Temas:
1. Quando se chega aos 80
2. O barbudo e a sopa
QUANDO SE CHEGA AOS 80
Aos 80 comecei a entender muita coisa coisa que me recusava a levar a sério por anos e anos.
Até a foto é desproporcional
Por exemplo:
● Aqueles idosos que se postam na frente do banco duas horas antes do expediente;
● Aqueles que cotidianamente vão às praças para encontros com os amigos de sempre e, se der jeito, jogam carta e dominó;
● Aqueles que passeiam pelos supermercados reclamando dos preços;
● Aqueles que tendo qualquer interlocutor, falam de política, têm pavor do comunismo e não sabem o que seja;
● Aqueles que sentem sintomas de doenças que não os afetam e se sentem bem em falar delas;
● Aqueles saudosos da empresa onde trabalharam, os resultados obtidos nos tempos do de trabalho mesmo que se angustiavam com a pressão do dia a dia, do chefe ruim;
● Aqueles que entram num processo severo de depressão cansados de esperar alguma mudança pessoal que nunca virá até porque qualquer delas depende da ação e não da depressão.
Eu estou num processo de perplexidade, sem inspiração para escrever algo mais expressivo. Há pouco escrevi a "autobiografia de uma vida comum", a minha, mas há muitos momentos dolorosos pelo que não penso divulgá-la. Há coisas que se tem que passar naquela encomenda que o karma fixou. Quem me autoriza a torná-lo público?
Vou sentindo velhos amigos se despedindo com dignidade deste planeta das diferenças e do desamor e medito muito dessa passagem. O que me espera um dia? Quantas vezes indago dos mistérios que nos rodeiam, nos desafiam. Quantos?
Eu não vivo só de lembranças e saudades. Eu estou aqui e agora mas não digam que o passado é apenas o passado. Ele está aqui comigo e muitas vezes ele me revela ternuras.
Quantas superações que me envaidecem ainda. Mesmo a gangorra da advocacia às vezes desigual.
Mas, o que faço com honrarias? Muitas estão registradas em certificados. O que faço com esses papeis que não interessam a ninguém e nem a mim?
Estou tentando achar um projeto. De qualquer modo vou dar o meu lema: ir em frente até onde puder e onde Deus permitir!
O BARBUDO E A SOPA
Não sei, mas tenho rejeição aos barbudos com barba, digamos, 20 cm abaixo do queixo.
E há, numa loja de material de construção por onde de vez em quando vou até lá, um balconista cordial, mas com essa barba.
Um dia eu lhe pergunto:
— Com essa barba como você faz para tomar sopa?
Ele me olhou surpreso, um risinho amarelo e não respondeu.
Tempos depois, volta à loja, ele me encara, baixa a cabeça e diz algo audível:
— Seria bom que cada um cuidasse de sua vida.
Claro que eu ouvi e depois disso até ficamos, digamos, amigos.
Mas, continuo em dúvida: como ele toma sopa?
É isso aí.