11/04/2010

TERNURA, essa palavra feminina...(?)

Explicação

Nesta crônica revelarei espécie de balanço de minha convivência profissional e pessoal. Por óbvias razões excluo os laços familiares até porque já escrevi sobre esses laços.
A palavra ternura, sempre a usei com muito cuidado. Me perdoem, mas me parece que ela tem mais um uso feminino. Não me sinto à vontade, por exemplo, em dizer que meu amigo tal é terno. Agora a mulher tem toda a autoridade para dizer que fulano exala ternura e que sua amiga tal é terna (a palavra é feminina!).
Nesse passo, em vez de ternura, usarei apreço que no Aurélio significa “consideração e estima dispensadas a alguém”. Desapreço, então, será a desconsideração e não estima dispensada a alguém.
Tudo que direi a seguir não tem qualquer sentido de vaidade ao enaltecer alguns acontecimentos que me marcaram. A minha (des) importância é conhecida dos meus amigos e circunstantes. É que, se eu não falar desses acontecimentos, se perde a crônica.
Fui agraciado por inumeráveis e até pequenos gestos carinhosos que me surpreenderam e ficarão comigo para sempre. Até devo já ter relatado alguns por aí ou por aqui.(pequenas ternuras?).
Mas há outros que extrapolam e me levam a fazer, em torno deles, um relato mais aprofundado.


Apreços, desapreços e...ternuras

Trabalhei por décadas na indústria na automobilística.
Já me referi a viagens profissionais que fiz ao exterior, que não foram tantas, mas significativas.
Não pensem que tudo nessa minha vida profissional foi fácil? Não, tudo foi conquistado com suor e lágrimas. Diria mesmo que se para sobreviver há que ser eficiente 50% e político outros 50%, saibam que fui eficiente num nível em torno de 90%. Por isso sobrevivi. Nunca soube fazer política dentro da empresa, não consigo bajular e não consigo me comunicar bem com aqueles que considero imbecis, soberbos.
Assim, se sobrevivi tantos anos nessa indústria se deu pelo meu desempenho.
Um dia saí da empresa Chrysler. Minha fábrica (Santo André) estava em processo de extinção.
Fui, sim, homenageado porque entre outros dera condições, no seu clube na Estrada do Mar, de fazer ali a festa de Natal. Se querem saber, o sindicalista Lula, já muito badalado mesmo pelos executivos empresariais, lá esteve.
Depois virei, num campeonato interno de futebol de salão, nome de taça.

A VW comprou as instalações da Chrysler. Anos depois, fui convidado, como homenageado, entre outros, por ocasião das comemorações do 40° aniversário do VW Clube (maio de 1998) pelo que eu havia feito no antigo Clube-Chrysler que fora por aquele herdado.
Claro que dois amigos leais puseram meu nome para ser lembrado. Apreços.

Ainda na minha atividade profissional dentro da empresa, pela primeira vez senti a sola da demissão, numa poderosa multinacional da região de Piracicaba.
Certo dia surgira novo presidente um americano bastante arrogante. Um sujeito alto, loiro, cabelos mais para o grisalho, rosto magro e avermelhado, nariz empinado, um perfeito capataz, tolo mesmo. Falava um português razoável.
Viera para proceder à reestruturação da empresa. Iria “cortar na carne”, anunciava a “rádio peão”.
Criou-se um clima de expectativa e terror.
Na reunião decisiva da reestruturação, a demissão sobrou para mim. Em meu lugar, assumiria um bajulador que vinha de área estranha àquela que viria a ocupar, exatamente porque era bajulador.
Pelo que soube mais tarde, todos aqueles gerentes a quem dera apoio, sempre, haviam também votado pela minha demissão.
Passado aquele momento amargo, inédito, porque nunca tivera tal experiência, refleti muito sobre o acontecido. No meu íntimo, me perguntava se, rigorosamente, não desejara em muitos momentos deixar a empresa que perdera aquele brilho de antes.
A verdade é que essa experiência virara um pesadelo. Muitos se sucederam. Via-me chegando à empresa pela manhã, rumava para minha sala, não a encontrava ou havia alguém estranho sem rosto no meu lugar. Caminhava, então, pela fábrica como um fantasma, via sem ser visto, renovando a angustia da demissão ao acordar.
Sabia agora, após administrar centenas de demissões nas várias multinacionais em que trabalhei os efeitos danosos que produziam nos demitidos:
- Recebera minha paga, pensava. Sentira o amargor do fel.
A despeito da demissão, fiquei mais uns meses treinando alguém para um determinado tipo de tarefas.
Todos os colegas cordiais de antes – difícil “amigos” nos muros da empresa -, subordinados se afastaram solenemente como se qualquer aproximação significasse o contagio de doença incurável. Esses desavisados se esqueceram que estavam numa fila esperando a vez. E ela foi chegando...
O desapreço se materializou, então, do modo mais amargo. Romperam-se os laços e o dever de gratidão.
Apenas três colegas mantiveram a mesma harmonia de antes. Sabia por eles que nem tudo estava perdido.


Voltava de São Paulo um pouco deprimido. O tráfego estivera intenso, congestionamentos nas Marginais, tudo fazendo subir os níveis de poluição e de cansaço.
Minha depressão, além dessas razões, devia-se mais pelo que assistira numa agência do INSS. Entre todos aqueles humildes que buscavam com resignação seus direitos no imenso salão, sentada num canto, chamou-me a atenção, uma senhora envelhecida, um pouco obesa, com o rosto sulcado por incontáveis riscos miúdos de rugas.
Suas mãos esbranquiçadas, como se seus dedos estivessem gastos e, no pulso, feridas mal curadas, notando-se que o tratamento seria precário.
Por acaso ouvi sua história: trabalhava havia mais de 30 anos, sempre em serviços modestos de doméstica e, nos últimos tempos, sem poder fazer muito esforço, achara que se daria bem como lavadeira de roupas.
À medida que o tempo foi passando, suas mãos começaram a ser afetadas pelo sabão, pelos detergentes, pelo cloro, resultando em dores, naquelas feridas nos pulsos, de tal ordem que não poderia mais trabalhar.
Bem atendida pela funcionária da instituição, foi-lhe explicado que pelo pouco tempo que contribuíra para a previdência, provavelmente nunca se aposentasse, porque havia uma "tabela de progressão" de contribuições que a levaria a contribuir ainda por muitos anos.
Em princípio, nada poderia ser feito para ela, salvo um afastamento por doença ou invalidez. Meio confusa, nada entendendo, encarou-me com aquele rosto enrugado, olhos cansados e apenas disse, quase em desespero:
- Ai meu Deus...
Saiu lentamente do local, em passos curtos, como se carregasse nas costas um pesado fardo.
Para essa mulher, não havia respostas que pudessem consolá-la. E de nada adiantaria a imensa ternura que sentira por ela, pela sua humildade, pelo seu rosto cansado, pelas suas rugas. A humildade transmite uma réstia de beleza, apesar de tudo. A vida do brasileiro que mora precariamente, nos morros, nas favelas, lutadores e esquecidos. Aqui senti mais que apreço, ternura e decepção diante da minha impotência em ajudá-la. Quem sabe a invalidez a tenha aposentado. Quem sabe.


Já relatei esta passagem (v. “Raízes Sancaetanenses - I de 21.06.2009) para mim muito mais do que manifestação de apreço.
Não conseguirei esquecer por ser eu quem era, um garotão meio inseguro perante o prefeito Anacleto Campanella de São Caetano do Sul e sua forte influência em todo o ABC.
Dei-me conta de Campanella, no seu primeiro mandato, quando da inauguração do denominado viaduto dos Autonomistas em meados da década de 50, uma alternativa para aqueles que precisassem cruzar as linhas da então “Santos a Jundiaí”, vindo do Bairro da Fundação para o Centro ou no trajeto oposto.
Moleque, encolhido, acompanhei a solenidade e o discurso do prefeito.
Anos depois, no segundo mandato, por programação de jornal semanal capenga me encorajei, numa tarde de sol, em chegar ao seu gabinete para uma mal programada entrevista. Sou bem recebido pelo seu “eterno” secretário e aguardo na ante-sala.
Minutos depois, sou conduzido ao gabinete. Ele me encara com aquele seu jeito irreverente, olhando para os papeis, responde algumas perguntas, levanta-se impaciente daquela mesa arredondada de trabalho sai apressado do gabinete e me ordena:
- Venha comigo.
Saímos do prédio da Prefeitura. No estacionamento, ele abre a porta do carro, manda que eu entre e segue nos rumos de Santo André.
Paramos no próspero Diário do Grande ABC e ali ele me apresentou para o diretor de redação do jornal. Escrevi para aquele jornal por algum tempo. Perdi o pique pela minha timidez e insegurança, modalidades do meu perfil.
Em 1969, como deputado federal, logo depois do AI-5 do regime militar fora ele cassado na "lista" de 12.01.1969. Encontrei-me com ele logo depois. Não demonstrara mas é certo que sentira o golpe.
Mais tarde, doente, vez por outra eu o encontrava abatido na Barbearia do Ciccilo que fora um ponto político importante em São Caetano.
Sempre falei com ele porque havia aquele gesto de anos antes que até hoje me surpreende, porque desinteressado e de alto apreço.
Longe há anos da cidade, sua presença se dá com o time de futebol do São Caetano que manda os jogos no estádio municipal batizado com o seu nome: Anacleto Campanella.
Chamo, afinal, esse gesto de apreço ou de ternura?

O que incomoda é que tudo passou de repente, numa velocidade...da vida.


Ternuras desprendidas, incondicionais

Tenho falado muito de animais nestas crônicas. Espero não cansar os que me acompanham. Essas crônicas, creio, estejam insertas em “edições” passadas neste “Temas” ou por aí.
Resumo:
. Da vaca e do bezerro que servi água num dia de sol escaldante: o olhar manso e doce da vaca agradecida;
. Do quati domesticado: sua festa subindo pelos meus ombros e fazendo cafuné na minha cabeça com suas patas agudas;
. Das abelhas nervosas que rodeavam meu rosto sem nunca me atacar;
. Do leitãozinho esfaqueado mortalmente que me encarou decepcionado pelo que eu “deixara fazer”;
. Da corujinha perneta que diariamente, talvez agradecida por ter sido salva, que pousara no coqueiro do meu quintal por muito tempo;
. Dos gambazinhos frágeis que aparecem por aqui;
. Dos gatos vadios que também apareceram: um deles me olhava com aquele ar maroto após meus gritos pelas suas mordidas no meu pé. Sumiu como chegou; o mais inteligente quando deitado na grama parecia um trapo, foi atropelado. Uma perda;
. Do escorpião que não conseguiu me picar (Sorte? E se foi o que muda?)
. Dos múltiplos passarinhos comedores de bananas e pedaços de mamão, no muro, ao lado do meu escritório que me fiscalizam desconfiados de alguma traição – que nunca virá - voltarei com eles;

. Da minha cachorrinha preta, com 17 anos que me chama sem parar, latindo, da tarde às 8h00 da noite enquanto não for visitá-la e trocar sua água. Ela come até gomos de mexerica que colho do pé. Alguns minutos com ela, afagos, carinhos e ela sossega.

É isso ai


Fotos:
(i) Anacleto Campanella (from tribunadoabc.com.br - Google imagem)
(ii) Imagens parciais de minha despedida da Chrysler em 11/1981 e o "meu" time no mesmo dia.
(iii) Eu e a cachorrinha Preta, de novo, no seu habitat (foto: Milton P. Martins).

04/04/2010

PIRÂMIDES DE TEOTIHUACAN...e os arrepios da brisa (?)

Há anos, como uma forma de treinamento – especialmente no que se referia às estratégias de negociações sindicais - e adquirir no mais alguma visão internacional fui escalado para conhecer alguns países latino-americanos, incluindo o México.
Quando aportei no México, na capital, claro, já batia, então, forte, a saudade dos meus e do próprio Brasil. Já me cansara, efetivamente, de "hablar o portunhol". Já estava quase chegando ao “espanhol puro”.

O México não seria a última parada. Haveria, ainda, a Venezuela, então um país com forte moeda, pelo seu petróleo, que irrompia "aqui ou ali" na versão de um bem humorado venezuelano que lá conheci e ainda uma passada por Manaus.

Naqueles idos, as comunicações não tinham a desenvoltura e as facilidades de hoje

Num entardecer, depois de uma visita atribulada à fábrica de automóveis na cidade
de Toluca, meio deprimido, não tanto pelo "home sick", mas pela recepção impaciente que recebera nessa minha estada profissional, dentro de um carro magnífico, mal me dava conta dos recantos mexicanos.

Rumávamos para meu hotel e eu me perguntava do desequilíbrio daquele dia. “Afinal, pensava, não seria uma rara oportunidade que teriam os mexicanos que me recepcionaram de comparar os países e os modos de vida”? Naquele momento a oportunidade se perdera.

Não me dera vontade de começar qualquer conversa com o motorista, um sujeito afável e amistoso que não merecia minha indiferença. Era eu quem perdia aquela mesma oportunidade.

Diante do meu silêncio deselegante, ligou o rádio. A música que tocava, naquele instante, fora um alento: "Jesus Cristo" de Roberto Carlos. Naquele país distante, apertado pela saudade, nada mais reconfortante que ouvir Roberto Carlos com aquele seu apelo: "Jesus Cristo, Jesus Cristo eu estou aqui..."

Fora como um chamamento, uma sacudida para me lembrar da religiosidade dos mexicanos. Nas fábricas que visitei, em vários locais, mesmo na linha de montagem, havia altares com a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe. A reverência permanente à santa.
















Visitando a magnífica Catedral Metropolitana da cidade, num dia de solenidade religiosa, mal pude me mexer dentro da igreja de tão lotada.
Num dos últimos dias no México, numa providencial manhã de folga, fui visitar as pirâmides de Teotihuacan, nas proximidades da cidade.
Essas pirâmides situam-se num local que chamaria de imenso largo escampado. São suntuosas e impressionantes construções de pedra, com degraus com cerca de 50 cm de altura.

O dia estava ensolarado e quente, o céu azul. Soprava uma leve brisa.
O conjunto das pirâmides transmitia, com o contraste do céu e do sol, um sentido enigmático. Ao me aproximar de seus domínios, fui acometido de leve mas perceptível arrepio que circulou pelos meus braços.
Escalei a pirâmide do Sol, entrei nalguns de seus compartimentos com a vontade de intuir quais motivações religiosas poderiam ter inspirado tal modelo de obra.

De volta ao Brasil, pouco tempo depois, descrevia a um médico amigo as impressões desse passeio nas pirâmides de Teotihuacan. Estudioso de temas esotéricos ele me perguntou, sem qualquer expectativa, se eu não sentira algo de anormal naqueles sítios.
Relatei-lhe o arrepio, chegando ambos à conclusão de que aquela reação poderia ser resultado de vibrações que permaneciam no éter, ecoando pelos séculos, sendo captadas, eventualmente, pelo profundo magnetismo religioso que marcara o local.
Anos se passaram.
Desde aquela viagem, por muito tempo o México ocupara minha mente e espírito com muito carinho. Porque naqueles dias, e creio que ainda agora, havia interesse efetivo dos mexicanos pelas coisas brasileiras, especialmente pelo futebol e pela música.
Em 1992, por ocasião das comemorações do 5° século do descobrimento da América, as diversificadas pesquisas e indagações que essas comemorações propiciaram, só vieram confirmar minha relativa ignorância sobre os astecas.
Se os espanhóis se comportaram como bárbaros para dominar o grande império asteca, como se comportavam estes em relação aos seus prisioneiros?
Os astecas praticavam sacrifícios, com requintes de crueldade e depois os devoravam. As pirâmides, então, asseguram os historiadores, cheiravam matadouros porque eram exatamente o que eram. Os prisioneiros, com os corações extirpados do peito, eram empurrados lá do alto.
A cidade do México foi construída sobre a destruída Tenochtitlán (capital do império asteca, fundada em 1325). De tão bonita e organizada essa cidade asteca, Cortês, o conquistador espanhol, chegara a escrever: "Não posso dizer outra coisa senão que na Espanha nada existe de comparável".
Houve, pois, naqueles terrenos, do alto das pirâmides e nas suas imediações, muito sofrimento, sacrifício e sangue derramado. As vibrações que ali se expandem podem conter gritos propagando forças revoltas e inconsoláveis do sofrimento e da morte.
O meu quase imperceptível arrepio, mas indelével, quando da minha visita às pirâmides, não terá sido uma tênue ligação com uma manifestação sutil do mistério da morte e do pavor dos sacrificados?
O arrepio é comum no frio, no susto e no medo. Não me parece que seja veículo para transmitir um instante de inspiração, de elevação.
Por essas contradições é que, até hoje, tenho essa como uma experiência valiosa e inesquecível. Não poderia ser indiferente a ela, imaginando que aquela sensação fosse apenas o efeito da brisa que soprava. Enfim, não posso ignorar, num mero dar de ombros essas passagens que, de certa forma, fortalecem o espírito e temperam a vida.

PS: Alguém insiste: “E se fosse mesmo apenas a brisa “encanada”? Pensei e não vacilei na resposta: “O que mudaria?”

Fotos:
Catedral Metropolitana do México: flicker.com (Google imagens)
www.planetware.com/picture/mexico-teotihuacan (Google imagens)

28/03/2010

MADAME BOVARY E ANA KARENINA, DUAS PERSONAGENS

Explicação

A literatura contém muitas obras em que paixões arrebatadoras eclodem e os personagens com tudo rompem, incluindo os padrões sociais para exatamente viverem num outro estágio de vida, alimentando uma nova experiência de convivência apaixonada, de amor.
(Já me deparei com situações dessas em que o casal apaixonado assume a troca por nova vida com o novo amor. Nos dias de hoje, em qualquer fórum, se desvendados os verdadeiros motivos das separações e divórcios, em muitos essas paixões aparecerão.)
Se as pequenas paixões momentâneas, casuais, uma presença constante são inesquecíveis o que dizer das grandes paixões. Aceito qualquer ressalva sobre esse tema tão humano e tantas vezes guardado a sete chaves no coração de tantos por toda a vida.
Mas, ah! os tempos, naqueles tempos duma sociedade tão conservadora quanto hipócrita que fiscalizava com rigor as atitudes das mulheres, em especial, e suas paixões adúlteras, não aceitas e rejeitadas à execração...
Por isso, proponho-me a analisar duas personagens literárias famosas: “Madame Bovary”, obra de Gustave Flaubert escrito nos idos da metade do século XIX e “Ana Karenina” de Leon Tolstoi, escrito uns vinte e poucos anos depois, ainda no mesmo século.

Madame Bovary

Para a resenha / comentários deste livro, acessar:

TEXTO REVISTO













Ana Karenina

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TEXTO REVISTO






21/03/2010

PAIXÕES


Explicação

O texto a seguir reconheço meio confuso, escrito há muito e que foi rejeitado em tudo quanto publicação, ao ser submetido.
Não tenho obrigação, porém, de apenas divulgar textos compreensíveis. Não me agrada a proposição melosa, falsa, como se dá com mensagens supostamente inspiradoras, das centenas de PPS (power point slideshow) que tramitam pela internet: “faça isso”, “faça aquilo”, e pior, com um fundo musical enjoativo, atribuem tantas vezes esses textos a autores famosos que jamais se prestariam a redigi-los. Nesses PPS percebo um sentido de exaltação do ego dos seus autores. Escrevem mirando-se no espelho.
Bem, o meu texto “patinho feio” que nunca será um cisne, é este:

(Quando o texto é grafado em italico, é porque foi acrescentado ao original)

Quais forças movem o ser humano? A paixão? A necessidade? A vaidade? Um ideal?
A paixão tem escalas de intensidade: pode ser um sentimento cego, que afeta a razão ou algo entusiasmante, altamente motivador na consecução de um objetivo.
A vaidade, por seu turno, vai do fútil ao suntuoso com a mera motivação de ostentar. E só por isso ela se sustenta. Ela despojada, nada resta no espelho senão o ser humano diante de sua imagem. Porque a vaidade é sobretudo um alimento sem sabor e peso. Apenas vaidade.
A necessidade impulsiona o ser humano condenado apenas à sobrevivência. Tudo que ele realiza nesse estado, é desprovido de entusiasmo, de motivação. Resta apenas a alavanca da necessidade.
O ideal pode ser um objetivo vago perdido no tempo e no espaço ou um objetivo superior, materializado na mente, a ser alcançado um dia ou nunca.
O idealista que persegue seus sonhos, se coloca uma pitada deles na sua necessidade de sobrevivência e eis que o trabalho passa a ser não um fardo, mas prazer.
Talvez os grandes transformadores do mundo, nas suas ações, tenham colocado nos seus objetivos superiores uma boa dose de paixão, um bocado de vaidade (há que se admitir?) e o ideal misturado com a necessidade.
Para a maioria dos mortais, sujeita à necessidade de sobreviver, essas forças se manifestam em escalas menores, contidas ou apenas latentes. Quantas vezes o talento não é reprimido apenas porque há a necessidade da sobrevivência ?
Tudo isso revolve a minha mente porque, daqueles que tiveram o privilégio de viver e conviver intensamente a década de 60, deixei para trás muito de minhas paixões (transbordantes!), reprimi um pouco a vaidade (sempre ela!), ou a ela renunciei em alguns níveis porque, sobretudo, havia que prover a necessidade.
E assim aqueles ideais sonhados de ser um transformador do mundo ficaram nos sonhos irrealizados, nas nuvens da saudade e da nostalgia. Frequentemente eles se formam de novo no céu e eu os contemplo saudoso e agradecido.
Essas reflexões conduzem-me a perguntar quais seriam minhas genuínas paixões hoje, meus ideais e, afinal, o que me resta de vaidade.
Sem ter como explicar porque, do alto da minha não juventude etária, apaixonei-me pelo verde, pelas árvores, plantas, flores e animais de um modo geral. Um certo fanatismo a ponto de me tornar intolerante com a ignorância, a inconsequência e com o descaso de todos aqueles que destroem uma árvore por qualquer motivo ou mesmo sem motivo.
Na mesma década de 60, na sua segunda metade, com um amigo, imprimimos uns versos numa cartilha, com o sugestivo título "Versos para ninguém". A poesia, chamemo-la assim, porque não tinha talento para ela como não tenho hoje e que encerrava essa cartilha, de minha autoria, denominada "Pense", tinha a seguinte seqüência:


Pense nas flores silvestres e se tranqüilize,
Pense na singeleza das árvores e sorria,
Pense na alegria da passarada, sinta o Criador,
Pense no céu de doce azul, anime-se,
Pense nos animais despreocupados, reflita,
Pense na criança que nasce e confie,
Pense no sol que brilha e não desanime,

Pense num amanhã melhor e espere,
Pense no que de bom existe e lute,
Pense em toda a Natureza
Não se desespere,
A Natureza é Deus...


“O que de bom existe” é um conceito vago, segundo a avaliação de cada um.
Esse “poema” serviria hoje em gênero, número e grau para um PPS, mas deem o desconto, porque foi escrito na década de 60 (a menos que pusesse como autor, ninguem menos que Eisten, ai esse PPS imaginário circularia pelo mundo).
Ironias a parte, que me lembre, a palavra ecologia começou a ser empregada somente a partir da década de 80.
Muitos anos se passaram dessa "poesia" na qual reconheço o seu sentido ecológico e otimista, parece ser já o início dessa paixão que me arrebataria com o passar dos anos.
Aqueles todos que, como eu, apoiam-se tantas vezes na sombra ou na beleza duma árvore para um consolo ao impacto das misérias humanas, ela que tudo dá, até a paz florida do seu silêncio, que acolhe os pássaros e os animais, não podem desistir desse ideal de preservação, porque nesses tempos conturbados, tudo se resume a um estado de necessidade. Ou mais, de sobrevivência. O mundo apequena-se. A vegetação chegou antes de nós por aqui, como copa protetora de nossa vida, de nosso bem estar e de beleza para os que querem vê-la.
Há, pois, sempre que replantar o que foi devastado e lutar contra os predadores inconsequentes, teimosamente, com paixão, pela vaidade, pela necessidade ou por ideal.

Fotos de Milton P. Martins