05/06/2011

A ESTAÇÃO DE TREM E SUA LUZ



Nem devo explicar como é que, por cerca de um ano, me obriguei a frequentar uma velha estação perdida nos trilhos da Santos a Jundiaí.
Quantas vezes me vi sozinho porque, por uma qualquer razão cheguei mais cedo na sua velha estrutura e por muitos minutos me vi só na sua plataforma, sua construção antiga, pintada de marrom terra, dando aquele sentido melancólico do tempo passado, do tempo perdido no tempo.
Nessas vezes em que chegava mais cedo, acomodando-me no velho banco desgastado de sempre, com aqueles pés de ferro trabalhado, pesado, não conseguia me livrar da luz que provinha daquela lâmpada instalada num candeeiro muito antigo, sem graça, sem métrica, sem poesia.
Mariposas se encantavam com a luz naquelas horas da noite e, quanto a mim, um facho dela, insistente, em linha reta ligava-se aos meus olhos míopes.
Aquele rebrilhamento que me incomodava um pouco mas que parecia dialogar, me consolar
- O que o fez chegar nesta lonjura? E aqui estar só, emprestando os meus raios? A sua sorte é perseverar.
Pouco antes de o trem chegar, depois de algum tempo, estação com mais passageiros àquela hora como todos os dias, olhava para a luz sem entender o que alcançaria quando não mais voltasse àquela estação envelhecida, sem atrativos, uma lâmpada fraca, desprotegida que falava comigo...ou eu com ela?
Embarco para o retorno. A composição estava vazia, Me acomodo num banco cujo estofado de espuma de borracha ao lado se soltava do assento. Fora cortada por gilete ou por algum instrumento semelhante, esses vândalos que por ali se acomodavam no sofrimento da madrugada ao começo da noite com a marmita de seu almoço trivial, por lavar, escondida na mochila.
Mesmo com alguns amigos por perto na estação, sabia de minha solidão e que teria que reagir a partir do momento em que nunca mais voltasse à estação e sua lâmpada mágica.
No vagão onde embarcava, algumas vezes o mesmo, ostentava externamente, próximo da porta, bem desenhado, em romanos, o número XXI.
Chamou-me a atenção o 21 porque certa vez meu pai dissera que queria viver até o ano 2000 para se certificar de tudo o que a humanidade enfrentaria. Faleceu em 1987.
Tão distante dessa data na minha vida, principalmente nestes tempos da estação antiga, como pensar no século XXI que os muitos profetizavam o fim do mundo: “de mil passou, de dois mil não passará.” Como será o século XXI? Onde estarei, como estarei?


Mais uma vez o trem chegou à minha estação de desembarque. Desliguei-me dessas reflexões prematuras e segui para casa para o jantar tardiamente, comida requentada.
Amanhã tudo de novo, de novo...


Mais tarde, na metade da década de ouro de 60, vive minhas glórias estudantis e, a despeito de tudo, felicidades

XXI: Minhas angústias por tudo o que vejo. Parece que a humanidade, nunca estará totalmente em paz – não tem essa índole -, predadora, caminha para a tragédia.
A maioria, sim, rejeita esses tempos de obscuridade, mas a minoria insana, implacável, tem predominado na sua insanidade.
Há os que profetizam que esses tempos trágicos, de 2012, dezembro, não passaram.
A volta à estação...


30/05/2011

SETE PECADOS CAPITAIS / INVEJA




“Pecados e pecadilhos” já publicados
20.02.2011 – Luxúria
16.01.2011 – Preguiça
03.01.2011 – Avareza
26.12.2010 – Gula (nesta crônica foram dadas explicações e informações da origem dos "sete pecados capitais"
)



"Também vi eu que todo o trabalho, e toda a destreza em obras, traz ao homem a inveja do seu próximo. Também isso é vaidade e aflição de espírito." (Eclesiastes, 04-4)


Sempre que possível para esses “pecados” valho-me de minha experiência pessoal para quem já viu e vê tanta coisa neste lapso de existência em que vivo e sobrevivo. Não esperem um tratado filosófico sobre a inveja, apenas o sentimento dela. Nela, incluo o ciúmes pelo êxito de outrem e tudo o mais de inconformismos do indivíduo que não reflete sobre o seu próprio lugar.
De todas as definições ou um sentido de objetividade para a inveja é aquela inscrita em inumeráveis para-choques de caminhões, reflexo da sabedoria popular autêntica: “A inveja não mata mas maltrata.”
Às vezes, mata!
Tenho para mim, que trabalhei por décadas na indústria automobilística, é nesse âmbito que a dor da inveja se manifesta de modo bastante eloquente. E por quê?
Porque é dentro da indústria que se dá a competição saudável ou não entre os concorrentes, a terrível “dor de cotovelo” daquele que esperava uma promoção e foi preterido. O desgosto de ter como superior hierárquico exatamente aquele com quem competia e até subestimava. “Apenas porque bajulava de modo mais eficaz”.
É ele agora que participa das reuniões superiores e terá o preterido que esperar as novidades provindas do seu ex-“adversário”, agora seu chefe.
Como essa situação constrange, magoa! E não há meio de contornar. Amanhã de manhã o preterido haverá que chegar ao seu posto de trabalho e esperar as ordens de seu novo chefe que lhe fora imposto “goela abaixo”. Ah, a manutenção do emprego, do carro, do pagamento das contas, da casa, da família!
Eu me deparei, sim, com situações dessa natureza.
O colega, mesmo expondo ocasionalmente algumas bobagens cotidianas tinha um talento especial para a tarefa gerencial. Coisa que eu não tinha muito. Eu sobrevivia mais pela eficiência do que pela aparência, da média. Mas, o que fazer? Do ponto de vista da empresa, esse parceiro, ERA MELHOR DO QUE EU. Eu demorei em reconhecer essa realidade a despeito da influência que direta ou indiretamente produzia ele no todo do departamento. E nesse meio tempo, o meu constrangimento e amarguras demoraram muito para serem superados, se é que foram.
A inveja, no meu conceito, também se dá, pela desconsideração, pela subestimação gratuita entre as pessoas.
Uma manhã, eu estava naquele estágio mental de ter visto o “passarinho verde cantante”.
Em estado de graça, estava postado na porta da minha sala de trabalho na empresa Chrysler, em São Bernardo do Campo.
O pavilhão do departamento estava um pouco abaixo do nível do piso, tanto que de vez em quando, nas chuvas fortes, havia invasão das águas pluviais em toda a sua área.
Logo à direita, por isso, havia uma pequena escada, com dois degraus.
Um daqueles funcionários se bem me lembro da área comercial da empresa, geralmente onde trabalham os mais soberbos, me encarou com aquele olhar torto do deboche, provavelmente me qualificando mentalmente como um sujeito naquele nível dos dois degraus abaixo. Um bullying mental.
Eis que, no primeiro degrau ele escorregou, tropeçou e o tombo inevitável se deu forte à minha frente.
Ele se levantou, talvez dolorido, me encarou perplexo, envergonhado e mais do que depressa saiu dali.
Essas coisas inexplicáveis irradiadas pelo éter, nesse lapso invisível sem espaço.
A inveja...


Imagem: desenho do artista João Werner que não o intitulou como representação da inveja. Mas, achei que a forma do desenho diz alguma coisa sobre ela.

24/05/2011

“A CIÊNCIA DO NÃO” (Segundo Malba Than)

Nessas folgas de leitura, entre ler a literatura densa – como há pouco se deu com a leitura de “Os Sertões” – procuro velhos livros que provieram não sei de onde, estão na minha estante e os vou lendo ocasionalmente.

Um desses é de Malba Tahan, velha edição da “Coleção Saraiva” sob o título “O Terceiro Motivo (Contos e Lendas Orientais)”. O conto principal é esse que dá nome ao livro embora inúmeros outros contos façam parte do pequeno volume. A edição é de 1962. Alguns desses contos são cheios de moral (do tipo “moral da história”), de ensinamentos e até um pouco de esperteza.

Eis como descrevia o escritor brasileiro, Júlio Cesar de Melo e Souza (*), que adotou o pseudônimo acima, Malba Than a antiga ou imaginada Bagdá de uma época indefinida:

“Vamos partir, hoje mesmo, ó irmão dos árabes, vamos partir ao passo lento de nossa caravana, tomando o rumo da majestosa Bagdá, a pérola do Oriente.
Como é formosa a rica, hospitaleira e boa, a gloriosa capital do Islã! Admiremos, com a veneração sincera dos crentes, as suas mesquitas opulentas: percorramos as suas praças alegres movimentadas: visitemos os seus mercados, fervilhantes de vida, onde se reúnem xeiques e lojistas dos quatro cantos do mundo.”


Ah, esses sonhos, esse tempos de paz, quando ela era querida. Depois, a cidade se transformaria num campo de ódio e de batalha, porque há os que não querem a paz e menos ainda o retorno de Bagdá aos tempos da “pérola do oriente”.

Mas, essa violência não é exclusividade do Iraque. O planeta esta doente. Parece que, no conjunto, a humanidade não quer a paz – não vive sem a violência que se expande.

Aqueles que me honram com sua presença neste blog, talvez saibam que num outro, escrevo sobre assuntos indigestos, políticos, sociais e o que mais me aflija no momento.

O trecho do livrinho de Malba Tahan que transcrevo abaixo talvez estivesse melhor situado nesse outro blog, mas trago o assunto para este e, quem sabe, proximamente eu o aproveite naquele.

Trata-se da “ciência do não”. Eis como fora ela exposta. O trecho transcrito é longo mas vale conhecer:

“- A Ciência do Não, ó Príncipe do Islã, envolve leis, princípios e teorias que exprimem preciosos conhecimentos para aqueles que desejam governar com critério e dignidade.
- E é muito antiga essa Ciência? – inquiriu o Califa de Bagdá – esboçando um sorriso de benevolência.
- Antiquíssima – atalhou o sábio Zeidan, num gesto afirmativo, ostentando saber, - Tal ciência acompanha o mundo e os homens desde os primeiros albores da criação. A palavra “não” é obra propriamente divina; foi inventada por Deus. Ao primeiro homem, o nosso pai Adão, ainda entre as sombras deliciosas do Paraíso, o Onipotente prescreveu: “Não comerás do fruto daquela árvore!” e, nessa proibição categórica, já tinha início, bem viva e palpitante, a formidável Ciência do Não! Dos dez mandamentos da lei de Moisés (mandamentos ditados milagrosamente no monte Sinai, por Deus Criador), sete começam pela negativa absoluta: Não. É sempre útil recordar as determinações imutáveis do Decálogo: “Não pronunciarás em vão o nome do Senhor, teu Deus”, “Não matarás”, “Não cometerás adultério”, “Não furtarás”, “Não levantarás falso testemunho”,”Não desejaras a mulher do próximo”, “Não cobiçaras as coisas alheias.” (...)


“E assim o Príncipe, para a defesa do erário, para resguardo mesmo do seu bom nome, vê-se forçado a dizer vinte mil vezes. Não! Não! Não! (...) Proferir não é, em geral, bem mais difícil do que responder sim. E governar, ó Comendador dos Crentes, governar é dizer não. Não, para aqueles que planejam guerras e conquistas. Não, para aqueles que solicitam criação de cargos inúteis ou promoções iníquas. A Ciência do Não é, pois, imprescindível para a cultura do verdadeiro Rei! Repito – Governar é contrariar, é proibir, é vetar!”

Agora pergunto: QUAL PAÍS QUE VOCÊ CONHECE NO QUAL A PALAVRA GOVERNAR É SIM? Adivinhou, hem!


(*) Nascido no Rio de Janeiro de 06.05.1895 e falecido em Recife em 18.06.1974.

Pequena Nota

Na crônica “Dos livros que não consegui ler (ainda). E os já lidos...” de 17.10.2010 faço resenha e comento os livros seguintes, entre outros:
“Os Sertões" de Euclides da Cunha
"Grande Sertão: Veredas" de Guimarães Rosa
Autor Friedrich Nietzsche
"Ulisses" de James Joyce
"1984" de George Orwell
"Admirável mundo novo" de Aldous Huxley

16/05/2011

“POEMAS”, para não dizer que não falei... (IV)

Alguns poemas já divulgados em crônicas neste blog, escritos em épocas muito diferentes e distantes.

TEMPLO VIOLADO




Pelos recantos fechados da floresta,
Atuam Espíritos cultivando flores
O portal místico decomposto em cores,
Pelo sol enfeitado por estreitas frestas.
Um Templo sob azul e límpida nascente
Permitia saciar n'Alma adormecida,
Inspiração profunda no mundo perecida
Intuindo orações de elevação crescente.
E assim, naquele ambiente purificado
Buscavam consolo e amor, desiludidos
Palavras interiores de paz, esquecidos,
Ali o filósofo apreendia a magia do iniciado.
Haveis que instrumento de trêmulo corte,
Trepidando fio, avançando duro e feroz,
Fez do Templo nada, senão estalo atroz
Num dia em que ao céu clamou a morte.
Que delírio insano ocorrera, porém ?
Na inscrição berrante anunciava tal torpeza:
"O progresso derrotara, forte, a natureza"
Restara então, do Templo, nada mais que desdém.


NU ARTÍSTICO


Estanco na figura nua
Mulher linda, perfeita
O clamor da beleza pura
Que a refinada obra acentua.

Fixo-me nas reentrâncias
Nos picos e declives espessos
Penso num abraço
Num beijo ardente à perfeição
Mas, ela ali não vive
É pura inspiração.

Não é ela real, pois.
Uma miragem é o que vejo
O artista que a obra fez
Assim graciosa e linda
Instiga o solitário desejo.
Reajo a tal beleza inatingível
Fixando-me ainda na imagem
Vingo-me, assim, jocoso, então,
Rio de piada antiga:

Senhora com decote revelador
Lindos seios à mostra, encantos
A marca selada da mulher,
Pergunta ao dançarino fogoso:
- Sabes dizer os atributos da mulher
De que mais lindo ela tem?
- Sei-os, senhora, mas não direi...



A NOITE


A noite tudo encombre:
o sono da criança
os beijos dos amantes
o sonho da alma nobre...

A noite é decantada:
é a musa do poeta,
é o repouso da saudade,
é o descanso da passarada...

A noite é temida:
nela tristes seres cantam,
dança a deusa d’água,
triste se torna a vida...

A noite muito inspira:
escondem os namorados,
doces se tornam os lírios,
a vida em silêncio aspira...

A noite é mística:
nela os fiéis oram,
nela a esperança renasce,
nela o filósofo pratica...

A noite é estranha:
ela esconde os ódios,
encobre a beleza,
desaparece a vergonha!

A noite tudo encobre

Foto da noite, de Milton Pimentel Martins