ANIMAIS (ZINHOS)
E BICHOS constitui-se uma crônica publicada em 10.04.2009 neste
“Temas” falando de várias espécies que me marcaram. Por gostar
muito, resolvi separar cada animalzinho fazendo uma crônica para
cada um deles. A introdução original a essas republicações
pode ser lida na crônica “O escorpião no sapato” de 04.03.2014.
Outros "bichos"
que republicarei:
Abelhas
O leitãozinho
("O quati"
já foi republicado em "Quatizada em Águas de São Pedro"
de 14.07.2013 e “O escorpião no sapato” 04.03.2014 neste
“Temas”).
A coruja perneta
Numa tarde modorrenta de domingo, eis que uma coruja - ave muito comum no interiorzão de São Paulo, onde fazem seus ninhos em covinhas nos campos – no alto de um telhado vizinho, debatia-se para soltar sua perninha dos arames que retinham uma antena de televisão. Encontrava-se presa num desses fios onde se forma uma espécie de “v” ou “y”. Tentava se soltar pressionando a perninha no sentido do vértice da forquilha o que cada vez mais a feria.
Para melhor enxergá-la, munimo-nos de um binóculo. A perninha presa sangrava e mais se feria na medida em que forçava para escapar da “armadilha”.
Um dos meus filhos,
verdadeiro “animal trepador”, então, resolveu soltá-la. Chegou
ao telhado do sobrado escalando muros e, com jeito, alcançou a
corujinha. Já exausta e ferida não esboçou reação alguma, quem
sabe conformada com o seu fim, eis que o inimigo cruel chegara para
abatê-la impiedosamente.
Num movimento suave
foi ela solta. Após alguns segundos, percebendo a liberdade, voou
para uma folha alta de coqueiro, numa área verde próxima. Estava
salva. Vacilara um pouco em voltar para seu esconderijo bem embaixo
do coqueiro. Não demoraria muito, ela desapareceria. Sua cova estava
vazia.
Algum tempo depois,
ela reapareceu, mas empoleirada numa folha de coqueiro de minha casa
– aquele tipo de coqueiro classificado de “anão” mas que vai
crescendo e engordando como gota próximo da terra e se tornando alto
e inalcançável. Certa vez, ainda não tão alto como hoje, ele
produziu duma só vez 76 cocos, algo inimaginável. Não se trata de
conversa de ...pescador, até porque falo de cocos e não de peixes
pescados, até porque odeio pescar. Jamais pesquei e detesto! Muito
me diz numa frase de Leon Tolstoi em “Ana Karenina”: “Gostava
de pescar a linha e parecia envaidecer-se com o fato de apreciar um
entretenimento tão estúpido.”
Ainda baixo o
coqueiro a coruja ali se acomodou, sem a perninha esquerda.
Certamente que infecionara se atrofiando, resultando na sua
amputação. Dali do coqueiro ela não fugia, ficava horas quietinha.
Deixava-se tranquilamente examinar com o binóculo mesmo com a curta
distância entre nós e a folha na qual se apoiava. Dava voltas de
quase 180 graus com sua cabeça.
Não sei se seu
instinto revelara que ali, naquele coqueiro, naquele lugar havia
segurança para ela ou se, no seu pequeno cérebro, espocara algum
sentido de gratidão.
À noite, ela
desaparecia. Nas proximidades, uma coruja chirriava de forma
arrepiante. Talvez fosse ela nos estertores de sua vida.
Um dia ela (ou ele?)
sumiu. Talvez tenha sido ceifada por infecção na região da
perninha amputada.
Ficou sua imagem e a
nossa gratidão em estar conosco por algum tempo.
[O coqueiro que
dava cocos em profusão precisou ser cortado, infelizmente; cresceu
demais, passara a ser difícil colher os seus frutos, eles caiam no
telhado, quebravam telhas. Ainda lá está no canteiro, a marca de
seu tronco que na base era gordo sem que houvesse sinal de que
parasse de engordar. Mas, foi uma perda.]