10/05/2015

“DE TANTA ESQUIZOFRENIA ISTO É UMA UTOPIA”

Nos idos de 1966, pouco mais de dois anos do golpe militar 
– e digo isso de modo categórico – apoiado num primeiro momento por todos os órgãos influentes da imprensa e fortemente pela classe média e alta – que são basicamente os mesmos de hoje – o processo político estava por demais fechado, com dezenas de cassações de políticos e prisões dos mais exaltados à esquerda, sindicalistas e comunistas.
Por ato seu, foi fechado o Congresso Nacional.
Naquele ano de 1966, havia perplexidade pelo modo como avançavam os militares nas demandas políticas, começaram a gostar do poder.
E havia um conformismo ou atitudes contidas nos meios políticos e nos meios sociais, aí incluídos os estudantes. De espera.
Em setembro de 1966 eu já não era tão jovem assim. Havia completado o clássico e trabalhava num pequeno jornal em São Caetano do Sul. E nessa empresa, nasceu uma revista estudantil.
Nas páginas centrais dessa revista (setembro de 1966) fiz espécie de apelo cuidadoso no andamento do processo político que se fechava, utilizando até mesmo linguagem figurada.
[Para exemplificar: quando me refiro a “casarão” não me lembro se me referia ao presidente Castelo Branco ou ao Palácio do Planalto, sede do governo.]
[O “Pai forasteiro” fora uma referência aos Estados Unidos pela influência que tivera na deposição de João Goulart que foi cantar “em galho uruguaio”.]
Há um sentido de ingenuidade nesse texto. E havia cuidado no modo de dizer as coisas.
Com o passar do tempo, esse conformismo que sentia em 1966 foi rompido a partir de 1968, com o surgimento de grupos armados que passaram a desafiar os militares. Com Costa e Silva na Presidência, foi instituído o AI-5 em dezembro daquele ano em que pontificou de vez a “linha dura” e a partir daí todos sabem da repressão àqueles grupos que, por sua vez, reagiam com ações não menos violentos.
O apelo, em forma de poema ou de rimas quando possível é este, naquele ano de 1966 que em muito do que expressado, de modo exacerbado serve para os dias de hoje em muitos aspectos.
A pergunta, então, nesse tempo de espera, era: o que fazer?

De tanta esquizofrenia isto é uma utopia



Eu vos peço...
Meu Pai
Ao meu pai patrício
Brasileiro quinhentão,
Para poucos, estrangeiro
Até nosso Pai
Nosso Pai verdadeiro
Querem naturalizar forasteiro?


Eu vos peço, meu Pai
Meu pai brasileiro
Cem por cento nacional
Que olhe de forma tal
Para sua terra natal,
Onde tem palmeiras
E já não canta o sabiá
Que de tão papagaio
canta em galho uruguaio


Eu vos peço
Que voltem as eleições
Ah! o votinho popular
Que foi cassado por cá
Que haja mais pão
O pão nosso de cada dia
Que de tão duro foi ao chão,
Comeu-o a sádica inflação.


Que o nosso dinheiro
Ah, Ah, Ah, o cruzeiro
Não tenha mal cheiro
Que o estudante seja livre
Possa se unificar
Sem se subverter e marginalizar
Que as nossas indústrias
Nossas grandes e pequenas firmas
Não se fechem de fina!


Que a forme e a miséria
deixem de existir,
Que horror!
De tanta esquizofrenia
Isto é uma utopia!!!
Onde os nossos ladrões
E os nossos tubarões
Roubam sempre de dia.


Até quando ouviremos promessas
E quando elas não vêm
A resposta é: ora essa!
E que a atual conjuntura
termo antipático da linha dura
deixe de fritar em tal fervura.


E o brasileiro
Seja bem brasileiro
melhor que o estrangeiro
Noventa por cento nacional
Dez por cento sentimental,
Precisamos muito
De muita compreensão
Menos ambição
Muito boa intenção


Eu vos peço meu Pai
Iluminar o casarão
Com tal é forte clarão
Que ele volte a ter ação
Ação e compreensão.


Mas, sei meu Pai
Que errar é humano
E que os homens
Não sabem o que fazem
muitas vezes...


Eis o nosso sacrifício
Pois somos pacíficos da paz
Ainda que não votemos
Ainda que choremos
Ainda que não comamos
E ainda que soframos.
Eu Vos peço...








Um comentário:

Shirley Brunelli disse...

Ah! Milton, não sei opinar sobre política... Claro, tenho plena consciência do que se passa, vejo que a situação não mudará tão cedo...
Gostei do poema.
Grande abraço!