24/08/2011

POEMAS, para não dizer que não falei de... (VI)

(Estas composições são de diferentes épocas, lembrando que algumas ou todas já ilustraram crônicas neste Temas – agora nestas resenhas eu as tenho recuperado e compilado).
(V. texto no final sobre rodeios)

PAIXÕES NO TEMPO









Como são fortes, candentes
Os primeiros amores,
Ardentes
Marcam n’ alma
Lembranças tênues
Calmas

O momento mágico
Musicado, apaixonado
Nostálgico


Os amores passados,
São adocicados
Calados

A imagem constante
Um rosto jovem
Distante

A primeira namorada
Dúvida amarga
Amada.



MELHOR TEMPO


Qual, pois, o melhor tempo...
Estes de hoje
Tecnológicos, metálicos,
Úteis, soberbos
Televisivos...aborrecidos
Poluídos
Amargurados
Dos terrores e humores
Estremecidos?

Ou aqueloutros, de antes
Criativos
Ritmos (de vida)
(Mais) confiáveis,
Serenos,
Rimas e poesias
Amáveis?

Respondo: é de cada um
Para mim, de coração,
não há saudades do hoje
Só do ontem até longínquo:
dos meus amores
enternecidos
alegrias, tristezas
levezas...

De tudo
Da vida indo
Até chegar ao agora
Com uma dose de angústia
Do que vi, vivi e vai indo
Embora.



LUA, LUAR


 Despertou-me ó luz prateada
Brilho tépido, candente, o luar
Obriga-me a desfrutar do seu momento
Da graça, do amor e da nostalgia
Convida-me a olhar para fora do que sou
Indago assim inspirado o que há além
Sua luz não esconde os piscares infinitos
Da Terra aprisionado estou o bastante
O peso do meu tempo, bem sei, não permite,
Tocar na sua fronte, tão perto e tão distante.


Fotos de Milton Pimentel Martins


RODEIOS

Não falo de poesia, mas da estupidez humana.

Estamos “acostumados” com os maus tratos aos animais. Mas, se tem espetáculo sórdido são os que usam animais para o divertimento público, como são as touradas e os rodeios, entre outros. Há até caçadores que organizam “safaris safados” para abater animais em extinção.
Os rodeios se popularizaram no Brasil. Todos sabem que para obter a reação dos animais (touros) a sua genitália é pressionada causando-lhes dor e desespero. Esses falsos vaqueiros covardes sobre eles montam devendo ficar equilibrados por oito segundos enquanto eles (os animais) reagem com saltos intensos.
O rodeio de Barretos e o mais conhecido e o mais torpe.
A despeito dessa crueldade permanente, houve alguma reação oficial (do MP de Barretos) ao saber que um bezerro “ficou paralítico depois que um peão saltou sobre ele para completar a prova chamada bulldog, que visa a imobilizar o animal no menor tempo possível”. (1)
Por conta desse incidente, o Ministério Público está abrindo inquérito civil para apurar responsabilidades pelos indícios de maus-tratos, até porque o animal, com 18 meses de vida, tal a lesão, teve que ser sacrificado.
Ora, e esse vergonhoso rodeio de Barretos já não significa no seu todo, maus-tratos aos animais?
Eu não vejo em que, salvo o vil metal que circula – e por sua conta essa crueldade é aceita como “normal” -, como uma “festa” dessas pode honrar o nome de uma cidade ou qualquer outra que se vale dessa prática covarde.
Abaixo os rodeios, abaixo a covardia!

(1) “O Estado de São Paulo” de 23.08.2011



14/08/2011

TRADIÇÕES, MEMÓRIAS, FRAGMENTOS (I)

Explicação: pretendo fazer desse título uma série referindo-me a momentos diferentes de memória e fragmentos dela. Assim, para diferenciar esses “momentos diferentes”, um dos textos será sempre grafado em itálico para estabelecer o contraponto.


A palavra tradição, nos dicionários, não significa apenas referências históricas ou culturais preservadas ao longo do tempo, de geração em geração tantas vezes.
Há festas tradicionais, lojas e empresas também tradicionais, atividades populares e culturais que sobrevivem à intempérie do tempo. Quanto a estas, sem muito esforço para citar, ainda sobrevivem as festas juninas e forte o carnaval, claro que não com aquela alegria dos salões de antes.
TRADIÇÃO, significa, também, recordação, memória.
Hoje, olhando para trás, lembro-me de um “fenômeno” que se deu mesmo comigo, essencialmente natural, nada novo.
Quando jovem (refiro-me à minha geração) não havia uma perspectiva de futuro, isto é, não se pensava muito sobre o que viria pela frente e no que se refere ao dia-a-dia tudo se resumia às novidades e experiência inéditas daquele momento às vezes recebidas com indiferença. Porque no dia seguinte novas alternativas se apresentariam.
À medida que o tempo passa a vida “cobra” compromissos que vão sendo suportados com alguma relutância num canto qualquer da mente e se tornam nosso futuro. E mais além, nossas tradições. Por exemplo, eu gostava de jornalismo, mas a moda era estudar Direito, essa “tradição” do meu tempo que me influenciou.
Somos, por conta desse “fenômeno”, despertados por uma música que nos faz retornar ao passado naqueles tempos que tiveram algum significado, incluindo as pessoas em volta que lá estavam.
Aqueles acordes mágicos.
Ou ouvir um nome que nos faz lembrar de alguém que de algum modo fora importante para nós e até mesmo estalos de memória inexplicáveis que nos fazem recordar fatos ou pessoas gratos ou não. Aí incluídas as paixões, que eclodem geralmente enfeitadas com alguma emoção.
Nesses estalos muitos são os poetas que encontram inspiração.
Voltarei.

Memórias – fragmentos: “Meus oito anos”.

Um amigo de mais de 50 anos me fez recordar dia desses a poesia imortal de Casimiro de Abreu, “Meus oito anos”, que começa com está estrofe:

Oh! que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais !
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais !

E eu incluo, também, “Meus tempos de criança”, música de Ataufo Alves com este trecho:

Se não sai da gente essa lembrança
Aos domingos missa na matriz
Da cidadezinha onde eu nasci
Ai, meu Deus eu era tão feliz
No meu pequenino Miraí
Que saudade da professorinha
Que me ensinou o Bê a Bá
Onde andará Mariazinha...

Situo-me nesse lapso da vida, numa casinha humilde com um quintalzinho, num dos cantos, um poço e a bomba manual para trazer a água. Ali era meu pequeno reduto, de fazer aterros com carrinhos de plástico enquanto minha mãe se movimentava lavando a roupa e cuidando da casa.
Lá fora na rua de terra batida, dálias enormes exultavam insistentes pelas calçadas mal traçadas – agora não mais as vejo - e “copos-de-leite” viçosos à beira de brejos fétidos.
Os campos eram abertos e eu os explorava.

Aquelas tardes iluminadas que não acabavam, a noite vacilava em chegar e quando chegava o luar era límpido naquelas noites escuras sem iluminação de qualquer natureza lá fora, aquele disco iluminado que eu nunca consegui entender. Quem disse que é um satélite? Quem disse? Quem influencia quem?

Pouco depois, no segundo ano do primário, aulas à tarde, minha professora, muito bonita, pálida, sem pintura.
Sempre que ela faltava lá vinham as substitutas, esforçadas mas nada da aula fluir. Tudo monótono. Sonolento, quatro horas de tormento.
E aí eu ficava doente, com “dor de barriga”, uma desculpa para tentar fugir da aula na ausência de minha professora efetiva. Mas, no fim sempre ia para o sacrifício. Não adiantava nada me queixar com meus colegas na fila para as salas de aula. Eu era aluno exemplar naqueles tempos.
E ela faltava muito, muitas eram as dores. Às vezes chegava atrasada e as “dores” passavam na hora.
Se fui feliz nesses oito ou dez anos? Que me lembre, sim.

Fotos:

1. Largo de São Francisco (SP) - Faculdade de Direito, exemplo de tradição (Google)
2. Lua cheia - Foto de Milton Pimentel Martins

31/07/2011

“DOUTOR, O SENHOR FOI ABDUZIDO?”


Em 02 de março de 2009 contei uma história neste Temas, “O Solitário” relatando uma lenda que se criou em torno de um médico que, por uns dois anos viveu humildemente no interior de Minas Gerais. De modo silencioso praticou gestos humanitários de cura entre os vizinhos. Também curou animais.
O final da história fora assim relatado:

“Mais tarde, retornando, os vizinhos notaram que o "feiticeiro" continuava ausente. À tarde saíram à sua procura. Não o encontraram e não descobriram qualquer vestígio de seu paradeiro. Entraram na casinha e ela estava limpa como se esperasse a volta breve do seu morador. Mas, ele não voltou no dia seguinte e não mais. Os seus vizinhos agradecidos por tantos favores, preocuparam-se em cuidar dos animais como ele cuidava. Na mente simples daquelas pessoas, o homem solitário viajara para sempre com os extraterrestres. Afinal, não fora abandonado por eles depois de o terem sequestrado numa noite de chuva forte?
Mas, há outra versão: não gostaria de se constituir numa "atração turística". Parece que já vinha se preparando para outra morada, adiara por causa dos seus animais e pela carência de seus vizinhos, mas os estudantes foram a gota d’água. Hoje, quem sabe, estará nalgum outro recanto, curando animais e homens, em silêncio, levando uma vida simples sob o manto da natureza e das divindades que sua alma procura.
Ou por outra, voltado à sua vida de médico clínico na emergência de algum hospital no mais absoluto anonimato. Parece que assim se dera, alguém dissera um dia.


O repórter, na recepção do hospital, por horas, se acomodara numa poltrona confortável a espera. Pedira à recepcionista que indicasse o médico quando saísse para uma entrevista.
De repente, pego num bocejo, com fome, por volta das 13h00 sai entre outros servidores, sinal tímido da recepcionista com o indicador, um médico de complexão franzina, de cabelo curto. O jornalista se apressa, aperta o passo e o alcança no estacionamento, sem ser notado pelo médico.
Arrisca:
- Doutor, o senhor foi abduzido?
O médico para perplexo, se volta e lá está um jovem barbado, com uma mochila acomodada nas costas, de paletó, calça jeans, micro-gravador na mão:
- O que disse?
- Perguntei se o senhor foi abduzido. Eu o conheci no interior de Minas há alguns anos e até hoje tenho as gravações de suas respostas. O senhor nunca respondeu a essa pergunta.
- Mas, eu fui perguntado? – Não vou responder nada disso. Tudo aquilo que você sabe, são lendas...
- Mesmo a cura dos animais com chás de ervas; parto sem dor?
- Lendas...mas, cuidei de pessoas, crianças. Dos animais, também...
- Lendas? Mas, não foram importantes aqueles tempos para o senhor?
Pensou um pouco:
- Vou explicar uma coisa: às vezes assumo que algumas abduções relatadas por algumas pessoas podem não ser meros delírios. Seriam essas experiências de abdução tal qual os “nossos” macacos de laboratório...
- OK. Como o senhor vê o avanço do mundo nestes tempos. O fim será em dezembro de 2012?
- Não sou profeta, nada tenho a dizer sobre essa data. Sou médico cirurgião e na verdade o senhor está me atrasando. Tenho que voltar logo para o hospital. Encara o repórter: - Mas, estou preocupado com a predação ambiental. Não sei como será o mundo dos meus, dos seus netos. Desertificação, escassez de água, fome...
- A devastação na Amazônia o assusta?
- Demais da conta. Há na índole do brasileiro ou de muitos algo genético de indiferença e de desrespeito herdados de nossos antepassados. Os atos de inconsequência são criminosos e não há controle. A Amazônia é ainda o ultimo reduto de esperança, de equilíbrio ambiental. Pode me chamar de entreguista, mas sou partidário da instalação de uma força internacional de preservação, porque predomina entre os brasileiros a irresponsabilidade impossível de controlar. A corrupção. Não têm condições mentais de perceber o mal que fazem para a humanidade...e para os seus descendentes. E emendou: já falei demais, preciso partir.
- E os animais, o senhor não cuida mais deles?

- Sou médico-cirurgião, trabalho intensamente no hospital mas sempre que possível cuido deles. Tenho um amigo veterinário abnegado pela causa. Na verdade eles são vítimas da predação e da crueldade humanas. Se tudo está ligado com tudo, nós recebemos a violência que infligimos a eles. Veja só a Noruega, um país que eu conheço, com aquela cultura, desenvolvimento e riqueza... precisaria trucidar baleias como faz?

- Doutor, o senhor está insinuando...
- Não estou insinuando nada, os eventos estão aí. Olhe para o alto. Passe bem.
Entrou no carro, sem luxo e partiu.
O repórter que a tudo gravara, saíra insatisfeito com a entrevista forçada. Haveria algo mais a perguntar.

Fotos NASA (Telescópio Hubble)

1. Galaxias
2. Nebulosa do esquimó

17/07/2011

SETE PECADOS CAPITAIS: SOBERBA

“Pecados e pecadilhos” já publicados
03.05.2011 - Inveja
20.02.2011 – Luxúria
16.01.2011 – Preguiça
03.01.2011 – Avareza
26.12.2010 – Gula (nesta crônica foram dadas explicações e informações da origem dos "sete pecados capitais"

SOBERBA



A palavra “soberba” tem significado que pode conter um sentido enfático, de realce: aquela obra é soberba; aquele edifício é soberbo.
Como Machado de Assis no seu “Quincas Borba”:
“E depois o noivo é rico...”Rubião pensou na carruagem e nos cavalos que levaria, tinha visto uma parelha soberba no Engenho Velho, dias antes...”

Mas não é essa “soberba” a inserida nos “pecados capitais”.
Ela se refere àqueles desvios de personalidade que fazem acreditar a muitos indivíduos, geralmente com alguma forma de poder, o centro do mundo e agem como se fossem imortais, não só pelos seus atos mas pelo modo como pensam e pela possibilidade de convencer incautos. Aquele orgulho...soberbo.
Nestes tempos inglórios e em todos os tempos essas figuras se sobressaem às vezes incompreensíveis pelo que fazem e pelos restos desgraçados que deixam pelo mundo por anos, décadas.
É, pois, no mundo político em que a soberba extrema se mistura com a arrogância e com isso a perda dos escrúpulos mínimos. Que o digam os ditadores que se prendem ao poder como se, naquela linha de esquecerem a mortalidade, e para não descerem desses degraus os deles não cair, sacrificam opositores e inocentes.
Tudo pelo poder e para isso, os fins justificam os meios. Promovam-se guerras e guerrilhas, derrubem aviões e edifícios. Explodam-se bombas no meio da multidão desavisada. Afinal, o poder assim exige e “a minha vontade, em seu nome, haverá que prevalecer”.
Não são batalhas para mudar o que está mal, dentro daquele princípio de que uma revolução se faz necessária para minorar o sofrimento dos mais humildes, mas para se manter o poder. Ou tomá-lo para pouco ou nada mudar. O ruim substituído pelo pior!

Nessa corja de estúpidos se inscrevem os corruptos que não se prestam a questionar de onde vem o produto de seu roubo, sejam obras inacabadas de pequenas casas aos mais pobres, alimentos às crianças em escolas humildes e sacrificadas. Da infelicidade daqueles que os recursos que subtraem poderiam minorar. O que importa são os valores vultosos sempre maiores que não os satisfazem. Não há limites para o corrupto de todos os matizes, porque são os eleitos da “imortalidade”.


Se considero a preguiça moderada um pecadilho, a soberba é o pior dos pecados porque ela tende a cegar, sucumbindo a consciência e os escrúpulos. Ora, os escrúpulos são para os fracos...
Dentro do possível não dei conotação religiosa nesta série de “pecados”, mas cai bem aqui Provérbios 16:18
“A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda.”


Na minha vida profissional, me deparei com muitos desses espécimes. Na empresa tudo gira em torno de suas idéias, são autoritários, improdutivos e afetam o ambiente de trabalho. Confundem autoritarismo com autoridade. Não se dão conta de que autoridade se obtém com a distribuição dos trabalhos, com a participação e com a troca de idéias.
Muitos desses, com o passar do tempo, afastados, numa poltrona, esquecidos, têm consciência de que nada fizeram, não construíram sua subjetividade e vegetam. Quando instados, não sabem de outra coisa que não seja falar de seu passado na empresa – um assunto aborrecido porque ele ficou e a empresa avançou de um modo ou outro...sem eles.




Cuidem, por sua vez os intelectuais e os ditos sábios para não demonstrem ser “os donos da verdade”. Posicionarem-se no pedestal de estátuas. Moderação, moderação faz bem!





Por conta dessas impressões, neste Temas já publiquei e republiquei a história “Reavaliações e renúncias” em 10.10.2010 da qual transcrevo este trecho de ex-executivo que preferiu renunciar a esse mundo, o mundo da soberba. Muitos são os que conseguem:

- Mas, o que parece certo é que a soberba é mais agressiva, mais ambiciosa, assustadora e predomina no mundo. Eu sei disso porque convivi nesse mundo de competição e posso dizer que combati a soberba com a soberba. Mas, os tempos mudaram. Sendo a soberba uma não virtude ela tende a manter as desigualdades subestimando ou minimizando as virtudes do respeito ao próximo, da honestidade, da lealdade, do altruísmo. A modéstia contrapõe-se à arrogância e à violência. Proponho, pois, um mundo "modesto"? Uma utopia? Trazer o céu para a terra? Não é bem isso. Seria uma impossibilidade. Sabemos que nosso mundo é naturalmente o mundo das desigualdades. Com ela, a modéstia, cultivada numa permanente autocrítica do indivíduo, possivelmente fizéssemos o mundo apenas um pouco menos desigual, um pouco menos doente. Com mais amor, mais amizade, mais lealdade, mais altruísmo.
Imagens

(1) Gravura de Karel van Mallery (1571/1635). Fonte: www.baciadasalmas.com
(2) Gooogle (gravura repetida em outros blogs)
(3) idem


ESPECIAL

Piano: Silvio Pimentel Martins

Tema: Ernesto Nazareth, "Brejeiro"

03/07/2011

POEMAS, para não dizer que não falei de... (V)

(Estas composições são de diferentes épocas, lembrando que algumas ou todas já ilustraram crônicas neste Temas – agora nestas resenhas eu as tenho recuperado e compilado).


IMPOTÊNCIAS


Sereno, medito neste meu canto
Uma avenca aos trinta anos me encara
Orquídeas sorriem e olhinhos delicados
Miram violetas roxas com ternura e encanto,

Estanco surpreso com essa beleza
As multicores irradiadas à tépida luz
Nem mais haveria, porque elas exultam
Nesta plaga de recolhimento e singeleza.

Não me constrangeria se ali caísse em oração
Agradecido por aquelas existências reais
Sorrisos doces em oferendas, momentos de paz
Nestes tempos doentes, de guerras e destruição,

Transporto-me então para outra realidade, dura
Lá, tombam árvores, queimam-se florestas
O fogo desencadeia indescritível tragédia
Ceifando tudo, a vida, os bichos, a doçura

Exala de mim amarga tristeza e dor
Por clamar em silêncio, sem ouvidos
Ameaço gritar aos quatro ventos
Mas os sons se perdem em obscuro torpor,

Não reconheço esses ventos maculados
Sopram eles espíritos de tormentas assistidas
Neste fogaréu imenso de provações
Insensibilidades, ódios e odores desregrados,

Saberiam todos que este solo esgotado
Não haverá por muito como se refazer desses abusos
Apontando em riste e em lágrimas secas
Que pouco sobrará destes tempos abusados?

Resigno-me à minha impotência já tanto esquecido
Perante minhas poucas orquídeas, violetas e avencas
Intuindo no íntimo com angústia e melancolia
Que fenecem os tempos neste clima embrutecido.


COQUEIRO QUE DÁ COCO


Meu querido amigo coqueiro
Que plantei como anão
Hoje bate nas nuvens
Complicando a colheita aqui do chão
Você quebra as telhas
Engrossa o tronco gigante,
Assim, meu caro amigo
Que cultivei, vi crescer e cocar
Ficarei com você até não sei
Não pelos cocos às dezenas que devolve
Mas, a sua doçura líquida que me comove.



ANTIGA-IDADE, Antiguidade

Caminho olhando pra frente
Firme, busco compreensão sentida,
Dessa coisa que sacode ardente
Dessa centelha frágil chamada vida!

Mas, o que é isso tudo, afinal
Se a cada momento dado, há impostas
barreiras, desafios, sem prévio sinal?
Remexendo interiores, sem respostas?

Olho ansioso para o alto, então
Ouço a voz universal, tênue e piedosa
Sinto-me entre as estrelas, em solidão
Nada sei dessas luzes silenciosas!

Volto-me para mim, miro-me n’alma
Medito no todo dessa realidade (?)
Insisto em desvendar a centelha calma
Mas, apenas intuo que já vivo antiga-idade...


As outras compilações serão encontradas neste Temas nas datas seguintes com os respectivos títulos:

I – 09.01.2011
Ondas de vida
És jovem sessentão
Poeta beberrão
Presente, passado e futuro
Paixões

II – 31.01.2011
Orquídeas e beija-flores
Passado-presente
Antigo sim, velho jamais

III – 13.03.2011
Etéreos
Contradições e silêncio
Entardeceres

IV – 16.05.2011
Templo violado
Nu artístico
A noite


NOTAS

Inclui nas resenhas constantes do título “Dos livros que não consegui (ainda?) ler. E os já lidos” de 17.10.2010 comentários sobre o livro “O Presidente negro” de Monteiro Lobato.

Para lembrar: na crônica de 28.03.2010 comento e comparo duas obras importantes: “Madame Bovary e Anna Karenina. Duas personagens”, respectivamente de Flaubert e Tolstoi.


Imagens / fotos:

(1) pedranocaminho.blogspot.com
(2) Milton Pimentel Martins do coqueiro que inspira o poema
(3) Google

19/06/2011

AQUELES QUE RENUNCIAM

O assunto que trato hoje nestes Temas, alerte-se, é meio tabu ou por outra, não tem aquele final no qual implicitamente há uma moral, como a “a moral da história”. O desenvolvimento se inspira em fatos. Faz parte das minhas andanças por esses caminhos retos ou tortuosos.
Quero avisar que, depois de mais de uma centena de composições aqui publicadas, nem sei se há muito ineditismo ou repetições nesta. Lugar comum? Obviedades? Não sei.


1.
Certa vez, a um materialista / ateu absolutamente cético ou exibido, tendo diante de nós um corpo sem vida de um amigo comum, desafiei-o.
- Explique a diferença entre o Alcides deitado naquele caixão inerte e você aí de pé perplexo e emocionado. Considere que há uns dias, falávamos com ele no almoço. Hoje ele está lá, sem expressão, sem respiração, sem voz.
Ele apenas me olhou aborrecido e respondeu:
- É por isso que não acredito em nada. O que dizer daquela massa inerte que não durará muito para se decompor...

2.
É muito comum pessoas com alguma interioridade ao acordarem de um sono profundo, sentirem-se angustiados ao constatar que voltaram a ser regidas pela lei da gravidade, devendo carregar seu corpo denso, nesta morada meio sem sentido neste planeta tão desigual. Porque no sono, parece, a alma, o espírito ou o nome que se queira dar a essa luz que nos diferencia dos mortos, desliza no éter sem peso, com liberdade e com a velocidade do pensamento.
Quanto vezes, vi-me levitando num sono “real” e ainda por cima envaidecido por exibir esses meus “poderes”. No sonho!

3.
O retorno, pois, à luta terrena pode causar certo desconforto, mas há que lutar porque há uma música religiosa que proclama que “a vida é luta sem quartel”. Esse fenômeno que se verifica no momento em que se desperta, dá uma idéia entre a possível vida leve do outro lado e a vida densa deste lado, do lado que julgamos ter consciência de nós mesmos. De viver.

4.
São essas variáveis que nos fazem lutadores, felizes tantas vezes, esse sentimento que exulta e nos faz poetas. Mesmo que composições não ritmadas, sem rimadas e sequer escritas.

5.
Mas, há seres humanos que se fixam demais no peso da vida, no que ela pode ter de amargo, assumem a falta de perspectiva, que não absorvem seu limite ou que se sentem derrotados (assumem a condição de "perdedores", em oposição aos "vencedores", um conceito vazio no qual predominam os bens materiais nada a ver com as indagações profundas da vida e da individualidade de cada um). Ao acordarem, diariamente, se angustiam por mais aquele dia de vida consciente, tendo à sua frente menores desafios e mais amarguras sem causa que atormentam. A vida torna-se um fardo.

6.
A moça que conheci era inteligente, tinha boa postura profissional e cultura formal. Viajara diversas vezes para o Exterior.
Sua vida particular não fugia muito da média. Trabalhara em São Paulo, morando sozinha, visitava os pais quase que semanalmente e tinha bons amigos. Demonstrava alguma devoção religiosa, assistindo, normalmente, missa dominical.
No seu relacionamento profissional cotidiano, porém, mostrava-se insegura. Insistia em lembrar os tempos em que fizera teatro amador. Dai seus gestos teatrais, sua entonação de voz.
Somente depois de algum tempo, começou a se descontrair, embora, com alguma regularidade, revelasse momentos depressivos, um estado que não se afastava muito de qualquer um de nós.
Certo dia, imaginando que bem me situava na vida profissional me perguntou:
- O que você está fazendo aqui, essa perda de tempo?

7.
Certo dia, soube que ela resolvera mudar sua vida profissional. Aceitara proposta de trabalho de volta em São Paulo que possibilitaria um convívio num outro ambiente mais "inteligente" no qual se dera melhor no passado.
Tempos depois, por razões de mercado de trabalho, fora ela demitida. Ficara desempregada, frustrando todas suas expectativas.

8.

Meses mais tarde, nas vésperas das festas de fim de ano, período em que a solidão bate forte porque o espírito natalino pode não ser apreendido por aqueles angustiados, tomando um velho revólver esquecido, carregado parcialmente, mirou-o contra o próprio peito, apertando o gatilho.
O tiro fora fatal. Atingira o coração. Nos segundos que se seguiram até sua morte, às pessoas que vieram em seu socorro, disse tenuemente que se arrependera e de que não queria morrer.
Apenas um momento de irreflexão, conduziu-a a um caminho sem volta.

9.
Tal gesto, mesmo que num momento de amargura e dor, exige uma imensa coragem e renúncia porque a viagem ao desconhecido tivera a hora antecipada e, sobretudo, uma atitude antiautopreservação.
O instinto de defesa é anulado, sobrepondo-se o sonho e a esperança da leveza e do encontro com divindades, num mundo no mínimo não tão denso e amargo como o seu. Por ruim que fosse, certamente seria melhor do que a vida vivida.

10.
Nesses casos, sempre me pergunto: que tipo de vozes interiores ouve o suicida no exato momento em que age contra a própria vida? Que vozes tão eloquentes são essas que suplantam o instinto primário da preservação? Se, ao longo da vida, somos preparados para a morte natural, aí incluída a acidental, quais os efeitos do suicídio no exato momento da passagem para o outro lado da existência?

11.
Essas perguntas, ao longo do tempo, têm me afligido muito.
Para os que acreditarem na doutrina, as respostas podem ser encontradas na literatura espírita (especialmente o livro psicografado "Memórias de um suicida" *) e mesmo espiritualista. Todas elas concordam que o suicida atormentado, ao chegar nesse plano, passa pelas mais terríveis experiências, por imensa dor, pois que fugira da luta, abreviara sua estada voluntariamente, interrompera um ciclo de tarefas às vezes por motivos fúteis, incompreensíveis. Destruíra sua própria morada.

12.
Nesse plano, dizem os espiritualistas, a marca da renúncia à vida perdura por longo tempo até que volta o suicida a ser admitido numa escala menos atribulada de aprendizado. Esse gesto extremo, explicaria as grandes anomalias e doenças físicas de certas pessoas, que são submetidas à lei da causa e efeito na reencarnação seguinte.

13.
Na limitada compreensão que tenho (temos) da vida, tudo parece muito injusto e triste. A Lei de Talião aplicada. Mas, esses eventos não podem, ou não devem ser tomados nos limites de uma existência ou nos poucos anos de uma vida. Há uma transcendência que martela, martela e quanto a mim, me conduz a admitir a explicação da reencarnação. Porque, "com a morte, não se perde nada daquilo que a alma adquiriu. As experiências que o homem fez nas vidas passadas, tornam-se instintos e incitam-no ao progresso, até inconscientemente" (cf. "Bhagavad Gîtâ").

(*) “Memória de um suicida”, psicografada pela médium Yvonne do Amaral Pereira (Federação Espírita Brasileira).
Ver crônica de 03.04.2011 o pesadelo de local inóspito, embrutecido: "Alucinações, sonhos(?!)"

Imagem/ fonte: Sociologando.wordpress.com (Google)

ESPECIAL

J.C. Bach - Prelude III in C# Major Book I
Piano: Silvio Pimentel Martins

12/06/2011

LEI DE MURPHY: CARRO "ANTIMILITAR"

Esta crônica não e nova mas eu a divulgo porque o relato é verdadeiro e curioso. Fatos como este, havia alguém que qualificava como "maldade das coisas inanimadas."


"Lei de Murphy" como popularmente conhecida: "Se alguma coisa pode dar errado, dará. Dará errado da pior maneira, no pior momento e de modo que cause o maior dano possível".

A comprovação dessa "lei" ocorreu numa indústria automobilística (Chrysler), naqueles tempos em que o civil "batia continência" até para soldado raso do Exército.

Numa bela manhã, eis que foi anunciado pela administração que um grupo de militares, comandado por um general, visitaria a fábrica "dois", isto é, a filial, que contava em suas instalações, com uma área "suja", digamos assim: uma fundição antiga. No seu recinto havia muita poeira em suspensão, calor e ruído.

Talvez por isso despertasse alguma curiosidade, porque os fornos imprimiam ao ferro derretido aquele vermelho vivo, solar que, ao descer para as formas dos blocos do motor ou virabrequim, rebrilhava ameaçador lembrando as lavas de um vulcão miniatura descendo pelas encostas. Essas operações eram realizadas e presenciadas diretamente "na fonte".

Claro que a recepção fora cuidadosamente preparada. O melhor automóvel foi lavado e perfumado. De porte grande, um Charger RT (“O lado emocionante da vida”) com motor potente, de excelente qualidade, testado milhões de vezes em outros veículos na matriz americana, embora um sacrilégio na época pelo seu alto consumo de gasolina, mesmo com a crise do petróleo sendo já então amenizada.

O carro estava pronto para conduzir os militares à fundição. Ao seu lado, foi posto um carro menor (um Polara), mais popular, também lavado, apenas como reserva ou para atender algum visitante ou acompanhante que não coubesse no outro carro.
Encerrada a reunião, com troca de amabilidades, "abobrinhas", salgadinhos e água, chegou a hora da visita à fundição.


O diretor da fábrica, sujeito exigente, pôs-se a enaltecer merecidamente as qualidades do carro, como bom vendedor que (também) era.
Todos entram no veículo de luxo.

Aciona-se a partida e ela falha. Novamente e nada de pegar. Depois de uma dezena de tentativas, o gerente da fábrica abandona o carro renitente, constrangido, furioso e, naquele seu olhar homicida, busca algum culpado pelo vexame. Não havia culpados.

Resignando-se, perguntou a um funcionário próximo se o pequeno carro do lado estava apto para conduzir parte da delegação até a fundição. Obtendo resposta positiva, sem vacilar, convidou seus visitantes a embarcarem e lá foi ele dirigindo o carrinho.

Tirando o enguiço do carro de luxo, a visita fora normal. Enquanto esta prosseguia, não havia meios de fazer funcionar a partida do carrão. O mecânico olhava para o motor como se fosse a própria esfinge. Pensava-se em rebocá-lo à oficina mecânica para ser consertado. Ao fim da visita.

Mais algumas amabilidades e uma hora depois os militares foram para seu quartel.
Assim que transpuseram a portaria, na última tentativa de acioná-lo antes de ser rebocado para a oficina, eis que o carro pegou ruidosamente, emitindo aquele som cadenciado de motor a qualquer prova.

Todos, perplexos, não tinham explicação para a peça pregada pelo carrão.
Alguém, já que todos se divertiam com a gafe, completou com ironia:

- É que a lei de Murphy é irrevogável. É um verdadeiro Ato Institucional. E até os milicos a cumprem ! Na "marra"!

05/06/2011

A ESTAÇÃO DE TREM E SUA LUZ



Nem devo explicar como é que, por cerca de um ano, me obriguei a frequentar uma velha estação perdida nos trilhos da Santos a Jundiaí.
Quantas vezes me vi sozinho porque, por uma qualquer razão cheguei mais cedo na sua velha estrutura e por muitos minutos me vi só na sua plataforma, sua construção antiga, pintada de marrom terra, dando aquele sentido melancólico do tempo passado, do tempo perdido no tempo.
Nessas vezes em que chegava mais cedo, acomodando-me no velho banco desgastado de sempre, com aqueles pés de ferro trabalhado, pesado, não conseguia me livrar da luz que provinha daquela lâmpada instalada num candeeiro muito antigo, sem graça, sem métrica, sem poesia.
Mariposas se encantavam com a luz naquelas horas da noite e, quanto a mim, um facho dela, insistente, em linha reta ligava-se aos meus olhos míopes.
Aquele rebrilhamento que me incomodava um pouco mas que parecia dialogar, me consolar
- O que o fez chegar nesta lonjura? E aqui estar só, emprestando os meus raios? A sua sorte é perseverar.
Pouco antes de o trem chegar, depois de algum tempo, estação com mais passageiros àquela hora como todos os dias, olhava para a luz sem entender o que alcançaria quando não mais voltasse àquela estação envelhecida, sem atrativos, uma lâmpada fraca, desprotegida que falava comigo...ou eu com ela?
Embarco para o retorno. A composição estava vazia, Me acomodo num banco cujo estofado de espuma de borracha ao lado se soltava do assento. Fora cortada por gilete ou por algum instrumento semelhante, esses vândalos que por ali se acomodavam no sofrimento da madrugada ao começo da noite com a marmita de seu almoço trivial, por lavar, escondida na mochila.
Mesmo com alguns amigos por perto na estação, sabia de minha solidão e que teria que reagir a partir do momento em que nunca mais voltasse à estação e sua lâmpada mágica.
No vagão onde embarcava, algumas vezes o mesmo, ostentava externamente, próximo da porta, bem desenhado, em romanos, o número XXI.
Chamou-me a atenção o 21 porque certa vez meu pai dissera que queria viver até o ano 2000 para se certificar de tudo o que a humanidade enfrentaria. Faleceu em 1987.
Tão distante dessa data na minha vida, principalmente nestes tempos da estação antiga, como pensar no século XXI que os muitos profetizavam o fim do mundo: “de mil passou, de dois mil não passará.” Como será o século XXI? Onde estarei, como estarei?


Mais uma vez o trem chegou à minha estação de desembarque. Desliguei-me dessas reflexões prematuras e segui para casa para o jantar tardiamente, comida requentada.
Amanhã tudo de novo, de novo...


Mais tarde, na metade da década de ouro de 60, vive minhas glórias estudantis e, a despeito de tudo, felicidades

XXI: Minhas angústias por tudo o que vejo. Parece que a humanidade, nunca estará totalmente em paz – não tem essa índole -, predadora, caminha para a tragédia.
A maioria, sim, rejeita esses tempos de obscuridade, mas a minoria insana, implacável, tem predominado na sua insanidade.
Há os que profetizam que esses tempos trágicos, de 2012, dezembro, não passaram.
A volta à estação...


30/05/2011

SETE PECADOS CAPITAIS / INVEJA




“Pecados e pecadilhos” já publicados
20.02.2011 – Luxúria
16.01.2011 – Preguiça
03.01.2011 – Avareza
26.12.2010 – Gula (nesta crônica foram dadas explicações e informações da origem dos "sete pecados capitais"
)



"Também vi eu que todo o trabalho, e toda a destreza em obras, traz ao homem a inveja do seu próximo. Também isso é vaidade e aflição de espírito." (Eclesiastes, 04-4)


Sempre que possível para esses “pecados” valho-me de minha experiência pessoal para quem já viu e vê tanta coisa neste lapso de existência em que vivo e sobrevivo. Não esperem um tratado filosófico sobre a inveja, apenas o sentimento dela. Nela, incluo o ciúmes pelo êxito de outrem e tudo o mais de inconformismos do indivíduo que não reflete sobre o seu próprio lugar.
De todas as definições ou um sentido de objetividade para a inveja é aquela inscrita em inumeráveis para-choques de caminhões, reflexo da sabedoria popular autêntica: “A inveja não mata mas maltrata.”
Às vezes, mata!
Tenho para mim, que trabalhei por décadas na indústria automobilística, é nesse âmbito que a dor da inveja se manifesta de modo bastante eloquente. E por quê?
Porque é dentro da indústria que se dá a competição saudável ou não entre os concorrentes, a terrível “dor de cotovelo” daquele que esperava uma promoção e foi preterido. O desgosto de ter como superior hierárquico exatamente aquele com quem competia e até subestimava. “Apenas porque bajulava de modo mais eficaz”.
É ele agora que participa das reuniões superiores e terá o preterido que esperar as novidades provindas do seu ex-“adversário”, agora seu chefe.
Como essa situação constrange, magoa! E não há meio de contornar. Amanhã de manhã o preterido haverá que chegar ao seu posto de trabalho e esperar as ordens de seu novo chefe que lhe fora imposto “goela abaixo”. Ah, a manutenção do emprego, do carro, do pagamento das contas, da casa, da família!
Eu me deparei, sim, com situações dessa natureza.
O colega, mesmo expondo ocasionalmente algumas bobagens cotidianas tinha um talento especial para a tarefa gerencial. Coisa que eu não tinha muito. Eu sobrevivia mais pela eficiência do que pela aparência, da média. Mas, o que fazer? Do ponto de vista da empresa, esse parceiro, ERA MELHOR DO QUE EU. Eu demorei em reconhecer essa realidade a despeito da influência que direta ou indiretamente produzia ele no todo do departamento. E nesse meio tempo, o meu constrangimento e amarguras demoraram muito para serem superados, se é que foram.
A inveja, no meu conceito, também se dá, pela desconsideração, pela subestimação gratuita entre as pessoas.
Uma manhã, eu estava naquele estágio mental de ter visto o “passarinho verde cantante”.
Em estado de graça, estava postado na porta da minha sala de trabalho na empresa Chrysler, em São Bernardo do Campo.
O pavilhão do departamento estava um pouco abaixo do nível do piso, tanto que de vez em quando, nas chuvas fortes, havia invasão das águas pluviais em toda a sua área.
Logo à direita, por isso, havia uma pequena escada, com dois degraus.
Um daqueles funcionários se bem me lembro da área comercial da empresa, geralmente onde trabalham os mais soberbos, me encarou com aquele olhar torto do deboche, provavelmente me qualificando mentalmente como um sujeito naquele nível dos dois degraus abaixo. Um bullying mental.
Eis que, no primeiro degrau ele escorregou, tropeçou e o tombo inevitável se deu forte à minha frente.
Ele se levantou, talvez dolorido, me encarou perplexo, envergonhado e mais do que depressa saiu dali.
Essas coisas inexplicáveis irradiadas pelo éter, nesse lapso invisível sem espaço.
A inveja...


Imagem: desenho do artista João Werner que não o intitulou como representação da inveja. Mas, achei que a forma do desenho diz alguma coisa sobre ela.