18/04/2010

SILÊNCIOS

Esclarecimentos


Tenho postado aqui crônicas que falam de animais, vegetarianismo, de sensações incomuns, de sensibilidades, de experiências pessoais gratificantes ou não e até de ternuras.
Gostaria de alertar que esse é o meu perfil ideal, aquela veia que tenta encobrir ou superar o meu perfil real: tenho fama de “pavio curto” (agora nem tanto), tenso e impaciente. Por força de minha profissão que exerço há décadas há casos em que me obrigo a ser implacável e “imperdoável”.
Não sou criminalista, mas acompanhei casos à distância. Alguns episódios são crônicas reais que revelam faces do submundo.
Eis que de repente publico uma delas. Espero que não afugente os que me acompanham.
Essa crônica abaixo, já foi postada, não faz muito no blog “Prosa e Verso de Boteco” (http://prosaeversodeboteco.zip.net/). Eu a republico, agora, aqui, como uma forma de reforçar aquele "perfil ideal” que, quem sabe, vá ajudando a superar o meu perfil “real”. Sabem, essas questões de “ternura”, “apreço” e quejandos?



PÁSSAROS COMILÕES

Manhã de domingo, horário novo, verdadeiro, volto mais cansado do que o normal de minhas andanças dominicais de uma hora e tanto. No parque da rua do Porto em Piracicaba.
É que, no Carnaval, principalmente na terça-feira, fui subjugado por uma gripe violenta. Há sequelas, ainda. Minha filha me diz ao fone que é coisa de velho. Reajo – velho não, jamais; antigo, sim! Ao fundo ouço aqueles ruidinhos enternecedores próprios de bebezinhos. Eram as gêmeas, agarradas, reclamando sua atenção.
Acomodo-me na minha poltrona favorita, ou única no meu pequeno escritório aqui de casa.
Antes, bem cedo, como que anunciado o fim do horário de verão, maritacas barulhentas empoleiradas no coqueiro ao lado do quarto, emitiam aquele som muito próprio delas, agudo, alto.
Baixa o silêncio total nas redondezas.
Da janela fixo-me nos movimentos dos passarinhos que avançam sobre cuias de mamão e bananas sobre o muro, que diariamente lhes são garantidas. Deliciam-se, afoitos, disputam, derrubam as frutas e quando me percebem espiando esvoaçam...fogem, mas voltam dali a pouco. Não que eu tenha feito qualquer movimento para espantá-los. Erguem a cabecinha, reviram-na a quase 180º e aqueles olhinhos tentam divisar algum inimigo, alguma ameaça. São as graças divinas. Por perto só eu que os amo, mas eles não acreditam nisso. Desconfiam, porque têm razões para desconfiar.

Uma tarde flagrei um papagaio também avançando sobre os restos de frutas que sobraram. Nunca vi ave tão colorida e brilhante. Infelizmente não voltou mais.


São nesses momentos que me volto para o que fui, para o que sou e o que deixei de ser, embora quisesse e, afinal, o que me resta?
Com todas as atribulações, meditando sobre os encantos e desencantos da profissão que exerço não por diletantismo, na fuga de um passarinho azulzinho, a resposta sutil me veio de não sei de onde:
- Te resta ser feliz, ô meu!

(“Ser feliz”, sem pessimismos e sob risco de cair no lugar comum, está muito difícil neste mundo de hoje, com tantas desgraças, tantas tragédias, tantas catástrofes e tantas ameaças diárias; essa relatividade já tentei demonstrar numa velha crônica, aqui postada há pouco, “Conceito de felicidade” em 17.01.2010)


Foto: “Papagaios empoleirados num fio elétrico”, de Eduardo Pimentel Martins extraída de filmagem em Extrema – Sul de Minas.

2 comentários:

Caio Martins disse...

M'rmão, somos de uma geração que lutou, cada um a seu modo e jeito, por um mundo melhor. E continuamos e continuaremos. É o que nos faz felizes, tanto nos melhores, quanto nos piores momentos.

Forte abraço.

Ivana Maria disse...

Sim, amigo, é dificílimo ser feliz num mundo mergulhado em tragédias, violência e desgraças.
Mas deixe aflorar mais vezes seu perfil ideal para deleite de seus leitores. Estará colaborando para melhorar a egrégora do mundo.

abrs
Ivana Negri