ao longo da vida, somos preparados para a morte natural, aí incluída a acidental, quais os efeitos do suicídio no exato momento da passagem para o outro lado da existência?

11.
Essas perguntas, ao longo do tempo, têm me afligido muito.
Para os que acreditarem na doutrina, as respostas podem ser encontradas na literatura espírita (especialmente o livro psicografado "Memórias de um suicida" *) e mesmo espiritualista. Todas elas concordam que o suicida atormentado, ao chegar nesse plano, passa pelas mais terríveis experiências, por imensa dor, pois que fugira da luta, abreviara sua estada voluntariamente, interrompera um ciclo de tarefas às vezes por motivos fúteis, incompreensíveis. Destruíra sua própria morada.

12.
Nesse plano, dizem os espiritualistas, a marca da renúncia à vida perdura por longo tempo até que volta o suicida a ser admitido numa escala menos atribulada de aprendizado. Esse gesto extremo, explicaria as grandes anomalias e doenças físicas de certas pessoas, que são submetidas à lei da causa e efeito na reencarnação seguinte.

13.
Na limitada compreensão que tenho (temos) da vida, tudo parece muito injusto e triste. A Lei de Talião aplicada. Mas, esses eventos não podem, ou não devem ser tomados nos limites de uma existência ou nos poucos anos de uma vida. Há uma transcendência que martela, martela e quanto a mim, me conduz a admitir a explicação da reencarnação. Porque, "com a morte, não se perde nada daquilo que a alma adquiriu. As experiências que o homem fez nas vidas passadas, tornam-se instintos e incitam-no ao progresso, até inconscientemente" (cf. "Bhagavad Gîtâ").

(*) “Memória de um suicida”, psicografada pela médium Yvonne do Amaral Pereira (Federação Espírita Brasileira).
Ver crônica de 03.04.2011 o pesadelo de local inóspito, embrutecido: "Alucinações, sonhos(?!)"

Imagem/ fonte: Sociologando.wordpress.com (Google)

ESPECIAL

J.C. Bach - Prelude III in C# Major Book I
Piano: Silvio Pimentel Martins

12/06/2011

LEI DE MURPHY: CARRO "ANTIMILITAR"

Esta crônica não e nova mas eu a divulgo porque o relato é verdadeiro e curioso. Fatos como este, havia alguém que qualificava como "maldade das coisas inanimadas."


"Lei de Murphy" como popularmente conhecida: "Se alguma coisa pode dar errado, dará. Dará errado da pior maneira, no pior momento e de modo que cause o maior dano possível".

A comprovação dessa "lei" ocorreu numa indústria automobilística (Chrysler), naqueles tempos em que o civil "batia continência" até para soldado raso do Exército.

Numa bela manhã, eis que foi anunciado pela administração que um grupo de militares, comandado por um general, visitaria a fábrica "dois", isto é, a filial, que contava em suas instalações, com uma área "suja", digamos assim: uma fundição antiga. No seu recinto havia muita poeira em suspensão, calor e ruído.

Talvez por isso despertasse alguma curiosidade, porque os fornos imprimiam ao ferro derretido aquele vermelho vivo, solar que, ao descer para as formas dos blocos do motor ou virabrequim, rebrilhava ameaçador lembrando as lavas de um vulcão miniatura descendo pelas encostas. Essas operações eram realizadas e presenciadas diretamente "na fonte".

Claro que a recepção fora cuidadosamente preparada. O melhor automóvel foi lavado e perfumado. De porte grande, um Charger RT (“O lado emocionante da vida”) com motor potente, de excelente qualidade, testado milhões de vezes em outros veículos na matriz americana, embora um sacrilégio na época pelo seu alto consumo de gasolina, mesmo com a crise do petróleo sendo já então amenizada.

O carro estava pronto para conduzir os militares à fundição. Ao seu lado, foi posto um carro menor (um Polara), mais popular, também lavado, apenas como reserva ou para atender algum visitante ou acompanhante que não coubesse no outro carro.
Encerrada a reunião, com troca de amabilidades, "abobrinhas", salgadinhos e água, chegou a hora da visita à fundição.


O diretor da fábrica, sujeito exigente, pôs-se a enaltecer merecidamente as qualidades do carro, como bom vendedor que (também) era.
Todos entram no veículo de luxo.

Aciona-se a partida e ela falha. Novamente e nada de pegar. Depois de uma dezena de tentativas, o gerente da fábrica abandona o carro renitente, constrangido, furioso e, naquele seu olhar homicida, busca algum culpado pelo vexame. Não havia culpados.

Resignando-se, perguntou a um funcionário próximo se o pequeno carro do lado estava apto para conduzir parte da delegação até a fundição. Obtendo resposta positiva, sem vacilar, convidou seus visitantes a embarcarem e lá foi ele dirigindo o carrinho.

Tirando o enguiço do carro de luxo, a visita fora normal. Enquanto esta prosseguia, não havia meios de fazer funcionar a partida do carrão. O mecânico olhava para o motor como se fosse a própria esfinge. Pensava-se em rebocá-lo à oficina mecânica para ser consertado. Ao fim da visita.

Mais algumas amabilidades e uma hora depois os militares foram para seu quartel.
Assim que transpuseram a portaria, na última tentativa de acioná-lo antes de ser rebocado para a oficina, eis que o carro pegou ruidosamente, emitindo aquele som cadenciado de motor a qualquer prova.

Todos, perplexos, não tinham explicação para a peça pregada pelo carrão.
Alguém, já que todos se divertiam com a gafe, completou com ironia:

- É que a lei de Murphy é irrevogável. É um verdadeiro Ato Institucional. E até os milicos a cumprem ! Na "marra"!

05/06/2011

A ESTAÇÃO DE TREM E SUA LUZ



Nem devo explicar como é que, por cerca de um ano, me obriguei a frequentar uma velha estação perdida nos trilhos da Santos a Jundiaí.
Quantas vezes me vi sozinho porque, por uma qualquer razão cheguei mais cedo na sua velha estrutura e por muitos minutos me vi só na sua plataforma, sua construção antiga, pintada de marrom terra, dando aquele sentido melancólico do tempo passado, do tempo perdido no tempo.
Nessas vezes em que chegava mais cedo, acomodando-me no velho banco desgastado de sempre, com aqueles pés de ferro trabalhado, pesado, não conseguia me livrar da luz que provinha daquela lâmpada instalada num candeeiro muito antigo, sem graça, sem métrica, sem poesia.
Mariposas se encantavam com a luz naquelas horas da noite e, quanto a mim, um facho dela, insistente, em linha reta ligava-se aos meus olhos míopes.
Aquele rebrilhamento que me incomodava um pouco mas que parecia dialogar, me consolar
- O que o fez chegar nesta lonjura? E aqui estar só, emprestando os meus raios? A sua sorte é perseverar.
Pouco antes de o trem chegar, depois de algum tempo, estação com mais passageiros àquela hora como todos os dias, olhava para a luz sem entender o que alcançaria quando não mais voltasse àquela estação envelhecida, sem atrativos, uma lâmpada fraca, desprotegida que falava comigo...ou eu com ela?
Embarco para o retorno. A composição estava vazia, Me acomodo num banco cujo estofado de espuma de borracha ao lado se soltava do assento. Fora cortada por gilete ou por algum instrumento semelhante, esses vândalos que por ali se acomodavam no sofrimento da madrugada ao começo da noite com a marmita de seu almoço trivial, por lavar, escondida na mochila.
Mesmo com alguns amigos por perto na estação, sabia de minha solidão e que teria que reagir a partir do momento em que nunca mais voltasse à estação e sua lâmpada mágica.
No vagão onde embarcava, algumas vezes o mesmo, ostentava externamente, próximo da porta, bem desenhado, em romanos, o número XXI.
Chamou-me a atenção o 21 porque certa vez meu pai dissera que queria viver até o ano 2000 para se certificar de tudo o que a humanidade enfrentaria. Faleceu em 1987.
Tão distante dessa data na minha vida, principalmente nestes tempos da estação antiga, como pensar no século XXI que os muitos profetizavam o fim do mundo: “de mil passou, de dois mil não passará.” Como será o século XXI? Onde estarei, como estarei?


Mais uma vez o trem chegou à minha estação de desembarque. Desliguei-me dessas reflexões prematuras e segui para casa para o jantar tardiamente, comida requentada.
Amanhã tudo de novo, de novo...


Mais tarde, na metade da década de ouro de 60, vive minhas glórias estudantis e, a despeito de tudo, felicidades

XXI: Minhas angústias por tudo o que vejo. Parece que a humanidade, nunca estará totalmente em paz – não tem essa índole -, predadora, caminha para a tragédia.
A maioria, sim, rejeita esses tempos de obscuridade, mas a minoria insana, implacável, tem predominado na sua insanidade.
Há os que profetizam que esses tempos trágicos, de 2012, dezembro, não passaram.
A volta à estação...