18/07/2010

PORTAS...(e contraditórios)

"Batei e abri-ser-vos-á" diz o evangelista Mateus, relatando o "Sermão da Montanha" (7.7).
Sou testemunha diante de mim próprio de quanto bati e quantas portas não se abriram. Talvez não devessem se abrir mesmo.


Outras, depois de tanto bater, se abriram, mas ao transpô-las não tinham mais (ou jamais tiveram) o encanto esperado. Ou por que demoraram a se abrir?
Muito bem, a porta está aberta...e agora ?
Volte quando você se vê obrigado ou convencido de que a porta escancarada - depois de tantas batidas - deve ser fechada.


Faça uma reflexão! Afinal, o que buscava?
Resigne-se com a ilusão desfeita. Há tantas outras também desfeitas! E feitas!
Agradeça reverente a graça recebida por ter conhecido o outro lado dela.
Já buscou diante de você mesmo, quais portas interiores fora capaz de abrir?
Como você se encontra nesse momento diante de seus filhos e de seus entes queridos?
Sente-se bem naqueles seus momentos, seus, ao pensar sobre isso?
Se a resposta for "sim", você tem abertas portas que talvez sequer perceba o que elas estão revelando do outro lado do trinco. A claridade que você não nota.
Responda: qual o grau de liberdade que goza? Qual o nível de compreensão que mantém com seus semelhantes? Nada fácil, hem! Qual seu engajamento no trabalho (qualquer trabalho)? Neste mundo insano e acolhedor?
Abertas essas portas, percebidas no seu encanto, no seu recanto, na sua alma, um timbre de afinidades pode apenas restar a paz mesmo que dos esquecidos ou dos poucos lembrados. Você está presente!
Não pode haver engano, porque tais revelações provêm de suas portas interiores. Estas que se abrem e fecham segundo suas necessidades, estado de espírito ou emoções. Que não iludem. Não há uma expectativa interessante de vida nalgumas delas, quando transpostas? Não há ainda algo apreciável a realizar? Não há um eco nostálgico do que foi vivido? Não há doçuras, ternuras e amarguras superadas e quase esquecidas? Aí as contradições, não?
Ó liberdade! Porta. Pensar. Busco-a.
“Buscai, e encontrareis”.

11/07/2010

ANDANÇAS PELA RUA DO PORTO

Aqui em Piracicaba, beirando o rio há um ponto turístico bem badalado: a rua do Porto. Sempre pela manhã, de domingo a domingo, quando algo diferente não se apresente, caminho por lá e no belo parque do mesmo nome ao lado perfaço meus dois quilômetros. Tudo arborizado e bem cuidado pelo que dá um astral muito próprio nessa parte da cidade

No momento em que relato isto, o rio está cheio. Transbordara havia dias pela margem esquerda, atingindo alguns restaurantes da rua do Porto.


Por aqueles dias, sai com um solzinho ralo. Nuvens pelos lados da cidade de São Pedro estavam escuras mas não achei que chovesse, pelo menos até que voltasse sempre a pé para o meu bairro, a uns dois quilômetros dali.
Desta vez pela margem direita entrei pela estradinha cercada pela mata ciliar pensando em passar pelo engenho (edificação antiga de engenho de açúcar, desapropriada pela municipalidade que a vai melhorando, tornando-a um centro cultural), mas o portão estava fechado.
Exaltando desaforos, não querendo voltar subi um barranco de 1,5 metro e cortei pela trilha na pequena área verde à esquerda. No meio daquelas árvores, mato fechado tive um lampejo de aventura, imaginem, depois de tantos anos passados, lembranças das minhas doces ilusões heroicas num barranco íngreme e alto na V. Bela em São Paulo, divisa com São Caetano pelo riacho Tamanduateí.
Parecia haver alguém à espreita esperando algum ato traiçoeiro daquele estranho por ali. Os pássaros, parece, pararam de pipiar, tornando sombria a trilhazinha. Mas, sempre um “mas”, o sinal de boas-vindas foi dado por uma borboleta amarela à minha frente, a mesma daquela que se assentara há dias em duas frutinhas vermelhas do pé de acerola no meu quintal, tomando sol, abrindo e fechando as asas delicadas.
Quando cheguei à pontezinha pênsil, perto do Mirante, para voltar pela rua do Porto, desceu o aguaceiro. Se estava um pouco nostálgico a chuva fora o alento, o encanto.
Encharcado em segundos por fora, lavado por dentro, continuei a marcha, com trovão e tudo. O vento forte sacudia as árvores, algo meio ameaçador.
Com a mesma rapidez com que veio o aguaceiro reconfortador ele se afastou dali. Os ventos o levaram. O solzinho amarelo voltou a reinar pouco depois.
Ao me aproximar do trecho da rua do Porto onde estão os restaurantes os garçons, aliviados, voltaram a arrumar as mesas preparando se para o almoço. Postas e lombos de filhote (peixe) voltaram para as grades das churrasqueiras.
Quando cruzei lá embaixo a ponte nova que leva ao meu bairro me voltei para as nuvens negras e seus seres invisíveis que rumavam lentamente ao sabor do vento para outras plagas deixando sua marca.
As Divindades Superiores em poucos minutos mostraram sua força, seu improviso e a sua inspiração. Da inspiração me assenhoreei porque há bênçãos lançadas a cada instante, mas não nos damos conta disso. Muitas vezes.

04/07/2010

FÁBULA: A VACA E O LEÃO

O pasto era como qualquer outro. A mata fora derribada pelo fogo e pela motosserra. No fundo havia uma mata fechada. O pasto era cercado, mas a cerca era frágil e já havia pequenas passagens que permitiam ir para lado da mata.
Naquele dia, vários bois e vacas velhas estavam sendo empurrados para um caminhão.
A vaca leiteira assustou-se pelo tratamento brutal dispensado aos seus semelhantes, inclusive seus descendentes já crescidos.
O pavor nos olhos deles era evidente, porque até àquela hora viviam em paz, uma vida feliz, alimentando-se do pasto abundante e da água do riacho que cruzava por ali do qual se fizera um lago.
Ouvira que todos seriam mortos e transformados em comida para os humanos. Mas, não acreditava que isso fosse possível.
Horrorizada com o que via, distraiu-se e não encontrou sua cria, um bezerrinho novinho, aquele que achava o mais bonito de todos os outros que procriara.
Precisava alimentá-lo para depois se dar à ordenha. Seu leite, ouvia, ia para todos os moradores da fazenda, inclusive das meninas da casa grande.
Então não tinha do que se preocupar com seu destino. Tinha certeza de que permaneceria na fazenda para sempre.
Todos ainda ocupados com os bois sendo empurrados para o caminhão dirigiu-se à cerca, ultrapassou-a, em busca de sua cria.
Meio confusa com o que via, aquela mata fechada, preocupada em como voltar ao pasto, voltou-se tentando achar o caminho naquele ponto da cerca no qual seria possível passar.

Não poderia ser maior o susto. À sua frente, aparecera um leão imenso, brilhante, dourado, ameaçador.
A vaca desesperada pela sua vida, tentou escapar, enroscou-se nuns galhos secos, mas o leão gritou:

- Não vou lhe fazer mal algum, fique.
Uma ordem, a vaca voltou-se e permaneceu atônita olhando para aquele leão brilhante, dourado.
- Eu só mato para me alimentar, porque assim é a minha natureza. Mas, sei que meus semelhantes criados em cativeiros autorizados, num grande país longe daqui, ao norte, são mortos e suas carnes transformadas em hambúrgueres para os humanos. Servidos com batata frita. Tal qual fazem com os de sua espécie. Muitos são os que protestam contra isso, mas isso já está acontecendo.
- Por aqui, o consumo de sua carne, prossegue o leão, se aproxima do consumo desse grande país. E quanto mais aumenta o consumo, mais pastos são criados e mais florestas são devastadas. Meus irmãos já não têm mais seu habitat e muitos outros animais também não têm. Não há tristeza maior do que vê-los num zoológico em espaços reduzidos, sonolentos e angustiados. Sem se movimentarem, sem explorar as florestas, parar num riacho e beber. E agora chegam ao ponto de nos matar para aproveitar nossa carne como alimento. Nada mais tem merecido respeito, porque o homem está em toda parte nos ameaçando, a todos e ameaçando a sua própria sobrevivência.
Sei que a barbaridade é imensa contra golfinhos, baleias e muitos outros animais desamparados e sacrificados impiedosamente.
Disse a vaca:
- Mas, aqui todos são bons para mim. As meninas da fazenda me acariciam, bebem meu leite...
- Sinto informar que o seu fim é o mesmo dos seus semelhantes que estão sendo levados da fazenda com a violência que você viu. Não se apague a eles, às meninas, não os ame porque nalgum dia você será também transportada para a morte. Sem gratidão.
- Não acredito. Eles gostam de mim e não me farão mal. Preciso sair daqui, estou procurando meu bezerrinho. É hora de sua mama.
- Vê aquelas árvores queimadas ali. Siga na sua direção e você voltará para o pasto e encontrará o seu bezerro.
Dito isso, o leão brilhante foi desaparecendo, sua luz se apagando, deixando a vaca muito assustada com o que ouvira.
Mas, tinha que alimentar a sua cria e esperar a ordenha do moço da fazenda, muito carinhoso e que falava com ela.
E pensou:
- Como não amá-los? (*)


Fotos:
(1) www.visconde-de-maua.com (pousadas)
(2) www.imotion.com.br

(*) V. Crônica com tema correlato: "O Touro manso" de 29.03.2013

27/06/2010

EU AMO TUDO ISTO!

EXPLICAÇÃO

Esta crônica foi publicada no portal “Prosa e Verso de Boteco” não faz muito. Preciso trazê-la para cá para ir centralizando tudo o que tenho escrito de bom e ruim. Há outras por aí que preciso achar.
No citado portal, esta explicação seria dispensável, porque é mais aberto, mais acessado. Nestes “Temas”, acho que a coisa fica mais reservada aos poucos leitores que me acompanham. Mas, enquanto houver um...
Pode parecer que o seu título fora inspirado numa campanha de famosa rede de fast food que não frequento e, claro, não consumo seus lanches. Nenhum.
O motorista parecia eufórico naquela manhã e se saiu com ela, essa frase, como explicado na “1ª cena”.
Na “2ª cena” me refiro no final a um restaurante-lanchonete que conheço há anos na rua de São Bento, São Paulo. De vez em quando eu passo por lá. O lanche a que me referi fora um sanduíche de queijo provolone quente com fatias imensas no pãozinho com bastante alface e rodelas de tomate no meio, muito bom.
O problema é a dose de colesterol. Juro que depois dele andei bastante pela minha destratada e querida cidade natal para queimar a gordura. Mas, não tem jeito. Sempre sobra alguma coisa e essa sobra faz crescer a elevação umbilical. Ai, ai, ai, o que fazer?


1ª cena: “Eu amo tudo isto”

Vou para uma audiência em Belo Horizonte marcada para as 09h00, início dos trabalhos. Saí de madrugada, preocupado porque minha viagem iniciada em Viracopos comportaria conexão no Rio de Janeiro. Chego meio em cima da hora no aeroporto de Confins. Se considerada a distância do centro de Belo Horizonte, realmente está ele nos confins. Alcanço o taxi. Falo de modo peremptório ao motorista:
- Olha, tenho que chegar à Justiça do Trabalho antes das nove. Você vai ter que sair pelas quebradas. Eu sei que estamos a 40 quilômetros do centro e veja a hora...
- Vai dar tempo, doutor! - respondeu com um largo sorriso.
Sujeito bem humorado! Mantive o meu mutismo, nervoso com o andar do relógio. O taxista quebra o “gelo”:
- Veja só doutor, estamos já em novembro, o tempo está passando depressa demais, não? - hoje já é quinta e daqui a pouco estaremos no Natal. Tem um cientista que diz que o tempo, por causa da poluição e das mudanças na atmosfera anda mais depressa, mas marcando o relógio a mesma hora de sempre.
- Talvez você se refira à Ressonância Schumann, disse eu impaciente. Por causa dos desarranjos ambientais, segundo essa teoria, a terra de uns anos para cá estaria em permanente taquicardia, mexendo com a velocidade do tempo do jeito que você falou. Mas, acredite se quiser...
Entramos num congestionamento terrível nas proximidades do centro. Olho para o relógio desesperado e ironizo:
- É, aqui o relógio realmente está rolando depressa demais.
- Garanto ao senhor que chegaremos a tempo, respondeu o taxista sorridente.

Retomando o assunto do tempo se esvaindo mais depressa do que no passado, ilustrei:
- Olha, o tempo pode até estar passando depressa, mas na média estamos vivendo mais, não sei se é bom ou ruim.
- Bom demais, doutor, eu amo tudo isto, respondeu dando uma arrancada e saindo à direita por uma quebrada estreita conseguindo fugir do congestionamento.
Ao me deixar na frente do prédio da Justiça do Trabalho, logo depois, antes de dar a partida, fez um sinal e gritou:
- Vou saber dessa tal “ressonância”. Até sempre.
Às 8h55 já estava no elevador da Justiça do Trabalho, lotado. Havia certo nível de tensão naqueles rostos todos. Audiência para mim é sempre um momento de tensão. Veio-me a frase do motorista:
- “Bom demais, eu amo tudo isto!”

2ª cena: “Minha idade de vida? 92 anos”

Desço tranquilo do 5° andar do Fórum João Mendes, em São Paulo. As coisas tinham caminhando bem nos meus (poucos) processos por lá e por isso havia baixado meu estágio “normal” de tensão quando da subida. Alojo-me bem na frente da porta do elevador e ouço um velhote, mas bem idoso mesmo, debatendo com outro idoso algumas questões jurídicas.


Volto-me e me surpreendo com ele, magrinho, baixo, cabelo ralos dividido no meio. No térreo não resisti:
- O senhor é advogado militante? Posso perguntar sua idade?
O velhote me olhou de alto a baixo, segurou firme a gravata verde, vacilou um pouco, respondeu:
- Sou advogado e minha idade são 92 anos.
- Mas o senhor ainda exerce a profissão?
Diante da resposta afirmativa, aquele que parecia ser seu cliente, também idoso, arrematou:
- E ele viaja para outras cidades para audiências e o que mais necessário.
Revelei minha admiração pela sua disposição para o trabalho e me envergonhei um pouco pela minha preguiça, mesmo depois de estar me aproximando das quatro décadas advogando ou indiretamente me valendo da advocacia para outros tipos de trabalho.
A advocacia é uma espécie de cachaça embora de má qualidade que vicia.
Sai para a rua de São Bento nos rumos de um velho bar para um lanche reforçado. Na frente da estação do Metrô, a uns dois passos do Largo de São Bento.
- Bom demais, eu amo tudo isto!



Fotos (from Google):
1. Fórum João Mendes (www.flickr.com)
2. Largo de São Bento (ircaldas.spaces.live.com/blog/)