15/11/2009

ÉVORA E SEUS ENCANTOS


Tenho Portugal comigo com muito carinho. Não sei se pela língua ou por gestos educados que recebi nas duas vezes que lá estive.
Quando se faz uma viagem ao exterior e se escreve impressões sobre determinada cidade ou país, são como retratos instantâneos. Tudo pode mudar no dia seguinte. Évora me marcou muito e explico nestas linhas

Évora, olhando-se o mapa de Portugal, fica a direita de Lisboa, um pouco mais ao sul. Não dá, de ônibus, duas horas de viagem. O país é pequeno significando que lugar algum é muito longe.









Cidade pitoresca de “terras lusitanas”, cheia de monumentos históricos, bastando citar que ali remanesce, construído no século II, pelos romanos, ruínas dum templo à deusa Diana.

É a cidade cercada por muralhas, estas construídas entre os séculos XI e XII.
A visitação aos inumeráveis monumentos é até fácil pela proximidade entre eles.
Limito-me, porém, a dois: a igreja de São Francisco e a “Capela dos Ossos” (sob outro enfoque, já me vali das informações ali colhidas em outra crônica – “Dos sem religião” de 27.02.2009):
Tenho certa admiração pelo santo que dá nome à igreja. Na sua entrada, numa pequena placa, lê-se a seguinte mensagem escrita por Santa Tereza de Jesus:

“Nada te perturbe,
Nada te espante
Tudo passa
Deus não muda e a paciência tudo alcança
Quem Deus tem, nada lhe falta
Só Deus basta.”

Não sei se, motivado por essa “recepção”, o caso é que, chegando à sacristia – não havia ninguém – tive aquela sensação muito comum quando damos um vexame, enrubescendo o rosto. Essa eclosão fora inspiradora, algo parecido com o que sentira quando, havia poucos anos, visitara o túmulo do santo em Assis, na Itália.
Saí da igreja ainda com aquela sensação e, ao lado, entro na “Capela dos Ossos, construída por franciscanos no século XVI na qual, nas paredes internas, estão incrustados cinco mil crânios humanos e, nos pilares, por ossos dos membros inferiores. Todos esses ossos foram obtidos em cemitérios precários que existiam ao lado de diversas igrejas.

E no pórtico, no alto, se lê: “Nós ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos”.

Claro que tal capela constitui-se numa evocação anti-vaidade, em linha com o que praticara e pregara até exacerbadamente São Francisco já que, no final, tudo se reduz ao pó para não dizer, ossos. Tal pode ser meio macabro, mas é, sem dúvida, uma sacudida pró humildade. Os ossos lá estão...
Évora, pela sua “idade” tem, também, suas vielas estreitas e desertas.
Numa delas, arriscamos um restaurante simples, descoberto ao acaso, numa quebrada, uma placa indicativa mal escrita. No seu interior, baixa iluminação, muito própria de filmes “noir”, mesas de madeira escurecidas. Serviço aceitável. De entrada um vegetal temperado com puríssimo azeite de oliva. Pareciam grandes feijões verdes. Eram favas. Fui...
Daí, seguindo por aquelas ruelas, chega-se à praça do Giraldo, a principal da cidade, movimentada, turistas usufruindo das mesas no centro dela. Idosos, muitos, relaxavam e falavam nas velhas edificações do outro lado.

Relata o escritor Laurentino Gomes, no seu best seller “1808” que em Évora, as forças de Napoleão praticaram “duríssima repressão”, diante da resistência inútil dos seus moradores aos avanços das tropas comandadas pelo general Loison: “Homens, mulheres, crianças e velhos foram caçados sem dó nem piedade pelas ruas, que ficaram banhadas com o sangue de mais de 2000 mortos numa única tarde.”

Bastara descer uma ladeira qualquer e voltamos à rodoviária. Não me lembro no caminho de ter encontrado qualquer transeunte em toda sua extensão.
Na rodoviária, modesta, os banheiros eram vergonhosos. Bacias turcas imundas afastavam inapelavelmente homens e mulheres de seu uso. Aliás, na Europa, na média, não são os sanitários muito promissores até mesmo nos pontos turísticos bastante visitados.
O que ficou de Évora, porém, foi aquela sensação de paz, algo das vibrações que talvez a história, os seus mortos e o clima evoquem de modo imperceptível, mas que de alguma maneira são captadas pela mente desarmada. Sutilmente.

(Na crônica de 14.06.2009 escrevi sobre Coimbra, a Universidade e D. Diniz)

GIRALDO EM ÉVORA
(Grafia original)

"Foi esta Cidade conquistada aos Mouros...e no ano de 1166 a recuperou um nobre Cavaleiro…chamado Giraldo sem Pavor…e alguns deliquentes, com os quais vivia na serra de Montemuro, exercendo latrocínios, que por serem em forma de guerra, ficavão menos indecorosos.
…e estando perto da Torre da Atalaya se adiantou mais dos seus companheiros… Foy subindo Giraldo pela parede…chegou ao alto , e lançou a Moura abaixo, e entrando na torre degolou o Mouro…e trouxe a sua cabeça com a da filha a seus companheiros, que foi bom prognostico da vitoria, que depois alcançarão.
…um homem a cavallo…armado todo com uma espada nua em uma mão, e na outra duas cabeças de homem, e mulher, aludindo a esta façanha de Giraldo, donde teve principio sua restauração, e liberdade."

P. António Carvalho da Costa
COROGRAFIA PORTUGUEZA
Tomo Segundo 1708

Fotos pessoais:

1. Praça do Giraldo - Évora
2. Capela dos Ossos - Visão interna: as paredes porosas são constituídas de crânios e ossos

Um comentário:

Caio Martins disse...

Descrição e narrativa impecáveis. São difíceis, por documentais. A liberdade da crônica, poesia, romance ou do conto têm, na liberdade literária, explicação para quaisquer "invencionices", criatividade.

As duas primeiras, não. Exigem a responsabilidade, do historiador, de trazer realidades e retratos à mente com integridade. Parabéns.