23/05/2014

REGISTROS

Esperanças que não morrem

Nestes tempos conturbados, tempos das angústias e de dúvidas, da violência e da crueldade, da degradação ambiental e da desesperança que assalta a alma de tantos, selecionei um pequeno texto de página de Fiódor DOSTOIÉVSKI, de sua obra "Recordações da Casa dos Mortos" que explana sobre lições de esperança de presos isolados e sem esperança de liberdade, porém, numa prisão na Sibéria, naquele seu tempo:

Animais de toda Terra, uni-vos

Nas redes sociais não são poucos os aficionados em defesa dos animais que para impressionar divulgam fotos dolorosas da prática de crueldade contra os animais indefesos que, na sua “consciência”, a maioria está ansiosa por amar e ser amada pelo deus homo sapiens.

Na década de 20, Monteiro Lobato, tudo indica que inspirado no Manifesto Comunista de Karl Marx e Friedrich Engel de 1847/1848 (“Proletários de todos os países, uni-vos”) nas páginas de sua obra “Onda Verde” proclamou ele, não sem antes apontar a crueldade contra os animais, um “manifesto animal” com este apelo:

“Animais  todos da Terra, basta de submissão! Uni-vos.” 

O "manifesto" animal de Lobato:


Informação que não disponho é se Lobato só ficou no “manifesto animal” ou se foi além disso na proteção aos bichos

Glossário - palavras no texto de Lobato:

Mundéu: armadilha de caça;
Glabro: sem pelos;
Calceta: espécie de grilhões que controlam o movimento do preso;
Torquemada, Tomás de  - O Grande Inquisidor nos reinos de Castela e Aragão no século XV;
Prometeu: na mitologia grega, um semideus. Punido por Zeus, por dele ter roubado o fogo e dar aos mortais. Por isso foi castigado, amarrado numa pedra, durante o dia uma grande águia comia o seu fígado que voltava a crescer no dia seguinte.


Os tempos se foram

No ano ‘X DC’ trabalhei na então denominada “Scania Vabis”, empresa sueca anos a frente em termos de relações humanas e ambiente de trabalho. Lá no Ipiranga - SP, a empresa possuía apenas um telefone e, por essa limitação, a maioria dos contatos com a matriz (Södertälje) se dava por telegrama e correios sem sedex. 

Comunicações precárias naqueles idos de Brasil atrasado, também confuso e repleto de movimentos sindicais e greve. Por esses ingredientes, à medida que a autoridade oficial se perdia na indecisão ou era sabotada, deu-se o golpe militar de 1964, a bem dizer muito comemorado pela classe média. Não só por ela, é sempre bom que se diga, porque anos depois viriam vozes que o condenaram mas que se mantiveram, então, num engajamento de alívio e apoio.

A fábrica sueca ficava na rua Guamiranga – Ipiranga, nas proximidades da então estação Vemag (hoje Tamanduateí) da CPTM (antiga Santos a Jundiaí).

Os caminhões Scania Vabis da própria fábrica pela sua altura muitas vezes foram a salvação nas enchentes frequentes por ali naqueles idos, para todos aqueles que precisavam sair da fábrica e chegar até a estação de trem. Quanto fiz isso!


A fábrica Vemag, na rua Vemag – nome mantido até hoje no Ipiranga / Sacoman - com muita relação industrial com a Scania Vabis era bem perto, vizinha, tudo próximo. A Vemag desde 1958 fabricava os veículos 'brasileiros'  DKW. 

 O meu sonho era um dia adquirir o jipinho “Candango” porque andava muito e muitas vezes, como passageiro fui ao centro de São Paulo. 

 
Não teria como comprar. Sempre quis um jeep, nunca tive. Um brinquedo com o qual não consegui brincar. 

Os veículos da Vemag desapareceram. A fábrica e tudo o mais foi comprado pela Volkswagen em 1967, claro, aquela linha de carros não poderia continuar. (*)

A linha de veículos da Vemag:
 


Afinal, diziam, era uma mecânica obsoleta e o fusca era o fusca. Sei não.

Já disse alhures que naqueles tempos quem tinha um fusca era “rei”.

Os tempos se foram e eles deixaram o passado pelo caminho.


(*) Tive essa experiência de “esvaziamento” profissional quando, na década de 80 a VW comprou as instalações da Chrysler de São Bernardo do Campo e Santo André, encerrando a produção da linha Dodge, inclusive do Polara, excelente carro 1.8.



 





01/05/2014

O SENTIDO DO 1° DE MAIO


Há uma conjugação de episódios que resultaram no feriado do 1° de Maio cuja origem remonta a uma greve operária havida em Chicago, Estados Unidos, no final do século 19. Fora ela deflagrada tendo como inspiração a conquista da jornada de oito horas de trabalho.




Compulsando o periódico “A Voz do Trabalhador”, publicação do início do século passado, órgão oficial da Federação Operária Brasileira, Rio de Janeiro, edição de 1° de maio de 1915, há uma matéria que trata dos “antecedentes” da referida data.

Revela o periódico que entre 1833 e 1834, na Inglaterra, essa aspiração já eclodira com movimentos de diversas categorias, eis que as condições de trabalho eram desumanas, com extensas jornadas diárias.

Fora lembrado pelo citado periódico o “grande socialista” inglês, Robert Owen que explicava, entre outros motivos, o porquê da necessidade da jornada de oito horas:

“Porque é a mais longa duração do trabalho que a espécie humana – calculado pelo vigor médio e concedendo aos fracos o mesmo direito à vida que aos fortes – pode suportar, sem prejuízo para a saúde, conservando os homens inteligentes e felizes;”

E também:

“Porque oito horas e uma boa organização de trabalho podem criar uma superabundância de riquezas para todos;”

E sem faltar com a esperança utópica:

“Porque o verdadeiro interesse de cada um é que todos os seres humanos sejam inteligentes, de boa saúde, contentes e ricos.”

O quadro subumano das condições de trabalho resultaria, 13 anos depois, em 1847, no “Manifesto Comunista” de Karl Marx e Friedrich Engels, que influenciaria os movimentos operários a a par de sacudir a sociedade que entre outros ordenamentos proclamava:

“Os comunistas não se rebaixam a dissimular suas opiniões e seus fins. Proclamam abertamente que seus objetivos só podem ser alcançados pela derrubada violenta de toda a ordem social existente. Que as classes dominantes temam à ideia de uma revolução comunista! Os proletários nada têm a perder a não ser suas cadeias. Têm um mundo a ganhar.”

E o “grito” célebre: “Proletários de todos os paises, uni-vos.”

Mantidas as condições adversas de trabalho, deflagra-se a greve em Chicago precedida de intensa campanha objetivando exatamente a obtenção da jornada de oito horas. Data: 1° de maio de 1886.

Alguns patrões, antecipando-se ao movimento, fizeram a concessão. A manifestação se concentrava na praça Haymarket ("mercado do feno"). A adesão era forte provocando a repressão policial. No dia 4, a concentração de trabalhadores se dera exatamente para protestar contra a truculência policial. No confronto que se anunciava, explodiu uma bomba no meio policial, fatal para uma dezena deles.

A reação fora violenta, fazendo dezenas de vítimas entre os grevistas. Identificados os principais líderes, cinco foram condenados à morte. Quatro foram executados em 11 de novembro de 1887, havendo um suicídio. Outros três foram condenados a trabalhos forçados.

Havia dúvidas, porém, quanto aos verdadeiros autores do atentado que vitimara os policiais. Havia radicais infiltrados. Por isso, revelaria a “Voz do Trabalhador”, de 1913:

“Em 1893, o governador do Estado de Illinois levou a cabo uma revisão do processo. Resultado, todos aqueles oito homens eram inocentes. Os três que estavam presos foram postos em liberdade. E os outros cinco...ah! estes estavam mortos...não havia mais remédio.”

Poucos anos depois, o 1° de maio passou a ser guardado como data emblemática de luta, de sacrifício, de luto. Pelas oito horas. O Dia do Trabalho.

Nos Estados Unidos, compreensível (!?), o Dia do Trabalho não é comemorado no dia 1° de maio, mas na primeira segunda-feira de setembro. Isso desde 1884, segundo revelações históricas nada claras, sintomaticamente antes dos eventos de Chicago que ocorreram em 1886.

Há, porém, entidades sindicais americanas que contestam essa data, acentuando que o verdadeiro Dia do Trabalho é o 1° de Maio.

E como seria comemorado o Dia do Trabalho?

A rigorosa Federação Operária Brasileira, a contragosto não escondia, já em 1909, na edição de “A Voz do Trabalhador”, um encaminhamento festivo que começava a ser dado à data:

“Todos gritam contra a festa e a maioria aprova-a. Muitos tomam parte ativa na sua organização, embora julgando que não tem razão de ser. (...) Por isso, amigos, gritemos menos contra o caráter de festa que, com a nossa aquiescência toma o 1° de Maio, e trabalhemos mais por dar-lhe o caráter de protesto que afirmamos dever ser”.

E nessa linha, transcrevia, como muitas vezes fez, o “Hino Primeiro de Maio”, cuja primeira estrofe é a seguinte:

“Vem, ó Maio, saúdam-te os povos,

em ti colhemos viril confiança;

vem trazer-nos cerúlea (*) bonança,

vem, ó Maio, trazer-nos, dias novos.”

Entre nós, no tocante à jornada de oito horas, em 1902, os socialistas reunidos em São Paulo, propugnavam:

“Exercer pressão constante do trabalho sobre o capital, para que se consiga a limitação das horas de trabalho e que as greves dos operários venham a ser reguladoras do aumento de seus ordenados e das conquistas dos seus direitos sociais.”

Foram muitos os movimentos operários na busca das oito horas. Em 1917, em São Paulo, os operários de diversas categorias fizeram greve severa com resultado parcial porque muitos empresários premidos pelo movimento fizeram concessões para depois voltarem à prática anterior.

E como estamos hoje?

A velha CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, em muitos bolsões ainda é uma aspiração, há a prática do trabalho escravo em alguns rincões e os sindicatos sustentam-se mamando nas gordas tetas da contribuição sindical, dinheiro fácil que incentiva a constituição de milhares de entidades pelegas.

Mas, para meu consolo, para sustentar todo o aparato e mordomias dessa “pelegada”, esses sindicatos de carimbo e assemelhados oferecem alguns empregos.


(*) Cerúleo: da cor do céu.


Imagem: "Operários" quadro (1933) de Tarsila do Amaral

12/04/2014

SOBRE FLORES E IMPRESSÕES IMPRECISAS E NEM TANTO

Nesta crônica falo de uma flor (Chanana) da beleza das crianças (que depois crescem!), trecho da “Onda Verde” obra de Monteiro Lobato e o Comer Carne numa visão da comunicação entre os animais e a sua alma.

SOU A (XA) CHANANA
Sou semeada pelo vento

Floresço em espaços pequenos

Nas frestas das calçadas e guias

Nos terrenos baldios e mal cuidados

De repente, estou em todos os cantos

Minhas flores atraem abelhas

Minhas folhas têm propriedades medicinais

Sob o sol, sob a chuva

Protejam-me, cuidem de minha fragilidade

Sou a (xa) chanana, a flor-guarujá, tantos nomes.

Sou a bela, sou a humildade.



FRASES QUE NÃO CALAM
Há muito, estou numa pizzaria de São Caetano do Sul – o velho Bar Brasil, ainda lá está? – e espero a minha encomenda. Comigo um negrão meio armário, no balcão, como uma cerveja já na meia garrafa.

Crianças entre seus quatro ou cinco anos fazem aqueles ruídos muito próprios, um saltita, o outro grita, e outros ainda falam frases desconexas que só eles entendem. Aquelas vozinhas.

Digo para o meu amigo:

- Olha que beleza essa reunião!

E ele me responde não sem um timbre de ironia:

- São lindos, mesmo, pena que cresçam...e fiquem que nem [tal qual] nós.

Quietamente concordei pelos grilos que me assediavam...


ONDA VERDE” TRECHO REVELADOR DE MONTEIRO LOBATO
Em 1920 Monteiro Lobato escreveu o livro “Onda Verde”. Faz ele referência ao plantio do café no Estado de São Paulo e o modo como o "mataréu virgem" foi derribado para que florescessem os cafezais:

Rasgara-o a facão o bandeirante antigo, por meio de picadas; o bandeirante moderno, machado ao ombro e facho incendiário na mão [sempre o fogo!] vinha agora não penetrá-lo mas destruí-lo.

É a “alma fria do paulista”, como se referiu Lobato, devastando a mata para o plantio dos cafezais, “árvore que dá ouro”:

Para ver estadeada (ostentando) ante os olhos a sua beleza – coisa nova no mundo e criação genuinamente local – derrubou, roçou e queimou a maravilhosa vestimenta verde do oásis. Desfez em decênios a obra prima que a natureza vinha compondo desde a infância da terra.

Confessemos, um espetáculo vale outro. (!)

Nada mais soberbo - e nada desculpa tanto o orgulho paulista – do que o mar de cafeeiros em linha, postos em substituição da floresta nativa.

A devastação das matas em São Paulo para garantia do “orgulho paulista” se fez não só a poder do machado, mas do fogo, nesse processo antiecológico já muito antigo. Hoje, no Estado, há outra lavoura “estéril”, a cana de açúcar.

E raras árvores no entorno dessas plantações como tênue [ou nenhuma] compensação.

Mas, com a quebra das matas, essas lavouras hoje cobram, na sua parcela de responsabilidade a preocupante mudança climática [a quentura do clima] que vemos crescer no dia a dia e começando a afetar a vida de todos.

Hoje, na mesma linha, as imensas áreas de plantio de soja que também derrubaram florestas, mais os pastos, o gado.

É a receita para a catástrofe que vem sendo fermentada por esses cegos mentais: os orgulhosos, não só paulistas.



O COMER CARNE
No “O Livro dos Espíritos” de Allan Kardec à pergunta 594, sobre a linguagem dos animais, a resposta do espírito:

Se pensais numa linguagem formada por palavras e sílabas, não; mas num meio de se comunicar entre si, sim. Eles dizem uns aos outros muito mais coisas que podeis imaginar, mas sua linguagem, assim como suas ideias, são limitadas às suas necessidades.

Fico meditando no imenso sofrimento que se dá na comunicação entre os animais na hora da crueldade e do abate naquele ambiente medonho dos matadouros.
Mas, ainda não tenho uma solução 'psíquica' para a imensa procriação desses animais brutalizados nos matadouros ainda que incentivada [nesses pastos imensos] para o lucro, antes de tudo.
O livro também se refere à alma dos animais (pergunta 598) e se conserva ela, a alma, a individualidade e a consciência de si mesma, após a morte:

Sua individualidade, sim, mas não a consciência de seu eu. A vida inteligente permanece em estado latente.

A despeito da alma dos animais o consumo de carne deve se dar “segundo o que exige seu organismo” (do homem), porque

(...) Em sua constituição física, a carne nutre a carne, do contrário o homem perece. A lei da conservação torna um dever, para o homem, manter as energias e a saúde para o cumprimento da lei do trabalho. (Pergunta 723).

Mas, ali está a ressalva, o alimento “segundo o que exige seu organismo”.

E o organismo do homem precisa da carne?

Hoje são muitos os que negam. E não a comem.

No livro “Conceito Rosacruz do Cosmos” de Max Heinde, esse autor místico afirma que a dieta vegetariana exige menos energia para ser assimilada pelo organismo e assim,

Por tal razão a energia obtida de uma dieta vegetariana ou de frutas é muito mais duradoura do que a derivada de uma dieta de carne, além de permitir comer-se com menos frequência.

O Livro dos Espíritos” reconhece a existência da alma dos animais. Na obra Heindel ao comer carne ele assim se refere à alma do animal abatido:

(...) Há uma alma celular individual, que é compenetrada pelas paixões e desejos do animal. É preciso uma energia considerável primeiro para dominá-la, depois para assimilá-la, e ainda assim não se incorpora totalmente ao sistema do corpo... o que não se dá com os vegetais.

Paixões e desejos do animal: com o poder de comunicação e sentimento entre eles quais toxinas do sofrimento, da dor e da morte violenta impregnam em seu corpo antes e durante o sacrifício?

Pintura: 
"No cafezal", 1930. Obra de Georgina de Albuquerque (Pinacoteca de São Paulo) 

Crônicas relacionadas ao tema:

"Renúncia à carne" de 03.03.2009
"Fábula: a vaca e o leão" de 07.07.2010
"Resenha ecológica e ambiental" de 10.12.2013