16/05/2011

“POEMAS”, para não dizer que não falei... (IV)

Alguns poemas já divulgados em crônicas neste blog, escritos em épocas muito diferentes e distantes.

TEMPLO VIOLADO




Pelos recantos fechados da floresta,
Atuam Espíritos cultivando flores
O portal místico decomposto em cores,
Pelo sol enfeitado por estreitas frestas.
Um Templo sob azul e límpida nascente
Permitia saciar n'Alma adormecida,
Inspiração profunda no mundo perecida
Intuindo orações de elevação crescente.
E assim, naquele ambiente purificado
Buscavam consolo e amor, desiludidos
Palavras interiores de paz, esquecidos,
Ali o filósofo apreendia a magia do iniciado.
Haveis que instrumento de trêmulo corte,
Trepidando fio, avançando duro e feroz,
Fez do Templo nada, senão estalo atroz
Num dia em que ao céu clamou a morte.
Que delírio insano ocorrera, porém ?
Na inscrição berrante anunciava tal torpeza:
"O progresso derrotara, forte, a natureza"
Restara então, do Templo, nada mais que desdém.


NU ARTÍSTICO


Estanco na figura nua
Mulher linda, perfeita
O clamor da beleza pura
Que a refinada obra acentua.

Fixo-me nas reentrâncias
Nos picos e declives espessos
Penso num abraço
Num beijo ardente à perfeição
Mas, ela ali não vive
É pura inspiração.

Não é ela real, pois.
Uma miragem é o que vejo
O artista que a obra fez
Assim graciosa e linda
Instiga o solitário desejo.
Reajo a tal beleza inatingível
Fixando-me ainda na imagem
Vingo-me, assim, jocoso, então,
Rio de piada antiga:

Senhora com decote revelador
Lindos seios à mostra, encantos
A marca selada da mulher,
Pergunta ao dançarino fogoso:
- Sabes dizer os atributos da mulher
De que mais lindo ela tem?
- Sei-os, senhora, mas não direi...



A NOITE


A noite tudo encombre:
o sono da criança
os beijos dos amantes
o sonho da alma nobre...

A noite é decantada:
é a musa do poeta,
é o repouso da saudade,
é o descanso da passarada...

A noite é temida:
nela tristes seres cantam,
dança a deusa d’água,
triste se torna a vida...

A noite muito inspira:
escondem os namorados,
doces se tornam os lírios,
a vida em silêncio aspira...

A noite é mística:
nela os fiéis oram,
nela a esperança renasce,
nela o filósofo pratica...

A noite é estranha:
ela esconde os ódios,
encobre a beleza,
desaparece a vergonha!

A noite tudo encobre

Foto da noite, de Milton Pimentel Martins

08/05/2011

FRAGMENTOS MATERNOS

Explicação: eu escrevi uma crônica “autobiográfica” (“Fragmentos Paternos” de 13.02.20110) sobre meu pai que, para minha surpresa tem sido muito acessada. Surpresa porque há outras melhores que se perdem esquecidas nas páginas que compõem este blog. Aliás, este blog, por tudo, pelo seu resultado, é uma surpresa.


Falarei, pois, de fragmentos de minha mãe, episódios que se perdem na memória, porque o tempo implacável, como é, desbota imagens e ternuras.
Minha mãe fora criada por madrasta de quem não guardara boas recordações. Aprendera a ler praticamente sozinha, naqueles idos de educação limitada, naqueles idos em que o homem não tinha lá muitos compromissos com a formação – meu pai era guarda-livros, porém - e as mulheres menos ainda. Claro que em determinados segmentos sociais a educação era importante.
Talvez não tenha muito que contar, porque todas as mães têm aquele mesmo sentimento de amor, ainda que reservado.
Foi esse o caso dela. Sofrera demais pelo alcoolismo do meu pai – naqueles idos que alcoólatra era vadio -, houve períodos em que ela praticamente administrou a casa, entre choros e esperanças de que o marido viesse sóbrio naquela noite.
Se não viesse, sua angústia ia ao extremo, sua amargura de tantos e tantos dias, meses, anos...voltava e dava um nó na garganta mais uma vez. Dos soluços ao choro copioso.
Sua ansiedade incontida na iminência de comprar a casa onde morávamos – como relatei na crônica “Fragmentos Paternos”.
Nos bons momentos o amor estava presente.aquele sentimento de ternura revelada, sim, mas sem ser expansiva, só aparentemente distante pelos seus desgostos. Tudo isso me influenciou. Aliás, tudo isso me influenciou de um modo indelével.
Por essa ordem, eu também assim agi, de certo modo, com meus filhos e há os que reclamam.
Com minha mãe por perto tive toda a liberdade para brincar, andar descalço pelas ruas, andar de bicicleta, tomar chuva, jogar bola nos campos enlameados, fazendo química no meu “laboratório ideal”, cuidando do quati enquanto esteve aos nossos cuidados. Liberdade sem medo.
Fora ela muitas vezes chamada no colégio para ouvir recomendações e alertas da diretoria sobre minhas “aprontadas” e indisciplinas.
Mas, nada que a envergonhasse, nada.

Seus cuidados com as plantas, com os cachorros tão amorosos naquele quintal que continha além de videira num caramanchão que não dava uva, apenas uns cachinhos mirrados, também pé de tomate “japonês” e uvaia.
As bananas miúdas das bananeiras no fundo do quintal que ela convertia em bananada jamais imitada.
Que lembranças doces!
Quando mudei do ABC e ela também, com a viuvez, meus contatos, além de visitas periódicas, por anos a fio, foram aos domingos, pelo telefone.
Com o passar dos anos, ela percebeu que sua mente já não respondia ao que pretendia transmitir e isso a fez perder a vontade pela vida. Sabia tudo o que enfrentara. Pouco mais a frente deu-se seu passamento.


Uma mulher corajosa, bondosa, que faz parte da minha interioridade, da minha vida. Dona Cila.





Fotos:
(1) A avenca foi plantada por minha mãe e está conosco há cerca de 30 anos;
(2) Tempos sem registro na memória

01/05/2011

O QUE ESTOU VENDO NESTES TEMPOS DESREGRADOS

Sobre o que se passa em nossa volta neste planetinha cada vez menor já me posicionei muitas vezes.
Em pleno século XXI ainda não criou o homem juízo. Pensa em termos imediatos, promove guerras sem causa – salvo em nome do poder efêmero - destrói o planeta sem medir as consequências, ignorando o futuro dele e dos seus descendentes.
Já não bastassem semelhantes não tão semelhantes, assassinos e violadores (sociopatas criminosos)!
O predador é assim: tudo tem um valor econômico e esse valor se sobrepõe aos valores “espirituais” de uma floresta, ou de um riacho límpido. Estes não são mensuráveis. E lá se vão as margens devastadas que se deterioram nas cheias, afetando sua vazão.
Muito se devastou nos Estados Unidos. Milhares são as casas de madeira...
Entro numa igreja qualquer, aqui como lá ou na Europa e constato, no seu acabamento e nos milhares de bancos reservados aos fiéis quanto de florestas foi predada ao longo dos séculos.
Mas, é por aqui que ainda temos a grande floresta Amazônica que tal qual ação de formigas cortadeiras implacáveis vai sendo dizimada. É daquelas matas que se expande o fluxo da umidade pelo continente influenciando o próprio clima da Terra.
E o seu reservatório de água? Há os que se assustam com a conversa velada de sua internacionalização por conta da sobrevivência do planeta, num futuro. Essa revolução pode amadurecer à medida que aumentarem os desertos e se dê a escassez de água em regiões maiores.
Bem, é como somos irresponsáveis no cuidar desses recursos, como se fossem estrume de gado e não essenciais à vida!
Aumentam os desastres naturais não só aqui nestas terras mas no planeta e se fossem enxergados não como "causas naturais”, mas aquela questão de "causa e efeito", a mão do homem e sua insanidade inconsequente seriam identificadas na maioria dos casos.
Mas, quem nisso acredita?

Um poema, mesmo sem rima como é o caso desse abaixo, tem a virtude de permitir a inserção de simbolismos, numa medida importante – na denominada liberdade poética - embora possa exigir alguma reflexão do esforçado leitor. Chamarei de

TORMENTAS










Deparo-me inebriado
Na fronte da orquídea multicolor
Desligo-me do meu tempo
Do que me afronta o mundo,
Sinto elementos sutis, superiores
A contemplar – e contemplo!
Por um instante, uma fração
Sou sacudido por estampido
Há algo de tenebroso acontecido...
Volto-me para o alto – céu límpido
Não há tormentas anunciadas
Pássaros esvoaçam, me acalmam,
Cheiro de enxofre e dor se expandem no ar
Logo adormeço no pesadelo que vivo,
Deu-se a derribada da velha paineira


Florida e chorosa


Deu-se um tiro no peito do seu algoz
Que tomba no instante do estampido
No chão, no choro misturam-se sangue e resina
Mistura de dor e ódio!
O que mais terei que ver?
Nestes tempos dolorosos?
Serei um desiludido pessimista?
Ou um alienígena no meu tempo?
Não sei, volto-me para a orquídea
Linda, irradiando beijos
Tento esquecer o instante do mundo
Mas, ele está logo aqui, agora
Envolto na orquídea,
Envolto em mim!

24/04/2011

DA VAIDADE AO PÓ (Reflexões sobre a "terra prometida")


"E disse-lhe o Senhor. Esta é a terra de que jurei a Abraão, Isaque e Jacó, dizendo: A tua semente a darei: mostro-ta para a veres com os teus olhos, porém para lá não passarás.
Assim, morreu ali Moisés, servo do Senhor, na terra de Moabe, conforme ao dito do Senhor,
E o sepultou num vale, na terra de Moabe, defronte de Bete-Peor, e ninguém tem sabido até hoje a sua sepultura" (Deut. 34, 4,6)


Efetivamente, no que concerne a mim, não sou alguém religioso no sentido tradicional. Mas, por vezes, me assaltam algumas indagações.
Eis que, rodando ao acaso o controle remoto da televisão, assisti às cenas finais de um filme em que era encenada a morte de Moisés que, diante do comando de Deus, teria mesmo se irritado com Ele –“cruel” -, atitude que parece ser fantasiosa à luz do relato bíblico. A abertura destas reflexões narram o fim de Moisés, assim decidido por Deus porque ele "prevaricara", segundo a Bíblia.
Ocorreu-me, então, melhor refletir sobre essa passagem bíblica.
Com efeito, ao longo de nossa vida, deparamo-nos com pessoas especiais que fazem diferença no mundo, com tarefas exemplares realizadas em prol dos semelhantes, outras com idéias beneficamente influentes e que, por uma contingência qualquer ou naturalmente, morrem abruptamente.
Deixam inacabadas as grandes obras começadas ou permanecem indeléveis na memória de todos, por tudo o que fizeram ou que pensaram e transmitiram. Seu passamento gera, às vezes, grandes comoções coletivas. As pessoas de um modo geral, têm a sensação de perda, decorrendo daí aqueles comentários chavões, mas nem por isso insinceros: "o mundo ficou mais pobre com a morte de fulano"; "foi-se fulano, ficaram as obras". E assim por diante.
Cada um que, neste instante, se puser a pensar, encontrara alguém com esse qualificativo cujo passamento gerou alguma ou muita emoção.
E essas perdas de valores humanos, a obra inacabada que deixam, tornam "injusta" a morte, dolorosa, pranteada.
Mas, certamente, toda obra, por menor que seja, deixa alguma lição: o pai transmite ao filho lições de solidariedade, o filantropo por seus atos desprendidos de caridade, de resignação que um modesto servidor dá a cada dia na execução de seu trabalho mais humilde, pelas palavras de encorajamento que alguém proferiu para amenizar a angustia do amigo...
E apesar de tudo, muitas dessas pessoas que fazem diferença, acabam por não ver a "terra prometida" e desaparecem da vida como que por encanto e, a maioria delas, no pó, acaba sendo mesmo esquecida e "ninguém mais saberá de sua sepultura".
Que é conscientemente difícil aceitar esse "jogo da vida", não tenho a menor dúvida.
Mas, não teria a passagem bíblica relatando a morte de Moisés antes que pudesse adentrar à "terra prometida" também esse significado ? De que de nossas obras, grande ou pequenas, ficam as sementes para serem plantadas ou usufruídas num processo permanente de renovação, pelos nossos descendentes ou pelos nossos semelhantes para continuá-la ?
Moisés, que tanto fizera pelo seu povo, fora privado de adentrar à terra prometida, embora lhe fosse dado vê-la, "apenas" porque prevaricara perante Deus.
E isso com Moisés. Quanto a nós, qual o grau de prevaricação que temos perante Ele?
Eis porque, mesmo para as figuras humanas luminares de nossos dias e de todos os tempos, muitas não ficam para ver o resultado final de sua obra, isto é, não chegam até à "terra prometida", sequer a vêem, a virtual recompensa que poderia advir pelo esforço empreendido.
Talvez porque tudo por aqui seja "vaidade de vaidade".
Até para Moisés isso fora demonstrado, aparentemente por um capricho de Deus. Porque os exemplos e as obras ficam para a posteridade, tal qual sementes plantadas. E ao germinarem, não necessariamente será identificado ou lembrado o semeador.

Uma contradição que constatei? Sintetizada nestas linhas extraídas de poema:

"Da mais humilde à mais soberba criatura
A vaidade impulsiona o mundo, porém
Mas, no fim, nada restará senão o pó, o além...”



Foto: A “mão de Deus” sobre a cidade minúscula, “ameaçada” (ou protegida?) pela tormenta que chega (Foto de Milton Pimentel Martins – v. Galeria Mirtão no Flickr)